Twin Peaks: The Return

Após vinte e seis anos, série retorna para se consagrar como o melhor programa da TV em 2017

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

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A primeira coisa a ser dita sobre Twin Peaks: The Return é que foi uma viagem maravilhosa. David Lynch nunca prometeu respostas definitivas com o retorno a esse seu universo. Na verdade, ele foi bem claro ao dizer que não entregaria respostas mastigadas, sendo cada espectador responsável por chegar às suas próprias conclusões a partir do que seria apresentado. E ao final dos 18 episódios deste revival, vemos que ele realmente não estava mentindo. As respostas estão todas lá para quem quiser procurar. Até quando alguma coisa parece não fazer sentido algum, provavelmente ela era importante. Mantendo o espírito da série original, os criadores David Lynch e Mark Frost nos apresentaram uma obra visual e narrativamente ousada, mais uma vez quebrando paradigmas na TV americana. Com total liberdade criativa, a dupla entregou a história que eles queriam contar e não algo que os fãs estavam esperando. Quem assistiu a esse retorno achando que iria ver a mesma série dos anos 1990 pode ter se decepcionado porque o que vimos foi algo completamente novo, embora ainda familiar. Ora, se a série original ficou marcada justamente por não entregar exatamente o que o espectador esperava, então por que Lynch e Frost fariam isso agora?

Assim, o que a dupla de criadores nos entregou nesta terceira temporada de Twin Peaks foi uma série que, em diversos momentos, mal lembra a original. E isso está longe de ser um defeito. Até mesmo o humor característico de certos personagens foi diminuído, em prol de uma trama que investe muito mais na mitologia da série e expande coisas que foram apresentadas apenas no filme Fire Walk With Me. Aliás, quando David Lynch disse que o filme seria essencial para entender a nova temporada, ele não estava mentindo. Começando pelo clima dos novos episódios, que lembram muito mais o clima sombrio e depressivo do filme do que o humor novelesco da série original. Além disso, personagens e locais que aparecem apenas alguns minutos no filme se tornam de extrema importância nesta terceira temporada. Nem mesmo a morte de certos atores mudou os planos de Lynch e Frost. Boa parte da nova história é centrada em Phillip Jeffries, personagem interpretado por David Bowie e que tem pouco mais de um minuto de tela no filme, mas que aqui é bem importante. Para contornar a falta de Bowie, o artista foi substituído por cenas deletadas do filme, vozes eletrônicas e até uma forma não humana que parece uma chaleira gigante e que não faz sentido algum quando a descrevemos, mas que faz total sentido no contexto em que é apresentada na série.

A atual forma de Phillip Jeffries

Bom, se o retorno do misterioso Phillip Jeffries à série já foi algo surpreendente, o que dizer então do retorno do carismático agente Dale Cooper (Kyle MacLachlan)? Preso na dimensão conhecida como Black Lodge desde o final da segunda temporada, o que os fãs mais ansiavam por ver era justamente como se daria a volta do personagem ao mundo real. E ela aconteceu de um modo que ninguém esperava. Cumprindo a promessa feita por Laura Palmer (Sheryl Lee) de que ambos se encontrariam novamente após 25 anos, Cooper inicia a nova história ainda preso no Black Lodge. Enquanto o lugar permanece familiar, com suas cortinas vermelhas e piso preto e branco, seus habitantes estão levemente diferentes. No lugar do anão de terno vermelho (conhecido como O Braço), temos MIKE (Al Strobel), o homem de um braço só, que assume as falas do outro. Isso até Cooper ser apresentado à nova encarnação do Braço, agora uma árvore sem folhas e com uma espécie de cérebro com boca no topo (sim, o Lynch estava sem amarras). A própria Laura Palmer aparece de forma bastante diferente e dizendo coisas enigmáticas como “Eu estou morta, porém, eu vivo”.

Sem pressa alguma de tirar o agente Cooper do Black Lodge, David Lynch nos leva por uma viagem não apenas pela clássica sala com cortinas vermelhas, mas também por outras áreas igualmente bizarras. A cena de Cooper em um apartamento no qual ele encontra uma mulher com olhos costurados está entre as coisas mais perturbadoras da série. O modo como os personagens se movimentam neste ambiente, como se estivessem indo para frente e para trás ao mesmo tempo, é de uma beleza perturbadora, digna de prêmios. Após tantos percalços em dimensões oníricas, no terceiro episódio finalmente Lynch e Frost trazem Cooper de volta ao mundo real para alívio dos fãs. Ou quase isso. Mentalmente debilitado após passar 25 anos em uma dimensão paralela, o adorável agente do FBI retorna com o cérebro de um recém nascido, tendo que reaprender funções básicas como caminhar ou falar. Se a série original girava em torno da pergunta “Quem matou Laura Palmer?”, a terceira temporada passou girar em torno de “Quando teremos o velho Cooper de volta em plena forma?”.

