Mais forte que bombas (2015)

Por André Dick

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Logo depois de surgir com Reprise e Oslo, 31 de agosto, cada um com características autorais e uma forte presença da solidão e do sentimento de luto, o cineasta norueguês Joachim Trier chega a um filme de língua inglesa com este drama, Mais forte que bombas, inicialmente lançado no Festival de Cannes do ano passado e desde então aguardado pelo público. O lançamento de filmes arthouse é cada vez mais dificultado pelas grandes produções, no entanto é possível descobrir cada vez mais um espaço para que possam se destacar, independentemente da recepção. Trier é um jovem diretor em que muitos veem reais possibilidades de constituir uma longa trajetória, depois de iniciar como publicitário, e se percebe principalmente em suas obras um estilo muito definido, no tratamento de personagens e na composição de situações inseridas num cotidiano comum.
O roteiro inicia com um jovem pai, Jonah Reed (Jesse Eisenberg), vendo o seu primeiro filho com a mulher, Amy (Megan Ketch). No mesmo hospital, encontra a ex-namorada, Erin (Rachel Brosnahan), cuja mãe veio a falecer, o que reacende lembranças escondidas em Jonah. Corte a cena e já estamos com Gene Reed (Gabriel Byrne). Ele vai ajudar David (David Strathairn) a escrever uma matéria para o New York Times sobre sua mulher falecida há alguns anos, Isabelle Reed (Isabelle Huppert), fotógrafa de cenários de guerra, sobretudo no Oriente Médio.

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Gene tem problemas de relacionamento com o filho menor, Conrad (Devin Druid), e quando recebe novamente a visita do mais velho, exatamente, há uma porção de sentimentos de culpa reunidos na mesma casa onde a mãe está ausente. Junta-se a isso a paixão não correspondida de Conrad por uma colega de aula, Melanie (Rubi Jerins), fazendo com que ele dedique tempo a jogos no computador, principalmente em cenários de guerra, e de ele não saber de fato por que sua mãe morreu (dando espaço a uma cena impressionantemente bem filmada por Trier, com a ajuda de seu habitual fotógrafo, Jakob Ihre). Esta explicação é escondida tanto pelo pai quanto pelo irmão que querem protegê-lo de uma verdade que nem eles gostariam de assumir. David lembra da esposa lhe contando sobre um sonho, que parece dizer mais do cenário de guerra do que seu cotidiano, enquanto o filho menor sonha encontrar o corpo da jovem que diz gostar ao relento, como se estivesse também morta. É o peso do luto que domina essa família, dominada também pelo enquadramento da imagem, seja aquele das fotografias deixadas pela mãe ou dos jogos e escritos do irmão mais novo no computador.
As lembranças da mãe Isabelle, entretanto, se mantêm, em família ou em relações próximas, e Trier acompanha, em flashbacks, a maneira como ela enxergava seu trabalho de fotografia, como algo importante e, ao mesmo tempo, elemento de uma página a ser virada no jornal, sem que se dê importância. Ela é a representação mais próxima do personagem central de Oslo, 31 de agosto, que está querendo sempre voltar para um cenário caseiro sem que isso lhe dê a mesma segurança que poderia ter antes.

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O roteiro, escrito por Joachim Trier e Eskil Vogt, tem uma influência clara dos filmes que mostram a juventude norte-americana, com certa música dos anos 80 (o título original é o mesmo de um álbum da banda The Smiths), e dialoga principalmente com o recente e contestado Homens, mulheres e filhos. Onde Jason Reitman mostra mais humor, Trier é mais comedido e, por meio de Conrad, pretende enfocar a solidão dessa juventude. Sua relação com o irmão é terna, assim como os conflitos com o pai demarcados por uma base real, especialidade de Trier. O momento em que o irmão Jonah lê um relato do cotidiano do irmão, levando o filme a um flashback revelador, se transforma no maior requisito para uma peça dramática que se anuncia em cada linha de roteiro. Mais ainda sua interação depois com um aparelho que configura uma realidade virtual, para onde certamente eles gostariam de ir. Mas nada diz mais do personagem de Jonah, doutor em Sociologia e prestes a se tornar professor, do que tentar ensinar ao irmão como, de fato, funciona a hierarquia no colégio – o que contradiz qualquer teoria do que seria uma verdadeira socialização, ou seja, assim como seu casamento, ele se mantém apenas pela base teórica, nunca enfrentando de fato a realidade. E Trier nunca esteve tão à vontade para mostrar seus elementos autorais, embora continue bastante pessimista no que diz respeito ao comportamento humano, ainda que não tanto quanto em Oslo, 31 de agosto, e consiga, por meio de uma montagem não linear em alguns momentos, fazer com que o espectador confronte diferentes momentos dos mesmos personagens, abrindo um leque de opções para que identifiquemos (ou não) os sentimentos deles.

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Estamos diante da antiga dificuldade de um pai solitário lidar com o filho adolescente, enquanto mantém um relacionamento secreto com sua professora, Hannah (Amy Ryan). Há uma sensação de nascimento, descoberta, autocontrole diante do outro e a morte ao fim de tudo que percorre cada imagem da obra de Trier, e aqui não é diferente. Mesmo momentos que poderiam ser leves (a visita dos irmãos a um campo de educação física escolar) se tornam introspectivos, ainda que nunca exagerados. Trier sabe extrair excelentes atuações de Eisenberg, Byrne e Druid, além de Huppert. Ela é a figura que simboliza um elo para o pai e os filhos, e todos eles querem ou se aproximar ou se afastar das mulheres – eles apenas não conseguem substituir o afeto materno. É exemplar a cena em que um dos irmãos se enxerga ao lado da mãe num espelho, e é possível ver nos braços dela as marcas de alguma bomba estilhaçada durante alguma cobertura jornalística. Jonah, principalmente, quer ser o esteio familiar que não consegue enxergar no pai, e seus diálogos com o irmão constituem esse momento particularmente interessante da obra de Trier. É sobre como os personagens parecem ser testemunhas de uma batalha quando, na verdade, estão inseridos numa, que é a própria compreensão de sua existência.

Louder than bombs, DIN/FRA/NOR, 2015 Diretor: Joachim Trier Elenco: Jesse Eisenberg, Devin Druid, Gabriel Byrne, Isabelle Huppert, Amy Ryan, Rachel Brosnahan, Megan Ketch, David Straitharn, Ruby Jerins Roteiro: Eskil Vogt, Joachim Trier Fotografia: Jakob Ihre Trilha Sonora: Ola Fløttum  Produção: Albert Berger, Alexandre Mallet-Guy, Marc Turtletaub, Ron Yerxa, Suzanne Savoy, Thomas Robsahm Duração: 109 min. Distribuidora: Vitrine Filmes Estúdio: Animal Kingdom / Arte France Cinéma / Beachside Films / Bona Fide Productions / Memento Films Production / Motlys / Nimbus Film Productions

 Cotação 4 estrelas e meia

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