A Taxi Driver (2017) - Crítica


O cenário mundial nos anos 80 era caótico. Com a União Soviética perdendo força internacionalmente, os Estados Unidos não tinham mais argumentos para financiar suas ditaduras em países Latino-Americanos. Desde o final dos anos 70 e durante os 80, vários protestos foram feitos pelas classes oprimidas, e num tempo onde a indignação era coletiva e não seletiva, a mentalidade chegou à Coreia do Sul. Após a morte de Park Chung Hee, em 1979, a população ansiava pela redemocratização da nação, mas o que viram foram um novo e ainda mais austero déspota assumir o controle: Chun Doo Hwan, que em vista das rebeliões aflorando pelo país, instaurou lei Marcial.

Entre os focos de resistência, destacou-se Kwangju, onde milhares de estudantes e cidadãos marcharam e manifestaram sua relutância com o novo regime autoritário. Em atos que duraram de 18 até 27 de Maio, estima-se que até 2000 pessoas tenham morrido, contra outra centena de desaparecidos e milhares de feridos. O comunicado oficial, entretanto, apenas relata o perecer de 170 vítimas. 

Todo o massacre, acobertado na mídia local, que manipulava a população assim como qualquer Ditadura, de esquerda ou direita (como esta), ainda teve a óbvia cumplicidade americana. Menos de um ano depois, em Fevereiro de 1981, Chun Doo Hwan era recebido na Casa Branca pelo então presidente Yankee, Ronald Reagan. Chun, apesar das atrocidades, perdurou no cargo até 1988, quando finalmente os sul-coreanos tiveram direito a uma eleição direta. 

Este é o contexto por trás de "A Taxi Driver", representante sul-coreano ao Oscar 2017, que conta uma pequena, porém grandiosa trama que envolveu duas pessoas em meio às milhares envolvidas em Kwangju:  o jornalista alemão Peter Hinzpeter (Thomas Kretschmann), que resolve ir ao local cobrir os acontecimentos após ouvir boatos, e o simplório taxista Kim (Kang-ho Song), que inocentemente o leva à cidade sob a promessa de uma grande quantia de dinheiro.

Apesar dos horrores com que trabalha, A Taxi Driver, dirigido por Hun Jang, resolve, inteligentemente, trabalhar com contrastes ao invés de nos chocar de imediato, sem jogar dados abruptos em tela, o contrário do que eu fiz no texto. O longa começa iluminado, quando vemos o chamativo e canhestro carro esverdeado de Kim, um cidadão prosaico, rechonchudo e sorridente, que exala alegria através de sua camiseta amarela enquanto acompanha a música cafona do rádio, fruto de tempos que parecem mais felizes do que são. 

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Sem grande interesse político, dono de um passado tumultuado e difícil, ele desdenha ao ver pequenos focos de rebelião pelo centro de Seoul. Critica os estudantes. "Não vão à faculdade estudar?", fala consigo mesmo, hábito adquirido na solidão da estrada. São um inconveniente. Kim trabalha para sustentar sua jovem filha e a prover com amor e sustância, esforço laborioso, já que não conta com uma esposa. Nisto, fica claro como soa atrativa a oferta de dirigir os quase 300kms que separam as metrópoles. 

Sem ter grande fluência em inglês, sua interação com o repórter Peter é em gestos e sílabas. Quando chegam ao local, entretanto, não é preciso verbalizar o que seus olhos veem. Inicialmente reticente à ideia de que militares estariam a agredir a população, afinal, ele já foi um sargento e não vê como isso seria possível, é apenas ao ser forçado pelos abalos sonoros que Kim substitui seu delicioso lanche para observar o que acontece nas ruas abaixo de si. É não apenas o primeiro contato deste pacato cidadão com a realidade que discorre por baixo dos panos, como também o nosso. 

Esta primeira cena de confronto poderia dispensar qualquer outra amostra de como os soldados - que poderia ser a PM - lidam com as pessoas, seja mulheres, idosos ou estudantes. Mas em extensos 140 minutos, somos sobrepujados com passagens impactantes e necessárias. E por mais que a dramatização fique evidente em alguns pontos, algo típico da compulsão novelística de dramas Coreanos, é tênue o discernimento entre o fantasiado para conferir poder à narrativa, e o real, afinal, as várias Ditaduras, ainda instauradas ou passadas, reservam situações tão absurdas que se torna difícil dissociar de fantasias distópicas usadas como metáfora justamente para estes regimes: crianças sequestradas, assassinadas, estupradas e torturadas. Prisioneiros jogados de aviões para morrerem afogados em poéticos voos da morte. São casos e mais casos que já preenchem livros. 

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A questão é que o abalo visual de vermos em nossas frente a representação de um passado umbroso e nem tão distante não pode ser somente fruto de tristeza, e sim um lembre histórico, um registro do que é a Ditadura e o que pessoas fazem consigo mesmas. A tocante atuação de Kang-ho Song, de olhos grilados em incredulidade, representa o que todos deveriam sentir, conseguindo expressar com sua competência ou não. 

Há o belo extraído disto tudo. A comunhão das comunidades ultrajadas, o companheirismo que cada vez mais se escassa. Porém, memória é efêmera. Ela lava a angústia e apaga as memórias desta época. Por agora, revolucionários digitais parecem mais interessantes que livros de história. E enquanto vivemos eras de ódio e egoísmo, o que é a empatia?  

A Taxi Driver faz um esforço sonoro desnecessário para atiçar o choro alheio, com seus violinos gritantes e atos heroicos. Apenas o relato de que vemos algo baseado em fatos reais, mesmo que apenas 10% daquilo tenha acontecido, é digno de perturbar o sono e provocar convulsões. 

Tão triste quanto, entretanto, é vermos em pleno 2017 ditaduras em atividade, e a crescente simpatia coletiva de jovens que simbolizam a mentalidade futura de um povo, para com um político que participou de um movimento semelhante e não mede palavras para elogiá-lo em rede nacional, com seus argumentos transviados e surreais.

E mesmo com tantos exemplos históricos, ainda caem nisto. É o ciclo sem fim da autodestruição humana.

Nota 8. 

4 comentários:

  1. Acho que vou assistir... Gosto de música coreana, mas nunca cheguei a assistir nenhum filme de lá (a não ser Minha Pequena Noiva, já assistiu? É uma comédia romântica bem sessão da tarde com uma sinopse bizarra), acho que é um bom começo.

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    1. Conheço o filme que mencionaste, mas nunca conferi. Bem, se interessar, posso passar indicações, pois assisto muitos longas coreanos.

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  2. Muito boa a sua crítica. Eu gostaria só de fazer uma breve correção: o taxista tinha sido sargento, não general. Mas dependendo da legenda, a tradução pode ter saído errada. Acredito que sargento seja mais plausível, no entanto.
    Quanto a crítica em si: gostei das informações que trouxe, me fez pesquisar um pouco mais sobre o tema; o filme em si me dá vontade de começar a trabalhar em um artigo sobre a ditadura militar sul coreana. E provavelmente é isso que vou fazer.

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    1. Ah sim, pesquisei os termos e faria mais sentido mesmo, apesar de que a legenda aqui realmente diz general. É um risco de ver tradução do coreano ao inglês, já que é um idioma muitas vezes dúbio de passar ao romano.

      Mas valeu pela dica. Se fizer um artigo, por favor, me envie.

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