Embora em alguns momentos tenha sido frustrante esperar por esse retorno, a verdade é que foi exatamente essa espera que tornou tudo tão marcante quando ele finalmente voltou no episódio 16, embalado pela clássica música de abertura da série. Se ele tivesse voltado logo no começo, a coisa toda não seria tão impactante e comemorada por todos. É claro que, com o anúncio do retorno de Twin Peaks, todos ficamos ansiosos para ver o bom e velho Cooper de volta à ação o mais rápido possível, mas estava na cara que David Lynch nunca faria algo desse tipo. Isso seria apresentar mais do mesmo e a série sempre se destacou justamente por entregar o inesperado. Desta forma, no lugar do simpático agente tivemos Kyle MacLachlan interpretando a cópia maligna do personagem (que eu vou chamar de Evil Cooper) e Dougie Jones, a versão infantilizada de Cooper. Aqui vale destacar a atuação fantástica de MacLachlan, que realmente mereceu ser creditado como protagonista em todos os episódios. Cada uma dessas versões de Cooper possui seu próprio jeito de caminhar, tons de voz diferentes e até olhares completamente diferentes um do outro. A diferença do olhar infantil de Dougie Jones para o olhar ameaçador do Evil Cooper nos faz até duvidar de que seja o mesmo ator.

Dale Cooper e seu doppleganger maligno

Assim como a série original mudou a forma de fazer TV ao apresentar uma história conectada por vários episódios, esta nova temporada tenta mais uma vez trazer algo de novo. Diluindo a curta história principal em 18 episódios, a série apresenta diversos momentos de pura contemplação. David Lynch chega ao cúmulo de mostrar uma cena de uns cinco minutos de um homem varrendo o chão. Embora alguns momentos como este não levem a lugar algum, outros acabam dando pistas de forma bastante sutil justamente por passarem a impressão de que nada está acontecendo. Uma dessas cenas é a de Sarah Palmer (Grace Zabriskie) assistindo um programa na TV que fica sempre repetindo a mesma cena. A princípio temos a impressão de que nada acontece, mas ela faz referência direta um acontecimento bizarro do episódio 8 e serve para mostrar que algo de ruim está acontecendo com a personagem. É assim durante toda a temporada, coisas que parecem sem importância muitas vezes só têm o seu valor revelado uns três ou quatro episódios depois.

Essa calma ao contar a história também serve para Lynch e Frost mostrarem como estão alguns dos nossos velhos conhecidos de Twin Peaks, mostrando que os criadores não esqueceram deles, mesmo que não sejam mais o foco da ação. Aliás, os dois mostram bastante respeito pela própria obra ao fazer referências a pequenas cenas da série original. O caso que mais chama atenção é o de Bobby Briggs (Dana Ashbrook), que passou de adolescente encrenqueiro a policial da cidade. Isso é uma referência direta a uma belíssima cena entre ele e seu pai, o major Briggs (Don S. Davis). Nela, o major se reconcilia com o filho e diz que teve um sonho muito real no qual ele viu o futuro e que Bobby havia se tornado uma pessoa melhor e muito bem sucedido em sua profissão. O fato de Bobby realmente ter conseguido isso é algo que respeita a própria mitologia da série, onde sonhos são extremamente importantes e possuem algumas respostas para a vida. Ainda no campo dos sonhos, a nova temporada confirma que Laura Palmer anotou em seu diário a mensagem enviada por Annie Blackburn (Heather Graham) durante um sonho, numa cena de Fire Walk With Me.

