Arquivo X

 

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Arquivo X voltou. Está meio esquisito. O Skinner agora parece até mais novo que o Mulder, a Scully parece constrangida com algumas coisas que tem que dizer, mas eles estão todos lá. O que eles andaram fazendo? Pelo jeito, Fox Mulder é gente como a gente e passou esses anos na internet vendo uns vídeos; Dana Scully é cirurgiã num hospital. Eles são reunidos pela insistência de um teórico da conspiração que aparece para nos informar que a conspiração que eles perseguiam desde mais ou menos 1993 é, na verdade, uma pista falsa para desviar a atenção da verdadeira conspiração, a ser acompanhada a partir de agora. Pois é, são muitas conspirações.

Quando o seriado acabou, em  2002, deixou para trás quase uma década de pontas soltas e casos sem solução. Passaram por lá ets, serial-killers, paranormais, enganadores e todos os tipos de pessoas e criaturas esquisitas. Nem sempre as respostas apareciam e nem sempre isso acontecia de propósito. Esse foi um dos charmes do seriado, que é um fenômeno da cultura pop. Quanto mais se avançava ao longo das nove temporadas, mais era possível perceber que regularidade não era bem o forte de Chris Carter e equipe de produção. Quando o fim chegou, a série já mostrava bastante desgaste e já parecia algo deslocada no ambiente da televisão americana. Claro que isso não impediu Arquivo X de deixar saudades, nem eclipsou os melhores momentos – que são muitos e muito bons.

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Nessa volta, a Fox liberou os dois primeiros novos episódios. O segundo foi um filler digno de Arquivo X, com alguns acenos a eventos passados e perguntas por responder. Fica a impressão de que Chris Carter quer desatar alguns nós que não haviam ganhado a atenção devida. Isso já é suficiente para agradar aos que gostam da série. Mas o primeiro episódio foi esquisito, ruim e, ao mesmo tempo, gostoso de assistir. A história é fraca e lembra os lances ruins do passado. Se fosse um piloto, se o público não tivesse afeto algum pelas pessoas que estão na tela, essa reestreia não causaria furor em ninguém. Mas é bom reencontrar Mulder e Scully. É bom poder vê-los juntos de novo, apesar de roteiro e direção não fazerem muito esforço para ajudar. Estava tudo uma bagunça: não se entendia o propósito emocional de ninguém, nem a razão de alguém fazer o que fazia, ou ir do ponto A ao ponto B. Isso também acontecia antes, mas mesmo em seus piores momentos a série manteve constantes seu carisma e a diversão que proporcionava. Por isso, o segundo episódio foi um alívio. Seria mentira dizer que essa volta deixou as qualidades de Arquivo X intactas, mas também não seria justo dizer que voltar foi um erro. Não é que eu queira ficar em cima do muro, mas acho que encontrei uma boa definição para isso, apesar de um pouco confusa. É a seguinte: muita coisa não mudou e isso foi bom, muita coisa não mudou e isso foi ruim.

Arquivo X tem um clima de filme B que era capaz de sumir se Chris Carter optasse por uma atualização completa aos moldes da televisão americana que se produz hoje em dia. Para fazer isso, ele precisaria de realismo (ou violência “real” na falta de realismo), verossimilhança, metáforas bem elaboradas, atuações dignas de premiação. Estamos falando, porém, de uma série que nunca ambicionou nada disso. Nesse sentido, foi bom voltar de onde havíamos parado. Arquivo X é e sempre foi aquilo ali, e vai ser ótimo poder acompanhar novos episódios se você, assim como eu, já conhecia e tinha certo carinho pela série. São quarenta e poucos minutos por semana: é um investimento pequeno, especialmente se considerarmos o longo tempo que passamos pensando que jamais veríamos aqueles personagens novamente. Só que  do outro lado do muro, tem o fato de que 2016 não é 2002 nem muito menos 1993. Deixa eu reformular: atualizar Arquivo X era inevitável e, na minha opinião, isso não foi feito com o carinho que o seriado merece.

