Chocolate (2019)

País: Coreia do Sul

Duração: 16 capítulos de 1 h e 10 min

Gêneros: Drama, romance

Elenco Principal: Ji-won Ha, Yoon Kyesang, Seung-jo Jang

Diretor: Hyeong-min Lee

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt11214028/


Saindo um pouco do mundo do cinema e indo para o mundo das séries, segue abaixo a contribuição de uma colega cinéfila em relação à série coreana Chocolate, que está disponível na Netflix. Recomendo a audiência e a leitura do excelente texto mostrado abaixo, que mostra uma análise bem intimista da colega em relação a todo o contexto que norteia a série. Aproveitem!


Bem-vindo ao mundo do Dorama! Dorama, caso você ainda não esteja familiarizado com o termo, significa “drama coreano”, e é conhecido também pelo termo “K-drama”. É a designação dada aos dramas televisivos em língua coreana, produzidos na Coreia do Sul.

Chocolate” se encaixa com exatidão nesse conceito e a cada episódio o espectador adentra nesse novo mundo cinematográfico. “Chocolate” trata de relações humanas com suas inúmeras camadas, com profundidade e, é claro, com suas dores. “Chocolate” é composta por 16 capítulos. Trata-se de uma produção recente, pois estreou em novembro  de 2019 em seu país de origem e já está disponível na Netflix.

A narrativa se concentra em três protagonistas: Lee Kang (Yoon Kye Sang), um renomado cirurgião; Moon Cha Young (Ha Ji Won), uma doce chef de cozinha; e Lee Jun (Jang Seung Jo), que é primo de Kang, é também cirurgião e tem uma relação muito conturbada com ele, seja por disputa de poder, de atenção, de posição midiática e mais ainda, é uma disputa de ego. Aqui preciso ressaltar o excepcional elenco de apoio, que muitas vezes tomam o protagonismo, não só por seus dramas e dores pessoais, mas principalmente para que os protagonistas deixem aflorar de forma ainda mais precisa suas feridas físicas, emocionais e psíquicas.

Lee Kang quando criança morava em uma cidade interiorana e tinha como sonho de vida ser cozinheiro, assim como sua mãe, que tinha um pequeno (porém amoroso) restaurante na cidade. Aparentemente sem saber muito bem do seu passado, sua vida se transforma e toma rumo que ele por si só não poderia imaginar. Kang é neto e herdeiro de uma cadeia gigante de hospitais. Ele tem sua vida preparada para assumir o controle de tais estabelecimentos no futuro.

Moon Cha Young, que na sua tenra infância foi obrigada pela mãe a tentar carreira de atriz, não obtém êxito no ofício, mas se torna uma grande chef reconhecida principalmente por seu talento de fazer comidas afetivas, emocionais e intuitivas. Ela segue esse caminho da cozinha afetiva apenas por um único encontro que teve com Kang na infância e que deixou marcas em sua vida. Tem um irmão que é boa vida, cheio de armações e completamente despreparado para o mundo e para enfrentar as agruras da vida.

Lee Jun, ao primeiro momento, parece o menos humano deles. Tem certo ar de arrogância, superioridade e se sente sempre passo atrás de Kang; não só no aspecto profissional, pois ambos são excepcionais em suas carreiras de cirurgião, mas no quesito humanidade. Aqui no sentido amplo da palavra; aquela humanidade que é de dentro, que é pura, sem máscara, intrínseca, virtuosa e nobre, sem que necessite de nenhum esforço para tal.

Chocolate” tem como cerne narrativo os encontros e desencontros que a vida joga no nosso colo; trata das dores do corpo, pois é ambientada dentro de hospitais e de uma Unidade de Cuidados Paliativos (vou falar mais a frente sobre o cenário); das dores da alma, aquelas que exigem dos envolvidos não só resiliência frente aos problemas, mas exige benevolência, compaixão, quebra do orgulho ferido, exige passar por cima de si mesmos para que possam se abrir para o próximo. É aquele tipo de dor que dilacera, corta, pisoteia e espreme até nossa última gota de força.  Aquele tipo de dor que só pode ser curada com a total ressignificação da beleza do amor de dentro para fora.

Falando ainda em beleza, “Chocolate” aborda a perspectiva da morte física. A maioria dos ocidentais têm uma dificuldade extrema em lidar com esse tipo de perda.  “Chocolate” tem como cenário principal uma clínica de cuidados paliativos, algo que parece ainda muito distante de nossa visão orgânica e espiritual da morte. Nesse ambiente, os pacientes se internam para “esperar a morte” de forma menos dolorosa, recebendo cuidados afetivos até o momento da passagem. A visão coreana é bastante diferente da nossa. Acreditam em uma nova possibilidade de vida após a experiência terrena e esse contraste reside na libertação, aceitação, conforto e acolhimento nessa etapa final da vida terrena. Nesse ponto, como declaradamente apaixonada pelo cinema indiano, enxergo uma semelhança muito grande. Os indianos tem a mesma visão da morte terrena e da continuidade da vida em outro plano. E assim como na Coreia, os indianos vão para Varanasi – a cidade da morte – para esperar sua hora da partida.