As referências à obra original às vezes são feitas por meio de rimas visuais ou temáticas entre as temporadas antigas e a nova. Becky (Amanda Seyfried), filha de Bobby e Shelley (Mädchen Amick), por exemplo, é tão problemática quanto Laura Palmer foi um dia. Envolvida com drogas e um namorado que quer saber apenas de pegar dinheiro dela, em diversos momentos ela parece fadada a ter o mesmo destino da jovem assassinada em 1989 e que deu origem a tudo. David Lynch chega a indicar isso por meio de uma bonita cena na qual Becky está tendo uma viagem de drogas e seu rosto sorridente aparece bem iluminado, fazendo uma rima visual com uma cena do filme Fire Walk With Me na qual Laura também tem seu rosto bem iluminado enquanto sorri para o nada. Apesar da série não deixar isso bem claro, uma cena do namorado de Becky se suicidando numa floresta parece indicar que ele realmente teria matado a jovem, talvez dando início a um novo ciclo de sofrimento. Outra bela rima acontece quando Cooper finalmente recobra a consciência e Lynch utiliza na cena o mesmo enquadramento de uma cena clássica da série original.

Laura Palmer e Becky: destinos iguais?
Dale Cooper na série original e no seu retorno

Outro destaque da nova temporada foram as cenas bem surrealistas, que conversam diretamente com os primeiros trabalhos de David Lynch como diretor. Cenários como o White Lodge e o Black Lodge, as criaturas sobrenaturais e o quarto acima da loja de conveniência poderiam ter saído diretamente de Eraserhead, por exemplo. Além disso, agora que está aposentado do cinema, Lynch utiliza Twin Peaks para explorar outros recorrentes em suas obras. Estão lá os males da misoginia, a família suburbana que parece normal, mas é repleta de esquisitices, o casal de rednecks apaixonado por armas e até pessoas que são aparentemente calmas, mas que se transformam em uma máquina de matar quando irritadas. A cena de um pacato contador atirando em dois capangas do Evil Cooper porque eles estacionaram na frente da garagem dele chega a ser hilária devido à surpresa que causa. É quase como se David Lynch aproveitasse esse retorno de Twin Peaks para fazer um grande resumo da sua carreira.

Laura Palmer no Black Lodge

O eterno combate entre o bem e o mal

Mais do que mostrar personagens antigos e o que estão fazendo da vida após 25 anos, a nova temporada de Twin Peaks tomou proporções maiores. Ao mostrar várias outras cidades além de Twin Peaks, a série aos poucos se revelou como uma grande história do bem versus o mal. Embora seja tema recorrente em qualquer história, a criatividade de David Lynch faz com que um tema tão comum seja apresentado de forma totalmente inesperada. Lynch dirigiu todos os episódios da temporada e moveu suas peças com bastante calma pelo intrincado tabuleiro, sem que o espectador tivesse muita ideia do que estava acontecendo. Porém, o intenso episódio 8, chamado “Tem Fogo?”, joga tudo pro alto e surpreende ao ambientar sua história no passado, na década de 1940. Com uma pegada surrealista que lembra muito o filme Eraserhead, o episódio tem a missão de explicar tudo o que está em jogo no universo criado por Lynch e Frost. E ele cumpre esta missão.

Filmado quase todo em preto e branco, o episódio começa a mostrar o passado deste universo de maneira bastante significativa, com o governo dos EUA fazendo testes com bombas atômicas. Através de uma belíssima cena em câmera lenta, vemos um cogumelo da explosão se formando, enquanto a câmera vai se aproximando dele. São vários minutos acompanhando a formação do evento até que finalmente a câmera entra no cogumelo e vemos que mesmo na destruição existe uma certa beleza. Lynch apresenta algumas reações químicas através de cores fortes, que ficam ainda mais belas em contraste com o preto e branco do restante da cena. A beleza, porém, é logo substituída por algumas cenas perturbadoras que mostram o surgimento de um mal cada vez maior. Primeiro a origem da tal loja de conveniência que é citada por Phillip Jeffries no filme, junto com o surgimento de criaturas que habitam o Black Lodge, como os Woodsmen. Mais importante é o que vem a seguir, quando uma entidade poderosa parece aproveitar a explosão para criar aquele que seria o maior vilão de Twin Peaks, o assassino BOB (Frank Silva). Com isso, fica clara a intenção de Lynch em mostrar que todo o mal do mundo é fruto da própria humanidade e seu desejo por destruição. A combinação de imagem e som enquanto essa criação acontece consegue transmitir todo o horror do que estamos presenciando, nos deixando desconfortáveis enquanto assistimos.

