O "cristianismo" cívico em que degenerou a Igreja dinamarquesa - outrora prenunciado por Kierkegaard - torna o drama da personagem principal tão patético e enfadonho que seu desenvolvimento caminha para o intragável. A fim de suprir o vácuo espiritual da associação civil com uma arenga pseudo-cristã, temos os "dons" de uma presidiária como contraponto. Contudo, ainda que possa insinuar algumas descobertas, o desdém pelo tema abordado é incapaz de se ocultar. No final, o resultado não poderia ser menos "dogmático": o roteiro é um mero pretexto para um experimento formal tosco e tudo não passa de uma sublime banalidade.
Confronto de uma geração com os resultados das suas próprias ideias. O pornógrafo - homem subjugado pelo vórtice de um movimento cuja unidade fundante era a negação erigida em princípio -, é dominado pelo tédio lânguido e impotente. A cada tentativa frustrada de restaurar projetos convencionais, intui a estupidez profunda em que se baseou sua vida. Lar, casamento, paternidade e arte se dissolvem porque nada mais são do que caricaturas de realizações. Demover os "valores burgueses" a fim de substituí-los por veleidades é a estrada segura a que a razão delirante conduz e cujo último estertor é a proclamação do silêncio enquanto único meio de protesto. Para sublimar o reconhecimento da própria futilidade, resta somente a auto-justificação irônica... Bertrand Bonello é um dos poucos cineastas que têm algo a dizer sobre o nada a dizer.
Pela força do roteiro e o esmero da produção, o resultado é deveras insatisfatório. Direção burocrática que exala à lívida imitação do ápice da nouvelle vague, deixa uma sensação de potencial dissipado por ausência de vigor. O drama existencial do protagonista soa caricatural e, enquanto personificação do ignóbil, a garota está mais para um estereótipo de jovem rasa e desinteressada. Uma realização elegante e olvidável.
Ingênuo e anódino. O elo entre o início e a conclusão insinua transmitir algo similar a um "aprendizado", porém a confusão e a falta de tato para o tratamento do que aparenta ser o tema do filme não podem ser mascarados por um pretenso "leque de interpretações" de um todo irremediavelmente inconsistente. Persegue rechaçar o estereótipo de clichês fáceis e sentimentais e incorre em uma bobagem a rigor vazia. Eis quando as propostas formais do dogma se sentem no direito de realizar qualquer ladainha...
Considerando a própria filmografia do Michael Haneke, se reduz a uma realização trivial e medíocre. Desconfio que o turbilhão de ovações se explica meramente por suas conclusões se adequarem à "ética" pós-moderna, na qual a vida humana não tem um valor intrínseco em si, mas se manipula conforme os caprichos de sua "utilidade" social ou emocional. Lamentável contemplar a obra de um autor tão interessante ser mutilada e instrumentalizada como um miserável panfleto da eutanásia, perfeitamente ajustada aos valores do establishment depravado de hollywood.
Nem mesmo a objetividade da culpa transcende o vício da perversão...Segundo o universo doentio dos "conselheiros" do assassino, a psicologia deveria subjugar a norma. Chabrol retrata com uma contundência tão lúcida quanto sutil o niilismo latente no seleto círculo das famílias refinadas e respeitáveis.
Nada é informado de preciso sobre a vida pregressa de Abram. Importa somente descortinar a aversão absurda da comunidade pelos trejeitos citadinos. Imbuída do contágio vingativo, qualquer pretexto é válido para catalisar a expulsão do elemento intruso, desde que ajustado pelos ditames da obsessão acusatória diluídos na caça ao objeto sacrifical que canaliza a culpa coletiva. Um enredo que atualiza com um humor radioso o tema do bode expiatório arraigado no panteão dos deuses primitivos. Pérola subestimada do Cinema Novo Alemão que nada deve aos clássicos do inestimável Werner Herzog.
Início auspicioso, cheio de insinuações ácidas acerca da ambiguidade da prostituição diante da "sociedade exemplar" e de um delicioso sarcasmo no que refere ao universo emocional das meretrizes. Porém, degenera em uma acrobacia absurda de enredo para forçar um humor que já estava sob medida. O resultado é um desenvolvimento pueril, fruto provável da opção preferencial pelo entretenimento de massas em detrimento de um filme adulto e potencialmente impopular.
