Barbie
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  • Foto do escritorMessias Adriano

Barbie


De certa forma, Greta Gerwig era a diretora perfeita para o cargo por trás das câmeras de Barbie. Iniciando como atriz no mumblecore (movimento de filmes identificados pelo baixo orçamento e grandes aberturas para improvisos), ela mais tarde pegou um título que era Sofia Coppola até então: a cineasta-patricinha preferida dos cinéfilos. Além disso, os filmes dirigidos e escritos por Gerwig sempre possuem temáticas femininas e feministas sobre crescimento, fábulas que encontram uma facilidade de comunicação com o público moderno e, mais importante, um talento absurdo oriundo de uma sensibilidade dada ao tratamento do amadurecimento que se une a personagens divertidos e inteligentes na mesma medida.


Em Barbie, o cartão de visitas da habilidade da diretora chega com tudo. Mesmo já tendo visto o teaser promocional referenciando 2001 – Uma Odisseia no Espaço, confesso que me emocionei quando a boneca gigante substitui o monólito de Kubrick. Sim, o posicionamento da cena logo na abertura choca positivamente pela beleza que evoca aliada à mensagem quer dizer para o público de maneira criativa: Barbie, o produto, de fato veio como um brinquedo que mudou o curso da história de bonecas e que, de alguma forma, deu mais “independência” às brincadeiras das garotas. Numa época em que as meninas apenas brincavam de ser mãe e cuidar de bebês, veio uma boneca que permitiria às pequenas brincarem de ser tudo: médica, advogada (advogada não, porque ninguém quer ser advogada), astronauta, ganhadora do Prêmio Nobel, etc.


Mas a boneca não resolveu os problemas sexistas do mundo e roteiro (também assinado por Gerwig e seu parceiro cinematográfico habitual, Noah Baumbach) é cheio de ironias em relação a isso. Tão cheio de ironias, que por vezes soa excessivo e autocondescendente, como se o tempo todo precisasse se justificar e pedir desculpas: “Ah, eu tô fazendo um filme-propaganda sobre uma boneca que é quase um produto-símbolo do capitalismo norte-americano, mas olha como eu retrato os escritórios da Mattel, cinzas e com diretoria boba”, “Ah, eu tô dizendo que minha protagonista se sente feia, mas olha eu inserindo um voice-over pra dizer que a Margot Robbie não é a pessoa ideal pra falar isso”.

Aliás, para alguém por trás dos instigantes roteiros de Lady Bird, Adoráveis Mulheres e Frances Ha (amo todos), existem facilidades estruturais um tanto quanto decepcionantes aqui: no Mundo Real, Barbie vai em busca de quem está brincando consigo na Barbielândia para acabar com uma crise existencial pela qual a boneca está passando. Quando a personagem da mãe, Gloria (America Ferrera), está em carro em alta velocidade perseguindo e tentando salvar Barbie, por tudo que já havia acontecido até ali, já dava pra ter sacado que a pessoa a ser encontrada não era sua filha adolescente rebelde, e sim a própria Glória, a mãe. Então pra quê colocar, pela segunda vez, um flashback da família brincando, se desconectando, doando brinquedos e que mais parece uma propaganda vinculada ao dia das mães? Não satisfeitas, as duas ainda verbalizam: “Ah, então era você quem estava brincando comigo!”. Talvez aqui fosse o caso de arranjar saídas mais elegantes e fortes do que o sacudir o espectador pelos ombros de forma verborrágica. Nesse ponto e considerando que o lançamento do filme está ligado ao Barbieheimer no mundo do cinema, é uma pena que Gerwig tenha caído no tesão que Christopher Nolan tem em explicar demais as coisas.


Na mesma toada, existem decisões dos personagens que soam como nada mais que artifícios repentinos, por não terem a devida construção: a filha adolescente rebelde que 5 minutos antes estava chamando a Barbie de fascista e prejudicial para o crescimento feminino, no meio da estrada e voltando para o Mundo Real, vira pra mãe e diz que elas devem ficar no mundo cor de rosa, voltar e ajudar a boneca.


Pode até ser que essa pressa consiga conversar muito bem com as audiências atuais (o que também pode ser alcançado pelas piadas sobre crises de ansiedade, depressão e horas de Instagram), mas essa generalização superficial também causa problemas estruturais com direito a discurso edificante no terço final, posto ali de uma maneira enfadonhamente obrigatória: depois que o chefe da Mattel diz que queria "voltar ao que era", a forma que o filme encontra de se opor a isso é colocar a mãe no centro do grupo, discursando por alguns minutos no melhor estilo "drop the mic" algo no sentido de que "a mulher pode ser tudo que ela quiser, inclusive nada". Sim, é uma verdade e algo que deve ser refletido como forma de retirar a pressão pela mulher perfeita na sociedade. Mas os elementos estruturais nos quais ele foi inserido ali (final do filme, personagem coadjuvante dando discurso inspirador no meio de todo mundo) e pelo texto falado não ter muita substância em termos de criatividade, soa protocolar, diferente da inventividade que o próprio filme vinha construindo antes, em uma redação burocrática, por mais que cheio de boas intenções e de visões corretas do mundo que ele tenha.

Ok, então chegamos à conclusão de que Barbie não é um filme revolucionário e que vai modificar para sempre o modo de pensar da humanidade. Mas que filme fez isso nos nossos tempos cínicos, meu deus? Ninguém esperava que Greta Gerwig trouxesse nas costas o peso de um Cléo de 5 Às 7 ou de um Jeanne Dielmann. Pra quê exigir sutileza do filme que acabou com os estoques de tinta rosa da maior fornecedora de produtos cênicos do mundo? Contraposto à burocracia dramática obrigatória de um discurso triunfante e soluções um tanto quanto rasas no fim, a força de Barbie e de Gerwig está em sacadas cômicas espirituosas, a melhor delas sendo o retrato masculino de homens representados não só como idiotas na Barbielândia, mas como pessoas sedentas por poder e competições, o que, bem, funciona bastante por atingir o ponto certo de sarcasmo e força.


Nesse sentido, um Ken de Ryan Gosling concluindo que cavalos são uma extensão natural masculina ou feliz após uma pessoa do Mundo Real chamá-lo de “senhor” ao perguntar as horas é hilário (“As pessoas me respeitam aqui!”, diz ele estufando o peito), mas diálogos como os de Barbie dizendo: “As pessoas do mundo real ficam me encarando e eu me sinto insegura, como se alguém fosse me atacar”, descobrindo e demonstrando preocupação com pressões e assédios do Mundo Real, conseguem o destaque da comicidade e da potência crítica completa sem muito esforço quando vem a resposta do Ken: “É? Pois eu sinto apenas admiração”.


Essa perspicácia e visão exagerada se encaixa muito bem naquele universo caricatural, criado como um espelho invertido do nosso mundo. É nessa ironia colorida que Barbie tem sua potência arrasadora e bombástica, não em redundâncias narrativas apressadas ou conversas decisivas postas sequenciadas nos momentos finais (Barbie e Ken? Resolvido. Próximo. Gloria e todos? Resolvido. Próximo. Barbie e Ruth? Resolvido. Próximo). E, na última cena, é bastante recompensador que Gerwig encerre com uma passagem que transmite a mensagem de forma simbólica: você pode até não ser tudo o que você quiser, só não esquece de se cuidar.


 

Nota: 3/5


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