Claro que uma guerra precisa de dois lados para acontecer e não demora para que os habitantes do White Lodge percebam o que aconteceu e comecem a tomar providências. Para a surpresa de todos, o Gigante (Carel Struycken) sacrifica uma parte da sua própria essência para criar um globo de energia dourado que será enviado para a Terra com o objetivo de combater o mal que acabou de surgir. Ao mostrar o globo mais de perto, vemos lá dentro o rosto de Laura Palmer, que ainda está longe de nascer. O mais interessante dessa decisão de Lynch é que ele transforma Laura numa espécie de Jesus Cristo do universo de Twin Peaks, destinada a sofrer e morrer para que o mal supremo possa finalmente ser extirpado do mundo. Mas se mesmo depois da morte dela o mal continuou existindo, o que pode ter saído errado? Isso pode ser explicado justamente pelo fato de que a própria humanidade é capaz de atos atrozes, fazendo a balança pender sempre para o lado das criaturas malignas. Assim, mesmo com a ajuda de seres superiores, pode ser que o mal nunca seja vencido de verdade. Esse episódio é diferente de tudo que existe na TV atualmente e duvido que veremos algo parecido tão cedo. É o David Lynch trabalhando sem amarras e levando a TV americana a outro nível mais uma vez.

Foi tudo um sonho?

Desde o começo, este retorno de Twin Peaks à TV causou controvérsia entre os fãs. Enquanto alguns ficaram felizes em ver algo totalmente novo e inesperado, outros se sentiram frustrados com a aparente falta de respostas e com a reduzida participação dos personagens da série original. Mas provavelmente nenhum de nós estava preparado para o final que nos foi apresentado. Cumprindo a promessa de que a série não traria respostas definitivas, o episódio final mostra que a verdadeira missão de Cooper era voltar no tempo e impedir a morte de Laura Palmer. Em parte ele é bem sucedido, já que vemos o corpo dela, enrolado em plástico, desaparecer da praia e Pete Martell (Jack Nance) sair para pescar tranquilamente. Quando parecia que Lynch iria nos entregar um final feliz, ele vira tudo de cabeça para baixo e Laura desaparece como se tivesse sido arrancada da realidade. Para complicar tudo, na última hora da temporada vemos que Cooper tinha um plano de emergência, fornecido pelo Gigante na primeira cena do primeiro episódio, e atravessa um tipo de barreira entre dimensões. E é aqui que a coisa fica realmente complicada.

Assim como fez em Cidade dos Sonhos quando, nos últimos 20 minutos de filme, apresentou uma realidade completamente diferente do que acompanhamos até ali, Lynch utiliza o décimo oitavo episódio para mostrar uma nova realidade para Twin Peaks. Nela, Cooper se chama Richard, porém ainda se lembra da realidade anterior e continua dedicado à sua missão de levar Laura Palmer de volta para sua casa na cidade de Twin Peaks. O problema é que ela agora se chama Carrie Paige, mora em Odessa, Texas, e nunca ouviu falar na cidade em que Laura cresceu e morreu. Além disso, a sua casa em Twin Peaks nunca pertenceu à família Palmer. Confuso, Cooper pergunta em que ano eles estão. Logo em seguida, escutamos a voz de Sarah Palmer chamando por Laura, assim como fez no episódio piloto da série, quando descobriu que a filha havia sumido. Ao ouvir o chamado, Carrie parece se lembrar de toda a sua vida como Laura Palmer e dá um grito perturbador que faz a casa ficar às escuras. A tela escurece, passam alguns segundos e sobem os créditos pela última vez. Mas, afinal, qual o significado de tudo isso?

Como dificilmente teremos uma quarta temporada, só nos resta especular a partir de tudo o que foi apresentado. E cada pessoa vai encontrar suas próprias respostas de acordo com o que foi mostrado ao longo da série. Levando em conta que Lynch adora brincar com sonhos, sendo este o tema de grande parte da sua obra, a primeira explicação que vem à mente é justamente essa. Todos os eventos, ou pelo menos parte deles, foram o sonho de alguém. Na verdade, pistas para isso aparecem desde o filme Fire Walk With Me, em uma cena envolvendo Phillip Jeffries e que aparece aqui como um flashback. Nela, o personagem entra desesperado no escritório do FBI gritando “Nós vivemos dentro de um sonho”. Obviamente isso poderia ser apenas loucura dele, fruto do tempo que passou dentro do Black Lodge. Esta frase acaba sendo repetida por Dale Cooper, no penúltimo episódio, em uma cena na qual o rosto dele aparece sobreposto por cima de outros eventos que estão acontecendo. Antes de dizer a frase, a expressão no rosto dele é a de alguém que está observando tudo aquilo de fora e que acabou de perceber algo importante.

