quinta-feira, 15 de março de 2018

O filme “O Bebê de Rosemary” e o conceito de paranóia


Essa postagem traz uma análise sobre o filme “O Bebê de Rosemary”, buscando deixar de lado o aspecto paranormal do filme, e trazendo um viés psicanalítico em que o principal tema abordado é a paranóia. O trabalho foi realizado no quinto semestre na disciplina Psicopatologia I. Texto foi escrito por Alessandra Ferreira, revisado e organizado para o blog por Jhéssica Karine Pereira.


O FILME “O BEBÊ DE ROSEMARY” E O CONCEITO DE PARANÓIA

Sinopse do filme

 O filme O Bebê de Rosemary (1968) dirigido por Roman Polanski conta a história de Guy Woodhouse (John Cassavetes) e Rosemary Woodhouse (Mia Farrow) que são recém casados e estão à procura de um lugar para se mudar, com isso eles encontram um apartamento em Nova York e o alugam. No prédio para o qual se mudam existe um histórico de suicídios e acontecimentos suspeitos. Inclusive, a dona do próprio apartamento que alugam tinha se suicidado, mas o casal não se incomoda com o fato. 

 Entre seus vizinhos, existe um casal de idosos, Minnie Castevet (Ruth Gordon) e Roman Castevet (Sidney Blackmer), que começam a tentar se aproximar de Rosemary e de seu marido. Ambos possuem comportamentos inconvenientes, principalmente Minnie que entra na casa de Rosemary e invade sua privacidade mexendo em suas coisas. Rosemary tenta agir de forma educada, mas seu marido parece simpatizar com o casal, que passa a se inserir cada vez mais em suas vidas. Com isso, Rosemary vai demonstrando ficar cada vez mais desconfiada da simpatia em excesso desse casal. 

 O marido de Rosemary buscando fazer algum sucesso em sua carreira como ator acaba deixando sua esposa de lado. Para se redimir com Rosemary, Guy resolve preparar um jantar e nessa noite o casal resolve tentar fazer um filho, porém, Rosemary se sente mal após o jantar e ela acaba desmaiando. O marido, mesmo com Rosemary inconsciente, tem relações sexuais com ela, que só toma ciência disso no dia seguinte quando percebe em seu corpo várias marcas de arranhões. Seu marido diz apenas que “não queria perder a noite”. Rosemary diz para seu marido que sua atitude a deixou chateada e que ela sonhou a noite toda que estava sendo estuprada por uma criatura não-humana. 

 Como resultado dessa noite, Rosemary acaba engravidando. Conforme o tempo passa, com o agravante da gravidez, ela vai se tornado cada vez mais desconfiada a respeito da relação de seu marido com os vizinhos e cada vez ela vai ficando mais incomodada com suas intervenções indesejadas. Como a sugestão de que ela troque de médico e passe a se consultar com um conhecido desses vizinhos. Seu marido prontamente aceita, colocando Rosemary em uma posição de constrangimento que a obriga a aceitar. 

 Sua gravidez também não parece tranquila, pois Rosemary mostra estar perdendo peso ao invés de ganhar, além de demonstrar sentir fortes dores que o médico indicado pelos vizinhos parece negligenciar, dizendo sempre que aquilo tudo é normal, mesmo com suas queixas constantes. Rosemary vai pouco a pouco perdendo a confiança em todos ao seu redor e se desestruturando gradativamente.


Análise do filme utilizando conceitos da paranóia

 Segundo Chemama (1995), a paranóia caracteriza-se por um delírio sistematizado, pela predominância da interpretação e pela inexistência de deterioração intelectual. Na paranóia também se inclui o delírio persecutório, onde há uma negação do amor ou admiração que se sente pelo outro (objeto de desejo), se transformando em seu oposto (eu o amo/eu o odeio), é projetado nesse outro o ódio que o sujeito sente pela própria existência, o que dá vazão ao delírio persecutório, que vem a justificar o ódio desenvolvido. Ainda há a erotomania, onde acontece a substituição do objeto de desejo, assim a projeção transforma a afirmativa “eu a amo” em “percebo que sou amado por ela”. Já no delírio de grandeza (megalomania) há uma rejeição do desejo, voltando esse desejo para o próprio sujeito. Por fim, existe o delírio de ciúme, em que o sujeito desconfia de seu parceiro, imaginando que ele ama outras pessoas ao invés de amá-lo como acredita que ele deveria. 

 A análise da personagem Rosemary dentro de um quadro de paranóia com delírios persecutórios pode ser feita se deixarmos de lado o conteúdo sobrenatural do filme, considerando apenas seus aspectos psicológicos. 

