Vício Inerente - Review

Dope Detective Fiction

Durante minha experiência com Vício Inerente, foi impossível não pensar em videogames. Mas não consegui relacionar nada a um jogo específico, a não ser algumas poucas cenas que poderiam estar facilmente em algum Grand Theft Auto. Além disso, não existe nenhum GTA ambientado na década de 1970 como o novo filme do diretor Paul Thomas Anderson. Ou eu estava alucinando, como o protagonista interpretado por Joaquin Phoenix. Ou eu estava chegando lentamente à melhor conclusão possível sobre Vício Inerente -- esse é o tipo de filme que merecia virar um game.

Mas como pensar em Vício Inerente como um excelente videogame moderno se o primeiro tiro de revólver só acontece a partir da segunda hora de história? Porque este é um tipo interessante de thriller policial que não precisa fazer uso de violência gráfica para passar o recado e perturbar o espectador. Aliás, a sensação de incomodo é constante, não apenas pelo que acontece na tela, mas por o que não acontece. Parece que algo pode dar errado a qualquer momento. Ou deve ser a sensação de estar perdendo algum detalhe importante pelo caminho. Felizmente, Vício Inerente não precisa explicar muito nem exibir conteúdo explícito para passar sua mensagem. O segredo está na direção precisa e ensolarada de Paul Thomas Anderson.

A trama é ambientada em 1970, em uma versão exagerada de Los Angeles onde o padrão é ser anormal, e as figuras caricatas parecem saídas de um videogame adulto, ou de uma viagem de drogas, que é o que acaba sendo mais o caso. O "vício" do título não se refere a narcóticos, mas a uma expressão usada por empresas de seguros para definir a tendência de um objeto se deteriorar sozinho. Mas vício é também o que motiva todos os personagens, cada um a sua maneira.

Para se ter uma ideia, o Doc Sportello de Joaquin Phoenix não consegue passar mais de duas cenas seguidas sem fumar um baseado. Talvez as pessoas que ele encontra por seu caminho possuam uma natureza tão surreal justamente porque enxergamos a narrativa pela visão entorpecida do protagonista. Dá até para questionar se Sortilège, a narradora da trama e melhor amiga de Doc, realmente existe ou é só a personificação de uma voz que insiste em não sair de sua cabeça.

Explicar a trama básica de Vício Inerente é inútil, porque talvez ela não sirva para ser explicada ou compreendida por completo. O filme mostra as desventuras esfumaçadas de Doc em uma busca por pessoas e respostas, desvendando uma conspiração que envolve cartéis internacionais de drogas, a alta sociedade californiana e o submundo da lei. Fatos, informações e novos personagens vão se empilhando cena a cena, muitas vezes sem levar a lugar algum. São vozes, gostos, sensações e questionamentos que surgem quase sem critério, com efeitos potencializados pelas substâncias que passam pelo caminho de Doc.

Joaquin Phoenix se supera no papel principal, e parece ter nascido para viver o antiherói de pés sujos, eternamente lesado e de bom coração. Para a sorte dele, o time de coadjuvantes ajuda a impulsionar a atuação apaixonada -- que incrivelmente foi esquecida pelo Oscar --, com belas aparições de Josh Brolin, Owen Wilson, Benicio del Toro, Reese Whiterspoon, Martin Short e Maya Rudolph (que é casada com Paul Thomas Anderson), cada um bizarro a sua maneira.

Mas não são só figuras de videogame e ótimas atuações que sustentam Vício Inerente. Além de dirigir e adaptar o livro original de Thoman Pynchon, Paul Thomas Anderson foi capaz de se reinventar sem perder a conexão com sua essência. Há um pouco de cada trabalho dele em Vício Inerente -- o colorido setentista e os planos-sequência de Boogie Nights (1998), os exageros psicológicos de Magnolia (1999) e a exuberância de tomadas de Sangue Negro (2007). Ao mesmo tempo, é um produto que parece único na filmografia de Anderson, o que faz dele um cineasta de personalidade que coleciona várias facetas e não tem medo de sair da zona de conforto. Felizmente, aqui ele não erra a mão. Apesar de difícil de ser absorvido, Vício Inerente é ótimo de ser consumido, e as duas horas e meia passam voando, deixando um monte de questões soltas e sem solução.

Vício Inerente é inegavelmente um filme sobre drogas, mas elas são um mero recurso a mais que não determina o espírito do filme. Ao mesmo tempo, é uma viagem alucinada que não depende de clichês técnicos, como cores exageradas, panoramas esfumaçados e trilha sonora em alto volume. O fato de não percebermos quando Doc está sóbrio ou flutuando em alucinações é o grande barato da experiência, e Paul Thomas Anderson não apela nem faz questão de esclarecer, permitindo ao espectador embarcar em uma viagem semelhante a dos personagens, chapada, imprevisível e sem destino definido. Para aproveitar o passeio de barco que é Vício Inerente, é preciso estar pronto e se deixar levar.

Prós

  • Joaquin Phoenix, no papel de sua carreira.
  • Personagens intrigantes saídos de um videogame.
  • Trilha sonora perfeita.

Contras

  • Falta de elaboração das relações entre os personagens.

O Veredicto

Vício Inerente é uma viagem chapada e cheia de obstáculos, mas com uma linda paisagem e repleta de caronas interessantes pelo caminho. Paul Thomas Anderson mais uma vez consegue conduzir com eficiência um elenco estrelado -- comandado por um Joaquin Phoenix inspirado -- em seu universo pessoal de cenas sem cortes, silêncios desconfortáveis e situações surrealistas. Prepare-se para entrar em um mundo nebuloso e perder o fio da meada, e não se importar nem um pouco com isso.

Neste Artigo

Review: Vício Inerente

9
Incrível
Uma viagem alucinada e bem acompanhada, cheia de obstáculos e com uma bela paisagem. É preciso deixar de lado a vontade de entender a trama, mas a experiência compensa a confusão.
Vício Inerente
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