Além disso, no meio da temporada, Gordon Cole (David Lynch), revela que sonhou com a atriz Monica Bellucci e que ela disse “Somos como o sonhador que sonha e depois vive dentro do sonho. Mas quem é o sonhador?”. Para completar o pacote, a realidade alternativa apresentada no episódio final lembra muito mais o nosso mundo real do que o fictício mundo de Twin Peaks. Por exemplo, a entidade maligna conhecida como Judy no universo da série, nesta nova realidade é o nome de uma lanchonete. Dentro dela, os clientes e funcionários são pessoas bem comuns, sem aqueles exageros típicos do seriado. Aliás, no filme, o próprio Phillip Jeffries menciona ter visitado um local chamado Judy’s, algo que pode indicar que ele também saiu da realidade do seriado. Já o agente Dale Cooper não parece ser ele mesmo, parecendo muito mais uma mistura entre ele e seu doppelganger maligno. Isso pode ser explicado pelo fato de que no mundo real ninguém é tão bom quanto Cooper ou tão maligno quanto o Evil Cooper e, por isso, Richard é uma mistura dos dois. David Lynch ainda brinca com essa questão da realidade ao escalar como atual moradora da casa dos Palmer a pessoa que é dona da casa na vida real. Tudo isso, somado ao fato de escutarmos Sarah Palmer chamando por Laura, pode indicar que a jovem está dormindo em seu quarto, no ano de 1989, e é o tal sonhador mencionado pela Monica Bellucci. O grito desesperado dela no final seria pelo fato de perceber que vai acordar e ser obrigada a continuar vivendo em uma realidade na qual ela é constantemente abusada pelo próprio pai.

A outra possível explicação para o final leva em conta tudo o que foi apresentado sobre o combate entre as forças do bem e do mal. De acordo com Gordon Cole, a entidade conhecida como Judy é muito antiga e aparentemente poderosa. Assim, quando Cooper impede a morte de Laura Palmer, Judy fica furiosa e a arranca da realidade. Isso explicaria a frase de Laura no Black Lodge: “Eu estou morta, porém, eu vivo”. Além disso, ela também é arrancada com violência do Black Lodge, o que pode indicar que Judy a enviou para uma realidade completamente diferente. Antes de ir ao passado, Cooper vê o símbolo do infinito projetado por Phillip Jeffries, algo que pode indicar que o destino dele é passar o resto da vida tentando salvar Laura e falhando. O grito final de Carrie Paige pode ser ela lembrando de tudo o que sofreu em sua vida como Laura Palmer e percebendo que está destinada a sofrer de novo. Além disso, aparentemente Sarah Palmer estava possuída pela Judy, o que poderia deixar o chamado dela no final ainda mais aterrorizante para Laura.

Embora esta segunda explicação mantenha um certo pessimismo, assim como a versão do sonho, a mensagem final de David Lynch e Mark Frost ainda consegue ser um pouco otimista. O mal realmente nunca vai deixar de existir, mas, mesmo assim, sempre existem pessoas boas como Dale Cooper que estão dispostas a nunca desistir de combater o mal. Mesmo que isso signifique dedicar toda a sua vida a esta tarefa. O próprio Gigante diz a Cooper, no primeiro episódio, que ele ainda está longe. Longe do que? Provavelmente da vitória, mas isso não o impede de continuar tentando. Não importa quantas realidades Judy crie para fazer Laura Palmer sofrer, o agente Dale Cooper sempre estará disposto a sacrificar tudo para ajudá-la.

Sonho ou realidade alternativa, não importa qual seja a nossa interpretação para o final da série, o fato é que David Lynch e Mark Frost nos proporcionaram uma viagem fascinante, através da mais interessante e criativa obra audiovisual exibida na TV em 2017. Uma obra que nos convidou a pensar fora da caixa e analisar cada detalhe em busca de significados. Que conseguiu nos fazer sentir medo, alegria, confusão, tristeza e até raiva em certos momentos. Se o objetivo de uma obra de arte é mexer com os nossos sentidos, Twin Peaks: The Return cumpre com louvor esta tarefa.

Twin Peaks: Terceira Temporada (Twin Peaks: The Return, EUA)

Ano: 2017

Número de episódios: 18

Direção: David Lynch

Roteiros: David Lynch e Mark Frost

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Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

Redator de cinema, gibis e games na Mob Ground. Quando não está jogando, está assistindo filmes, séries ou lendo gibizinhos.