O Castigo | Crítica
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  • Foto do escritorMessias Adriano

O Castigo | Crítica

Atualizado: 12 de dez. de 2023


Marido e mulher do filme o

O feminino e a maternidade constituem o ponto central de O Castigo. O filme chileno roteirizado por Coral Cruz e dirigido por Matías Bize possui pouquíssimos personagens e é centrado em Ana (Antonia Zegers).


Lembrando a premissa de Eles Voltam, filme nacional de Marcelo Lordello, aqui vemos o ponto de vista de pais que abandonam o filho de 7 anos em uma estrada para lhe aplicar um castigo após um ato de mau comportamento. Mas se o filme de Lordello se concentrava nos acontecimentos rellacionados diretamente às crianças abandonadas, aqui vemos a angústia e arrependimento dos pais que aplicaram a lição.


A reação do pai Mateo (Néstor Cantillana) é a de alguém que se mostra inicialmente mais sensato e disposto a resolver a situação do que a da mãe Ana. Logo que voltam e não encontram o filho, ela quer evitar a todo custo que se chame a polícia e, quando o fazem, insiste em esconder o real motivo pelo qual o menino está perdido, inclusive para o espectador. É curioso notar como o trabalho de maquiagem e penteado já mostram que Ana, de olhos fundos por conta das olheiras, e cabelos um tanto quando desgrenhados, enquadra-se na categoria “mãe cansada”. Mas “mãe cansada” talvez seja pleonasmo na nossa sociedade, e isso vai desempenhar um papel importante na história.


O som sabe trabalhar os silêncios como quebras das tensões existentes, ajustando na mixagem o volume do mundo ao redor daqueles personagens para dar calma a alguém quando, por exemplo, Ana tenta aliviar a angústia acendendo um cigarro, momento no qual os gritos pelo nome do garoto cessam e ouvimos somente um ou outro barulho da floresta.



Some-se a isso o fato da fotografia, além do virtuosismo de filmar a obra em um plano-sequência (real, não simulado), elabora quadros e composições esteticamente belas, sabendo aproveitar as cores da floresta densa, como nas cenas que vemos os pais de peças de roupa azul diminutos e cercados do verde, como se fossem estranhos aquele local. O foco também é constantemente ajustado conforme as necessidades de se isolar ou juntar pessoas, e isso desempenha uma função narrativa notável se percebermos que a conversa entre Ana e a policial (Catalina Saavedra) é um dos raros planos em que vemos dois personagens unidos no quadro, focados em um plano médio.


Além disso, a direção faz com que o difícil único plano no qual o filme se passa foque e permaneça a maior parte da obra em Ana. A câmera cola nela e são raras as passagens nas quais não estamos vendo a mulher no quadro, ou enxergando as coisas sob o olhar da mãe.

Diferente do marido, Ana é firme, fala olhando nos olhos com Mateo sobre a importância de impor limites impostos ao filho pequeno.


Ela percorre, no entanto, um ciclo da firmeza à dúvida, para então voltar à firmeza e ao colapso de uma revelação sentimental que seria caracterizada como “feia” sob o olhar da sociedade. Nesse sentido, a decisão da direção de apresentar a obra em um plano-sequência constitui não somente um exercício de vaidade para mostrar a capacidade técnica da equipe, mas também uma decisão que adapta linguagem à narrativa, visto que a continuidade sem cortes ajuda na transmissão da urgência da situação e também casa com essa revelação de sentimentos que, por estarem guardados há tempos, desmoronam, saem todos de uma vez.


E essas revelações abruptas, mas que fazem sentido quando observadas no todo, colaboram no sentido chamar atenção para uma das forças do filme: o fato de quebrar as expectativas antes criadas. Pela firmeza e imposição das falas, Ana poderia ser vista como alguém obstinada que faz o que quer, do jeito que quer. A mulher retratada aqui, no entanto, não está isolada do mundo e não escapa às pressões sociais.


Ao final, vamos descobrir que a vergonha daquela mulher em dizer aos policiais o realmente aconteceu para que o menino desaparecesse é também um medo de ser julgada pelo outro. Ao final, vamos descobrir também que o castigo do título não é para o filho, e sim para a mãe.



 

Nota: 4/5


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