Interessante como a alegoria de guerra vai passando por cada etapa da relação dos personagens, o rompimento banal, o orgulho, a humilhação, as ameaças, a escolha pelas armas e formas de luta, o redesenho da ética no contexto de disputa, os vaticínios místicos, culminando com a sugestão da falsa paz e da perenidade do confronto até o extermínio. Cada um desses pontos é enriquecido tão sutilmente, em um tom quase despretensioso. O brilho adicional da obra vem pelos gestos de carinho e cuidado quando o conflito excede os dois, humanizando os personagens e a dinâmica filosófica do conflito. Gosto muito da representação dos bichos na obra, indica que a ferocidade não é sinônimo de animalização. As cenas da cachorrinha são meus momentos de derreter o coração preferidos.
O filme deixa a sensação de que o Brasil precisaria passar por uma reparação histórica em termos similares. A nossa lei da anistia promoveu um amordaçamento sufocante e acredito que continua a alimentar sonhos totalitários fundados pela impunidade.
Viver com lembranças de um passado pessoal e ancestral dolorido é uma experiência sufocante, e vemos no filme os efeitos disso em trajetórias de pessoas negras no mercado musical. A mensagem do filme é clara, mas talvez haja muita dor e pouca complexidade nos personagens, e isso pode se aproximar de uma simplificação alegórica. O cinema tem histórias comoventes sobre o sofrimento do povo negro como A Cor Púrpura e boas realizações na tematização do mercado musical como Cadilac Records. Ainda assim, a exuberância da Viola Davis mantém qualquer espectador atento.
Em muitos momentos não soube se estava prestando mais atenção no filme ou no que ele me fazia pensar. Fiquei com uma lembrança persistente de Pontes de Madison porque a reflexão era a mesma: o que fazer quando o amor amadurecido já não parece amor? Continuar em uma relação com conflitos e pouco carinho é mesmo apenas acomodação, dúvida, medo de mudanças, da opinião alheia, de perda da estabilidade? A esperança de que a relação pode de repente mudar é apenas fuga ou uma possibilidade que deva ser sempre cogitada? É possível viver várias formas de amar em um relacionamento e isso ser satisfatório? De que modo a idealização do amor apaixonado como princípio indiscutível da saúde nos relacionamentos conjugais nos atrapalha? Não quero ter resposta pra nenhuma dessas questões, mas devo ao filme o despertar delas.
Doutor Sono, livro e filme, deixa efeitos permanentes pelas poderosas reflexões que constrói acerca da espiritualidade (iluminação). A espiritualidade como um jogo de forças, interior e exterior, a necessidade de mentoria espiritual, a incompreensão da família ou por parte daqueles sem as mesmas habilidades, a integração em comunidades que a espiritualidade estimula e os usos e riscos dessa integração, os complexos impasses éticos em que o uso da espiritualidade nos coloca. É impossível, portanto, reduzir todas essas dimensões ao suspense e terror, por isso acredito que Doutor Sono ocupa o limiar de um gênero e, especialmente o livro, nos traz a ideia de restauração da familiaridade que temos ao partilhar a vida com pessoas com dons comuns.
Fico na dúvida se explicar a loucura do Coringa é o melhor entretenimento. Há algo de inapreensível e metafórico na loucura que torna o seu espetáculo maior que qualquer outro espetáculo. Acho o filme incrível na perspectiva que escolheu. E é imprescindível que o cinema tematize os bastidores de um processo de adoecimento. Só acho que tem algo de ágil, inteligente e incapturável no Coringa que talvez tenha ficado um pouco de lado.
Trama que começa com um desejo e termina com a satisfação dele, o mar. O filme tematiza o corpo do trabalhador, gay, migrante, drag..., que sente cansaço, tédio, dor, e busca prazer e isso não é apenas representado no filme, é o filme, um corpo tedioso, sensual, diverso, que não segue para um fim coerente, apenas segue. Foi lindo e potente ver Linn da Quebrada cantando Talento, a cena foi tão significativa pra mim quanto algumas de Madame Satã.
Nem todo conflito é uma guerra. A duração, os motivos e a força empregada ajudam a esclarecer as coisas. Existem tanques, intransigências, leis, múltiplas linguagens, e armas capazes de ferir os dois lados com a mesma crueldade e iludi-los com a possibilidade de um vencedor. Existem duas grandes guerras acontecendo nesse filme e um homem no meio do fogo cruzado entre elas, salvando vidas e crendo piamente que a sua não está ao alcance da salvação, porque os segredos se perdem mais facilmente do que nossa capacidade de notar que eles estão desprotegidos. Vivemos guerras não solucionadas e precisamos decifrar mais códigos, alguns morais, antes que sejamos destruídos ou viremos pessoas comuns, dominadas ao perder ou satisfeitas com vitórias incompletas.
