O farol (2019)

Por André Dick

Em 2015, quando surgiu à frente de A bruxa, filme de terror bastante elogiado, Robert Eggers tornou-se um dos cineastas a se acompanhar. Particularmente, não apreciei sua estreia, mas era inegável que ele conseguia construir uma atmosfera e, se tivesse às mãos uma história superior, poderia lidar melhor com elementos que já demonstrava. Isso acontece justamente em O farol, cuja estreia aconteceu no Festival de Cannes do ano passado com grande recepção, escrito por ele e seu irmão Max.
Ele acompanha a trajetória de Ephraim Winslow (Robert Pattinson), que vai parar numa ilha da Nova Inglaterra, a fim de guardar um antigo farol, no século XIX, ao lado do estranho Thomas Wake (Willem Dafoe). A premissa é bastante curta, quase desinteressante, ecoando, por exemplo, A luz entre oceanos e o brasileiro A ostra e o vento, mas a diferença é que Eggers entrega aqui um duo espetacular de Pattinson e Dafoe, ambos, talvez, em seus melhores momentos na década passada, o que não é pouco, pois ambos fizeram grandes filmes (para citar apenas um de cada, Cosmópolis e Projeto Flórida).

Eggers utiliza essas figuras taciturnas para desenvolver uma espécie de simbologia ligada ao oceano, com influência da mitologia grega. Ephraim começa a ver imagens oníricas ligadas justamente à figura de uma sereia (Valeriia Karamän), depois de encontrar uma pequena estatueta desse ser, despertando nele também desejos que desconhece. Ele também passa a se deparar com uma gaivota perturbadora, sendo avisado por Wake de que matá-la pode trazer problemas para ambos. Trata-se de uma espécie de Ulisses, aquele homem que ouve encantado o canto das sereias e precisa ser amarrado (embora isso não necessariamente aconteça no filme, o diálogo é explícito).
A chuva incessante sobre a ilha parece levar esses personagens a criar uma redoma em torno concentrada por lances de loucura. Pattinson, para desenvolver seu personagem, recorre certamente a atuações de Von Sydow na fase bergmaniana de loucura particular ou coletiva, principalmente em A hora do lobo e Shame. São esses dois filmes que Eggers incorpora em seu roteiro de maneira acertada, focando a loucura como um símbolo da própria vida que esses personagens passam a levar. Em entrevistas, Pattinson tem dito o quanto teve dificuldades com o diretor: o que transparece, no entanto, por meio de expressões, é uma das atuações mais surpreendentes dos últimos anos, original e impactante.

O personagem de Thomas Wake, além de guardar um segredo, tenta impedir que Ephraim tenha uma autonomia, tentando atraí-lo para sua rotina, incluindo doses etílicas consideráveis. Em algumas sequências, ele lembra um Ahab sem uma obsessão em mente, com a longa barba e a performance enlouquecedora de Dafoe, indo na mesma linha de seu companheiro de elenco. Em determinado momento, o tom conflituoso é tamanho que o espectador parece acompanhar uma espécie de pesadelo kafkiano (nesse sentido, há algo nele também do experimento de Steven Soderbergh do início dos anos 90, com Jeremy Irons no papel do escritor). O cenário da ilha e do vazio que cerca o farol, além da presença da estranha gaivota, colabora decisivamente para isso. Além disso, a fotografia em preto e branco de Jarin Blaschke, em tamanho de tela 1,19: 1 (típico na era do cinema mudo), dialoga com a filmografia de Bergman, incluindo aí outras obras-primas, como O sétimo selo.
Eggers também não utiliza apenas referências esparsas ao clássico diretor sueco: a maneira como ele movimenta a câmera tem muita semelhança, além da necessidade de mesclar um cenário real, dramático, a elementos de terror. Isso era muito presente em A hora do lobo, já referido, no qual um casal morava numa ilha atormentada por estranhas figuras de uma mansão. Também é visível a influência do cinema de Béla Tarr, sobretudo O cavalo de Tuim, com a presença considerável de efeitos sonoros do vento e dos pássaros, além das ondas do mar batendo nos rochedos da ilha, inserindo o espectado no centro da situação que vivem os personagens. Por isso, a partir do terceiro ato e, principalmente, a conclusão tornam a história ainda mais notável, por toda a ousadia e o cuidado em retratar a época. A última cena é tão pictórica que poderia, como outras passagens do filme, ser emoldurada. Poderia ser apenas estilo sobre substância, sem nenhuma história verdadeira a ser contada: não é. Este é um tipo de cinema cada vez mais raro e é preciso dedicar toda a atenção quando ele surge, com alguém disposto a bancá-lo, sem fazer concessões.

The lighthouse, EUA, 2019 Diretor: Robert Eggers Elenco: Willem Dafoe, Robert Pattinson, Valeriia Karamän  Roteiro: Robert Eggers e Max Eggers Fotografia: Jarin Blaschke Trilha Sonora: Mark Korven Produção: Rodrigo Teixeira, Jay Van Hoy, Robert Eggers, Lourenço Sant’Anna, Youree Henley Duração: 110 min. Estúdio: A24, Regency Enterprises, RT Features Distribuidora: A24 (Estados Unidos) e Focus Features (Internacional)

 

Deixe um comentário

2 Comentários

  1. Klauber Fischer

     /  14 de janeiro de 2020

    É realmente um belo filme.

    Responder

Deixe um comentário