The night of

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Quem quer que tenha escolhido Riz Ahmed para ser Naz, o protagonista de The Night Of, o fez consciente de que escalava os dois maiores olhos-de-cachorro-pidão da história recente da televisão. Eu me pego pensando nessa escolha quando tento elaborar minhas teorias sobre o que está acontecendo na série nova da HBO, que a essa altura está no terceiro episódio.

No piloto, Naz saiu de casa numa sexta à noite e para isso teve que pegar, escondido, o táxi em que o pai trabalha. Antes de chegar à festa, conheceu uma garota, eles foram à casa dela, transaram. Corta para ele despertando sozinho numa cozinha que não conhece. Ele sobe as escadas, se veste ao pé da cama, e vai acordá-la para dizer que está indo embora. Ela não responde. Ele acende o abajur e vê que tem sangue por tudo. Ela está morta. Ele foge. Depois, dirá que se desesperou e não soube agir.

The Night Of é um seriado de crime com detetive, advogados, tribunais, cadeia. Nada disso empolga pela originalidade, à primeira vista, mas a produção tem suas vantagens. A começar pelo orçamento, que permite uma fotografia bonita, bons atores, e aquela direção ambiciosa que caracteriza algumas coisas da HBO. O seriado ainda não deu material suficiente para que se especule sobre os motivos do crime, ou sobre as motivações dos personagens principais, mas o pano de fundo político leva a imaginação longe.

Naz é filho de imigrantes paquistaneses. Os pais são batalhadores de classe baixa, ele é excelente aluno. A família muçulmana faz o possível para passar abaixo do radar, e aí acontece esse crime horrível. Naz está no centro dos acontecimentos e todo o esforço que eles fizeram para não chamar atenção é esmagado pela enxurrada de visibilidade que um caso como esse atrai. Aos olhos de todo o mundo, um monstrinho muçulmano trucidou uma menina americana de vinte e dois anos. De certa forma o julgamento já foi feito, e agora todos ao redor vão pagar pelo crime. Só quem não se precipita em afirmar com toda a certeza que Naz é um assassino frio é quem tem contato com ele e pode ver que ele é um garoto americano como tantos, apegado à família e empenhado em se adequar.

tumblr_oakwfaoq4x1sbdg0wo1_250The Night Of é baseado na primeira temporada de Criminal Justice, da BBC, mas talvez não valha a pena buscar pistas da produção americana na inglesa. Não vi a original, mas logo de cara não me parece que uma transcrição ao pé da letra seja possível. The Night Of parece bem preocupado em tratar de temas americanos, e seus personagens, lugares e tumblr_oakwfaoq4x1sbdg0wo4_250conflitos lembram bem aquela Nova Iorque que a gente conhece através dos filmes dos anos 1990. O tema, porém, reflete totalmente as preocupações americanas após o 11 de setembro.

E é por isso que eu fico pensando nos olhos inocentes de Naz. O resultado seria o mesmo, qualquer que fosse a aparência de um filho de imigrantes acusado de matar uma moça americana branca: ele viraria um monstro. No terceiro episódio a imprensa já pergunta à promotoria se Naz tem relação com grupos terroristas, e mesmo que ele seja cidadão americano, tanto ele quanto a família precisam responder a todo momento quem são e de onde vêm. Só que mesmo depois de três episódios, nós, o público, ainda não sabemos muito sobre o suposto assassino. Ele não tem cara de bandido, como diz o detetive, mas ainda é cedo para comprar inteiramente aquele ar de fragilidade e inocência. Afinal de contas, tudo o coloca na cena do crime. Apenas o perfil e a palavra dele o tiram de lá.

Por outro lado, eu não acho que a HBO correria o risco de tratar de um tema tão delicado se fosse para chegar ao final com a descoberta de que aquele menino pintado como um monstro é realmente um monstro. Acho que é uma complicação indesejada para uma série de tevê, coisa que depende tanto da repercussão do público. Eles teriam que dizer: viu, nem todo muçulmano é um monstro, mas este aqui em particular é um monstro apesar dos olhos bonzinhos. Não acho que seja o caso. Acho que a série tem o objetivo de mostrar que o sistema criminal não está bem preparado para tratar de quem não se encaixa, mas…

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Nesse caso, escolher um protagonista com tanta cara de inocente só dificultaria o trabalho de todo mundo e, pior, entregaria o ouro muito rapidamente. Portanto, das duas uma: ou Naz tem cara de bonzinho porque é mesmo um menino inocente e vai sofrer o pão que o diabo amassou (o que é meio previsível e brochante para quem assiste), ou ele é um lobo em pele de cordeiro. Se ele for culpado, a série vai ter que se esforçar bastante para evitar justo aquela superficialidade que tenta criticar, e aí pode chegar num resultado interessante.

Faço todo esse exercício inútil de futurologia só para registrar que estou completamente perdida. Comecei o segundo episódio sem ter ideia do que aconteceria, e, vendo televisão, essa é uma experiência que eu adoro. Será que eu esqueci de alguma coisa? Sim. The Night Of ainda tem o John Turturro, no papel de um advogado de porta-de-cadeia com um eczema no pé.

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