Pode ser fácil confundir a qualidade do tema com a qualidade do filme. A quantidade de informações históricas, belas composições, artistas consagrados e imagens de época apresentadas não deveriam ter um resultado menor que excelente. Não foi isso que vimos, faltou roteiro. A narração era vaga, a intenção dos diretores sobre o foco narrativo não ficou clara. Mas, talvez, o conflito seja a ausência mais sentida. Quem se opôs ao Cartola, fazendo com que ele tivesse uma carreira tão acidentada? A bebida, a boemia, a indústria musical, as transformações culturais, a desvalorização do samba? Que pessoas, espaços e sentidos sociais podem ser notados em suas canções? Que impactos elas trouxeram sobre o lugar em que se propagaram? A própria noção de samba, que carrega a dualidade entre festividade e melancolia, não teve um tratamento adequado. Abordar a obra e a trajetória de um compositor tão grandioso é um grande desafio e as lacunas deixadas por este documentário podem, e espero que assim aconteça, despertar novos interesses e alimentar novas iniciativas. O mundo é um moinho é uma das melhores canções brasileiras e a discografia de Cartola, uma das ou a mais significativa no samba nacional. O filme foi um antepasto, a obra de Cartola facilmente poderia ser transformada num banquete.
Mesmo utilizando uma série de referências filosóficas, representadas em várias falas, o filme consegue sugerir, de maneira bem mais inteligente que pelo uso de citações, uma hipótese de teor existencial. A ideia de autoria me pareceu predominante na obra e a alusão ao catolicismo potencializou o alcance da proposição central. Temos o tipo e antitipo de autor, Deus e Guido, um amoroso e outro desafetuoso, um celebrado e outro recorrentemente questionado, um inventor e outro reticente em fazer escolhas, mas, o que é de espantar é que o resultado final, a história, a existência humana, o amor, o filme, é tão perfeito e desajustado, tão incompleto e bem acabado, tão cativante e dramático, que aproximamos o autor modelar do seu avesso. Guido tem muito de divino em negar as explicações fáceis, as tramas simples, as histórias que se resumem em amor. O filme mostra que a vida pelos olhos do autor pode ter menos sentido ainda e mais beleza, poesia e originalidade do que o que costumamos ver nas telas e na vida.
A relevância do filme já é garantida pela historicização de temas muito caros: a profissionalização dos jogadores de futebol, a noção de atleta como mercadoria, saúde e sexualidade, conceito de loucura (um senhor com síndrome de down aparece internado, como essas pessoas eram enxergadas pelas instituições médicas e sociedade no período?), a atuação da imprensa esportiva. Fica difícil olhar pros defeitos da obra com uma contextualização tão segura e vasta.
A trama segue outras do gênero que representam novos sujeitos e espaços na composição de vivências homoafetivas. As cidades grandes eram, de início, vistas como o lugar de uma vivência mais livre das práticas sexuais ao favorecer o anonimato, por isso, eram elas que ocupavam o centro das narrativas dessa temática. Mas, desde Brokeback Mountain, o campo vem se revelando um lugar excelente para observar a escolha por vivências afetivas e sexuais que se conflitam com os padrões convencionais. Ander, com uma organização capitular clara, personagens honestos e econômicos, sem muitas tecnologias, acidentes no roteiro ou truques de direção, acaba ganhando em sinceridade ao aprofundar um olhar realista sobre pessoas comuns acomodando seus desejos, ações, sentimentos e expectativas. Os personagens não ocupam lugares claros, não são bons ou ruins, admiráveis ou reprováveis, são vivos, inseguros, imprecisos e indefinidos, como as pessoas pra além das telas costumam ser, ainda que o neguem. Ander mostra um cotidiano que não precisa ser extraordinário para ser cativante e seu ritmo não foi um erro de execução, foi escolha. Suas discussões são amplas e socialmente relevantes, construindo, inclusive, uma ótima leitura sobre família. O filme acompanha as reações comuns ao seu gênero, estilo e temática, choca, espanta ou desagrada por não ser convencional.