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David Duchovny. Por que tão lindo?

Chris Carter e o pessoal dele poderiam ter tirado proveito de todas as transformações pelas quais a televisão passou nesses anos para intensificar pontos que haviam sido apenas esboçados anteriormente. Um exemplo bom e bobo de que isso pode ser feito (apesar de vir do cinema, uma outra mídia) está no sucesso recente de Star Wars: The Force Awakens. A franquia criada por George Lucas também passou por altos e baixos, e precisava muito de uma atualização ao mercado atual. Era necessário produzir uma versão que fizesse sentido para o público que vai ao cinema e compra merchandising em 2016. JJ Abrams e a Disney conseguiram passar com graça nesse teste, especialmente se considerarmos o risco financeiro e artístico que a produção trazia. Artisticamente, um péssimo filme poderia ser um golpe forte na relevância cultural da franquia; financeiramente, embora o retorno do longa fosse praticamente garantido, era necessário justificar a atenção em toda uma nova trilogia, além de filmes derivados e o aparato inteiro que acompanha Star Wars. Pode-se dizer muita coisa a respeito de The Force Awakens, mas é impossível negar que JJ e a Disney fizeram um filme com a cara dos nossos tempos.

Esse vai ser o caso da nova temporada de Arquivo X? Parece que não, a julgar por esse começo. O episódio inicial se negou a prestar atenção em Mulder e Scully e no relacionamento dos dois, e o segundo, embora tenha sido um reforço a ponto de o casal ficar shipável de novo, me pareceu totalmente descolado do primeiro. Poderia ser um filler de qualquer outra temporada. Se a identidade do seriado está muito ligada à televisão dos anos 90, que não priorizava necessariamente alguns elementos que hoje temos como fundamentais, e se nesse sentido seria perigoso mexer com a alma do programa, uma atualização benéfica teria que necessariamente passar pelos personagens.

Não é verossimilhança do tipo que quer que Arquivo X faça sentido com o mundo, é verossimilhança para fazer Arquivo X fazer sentido com Arquivo X.

Gillian Anderson se esforça para emprestar complexidade a Scully, e às vezes num olhar é possível ver que a médica seguiria seu ex-parceiro até o fim do mundo. Mas aonde ele vai? A obstinação de Fox Mulder sempre foi o motor de Arquivo X, mas quem é esse cara agora? O que o mantém obstinado em 2016? O que ele fez durante todo esse tempo? Se ele estivesse na vanguarda das novas teorias da conspiração, se a personalidade dele tivesse desenvolvido traços distintos ligados aos temas discutidos hoje em dia, aí sim seria possível entender o que é que teria levado o Mulder dos anos 90 a ser esse sujeito que ele é em 2016. Mas não vimos nada disso. Até aqui, ele e Scully parecem não ter vivido os anos que separaram a nona desta décima temporada. Para mim, essa oportunidade perdida parece imperdoável porque várias das muitas qualidades de Arquivo X têm espaço na televisão de agora.

Os dois primeiros episódios da décima temporada mostram que o seriado fez falta, e por muitos motivos: o mistério digno de filme B, as lendas urbanas, os fatos da vida real ligeiramente distorcidos bem ao estilo de uma teoria da conspiração, as brincadeiras com diversos gêneros cinematográficos e televisivos, a tensão sexual e amorosa entre os dois protagonistas – eu acho que tudo isso tem lugar na televisão atual, mas o tempo que passou exige uma reintrodução para a qual, até agora, Arquivo X não teve paciência.  Uma atualização pode não fazer diferença para quem tem uma relação longa com os agentes do FBI, mas o carisma desses personagens será suficiente para conquistar quem está chegando agora?

No fim das contas, eu acho que sim. Comparo a nova temporada a alguém de trinta anos tentando se enturmar numa balada de gente com vinte e dois ou vinte e cinco. Não dá para ficar totalmente à vontade, mas ainda dá para enganar um pouquinho.

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