Pedágio | Crítica
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  • Foto do escritorMessias Adriano

Pedágio | Crítica


Tiquinho olha com óculos rosa

Se em Carvão (2022) a atriz Maeve Jinkings e a diretora Carolina Markowicz mostraram um potencial forte e magnético de criar personagens, a parceria dos sobrenomes esquisitos funciona de novo em Pedágio, provando que o destaque das duas artistas em termos de interpretação e direção não foi obra do acaso, mas sim de talento.


A trama aqui gira em torno de Suelen (Jinkings), uma mãe solteira que trabalha em um pedágio de estrada em Cubatão/SP e mora com o filho adolescente Antônio/Tiquinho (Kauan Alvarenga). Suelen tem vergonha e se preocupa com a orientação sexual do filho, que faz vídeos afeminados e extravagantes para vender produtos. Ela então põe em prática um plano para colocar o garoto em uma oficina religiosa de “cura gay”.


Salta aos olhos como a direção de arte de Vicente Saldanha se aproveita de locações reais para dar profundidade, imersão e um senso de realismo à obra. As cerâmicas caídas, tinta descascada da parede, cortinas improvisadas com lençóis e o esmero da (des)organização dos objetos na casa de Suelen e Tiquinho transparecem os poucos recursos daquela família sem precisar dizer nada.


Da mesma forma, o trabalho sonoro é bem feito principalmente por fugir da perfeição controlada e limpa de obras menos ousadas. Em Pedágio, ouve-se com frequência latidos de cachorros na vizinhança, sirenes constantes e sons de carro logo ao amanhecer, barulhos comuns ao ambiente urbano como o que os personagens vivem.


Telma olha desconfiada

Nesse sentido, o filme trabalha não só os personagens principais, mas insere eles no mundo também com uma utilização competente de coadjuvantes, sejam colegas de trabalho, de escola ou relações amorosas. O destaque como alívio cômico eficiente para Telma (Aline Marta Maia), que estabelece com Suelen uma relação de confiança bem calcada no real, e por isso com um quê de hipocrisia.


Tudo isso é posto sob o comando da direção Carolina Markowicz. Cineasta atenta aos detalhes, usa muito bem as pistas e recompensas pra quem presta atenção: a abertura mostra Suelen acordando, indo ao banheiro e limpando com um papel higiênico o assento do vaso sanitário antes de urinar, o que poderia significar que aquela não seria a casa dela, mas é uma atitude que vamos entender depois como consequência de uma relação amorosa um tanto quanto complicada. É satisfatório também percebermos o motivo de Suelen olhar tanto para os relógios de alguns motoristas que passam pelo pedágio à medida que a trama se desenrola e antes mesmo de a protagonista dizer o objetivo daquilo.


Portanto, a diretora não dá as situações mastigadas, mas deixa no ar elementos para irmos pegando à medida que o filme se desenvolve e que conhecemos mais aqueles personagens. Essa característica é aplicada inclusive nos movimentos de câmera: ao vermos apenas dois homens nervosos olhando para o que não conseguimos ver no extracampo, não sabemos o motivo da ansiedade e a câmera gira sob o próprio eixo em um “pan” lentíssimo, aumentando a tensão para o que vai se revelar depois.


Suelen de pijama rosa e Tiquinho de azul

Capaz de compor planos esteticamente bonitos, como o de Suelen caminhando entre as cancelas antes de ver uma viatura policial, o filme como um todo usa as cores azul e rosa como oposições significativas de um filme que trata também sobre conservadorismo ("meninos vestem rosa e meninas vestem azul") em questões de orientação sexual: não só há uma explosão de rosa no quarto de Tiquinho, conflitando com o azul frio que toma conta dos corredores da casa, como azul e rosa são as cores dos “sucos pasteurizados” que o pastor utiliza em determinado momento na pregação. Se essas cores podem ser lidas como inerentes a Suelen e Tiquinho, é bacana perceber o intercâmbio delas entre esses personagens, visto que Suelen usa rosa em determinado momento (como nos pijamas) e Tiquinho é frequentemente visto com camiseta, calção e calças azuis.


Dessa forma, equilibrando-se entre o poético e o real, Pedágio insere uma família em um contexto de aperto financeiro, cura gay, mas também de afeto. Não há soluções mirabolantes ou escapistas, porque assim também não é a vida.


 

Nota: 4/5


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