Masaan (2015)

Países: Índia, França

Duração: 1 h e 49 min

Gêneros: Drama, romance

Diretor: Neeraj Ghaywan

IMDB: http://www.imdb.com/title/tt4635372/


Da amizade, com um viés de professor e aprendiz, entre Jean Renoir e Satyajit Ray vem a única relação entre França e Índia que conhecia. Ray, considerado o maior cineasta da história de seu país, fora doutrinado pelo realismo poético francês de Renoir. Dessa transmissão de conhecimento, surgiram obras cinematográficas inesquecíveis na Índia, como a “Trilogia de Apu” – três filmes nos quais a arte salta à tela. Inesperadamente, apareceu em meu caminho o filme que está sendo criticado, “Masaan“. Meu segundo contato com uma parceria cinematográfica entre os dois países. A Índia com os seus problemas sociais e tradições retrógradas, que, em virtude disso, torna-se um excelente fornecedor de matérias-primas temáticas para o cinema, e a França, com toda a sua maneira artística, intelectual, inteligente e vanguardista de produzir obras cinematográficas. A “visão francesa” sobre as mazelas indianas resultaram em “Masaan“, um filme diferente do que estamos acostumados a acompanhar em Bollywood. Um filme que não proporciona entretenimento fácil e sim reflexões difíceis – e tardias – quanto a diversos temas da cultura e do dia a dia indianos. Facilmente posso enquadrá-lo no que é chamado de “cinema de arte”, apesar de não gostar dessa denominação.

A sinopse encontrada em vários sites na internet, no meu entender, não é adequada, por sugerir quatro histórias que se cruzam em determinado ponto da narrativa. Na realidade, são duas histórias principais: as dos jovens Devi e Deepak. As outras duas histórias aludidas na sinopse são acessórias e/ou estão incluídas nas histórias da dupla de protagonistas. São as histórias de Pathak, pai de Devi, e de Jontha, que figura entre as demais histórias e não influi nas duas correntes narrativas. Uma sinopse sugerida por mim, é a seguinte: “Quatro histórias que se passam ao longo do Ganges: um menino de casta baixa perdidamente apaixonado (Deepak); uma filha culpada por um encontro sexual que terminou numa tragédia (Devi); um pai infeliz com o desvanecimento moral (Pathak) e uma criança espirituosa, ansiando por uma família (Jontha)”.

O filme já se inicia com duas perguntas, seguidas de suas respostas, advindas dos pensamentos de um poeta indiano, nascido no século XIX e chamado de Brij Narayan Chakbast.

“O que é a vida? Um arranjo delicado de diversos elementos.”

“O que é morte? Uma desordem destes elementos.”

Depreende-se que a vida depende de fatores que devem interagir entre si harmonicamente, e a morte toma corpo quando um ou mais desses elementos perde a sintonia com os demais, ou seja, há uma desorganização da vida que resulta no desfecho capital, o fim. É  bom salientar que, na Índia, a possibilidade de tais elementos “constituidores da vida” perderem seus rumos é eminente, devido a todo o contexto social, baseado em tradições culturais e religiosas que norteiam a vida das pessoas e cujas principais vítimas são as mulheres. O filme em tela promove, como é visto em seu poster, “uma celebração da vida, da morte e tudo que há entre elas”. Um filme com uma narrativa bastante pesada, com cenas sofridas e difíceis de serem assistidas, e com personagens fadados a um destino cruel.

Há, subentendido na narrativa, um simbolismo que salta aos olhos, por a história se passar às margens do Rio Ganges – o rio sagrado para o hinduísmo. As histórias – e os problemas – dos quatro personagens são originadas, principalmente, por tradições de cunho religioso arraigadas na sociedade indiana. Daí o simbolismo! Traduzindo o título para o português, temos a palavra “crematório”, em alusão a esse tipo de destinação dada aos mortos, que, segundo o filme, é realizada ao ar livre, em rituais à beira do Ganges. Esse é um dos principais meios de subsistência das pessoas que moram às margens do rio.

Há diversos subtemas, incluídos no roteiro, que são corriqueiros para os indianos, mas difíceis para quem não vivencia a realidade do país. Primeiro, tenho que destacar o tratamento dispensado às mulheres, que são marginalizadas e sofrem preconceitos de todos os tipos, como já cansei de ver em filmes indianos. A honra, que é um valor muito importante no país, é associada a diversos pré-requisitos, principalmente quando se trata do sexo feminino. A vida sexual precoce – diga-se, antes do casamento – parece ser o principal motivo para a perda da honra e da dignidade de uma mulher. Outro tema comum que é abordado é a famigerada corrupção policial, que assume ares pandêmicos no país, dada a recorrência do tema em produções cinematográficas locais. O terceiro tema versa sobre as castas na Índia, que parece uma temática um tanto quanto complexa, mas, resumindo, a distribuição das pessoas em castas tem origem religiosa – como não poderia deixar de ser. Pelo visto no filme, há segregações, preconceitos e barreiras por esse motivo, apesar dessa prática ser vedada pela constituição do país . Quem quiser saber um pouco sobre o assunto, segue o link da Wikipedia: SISTEMA DE CASTAS NA ÍNDIA. Esses três subtemas se entrelaçam ao longo da história dos personagens e proporcionam uma história sobre redenção e esperança, que também versa sobre solidão e a imprevisibilidade da vida.

Masaan” não é um filme para pessoas sensíveis. O mundo maravilhoso e colorido dos Khans e Kapoors de Bollywood aqui não existe. É daqueles filmes que digerimos aos poucos e nos deixam reflexivos por um bom tempo. Para quem gosta de dramas pesados, é uma excelente pedida, contudo, saliento que não devemos medir o peso narrativo utilizando quilos, e sim toneladas. Boa recuperação a todos, após mais um soco na boca do estômago proporcionado pelo cinema indiano.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba, com a colaboração do pessoal do grupo Indian Movies.

Obs.: Disponível na Netflix e no site Bollywood online.


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