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  • Foto do escritorMessias Adriano

Memórias da Chuva | Crítica

Atualizado: 10 de dez. de 2023


árvore submersa por água.

É melhor fazer um açude de uma grande área à mostra, ou de grande profundidade? Por óbvio que a resposta não é simples e perpassa pela análise dos objetivos, ciência, impactos ambientais e sociais da construção. Para votos dos governantes responsáveis pelas obras, no entanto, quanto mais faraônico, melhor. São as obras grandes e vistosas que mais chamam atenção do povo e da imprensa, e por isso facilitam o marketing político.


O Açude Castanhão e o impacto social da sua gênese são os temas do documentário Memórias da Chuva. Para construir uma grande barragem que facilitasse o abastecimento de diversas cidades no estado do Ceará que sofriam com a seca sazonal, a população de Jaguaribara teve que ser deslocada para um novo local, uma nova cidade (“Nova Jaguaribara”), visto que a cidade anterior ficaria submersa.


Há no início uma desesperança de que o filme percorra caminhos protocolares demais. As imagens capturadas por drones em enquadramentos plongée (câmera de cima pra baixo) de um local abandonado, mas com quarteirões ainda formados, impressiona, mas há uma transição de gosto duvidoso, com nuvens artificiais aparecendo para revelar o nome do filme e que lembra mais uma estética televisiva dos Anos 90. Sorte que esse mau sinal acabou por aí.


O que vem em seguida são depoimentos e imagens de arquivos que explicam o que ocorreu desde 1985, quando a ideia da construção e remoção dos jaguaribarenses veio à tona, sob um tom político e emocional.


Como explica um dos personagens da obra, até 1992, houve grande luta e reação dos habitantes da cidade prestes a ser submersa, tendo em vista que a ideia inicial era somente indenizar a população que ali vivia e pronto, eles que se virassem com todo o resto. Organizados em associações, praticamente invadiam espaços que não eram convidados para debater melhor o assunto, até que conseguiram com que o governo do Estado e Federal entrassem em parceria para a construção de uma nova cidade, a primeira cidade planejada do estado.


barragem em nível baixo.

O maior mérito de Memórias da Chuva é da montagem. Essa reunião de uma tonelada de imagens de arquivo passa pela decisão do que manter e do que cortar, e o filme é bastante feliz na organização sequencial dos depoimentos num sentido lógico e dramático. Preservar a espontaneidade de certas falas, por exemplo, ajuda a entender aquelas pessoas como seres humanos que certamente encontraríamos em uma cidade pequena (“saia do mei, meu fi”, diz uma senhora no meio do depoimento, para impedir que alguém passasse na frente da câmera enquanto ela falava). Palmas também por contrastar o discurso do político que bravejava que “este é um momento de muita alegria para todos” com um olhar triste e desiludido da população que ali estava escutando.


Sim, as incríveis imagens submersas impressionam, mas é a força emocional das despedidas que representam o ápice da obra, e que funcionam por não soar gratuitamente melodramáticas. São passagens até pequenas do já curto documentário, mas que constituem as imagens mais marcantes: os depoimentos da retirada dos ossos dos mortos no cemitério, o choro da velhinha trancando a casa pela última vez para partir e nunca mais voltar, ou do pescador que se agacha e cujas lágrimas se misturam no rio porque não quer sair dali.


E é raro quem queira ir embora. No entanto, o filme ainda encontra espaço de maneira orgânica para dar voz às raras pessoas mais humildes que foram beneficiadas, que preferem a Nova Jaguaribara à antiga. Houve quem ganhou metros quadrados de terreno a mais do que tinha, energia elétrica e água encanada.


O que se expõe não é a necessidade ou não da grande obra, mas o fato de que havia alternativas mais inteligentes, como as pequenas barragens sugeridas pelos engenheiros da época e de agora. O impacto ambiental e social, segundo especialistas, seria menor. O “progresso”, no entanto, sempre passa por cima daqueles que não têm voz por não ter dinheiro.


 

Nota: 4/5



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