O filme tem uma progressão interessante, não aparece imediatamente como um thriller, mas como uma narrativa calma sobre assédio, com reações moderadas, expressões contidas e cenas cotidianas vagas. A vivência da sexualidade pela personagem principal parece confusa e turbulenta, mas, de início, seria explicada pelos conflitos comuns da passagem pra vida adulta. A princípio, são os simbolismos e as minúcias de cada cena e de cada personagem que vão preenchendo a trama numa linguagem intimista, fazendo a câmera brincar com escalas de proximidade, envolvendo o espectador. Aí começam os acidentes no roteiro, relevos inesperados aparecem na forma de terror, delírio e expectação. A violência velada se torna explícita e um estado interior da personagem entra em erupção, num misto de realidade e fantasia com momentos ótimos de surrealismo, desespero e irrazão. O filme passa então a ser revelador a cada momento, com um desfecho brilhante, conduzindo discretamente a uma interpretação da protagonista que considere um tempo anterior ao da ambientação do filme. Uma obra-prima.
O filme escapa de algumas previsibilidades no tratamento da indústria da moda e do pedantismo intelectual, os personagens são flexibilizados em seus posicionamentos, uma leitura cultural inteligente, ainda que simples. É um exercício legal de construção do indivíduo longe de modelos uniformes. Pareceu-me que a Audrey Hepburn esteve mais convincente no viés romântico da trama que o Fred Astaire, mas a tríade principal do filme foi muito bem no canto, na dança e no humor.
A problematização do filme é incrível: e se o tempo voltasse? E se as escolhas fossem diferentes? E se a diferença nas escolhas não significasse o fim da tragédia, escolher seria tão importante? Existem escolhas impossíveis? O que fazer quando não se pode escolher? E o melhor de tudo, o filme dá um tratamento ótimo a todas elas, com profundidade e poesia.
O filme traz uma perspectiva nada óbvia na abordagem do festival que lhe dá nome, os grandes astros da música e as canções não aparecem, mas pessoas comuns que se deparam com um evento que foi tudo, menos singelo. O filme não é apenas sobre o universo hippie ou sobre relações homoafetivas, é uma constelação de interações estabelecidas na construção de um grande evento em seus bastidores. A obra mostra que o poder estava nas ideias, nas pessoas e seus efeitos puderam ser notados mesmo em quem não assistiu nenhuma apresentação. As grandes temáticas da época são abordadas com humor refinado, agradável, a liberação sexual, as drogas, o pacifismo, tudo é tratado de maneira a deixar claro que o mais importante foram as pessoas, o evento não teria sido nada sem elas. O filme é movido por princípios nobres que promoveram mais que uma leitura sob uma perspectiva respeitável ou correta de um movimento de grande expressão mundial, seus ideais sedimentaram uma narrativa cativante, contextualizada, de grande valor histórico e social.
Gostei muito da atuação do Thales Pan Chacon, estranhei a ausência dele em outras produções e descobri que ele faleceu em 1997, com 41 anos. Uma grande perda.
Um filme muito bonito, simples, sutil. Mostra que encontramos quando não procuramos, procuramos outra coisa, cansamos de procurar ou não temos mais tempo de fazê-lo. Fala sobre decepções produtivas, alerta sobre o tempo de qualidade, ainda que curto, sobre as possibilidades de reconstrução e sobre o que podemos ser quando não há nada a perder. Foi capaz de me desligar da observação técnica pelo envolvimento afetivo. Steve Carrel e Keira Knigthley formaram um ótimo casal, ele se mostrou tranquilo em ser comedido e ela segura nas expansões da sua personagem. Heart touching movie.
Os Banshees de Inisherin
3.9 566 Assista AgoraInteressante como a alegoria de guerra vai passando por cada etapa da relação dos personagens, o rompimento banal, o orgulho, a humilhação, as ameaças, a escolha pelas armas e formas de luta, o redesenho da ética no contexto de disputa, os vaticínios místicos, culminando com a sugestão da falsa paz e da perenidade do confronto até o extermínio. Cada um desses pontos é enriquecido tão sutilmente, em um tom quase despretensioso. O brilho adicional da obra vem pelos gestos de carinho e cuidado quando o conflito excede os dois, humanizando os personagens e a dinâmica filosófica do conflito. Gosto muito da representação dos bichos na obra, indica que a ferocidade não é sinônimo de animalização. As cenas da cachorrinha são meus momentos de derreter o coração preferidos.