 De acordo com Moreira e Peixoto (2010), a elaboração da paranóia se dá em três estágios, o primeiro se trata de uma questão mais primitiva, onde se faz necessária uma análise da infância do sujeito. Tratando-se de uma análise de filme, isso acaba não sendo possível, pelo mesmo não trazer nenhuma informação sobre a infância da personagem. Já o segundo e o terceiro estágio estariam interligados, sendo o segundo uma questão de falta de adaptação do indivíduo em relação ao meio. Aqui se pode pensar sobre a questão da mudança de Rosemary para um novo ambiente, o novo apartamento. E o terceiro estágio estaria relacionado a uma reação do indivíduo contra o meio, ou seja, onde se dá início a todas as suas perturbações. 

 Pode-se corroborar a hipótese de que o novo ambiente não foi favorecedor para a Rosemary, por se tratar de um apartamento onde os vizinhos vão aos poucos invadindo a sua privacidade, sendo essa invasão algo que ela acaba recebendo de uma maneira passiva. Inicialmente o paranóico começa com a perseguição passiva, apenas passando para a perseguição ativa ao longo da elaboração de sua paranóia, “como consequência forçada, real ou imaginária, é que a segunda fase se instala e temos um perseguido em observação” (MOREIRA & PEIXOTO, 2010, p. 544).



 De acordo com Shoe, Picka e Kirch (s.d.), podem se destacar na paranóia três características: a desconfiança, a hipersensibilidade, e a frieza ou o distanciamento. 

 A desconfiança geralmente está presente na paranóia, esses sujeitos tendem a enxergar como uma ameaça o mundo e as pessoas ao seu redor, acreditando que há fundamento em suas certezas, assim sempre estão buscando confirmá-las. É mais que uma cautela comum a qualquer indivíduo diante de situações novas, o paranóico é incapaz de abandonar as suas desconfianças. 

 Pelo fato de demonstrarem uma preocupação exagerada, estes sujeitos se mostram como hipersensíveis ao mundo externo, assim colocando-se em uma posição defensiva como forma de se protegerem de um ataque iminente que está sempre à espreita, não aceitam que suas suspeitas possam estar erradas. 

 Podem também se tornar sujeitos frios ou distantes, justamente porque não confiam em ninguém ao seu redor e sempre temem a ameaça que o outro representa para eles, o que os leva a evitar relacionamentos com outras pessoas. 

 No caso de Rosemary, é possível perceber um imenso caráter de desconfiança, desde quando ela começa a desenvolvê-la contra os vizinhos, incomodada com a relação de seu marido com eles conforme ela vai se estreitando. Seus sintomas parecem aumentar ainda mais quando ela descobre que está grávida, quando se percebe que ela vai elaborando cada vez mais as idéias persecutórias. 

 Segundo Cromberg (2000), para o paranóico, o mundo externo sempre está buscando agredir o sujeito de alguma forma, o indivíduo se sente maltratado e incompreendido, alimentando gradativamente uma raiva e um ressentimento que se volta contra todos que estão ao seu redor, o mundo externo é uma ameaça. 

 Existe um momento do filme onde o marido de Rosemary quis tentar se redimir com ela por não estar lhe dando muita atenção, então ele prepara um jantar, lhe dizendo que essa noite eles iriam tentar fazer um filho. Em um momento nesse jantar, a vizinha bate na porta e o marido de Rosemary vai atender, quando volta ele está com duas sobremesas que a vizinha fez para eles. Quando Rosemary começa a comer ela diz que está sentindo um gosto “estranho”, um gosto além do gosto do chocolate que parece um gosto de giz, o marido diz que o doce está normal e a situação se transforma em uma discussão, então Rosemary para evitar a discussão come um pouco mais do doce para agradar o marido. Pouco tempo depois, quando eles vão para o quarto, Rosemary começa a passar mal e desmaia. Esse é um momento que poderia ser interpretado como um sintoma fruto do desconforto de Rosemary com a situação, que levariam a ocorrência desse desmaio.



 De acordo com Negro Junior, Palladino-Negro e Louza (1999), em casos de experiências que podem ser compreendidas como traumáticas, dolorosas ou que causam angústia, o sujeito pode apresentar uma dissociação como mecanismo de defesa, onde no momento em que o ato ocorre o sujeito sinta como se fosse um observador externo, alheio a seu corpo, o que é comum em casos de estupro. Nessa mesma noite, o marido de Rosemary tem relações sexuais com ela, mesmo ela estando inconsciente e durante esse evento, Rosemary tem sonhos de estar sendo estuprada por uma criatura não-humana. Porém ela acredita que realmente estava acontecendo algo estranho com ela durante a noite e não consegue separar a fantasia da realidade. Como resultado dessa noite, ela acaba engravidando.

