Em Pulse tudo é muito duvidoso, muito sutil, o que reflete também na forma como o espectador lida com a história a ser contada. Em suma, acompanhamos um grupo de jovens, sobretudo Michi (Kumiko Asô), que lida com um caso de suicídio de um amigo em condições suspeitas e relacionadas à tecnologia. Paralelamente, seguimos também Kawashima (Haruhiko Katô), um estudante que, alheio ao surgimento da internet, fica intrigado com os vídeos estranhos que começam a aparecer em seu computador de pessoas solitárias e abatidas.
Desde as primeiras cenas, Kurosawa demonstra uma relação muito poderosa com a mise-en-scène, algo que já pode ser grandiosamente visto em seu longa de 1997, A Cura. Há uma relação estável com os planos, em detrimento de uma possível pirotecnia imagética, que serve para reforçar a atmosfera tensa e bizarra do longa. Em diversas cenas, a câmera se posiciona de maneira quase intrusa, lateral, por vezes estática, e por outras se movimentando de forma que desconstrói a expectativa ao explorar o espaço em cima do próprio eixo. É como se, assim, o diretor elucidasse a realidade que constrói aquele espaço e desterritorializasse o espectador em prol de deixá-lo perdido para a introdução do mundo fantasmagórico.
Mundo esse que é desenhado de uma maneira extremamente potente. Em Pulse, o elemento sobrenatural está presente desde o início, mas não explicitamente, fazendo com que sejamos jogados muito diretamente para com essa característica, mas através da sutileza atmosférica. A economia de informações (e pode-se dizer que Kurosawa é um mestre em economias), aliada à tonalidade verde escura que traz um ar abatido ao cenário, cria, perfeitamente, uma sensação de estranheza e suspeita, trazendo, por vezes, até um aspecto fúnebre, morto, que remete com precisão a uma ideia de fantasma. Pois a narrativa é, acima de tudo, sobre fantasmas, mas não de uma forma tradicional, e sim explorando este lado fantástico em diálogo com o processo através do qual a tecnologia transforma humanos em fantasmas, em seres solitários.
Pulse afirma assim, com muita força, uma crença neste sobrenatural. A sutileza na forma de contar a narrativa e a maneira como, em certos momentos, ela é abandonada drasticamente, mas com cuidado, para criar uma relação direta com o visual (criando sequências com um grande poder visual e manipulativo em um ótimo diálogo com o digital) reforçam com grande vitalidade um olhar sobre essa solidão contemporânea. Arrisco dizer, na verdade, que o grande motor do filme está neste diálogo com o elemento fantástico em choque com uma possível realidade.
O problema surge na segunda metade do longa, quando muito deste desenvolvimento sutil é abandonado. A Tóquio deserta, que de certa forma corrobora com a discursividade, explora uma vastidão caótica que destoa da intimidade do quarto escuro, assim como muito fica em evidência em relação à fantasmagoria. O elemento terrorífico é explorado em quantidade maior e quase se satura, mas a mise-en-scène de Kurosawa é tão potente que ele restaura a lucidez em momentos incríveis no uso do digital e do CGI.
Pulse é, em grande parte, uma história de crença, cercada de dúvidas e certezas frágeis, algo que pode ser visto desde a instância das personagens. Com momentos muito belos e uma capacidade surreal de construir uma atmosfera de estranhamento, possui um poderoso discurso sobre as relações humanas e seus consequentes desdobramentos do diálogo opressivo com a tecnologia que cresce. É sobre uma humanidade que cada vez mais se transforma em dois pontos que se aproximam e distanciam, porém há, no filme, uma grande qualidade de encerrar com um final aberto a possibilidades.
Título Original: Kairo
Direção: Kiyoshi Kurosawa
Duração: 119 minutos
Elenco: Kumiso Asô, Haruhiko Katô, Koyuki, Kurume Arisaka, Masatoshi Matsuo
Sinopse: Um grupo de jovens amigos é abalado pelo suicídio repentino de um deles. Quando sua imagem fantasmagórica aparece na tela do computador, algo muito mais terrível é desencadeado. O terror aumenta à medida que mais mortes e desaparecimentos ocorrem.
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