Crítica | Loving

Sutil e delicado, filme apresenta a história real de Richard e Mildred Loving

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

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Quando a personagem Mildred, interpretada por Ruth Negga, abre o filme dizendo que está grávida, logo fica claro o medo que ela sente daquilo não ser considerado uma boa notícia. E quando seu namorado Richard, vivido por Joel Edgerton, diz que esta é uma excelente notícia, percebemos o quanto aquele casal se ama e se importa um com o outro. O problema é que ele é um homem branco e ela uma mulher negra, vivendo no no final da década de 1950 na Virgínia, EUA, estado em que uma lei de segregação proibia o casamento entre brancos e negros. Querendo formar uma família como qualquer outro casal, os dois se casam em Washington e, ao voltar para casa, acabam sendo presos e condenados a deixar o estado pelo prazo de 25 anos.

A partir daí, Loving acompanha o casal tentando levar uma nova vida em Washington, enquanto Mildred mantém a esperança de um dia poder voltar ao seu estado natal. A história real do casal Richard e Mildred Loving acabou ajudando a mudar a constituição dos EUA, que passou a proibir que os estados tivessem leis que impedissem o casamento entre pessoas de cores diferentes. Apesar do caso ter sido responsável por esta grande mudança, é interessante como o diretor e roteirista Jeff Nichols nunca tenta fazer o casal parecer dois heróis que lutavam pelo direito de todos no país. Na verdade, o que vemos são duas pessoas simples que passam a arriscar tudo o que têm na vida pelo simples direito de poderem ficar juntas onde bem entenderem. E é tocante a cena em que Richard assiste pela TV o lançamento de um foguete espacial, mostrando a evolução científica da sociedade, enquanto sua esposa sofre pela tristeza de ser obrigada a viver longe da família, já que as leis pareciam coisa do tempo dos homens das cavernas.

Apesar desse momento sutil e delicado da direção, a verdadeira força de Loving está na atuação de seus protagonistas. Os olhares e carícias trocados por Joel Edgerton e Ruth Negga deixam claro o quanto aquelas duas pessoas se amam e se importam de verdade uma com a outra. Reparem como Ruth consegue, com um sorriso, transmitir confiança diante de uma situação difícil, enquanto seu olhar demonstra toda a preocupação que Mildred carrega dentro de si. Ao notar este tipo de situação, o Richard de Joel Edgerton logo segura a mão da companheira, deixando bem claro, mesmo sem palavras, que fará de tudo para protegê-la. E é de uma sutileza tocante o momento em que Mildred tenta encontrar a mão do marido no carro quando os dois estão se mudando para Washington, já que ali é quando ela mais precisa da força dele.

Além dos protagonistas, vale destacar a pequena participação de Michael Shannon, que interpreta o fotógrafo da revista Life que foi incumbido de fotografar a rotina do casal. É impressionante como, mesmo com pouquíssimo tempo de tela, ele consegue transmitir tanta humanidade e empatia por aquele casal que já sofreu tanto. O momento em que ele fotografa os dois assistindo televisão é de uma beleza e delicadeza que só os grandes atores conseguem demonstrar. Ainda na mesma cena, é muito bonito o modo extremamente natural com que Joel Edgerton deita no colo de Ruth Negga, transmitindo para o espectador toda a cumplicidade existente entre Richard e Mildred que, mesmo com todos os problemas, ainda se permitem pequenos momentos de distração e carinho entre eles.

Mesmo tendo como foco principal o dia a dia do casal, que tenta levar uma vida normal na medida do possível, Loving ainda apresenta bons momentos de tensão, como o momento em que Mildred decide ter o primeiro filho na Virgínia. Com uma viagem na estrada escura no meio da madrugada e os protagonistas agindo como verdadeiros criminosos, o espectador fica com a sensação de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento. A mesma coisa quando Richard acredita estar sendo perseguido na estrada por racistas que não aceitam seu casamento com Mildred. Assim, Loving acaba servindo como um retrato de uma época em que as pessoas tinham negado o seu direito de casar baseado simplesmente na cor da pele. E é triste perceber que não evoluímos nada de lá pra cá, já que hoje em dia vários lugares podem até não proibir o casamento baseado na cor da pele, mas o fazem por causa da sexualidade dos envolvidos.

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Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

Redator de cinema, gibis e games na Mob Ground. Quando não está jogando, está assistindo filmes, séries ou lendo gibizinhos.