Argentina, 1985
4.3 334O filme deixa a sensação de que o Brasil precisaria passar por uma reparação histórica em termos similares. A nossa lei da anistia promoveu um amordaçamento sufocante e acredito que continua a alimentar sonhos totalitários fundados pela impunidade.
A Voz Suprema do Blues
3.5 539 Assista AgoraViver com lembranças de um passado pessoal e ancestral dolorido é uma experiência sufocante, e vemos no filme os efeitos disso em trajetórias de pessoas negras no mercado musical. A mensagem do filme é clara, mas talvez haja muita dor e pouca complexidade nos personagens, e isso pode se aproximar de uma simplificação alegórica. O cinema tem histórias comoventes sobre o sofrimento do povo negro como A Cor Púrpura e boas realizações na tematização do mercado musical como Cadilac Records. Ainda assim, a exuberância da Viola Davis mantém qualquer espectador atento.
Os Amantes
3.2 22Em muitos momentos não soube se estava prestando mais atenção no filme ou no que ele me fazia pensar. Fiquei com uma lembrança persistente de Pontes de Madison porque a reflexão era a mesma: o que fazer quando o amor amadurecido já não parece amor? Continuar em uma relação com conflitos e pouco carinho é mesmo apenas acomodação, dúvida, medo de mudanças, da opinião alheia, de perda da estabilidade? A esperança de que a relação pode de repente mudar é apenas fuga ou uma possibilidade que deva ser sempre cogitada? É possível viver várias formas de amar em um relacionamento e isso ser satisfatório? De que modo a idealização do amor apaixonado como princípio indiscutível da saúde nos relacionamentos conjugais nos atrapalha? Não quero ter resposta pra nenhuma dessas questões, mas devo ao filme o despertar delas.
Doutor Sono
3.7 1,0K Assista AgoraDoutor Sono, livro e filme, deixa efeitos permanentes pelas poderosas reflexões que constrói acerca da espiritualidade (iluminação). A espiritualidade como um jogo de forças, interior e exterior, a necessidade de mentoria espiritual, a incompreensão da família ou por parte daqueles sem as mesmas habilidades, a integração em comunidades que a espiritualidade estimula e os usos e riscos dessa integração, os complexos impasses éticos em que o uso da espiritualidade nos coloca. É impossível, portanto, reduzir todas essas dimensões ao suspense e terror, por isso acredito que Doutor Sono ocupa o limiar de um gênero e, especialmente o livro, nos traz a ideia de restauração da familiaridade que temos ao partilhar a vida com pessoas com dons comuns.
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraFico na dúvida se explicar a loucura do Coringa é o melhor entretenimento. Há algo de inapreensível e metafórico na loucura que torna o seu espetáculo maior que qualquer outro espetáculo. Acho o filme incrível na perspectiva que escolheu. E é imprescindível que o cinema tematize os bastidores de um processo de adoecimento. Só acho que tem algo de ágil, inteligente e incapturável no Coringa que talvez tenha ficado um pouco de lado.
Corpo Elétrico
3.5 216 Assista AgoraTrama que começa com um desejo e termina com a satisfação dele, o mar. O filme tematiza o corpo do trabalhador, gay, migrante, drag..., que sente cansaço, tédio, dor, e busca prazer e isso não é apenas representado no filme, é o filme, um corpo tedioso, sensual, diverso, que não segue para um fim coerente, apenas segue. Foi lindo e potente ver Linn da Quebrada cantando Talento, a cena foi tão significativa pra mim quanto algumas de Madame Satã.
O Jogo da Imitação
4.3 3,0K Assista AgoraNem todo conflito é uma guerra. A duração, os motivos e a força empregada ajudam a esclarecer as coisas. Existem tanques, intransigências, leis, múltiplas linguagens, e armas capazes de ferir os dois lados com a mesma crueldade e iludi-los com a possibilidade de um vencedor. Existem duas grandes guerras acontecendo nesse filme e um homem no meio do fogo cruzado entre elas, salvando vidas e crendo piamente que a sua não está ao alcance da salvação, porque os segredos se perdem mais facilmente do que nossa capacidade de notar que eles estão desprotegidos. Vivemos guerras não solucionadas e precisamos decifrar mais códigos, alguns morais, antes que sejamos destruídos ou viremos pessoas comuns, dominadas ao perder ou satisfeitas com vitórias incompletas.
