João Paulo

trecho de “Sexus”, de Henry Miller.

“Tem certeza de que não quer ser mais do que escritor? Sei que você é um escritor… mas podia também ser outras coisas. É o tipo de pessoa que poderia fazer qualquer coisa que escolhesse fazer, não é?.

Você não pode ser um fracasso. O problema com você é que nunca se entregou a um trabalho digno de suas forças. Você precisa de problemas maiores, de dificuldades maiores. Você só funciona satisfatoriamente quando muito pressionado. Não sei o que está fazendo, mas estou certa de que sua vida atual não é adequada para você. Você foi feito para levar uma vida perigosa; pode expor-se a maiores riscos que os outros porque… bem, você provavelmente o sabe… porque é protegido. Toda sua vida você foi protegido. Pense apenas por um instante… Não esteve próximo da morte várias vezes… não encontrou sempre alguém que o ajudasse, geralmente uma pessoa estranha, quando pensava que tudo estava perdido? Não cometeu já vários crimes, crimes cuja autoria ninguém lhe atribuiria? Não está agora no meio de uma paixão muito perigosa, um caso que, não tivesse você nascido sob uma estrela favorável, poderia levá-lo à ruína? Sei que está apaixonado. Sei que está pronto a fazer qualquer coisa a fim de satisfazer esta paixão…

Você me olha de uma maneira estranha… pergunta a si mesmo como sei dessas coisas. Não tenho dons especiais – exceto a habilidade de ler os seres humanos no primeiro olhar. Veja, há poucos instantes esperava ansiosamente que eu fosse até você. Sabia que eu me atiraria em seus braços assim que ele saísse. Foi o que fiz. Mas você ficou paralisado – um pouco assustado comigo, deveria eu dizer? Por quê? Que poderia eu fazer a você? Não tem nenhum dinheiro, nenhum poder, nenhuma influência. Que podia esperar que eu lhe pedisse? Quer que lhe conte a verdade?

Você temia que, se eu lhe pedisse que fizesse algo por mim, não pudesse recusar. Estava perplexo porque, estando apaixonado por uma mulher, já se sentia a vítima potencial de outra. Não é uma mulher que você precisa – é um instrumento para se libertar. Você anseia por uma vida mais aventurosa, quer romper suas cadeias. Quem quer que seja a mulher que você ama, eu tenho pena dela. Para você, ela parecerá a mais forte, mas isso apenas porque você duvida de si mesmo. Você é o mais forte. Você será sempre o mais forte – porque só é capaz de pensar em si mesmo, no seu destino. Se fosse um pouquinho mais forte eu teria medo de você. Poderia tornar-se um fanático perigoso. Mas não é esse o seu destino. Você é muito equilibrado, saudável demais. Ama a vida ainda mais do que a si mesmo. Está confuso porque, qualquer que seja a pessoa ou coisa a que você se dê, nunca é o suficiente – não é verdade? Ninguém pode conservá-lo por muito tempo: você está sempe olhando além do objeto de seu amor, procurando algo que jamais encontrará. Terá que olhar para dentro de si mesmo se desejar um dia livrar-se do tormento. Faz amigos com facilidade, estou segura. E no entanto não existe ninguém que você possa realmente chamar seu amigo. Está sozinho. Será sempre sozinho. Você quer demais, mais do que a vida pode oferecer…”