Pieces of a woman (2020)

Por André Dick

Há alguns temas que, por mais cotidianos, não têm muito espaço no cinema. O parto é um deles. Visto apenas de passagem em sequências de alguns filmes sobre relacionamentos, ele dificilmente é tratado com o enfoque que Pieces of a wqoman oferece com interesse. A narrativa inicia com Sean (Shia LaBeouf) um trabalhador da construção civil que participa da realização de uma ponte em Boston. Ele vai para casa porque sua esposa,  Martha (Vanessa Kirby), está para dar à luz, e pretende fazer seu parto em casa. Ambos têm uma parteira definida, mas, no último momento, ela não pode atendê-los, porque já está realizando outro parto. Então, é recomendada Eva (Molly Parker), que chega à casa e tenta amparar o casal com tranquilidade em relação ao que está acontecendo. No entanto, acontece algo inesperado, o que vai definir o direcionamento da trama.

Martha tem como mãe Elizabeth (Ellen Burstyn), e uma vida até então equilibrada com o marido. O que acontece com seu bebê, no entanto, traz uma transformação decisiva para a maneira como age. Sean tenta continuar próximo, mas se sente deslocado. A mãe quer que ela participe de uma ação judicial contra a parteira, com a qual Martha não concorda, mesmo sendo sua prima Suzanne (Sarah Snook) a acusadora. Martha se sente, de forma justificável, deslocada em seu trabalho e com uma certa frieza que tenta afastar qualquer memória dela sobre o que lhe aconteceu.
Depois de uma boa sequência de lançamentos no ano passado, a Netflix inicia 2021 com este filme que apresenta atuações dedicadas de Vanessa Kirby e Shia LaBeouf e boa participação de Ellen Burstyn. Com temática forte, é um drama a ganhar público não apenas pelo plano-sequência do parto, um verdadeiro feito em termos de tensão e agilidade, além do realismo proporcionado pelas atuações, como também por sua sensação dolorosa de vazio contemporâneo, em que as pessoas parecem se afastar não apenas por causa de uma pandemia. No entanto, é ainda sobre construção de família e sonhos que podem ser renovados, independente da situação. O diretor húngaro Kornél Mundruczó, de White God, insere no cenário de Boston uma atmosfera de filme europeu, com a fotografia delicada de Benjamin Loeb, e vai pontuando a mudança de tempo com a construção da ponte em que trabalha Sean e analogias com o cheiro de maçãs.

O diretor apresenta Sean com uma personalidade ambígua: a principio, ele parece que será um pai amoroso, dedicado, no entanto depois do acontecimento o equilíbrio parece ir aos poucos desaparecendo da vida do casal, inclusive com atitudes violentas dele – e Beouf e Kirby, vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, trabalham isso muito bem, além do conflito dela com sua mãe. É como se a figura do homem não coubesse no universo de recuperação, tanto que ele é anulado quando pode existir novamente a recuperação.
O diretor lida bem com o sentimento de culpa da personagem central com base no roteiro da parceira Kata Wéber (que passou por uma situação semelhante à de Martha) e, aos poucos, vai se descobrindo o que descontentou aos demais sobre sua decisão que dá justificativa ao filme. Ao mesmo tempo, é uma narrativa que lida com compreensão, fidelidade, perdão e outros temas que lidam com o relacionamento humano. Burstyn, uma atriz de destaque há muitas décadas, tem uma participação rápida e ainda assim vital, dando propulsão à trama num momento delicado, curiosamente logo depois de uma discussão acalorada sobre a banda White Stripes. Numa transição lenta de cena para cena, o diretor também usa as estações para delimitar a passagem de tempo, e ela parece lenta e perturbar o espectador. Quando há o ingresso no terceiro ato, o filme não escapa de algumas simplificações, atenuadas pelo desempenho de Kirby e pela delicadeza na direção, que evita em tornar as explicações para os conflitos permanentes. Quando mostra uma passagem de estação que parece deixar para trás a história, o roteiro não a separa do primeiro ato da trama, criando uma circularidade interessante, em que uma determinada situação pode ter outro ponto de vista.

Pieces of a woman, EUA, 2020 Diretor: Kornél Mundruczó Elenco: Vanessa Kirby, Shia LaBeouf, Molly Parker, Sarah Snook, Iliza Shlesinger, Benny Safdie, Jimmie Fails, Ellen Burstyn Roteiro: Kata Wéber Fotografia: Benjamin Loeb Trilha Sonora: Howard Shore Produção: Kevin Turen, Ashley Levinson, Aaron Ryder Duração: 128 min. Estúdio: Bron Studios, Little Lamb, Creative Wealth Media Distribuidora: Netflix

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