Assassinos da Lua das Flores | Crítica
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  • Foto do escritorMessias Adriano

Assassinos da Lua das Flores | Crítica


lily gladstone e leonardo dicaprio

Ao decidir adaptar para o cinema o best seller norte-americano Assassinos da Lua das Flores, o diretor e roteirista Martin Scorsese tinha nas mãos um vasto material sobre os primeiros anos do FBI (na época, sem o “F” e chamado somente de Bureau of Investigation) e sobre como aquela investigação colocou os agentes e o próprio departamento federal em evidência, solucionando uma onda de crimes cujas autoridades locais pareciam estranhamente negligenciar. Esse, no entanto, não é o caminho que a adaptação cinematográfica toma.


Nos Estados Unidos dos Anos 1920, uma onda de assassinatos de indígenas do povo Osage ocorria. Os nativos haviam sido deslocados à força diversas vezes pelo governo norte-americano de suas terras no Texas, até ir parar no fim do Séc. XIX em Oklahoma, local na época afastado de tudo e supostamente improdutivo. Anos mais tarde, descobre-se uma imensa reserva de petróleo naquelas terras, o que faz do povo indígena extremamente rico, com um PIB per capita de dar inveja nos países nórdicos atuais.


É nesse contexto que Ernest Burhart (Leonardo DiCaprio, cada vez menos parecido com um galã de cinema e cada vez mais parecido com alguém facilmente encontrado em Baturité/CE) chega ao local após a Primeira Guerra Mundial para trabalhar com o tio William “King” Hale (Robert De Niro). Oportunista, Ernest demonstra interesse romântico por Mollie Kyle (Lily Gladstone), uma indígena Osage cuja família tem direito a uma grande quantia em dinheiro pelas reservas petrolíferas.


Leonardo dicaprio e lily gladstone se abraçando

É curioso perceber como o figurino de Jacqueline West reflete a mudança causada pela circulação abundante de dinheiro no local. As mulheres indígenas, por exemplo, estão constantemente utilizando peças do vestuário tradicional e acessórios da moda da época, como aquelas que combinam o poncho com o chapéu coco e um felpudo casaco de pele.


O tom adotado pelo filme é muito mais de épico sombrio do que de investigação mirabolante. No meio disso tudo, Lily Gladstone salta aos olhos como surpresa avassaladora. A atriz, também descendente de indígenas, mostra o talento já provado em First Cow – A Primeira Vaca da América nos sutis sorrisos iniciais, que sugerem algo entre o medo e o interesse. O desenrolar da personagem e o talento da atriz permitem que ela alcance transmita a obliquidade das emoções de forma magnética, imprimindo um certo ar de mistério inebriante naquela mulher.


Da mesma maneira, DiCaprio compõe perfeitamente um Ernest como um idiota útil. Não do tipo cômico, pois a proposta do filme nem pede isso, mas do tipo perigoso, manipulável, que serve como testa de ferro para aqueles com mais poder. Mais do que projetar o queixo pra frente e curvar a boca ao estilo "grumpy cat", é acertada a escolha do ator de fazer o personagem ouvir o que a outra pessoa diz sem apelar para muitos maneirismos corporais, sem mexer muito o tronco ou os braços, dando aquela impressão de que escuta, balança a cabeça concordando, mas não tem muita certeza se aquilo que está ouvindo é correto ou não.


Pela falta de reflexão, acaba fazendo o que lhe mandam. E isso de vez em quando resulta em momentos marcantes, como na cena que ocorre logo após a explosão de uma bomba, cuja expressão do olhar do personagem sugere um arrependimento que lhe dá mais substância. Talvez ele realmente “ame tanto o dinheiro quanto ele ama a esposa”, como ele mesmo diz, o que obviamente não o faz menos culpado pelas ações que toma. O mal está em todos os lugares.


Lily Gladstone, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio juntinhos.

Mas se o protagonista é burro, Scorsese é Inteligente. Por se tratar de uma história real de massacre contra um povo oprimido e negligenciado, diminuir o nível da violência característica nas obras do diretor é, antes de tudo, um sinal de respeito. Para além da brutalidade como entretenimento, Scorsese acerta em focar nas origens gananciosas do mal que geraram o drama daquele povo, tão forte culturalmente quanto enganado, injustiçado ao ser abandonado pelas autoridades. O diretor e a montadora Thelma Schoonmaker sabem entreter e envolver o espectador ao evitar que o caminho da história se torne repetitivo, ainda que longo.


Ora, mas Scorsese é um homem branco falando sobre um povo oprimido. Mesmo fugindo da armadilha de inserir “salvadores heroicos” na trama, Assassinos da Lua das Flores não deixa de ser uma perspectiva de alguém estranho àquela situação, alguém cujos antepassados não chegaram nem perto de sofrer por mortes cruéis por dinheiro de petróleo.


Fazer uma obra artística sobre o caso tem seus méritos, relembra e coloca novamente em evidência a tragédia, pode gerar alguma reflexão, mas é verdade que também não faz do artista um herói. Reconhecendo isso, o diretor se insere no contexto de narrador externo contando a história sob o uso de artifícios. O programa de rádio patrocinado pelo FBI ao final é a maneira de nos lembrar: o que acabamos de ver foi um espetáculo, provavelmente construído por alguém cuja educação e bagagem cultural pode até ter levado a construir empatia, mas que jamais será comparada à perspectiva Osage da mesmíssima história.

 

Nota: 4/5

4 estrelas de 5

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