Cartola - Música Para os Olhos
4.1 88 Assista AgoraPode ser fácil confundir a qualidade do tema com a qualidade do filme. A quantidade de informações históricas, belas composições, artistas consagrados e imagens de época apresentadas não deveriam ter um resultado menor que excelente. Não foi isso que vimos, faltou roteiro. A narração era vaga, a intenção dos diretores sobre o foco narrativo não ficou clara. Mas, talvez, o conflito seja a ausência mais sentida. Quem se opôs ao Cartola, fazendo com que ele tivesse uma carreira tão acidentada? A bebida, a boemia, a indústria musical, as transformações culturais, a desvalorização do samba? Que pessoas, espaços e sentidos sociais podem ser notados em suas canções? Que impactos elas trouxeram sobre o lugar em que se propagaram? A própria noção de samba, que carrega a dualidade entre festividade e melancolia, não teve um tratamento adequado. Abordar a obra e a trajetória de um compositor tão grandioso é um grande desafio e as lacunas deixadas por este documentário podem, e espero que assim aconteça, despertar novos interesses e alimentar novas iniciativas. O mundo é um moinho é uma das melhores canções brasileiras e a discografia de Cartola, uma das ou a mais significativa no samba nacional. O filme foi um antepasto, a obra de Cartola facilmente poderia ser transformada num banquete.
8½
4.3 409 Assista AgoraMesmo utilizando uma série de referências filosóficas, representadas em várias falas, o filme consegue sugerir, de maneira bem mais inteligente que pelo uso de citações, uma hipótese de teor existencial. A ideia de autoria me pareceu predominante na obra e a alusão ao catolicismo potencializou o alcance da proposição central. Temos o tipo e antitipo de autor, Deus e Guido, um amoroso e outro desafetuoso, um celebrado e outro recorrentemente questionado, um inventor e outro reticente em fazer escolhas, mas, o que é de espantar é que o resultado final, a história, a existência humana, o amor, o filme, é tão perfeito e desajustado, tão incompleto e bem acabado, tão cativante e dramático, que aproximamos o autor modelar do seu avesso. Guido tem muito de divino em negar as explicações fáceis, as tramas simples, as histórias que se resumem em amor. O filme mostra que a vida pelos olhos do autor pode ter menos sentido ainda e mais beleza, poesia e originalidade do que o que costumamos ver nas telas e na vida.
Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada
3.2 390O filho da mãe ainda canta bonitinho, and you can always shake Emily Blunt!!!
O Filho da Noiva
4.1 297No papel é o melhor filme argentino de todos os tempos, nas telas é bem mais que uma classificação, é sensação: agradável, persistente, afetuosa.
Heleno
3.6 431 Assista AgoraA relevância do filme já é garantida pela historicização de temas muito caros: a profissionalização dos jogadores de futebol, a noção de atleta como mercadoria, saúde e sexualidade, conceito de loucura (um senhor com síndrome de down aparece internado, como essas pessoas eram enxergadas pelas instituições médicas e sociedade no período?), a atuação da imprensa esportiva. Fica difícil olhar pros defeitos da obra com uma contextualização tão segura e vasta.
Jogos Vorazes
3.8 5,0K Assista AgoraComo um roteiro nada original e sem muita profundidade vira um filmão? Direção e elenco!!!
Ander - Quando o Amor Brota no Campo
3.6 21A trama segue outras do gênero que representam novos sujeitos e espaços na composição de vivências homoafetivas. As cidades grandes eram, de início, vistas como o lugar de uma vivência mais livre das práticas sexuais ao favorecer o anonimato, por isso, eram elas que ocupavam o centro das narrativas dessa temática. Mas, desde Brokeback Mountain, o campo vem se revelando um lugar excelente para observar a escolha por vivências afetivas e sexuais que se conflitam com os padrões convencionais. Ander, com uma organização capitular clara, personagens honestos e econômicos, sem muitas tecnologias, acidentes no roteiro ou truques de direção, acaba ganhando em sinceridade ao aprofundar um olhar realista sobre pessoas comuns acomodando seus desejos, ações, sentimentos e expectativas. Os personagens não ocupam lugares claros, não são bons ou ruins, admiráveis ou reprováveis, são vivos, inseguros, imprecisos e indefinidos, como as pessoas pra além das telas costumam ser, ainda que o neguem. Ander mostra um cotidiano que não precisa ser extraordinário para ser cativante e seu ritmo não foi um erro de execução, foi escolha. Suas discussões são amplas e socialmente relevantes, construindo, inclusive, uma ótima leitura sobre família. O filme acompanha as reações comuns ao seu gênero, estilo e temática, choca, espanta ou desagrada por não ser convencional.
