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Últimas opiniões enviadas

  • Davi Mello

    No livro "As Ondas", Virginia Woolf transforma o pensamento-em-continuo num relicário dessacralizado pelas ausências. Amigos compartilham suas memórias, por milhas inventadas, a partir da morte de Percival. Trata-se, portanto, de uma eternidade romântica que guia todas as personagens através dos anos.

    Veio-me à mente Woolf enquanto assistia ao longa de estreia da diretora portuguesa Catarina Vasconcelos, "𝐀 𝐌𝐞𝐭𝐚𝐦𝐨𝐫𝐟𝐨𝐬𝐞 𝐝𝐨𝐬 𝐏á𝐬𝐬𝐚𝐫𝐨𝐬", no qual o documento ainda se recorda da imagem letrada. Assim como a escritora modernista, as associações e metáforas de Vasconcelos e sua família guiam um filme em natureza-morta. A memória é uma paisagem de movimento imaginado. Documentar-se por intermédio dos detalhes, das mãos que já se tingem às rugas (ecoando as mãos catadoras de Agnès Varda), faz da metamorfose um exercício singular sobre o luto e o cinema. Talvez porque aquilo que é externo à película - o que decompõe fora do quadro numa cesta de café-da-manhã, ou no tronco de uma árvore -, ainda seja passagem de uma vida.

    Um dos grandes filmes desse ano. Para guardar bem na retina.

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  • Davi Mello

    “Sou de Nazaré, Palestina”
    “E onde fica isso? Israel?”
    “Não! Na Palestina!”

    Elia Suleiman é um personagem de slapstick comedies, quase um clown, quase um mímico; utiliza o seu corpo para caminhar e partir, enquanto seu rosto é de um efeito Kuleshov, o mármore de Buster Keaton. Ele já não se espanta vivendo entre-imagens de uma cultura de guerra; detém uma expressividade doce no olhar, embora nunca consiga sorrir ou proferir meia dúzia de palavras, porque, quem sabe, esteja em voto de silêncio pela Palestina. Em O Paraíso Deve Ser Aqui, para afirmar a sua condição de cineasta e a sua identidade palestina, Suleiman se autorrepresenta, documentando-se, e faz de sua presença um diário de denúncias.

    Num primeiro momento, sua atenção é para o cotidiano de pessoas simples do bairro onde reside, seja um ladrão de limões, ou um velhinho cheio de histórias sobre caças. O diretor passa o dia fumando e bebendo. Veste-se com ternos, camisas coloridas e possui um chapéu tipo fedora sobre os cabelos grisalhos. Quando decide viajar à Paris, assusta-se com seu estrangeirismo, a indumentária tornando-se traje de turista, um Monsieur Hulot (Jacques Tati) da Palestina, que rapidamente identifica os contrastes culturais e sociais entre os seus destinos. Diferente de Hulot, seu incômodo não parte da burocracia e da tecnologia predatória, mas da indiferença do Estado pelos imigrantes e pela exploração da mão-de-obra.

    Empolga-se, no entanto, com a maneira de se portar e vestir das jovens francesas; nota a liberdade de não serem impostas a dogmas extremistas, assim como a possibilidade de transitarem sem medo e sem vendas nos olhos. Contudo, também encontra uma França paternalista e fantasmagórica, recolhida no evento do Dia da Bastilha, no qual vangloriam a revolução da burguesia e o exército. Aeronaves cortam o céu e carros de combate atravessam faixas de pedestres. Talvez o Paraíso ainda não seja em Paris. De todo modo, são apenas fogos de artifício que estouram no manto da noite. É por isso que é melhor manter-se calado, para atentar-se às bombas e aos ruídos, já que o som de uma simples latinha sugada pelo bueiro pode evocar uma lembrança violenta.

    Em Nova Iorque, é questionado sobre o seu ofício de cineasta, o qual lhe possibilita ser um “cidadão do mundo”. Finalizam ainda: “você se considera um perfeito estrangeiro?”. Ele nunca responde, permitindo que o filme se encontre cada vez menos em uma universalidade. A imagem é uma esquete que não se conclui – resiste em sua intermitência. O compromisso de Suleiman é com a sua defesa identitária e com a luta pelo reconhecimento de seu povo. Da gag cartunesca e barulhenta, países colonizadores são dominados pelo interesse do capital: alimentar a corrida armamentista faz parte do jogo.

    Sua condição de estrangeiro é imperfeita, não basta-lhe ser um cineasta reconhecido se a sua língua e sua própria etnia forem motivos de reforços e seguranças em aeroportos. Suleiman encontra no cinema uma maneira de libertar-se do fardo da sobrevivência – o cinema é um privilégio geográfico, existem vidas atrás dos quadros e a sua sina é expôr o não-visível. Com humor e sensibilidade, ao menos por uma noite, o Paraíso é a Palestina, não existe lugar melhor no mundo para se viver, e os jovens merecem sonhar com um dia de festa.

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  • Davi Mello

    Esta será a história de uma família de coelhos.

    Para que ninguém se engane ao adentrar a sala de cinema: se passará, também, durante uma temporada de caça.

    Meu fascínio pelo cinema é a possibilidade da surpresa – e, quando tal elemento se manifesta, é melhor deixá-lo oculto, cobri-lo de volta com seu realismo impossível e permitir ao outro um pouco da noite. Gosto quando o fantástico se experimenta para além de um único gênero, quando o cinema se sente forte em sua autoconsciência, da transparência sendo rompida. Em “O Discurso Cinematográfico”, Ismail Xavier vai chamar isso de Cinema da Imagem Arquétipo, quando há disjunção e descontinuidade, não essencialmente abstratas. O autor cita, por exemplo, Maya Deren e seu “cinema-ritual” – um cinema do controle, da libertação do inconsciente. Koko-Di Koko-Da (2019) talvez seja uma das melhores surpresas que tive esse ano, articulando-se em uma estratégia ritualística.

    Do prenúncio da morte à fabulação infantil, o diretor Johannes Nyholm transforma um brinquedo lúdico, de evocação às cirandas nórdicas, em um pesadelo contínuo. Uma caixinha de música é um portal para más recordações. Recordar uma morte não é só estar preso no passado, é também negar a própria existência. Longe de querer se reduzir a uma alusão ao luto e/ou à uma crise matrimonial, “Koko-Di Koko-Da” formula o medo da permanência – estar vivo é quase uma maldição quando só se consegue se lembrar. E então, o filme se provoca e se repete, uma, duas, três vezes, é um exercício de memória, a memória que se forma d’um cataclismo espiritual.

    O tempo se desconstrói em sua inércia, na inevitável presença do diabo e o cantarolar daqueles que estão sempre partindo. Nyholm tece a luz da lanterna, o olhar da mulher e a fuga do homem – invoca o Black Lodge de “Twin Peaks” (David Lynch), um limbo primitivo, mas humano. E das repetições, revela-se um filme possuído por outros filmes, contudo, incomoda a quem vê, se da plateia ou do além-enquadramento, por nenhum deles ser sobre exorcismos. Penso que uma obra realmente assustadora não é delimitada apenas pela ausência de esperança – nesse ponto, “Koko-Di Koko-Da” quase me fez chorar com um simples teatro de sombras. O que me aflige é um recomeço.

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