Chocolate“, para os olhares mais apurados, trata do aspecto cerimonioso da vida e de como a cerimônia valoriza e enriquece pequenas ações cotidianas. Em contraponto, o quanto nossa civilização atualmente está se afastando dela. Gosto da observação desses rituais na vida, mesmo que na maior parte do tempo não os exercitamos. A cerimônia aqui é constante e intrínseca, está arraigada na cultura; seja no cumprimento respeitoso entre homens e mulheres e no caso específico na cerimônia ao reverenciar o alimento. Outra vez volto meu olhar para a Índia, que também reverencia a cerimônia em muitos aspectos sociais. É o acesso mais próximo que podemos ter com culturas tão distantes e distintas da ocidental.

Kang e Moon Cha Young desenvolvem ao longo de anos (o espaço temporal começa em 1992 e o tempo presente está em 2018) uma relação muito difícil de nominar em palavras. Os dois se perderam ainda na infância (os desencontros da vida), reencontram -se anos depois em uma situação adversa (dentro de um hospital), passam a se esbarrar em outras situações (os encontros da vida), unem-se por uma pessoa que transforma suas vidas de forma dolorosa e profunda pelo sentimento do amor, precisam lidar com sentimentos de animosidade que surge da parte de Kang, são colocados às provas da vida (dos encontros e desencontros) que sempre os une através da dor do outro, do cuidado com o outro (ele com a medicina, ela com a gastronomia).

A comida também é um forte ato de amor e de cuidado. Na Unidade de Cuidados Paliativos, a refeição não é só alimento para o corpo. É alimento para a alma que caminha para a despedida. É o acesso a memórias afetivas que marcaram momentos de amor, cumplicidade e felicidade dos enfermos. É com essa perspectiva que passamos a olhar para o amor incondicional que Moon Cha Young coloca nos pratos que atendem esses pacientes. Comida que cura a alma, amor em forma de alimento.

O chocolate (doce) é outro elemento de grande significado afetivo para esses personagens. Suas vidas, mesmo que distanciadas pelo tal do desencontro estão atadas por laços (praticamente) indivisíveis e talvez inexplicáveis que os une. O elo é o chocolate – Kang que prometeu nunca mais comer a iguaria para honrar a memória de uma pessoa que fez toda a diferença em sua vida; Moon Cha Young sempre faz uso dele nos momentos de maior adversidade, justamente pelo mesmo motivo. A comida novamente como símbolo de amor, de cuidado e de cura. É absolutamente tocante! O que, ao primeiro momento pode parecer uma combinação excêntrica e esquisita – hospital e gastronomia – devido à delicadeza e sutileza ao trabalhar os mínimos detalhes (aqui não só estéticos), faz dessa obra algo muito, muito singular.

Chocolate” é o retrato de nossas imperfeições enquanto ser humano. Que somos falhos, erramos, lidamos com o luto de forma ímpar e pessoal (não me refiro somente a morte, e sim a todo tipo de perda). Fala sobre como buscamos a última gota de amor dentro de nós quando nos dedicamos ao outro. Fala sobre o encontro com nossa verdadeira essência, com nosso verdadeiro eu e com tudo aquilo que nos reconecta com o que é belo, é bom e é justo. Trata dos momentos em que precisamos jogar a nossa casca fora e recomeçar com as ferramentas que recebemos do universo. É a reinvenção do eu da forma mais íntima que muitas vezes nem conseguimos compreender, apenas sentir. Isso é apenas uma pincelada do que é Chocolate.

Se você é forte e chegou até aqui, não pare. Amantes da arte audiovisual estejam de olhos muito atentos (se as lágrimas permitirem) para a fotografia. É um deleite! A paleta de cores é sempre clara, aberta, luminosa e gigante! As tomadas de câmera são sensíveis, humanas e belas, assim como a essência de Kang e Moon Cha Young. A direção de arte da parte gastronômica é uma delicadeza e de uma singularidade inexpressível em adjetivos e que facilmente nos faz refletir a nossa própria relação com os alimentos. É tocante e transformador. A trilha sonora traz canções que em alguns momentos contrastam com a intimidade dos personagens e em outros, não poderia ser outra. É acolhedora!

Chocolate” é uma obra feita para mim, para você e para todos aqueles que conseguem enxergar além de si mesmos. Simplesmente arrebatador! Simplesmente entra e toma nossos corações!

Fernanda Borges Freire

(Pensando O Bem. Pensando e compartilhando sempre mais Cinema pra você)

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