Repulsa ao Sexo
4.0 461 Assista AgoraO filme tem uma progressão interessante, não aparece imediatamente como um thriller, mas como uma narrativa calma sobre assédio, com reações moderadas, expressões contidas e cenas cotidianas vagas. A vivência da sexualidade pela personagem principal parece confusa e turbulenta, mas, de início, seria explicada pelos conflitos comuns da passagem pra vida adulta. A princípio, são os simbolismos e as minúcias de cada cena e de cada personagem que vão preenchendo a trama numa linguagem intimista, fazendo a câmera brincar com escalas de proximidade, envolvendo o espectador. Aí começam os acidentes no roteiro, relevos inesperados aparecem na forma de terror, delírio e expectação. A violência velada se torna explícita e um estado interior da personagem entra em erupção, num misto de realidade e fantasia com momentos ótimos de surrealismo, desespero e irrazão. O filme passa então a ser revelador a cada momento, com um desfecho brilhante, conduzindo discretamente a uma interpretação da protagonista que considere um tempo anterior ao da ambientação do filme. Uma obra-prima.
Cinderela em Paris
4.0 419 Assista AgoraO filme escapa de algumas previsibilidades no tratamento da indústria da moda e do pedantismo intelectual, os personagens são flexibilizados em seus posicionamentos, uma leitura cultural inteligente, ainda que simples. É um exercício legal de construção do indivíduo longe de modelos uniformes. Pareceu-me que a Audrey Hepburn esteve mais convincente no viés romântico da trama que o Fred Astaire, mas a tríade principal do filme foi muito bem no canto, na dança e no humor.
Sr. Ninguém
4.3 2,7KA problematização do filme é incrível: e se o tempo voltasse? E se as escolhas fossem diferentes? E se a diferença nas escolhas não significasse o fim da tragédia, escolher seria tão importante? Existem escolhas impossíveis? O que fazer quando não se pode escolher? E o melhor de tudo, o filme dá um tratamento ótimo a todas elas, com profundidade e poesia.
Fanny e Alexander
4.3 215Cenas que envolvem sexualidade/sensualidade não devem ter presença de crianças. Uma mácula em uma obra tão cheia de primor.
Aconteceu em Woodstock
3.7 512 Assista AgoraO filme traz uma perspectiva nada óbvia na abordagem do festival que lhe dá nome, os grandes astros da música e as canções não aparecem, mas pessoas comuns que se deparam com um evento que foi tudo, menos singelo. O filme não é apenas sobre o universo hippie ou sobre relações homoafetivas, é uma constelação de interações estabelecidas na construção de um grande evento em seus bastidores. A obra mostra que o poder estava nas ideias, nas pessoas e seus efeitos puderam ser notados mesmo em quem não assistiu nenhuma apresentação. As grandes temáticas da época são abordadas com humor refinado, agradável, a liberação sexual, as drogas, o pacifismo, tudo é tratado de maneira a deixar claro que o mais importante foram as pessoas, o evento não teria sido nada sem elas. O filme é movido por princípios nobres que promoveram mais que uma leitura sob uma perspectiva respeitável ou correta de um movimento de grande expressão mundial, seus ideais sedimentaram uma narrativa cativante, contextualizada, de grande valor histórico e social.
Eu Sei Que Vou Te Amar
3.6 140Gostei muito da atuação do Thales Pan Chacon, estranhei a ausência dele em outras produções e descobri que ele faleceu em 1997, com 41 anos. Uma grande perda.
Love
3.1 70 Assista AgoraFotografia e texto muito agradáveis. Os simbolismos são muito pertinentes.
Kill Bill: Volume 2
4.2 1,5K Assista AgoraMy baby shot me down no I e Malageña salerosa no II, a trilha é incrível, como tudo no filme.
Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo
3.5 1,8K Assista AgoraUm filme muito bonito, simples, sutil. Mostra que encontramos quando não procuramos, procuramos outra coisa, cansamos de procurar ou não temos mais tempo de fazê-lo. Fala sobre decepções produtivas, alerta sobre o tempo de qualidade, ainda que curto, sobre as possibilidades de reconstrução e sobre o que podemos ser quando não há nada a perder. Foi capaz de me desligar da observação técnica pelo envolvimento afetivo. Steve Carrel e Keira Knigthley formaram um ótimo casal, ele se mostrou tranquilo em ser comedido e ela segura nas expansões da sua personagem. Heart touching movie.