 De acordo com Cromberg (2000), nos delírios persecutórios há a crença de que o sujeito tem de que é vítima do meio externo, existindo uma conspiração ou que estão tentando atentar contra ele, geralmente envolvem a crença de estar sendo espionado, seguido, envenenado, assediado, entre outros. O sujeito acredita poder explicar de forma coerente o que está acontecendo, pois acredita nessa sua realidade, às vezes focando sua atenção em pequenos detalhes para que possa fundamentar suas certezas. A afirmativa “eu o amo” na paranóia sofre uma transformação, tornando-se “eu o odeio”, ou ainda o sujeito pode entender que é odiado pelo outro e por essa razão, está sendo perseguido por ele, o que lhe dá o direito de odiá-lo, sustentando seu delírio através da projeção, onde os sentimentos se invertem, no caso, se antes acreditava que era amado, passa a crer que é odiado, visto que no delírio persecutório, o mesmo indivíduo que antes era visto com apreço pelo sujeito, passa a ser o motivo central de suas desconfianças. 

 Isso se pode perceber, conforme os sintomas paranóicos de Rosemary vão ficando cada vez mais intensos ao longo do filme. É sabido que uma gravidez sempre carrega um grande nível de estresse para a mulher, mesmo quando é uma gravidez tranquila, o que não é o caso da gravidez da Rosemary. O estresse é um fator que aparece com bastante evidência na paranóia. 

 O paranóico pode não ter alucinações, mas a sua interpretação a respeito do sentido e significado das atitudes dos outros é sempre equivocada. Rosemary começa a acreditar que o marido não olha mais para ela da mesma maneira. Existe também a influência exercida pelo outro em sua paranóia, quando um amigo antes de morrer deixa para ela um livro e uma mensagem dizendo acreditar que os vizinhos dela fazem mesmo parte de uma seita de bruxaria, algo que ela começa a desconfiar durante o filme, porque tem certeza de que os barulhos que ouve através das paredes são rituais realizados por seus vizinhos. Rosemary passa a reafirmar essas idéias cada vez mais, fazendo pesquisas sobre o assunto e acreditando que há fundamentação para essas idéias. Ela desconfia dos hábitos dos vizinhos, dos hábitos do marido, como quando diz para seu médico que o marido não costumava dormir de pijama, mas que agora ele dorme e ela tem certeza de que ele passou a fazer isso para esconder a “marca da bruxaria” assim como ela leu nos livros, pois ela está convicta de que o marido está envolvido nessa conspiração.

 Para Cromberg (2000), o paranóico também acredita que jamais será amado, então ele substitui essa necessidade de ser amado por fantasias de vingança. Seria possível fazer essa leitura da personagem, quando ela sente que está sendo deixada de lado diante da preocupação de seu marido com o trabalho. Porém, ainda há o agravante da situação onde ele teve relações sexuais com ela sem se importar com o fato dela “não estar realmente ali” (estar inconsciente). Como ela está grávida, talvez ela acredite que seu filho ao nascer lhe dará todo o amor que ela não tem, então ela tenta proteger esse bebê da ameaça que é esse mundo externo. 

 De acordo com Cromberg (2000), o paranóico passa a fixar idéias exageradas e sentimentos hostis contra uma pessoa ou um grupo que acredita que esteja o perseguindo e conspirando contra ele. Rosemary realmente acredita que uma seita de bruxaria está conspirando contra ela e contra seu bebê e que ela precisa acabar com todos eles para se salvar. Ela passa a achar que todos que conhece estão envolvidos, o seu médico, os vizinhos, seu marido, ela não tem mais confiança em ninguém. É o que acontece com o paranóico, ele vai perdendo o seu contato com o real e se encerrando cada vez mais na sua fantasia, tendo toda convicção de que suas idéias realmente fazem sentido.

REFERÊNCIAS

CHEMAMA, R. Dicionário de psicanálise Larousse. Porto Alegre: ARTMED, 1995.

CROMBERG, R. U. Paranóia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

MOREIRA, J.; PEIXOTO, A. A paranoia e as síndromes paranoides. Hist. cienc. saude-Manguinhos,  Rio de Janeiro, v. 17, supl. 2, p. 539-561, Dec.  2010 .   

NEGRO JUNIOR, P. J.; PALLADINO-NEGRO, P.; LOUZA, M. R. Dissociação e transtornos dissociativos: modelos teóricos. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 21, n. 4, p. 239-248, Dec. 1999.  

SHOE, D.; PICKA, D.; KIRCH, D. G. Paranóia. (s.d.) Disponível em: <http://www.psiquiatriageral.com.br/tema/paranoia.htm>

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COMO CITAR ESSA POSTAGEM

FERREIRA, A. C. C.; PEREIRA, J. K. (Org.). O filme “O Bebê de Rosemary” e o conceito de paranóia. Curitiba, 15 mar 2018. Disponível em: <https://psiqueempalavras.blogspot.com/2018/03/o-bebe-de-rosemary-e-o-conceito.html>

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