Estranhamente proscrito, esse filme é um testemunho inequívoco do esplendor do cinema italiano da época. Talvez sejam puras impressões subjetivas, mas não posso deixar de evocar paralelos com o clássico A Doce Vida: a deliciosa fluidez de uma narrativa frêmita e que aparenta fugir de significações triviais e, fundamentalmente, o retrato sem concessões de uma individualidade mutilada pelo tédio - tão invencível quanto mais inexprimível - instilado por uma sociedade pulverizada pela linguagem publicitária; e isso sem recorrer ao influxo dos consagrados hiperbolismos fellinianos...
Embora o enredo seja ambientado na Polônia, o universo captado é análogo ao dos expurgos na URSS. Todos os ingredientes estão ali: "confissões" compulsórias, a incitação da intriga e da delação contínua como instrumento para dissolver cada membro de seus vínculos comunitários e a promoção da desconfiança permanente entre os prisioneiros a fim de criar um exército de autômatos esquizofrênicos. Tudo convergindo, é óbvio, para uma lavagem cerebral violenta e despudorada - o esteio operatório do Partido Comunista no afã de aniquilar a "sociedade de classes". Enfim, o terror não mais como método, mas como imperativo do novo regime.
Um petardo cinematográfico indecentemente ignorado.
Adaptação da obra clássica do grande conservador Robert Musil, esse filme cristaliza com singular competência alguns dos atributos socioculturais que possibilitaram a irrupção da barbárie nazista e, por extensão, das seitas revolucionárias como um todo. Antes que Haneke elegesse o bode expiatório preferencial – a austeridade religiosa – da idiotia crítica o responsável pela adesão de uma geração recalcada ao messianismo hitlerista, Schlondorff se apropriara da compreensão de seu tempo pelo romancista-filósofo austríaco para transmitir um legítimo retrato da textura psicológica da horda possessa que empreendeu um dos mais bestiais acontecimentos da história humana.
Torless, sequioso por entendimento e carente de participação afetiva no microcosmo escolar, observa com curiosidade inquieta o desenrolar dos distúrbios comportamentais que fazem erodir a crença na ordenação lógica do mundo que sua inteligência ora presumia existir. Perplexo, recorre à autoridade professoral que obscurece ainda mais as questões que propõe a si mesmo. E é aí que o ermo existencial coletivo se revela atroz. Seu professor representa a calamidade da ciência ocidental, um emaranhado de raciocínios complexos que ignora seus próprios fundamentos. É o monstro do divórcio entre ciência e metafísica. A consequência dessa desorientação não é outra senão a emergência do tédio demoníaco de que falava Thomas Mann – subjugado somente na persecução compulsiva de experiências extremas. “Eliminar sentimentos supérfluos”, propugna um dos personagens. E a realização de tal projeto demanda a destruição da moral tradicional. Daí que a tortura – física e mental -, o jogo cínico de linguagem e o emprego inescrupuloso da indução hipnótica são vistos como um imperativo categórico, porque a libertação prometida pelos jovens revolucionários – quer sejam nazistas, comunistas ou anarquistas – se resume em essência na promoção do puro satanismo, isto é, a inversão de todos os valores e suas relações hierárquicas.
O circunspecto Torless já não pode distinguir entre o bem e o mal. Pudera, da covardia imoral da vítima à violência fetichista de seus algozes , é apenas o mal que prepondera.
“Tudo o que filmo é religioso. Para um cristão, não há temas mais 'cristãos' do que outros”.
Essa declaração de Bresson descortina a unidade de sua obra sob o véu da multiplicidade de situações dramáticas que a circunscreve. Utilizando como subterfúgio uma narrativa verídica cujo clímax o próprio título do filme prenuncia, ele representa aqui uma vivência concreta que aduz as mais caras questões para a condição humana consoante a cosmovisão cristã. Predestinação ou livre-arbítrio : a perpétua dúvida a respeito da qual a escolha entre o acaso como fatalidade ou desígnio supra-temporal é o homem comprimido a optar.
Em síntese, essa obra-prima funciona como a transposição precisa da querela incendiária entre jesuítas (o primado das obras) e jansenistas (o primado da graça) que a própria França conhecera. Mas, se na teologia, mãe de todas as ciências – tanto na acepção histórica quanto metafísica – a vereda da verdade se situa entre nuances e interpenetrações entre os dois vértices, na realidade as coisas também se imiscuem. Por conseguinte, a presciência do desfecho dessa história é fator irrelevante. O vigor desse filme consiste no fato de sujeitar o espectador a acompanhar a perseverança do prisioneiro em sua rebelião psicológica contra a aparência do inelutável, a determinação destemida em confiar no imponderável em contraste com o derrotismo reinante entre seus compatriotas. Seu esforço disciplinado não prescinde da intervenção decisiva do imprevisível – ora, lembremos que o seu grande auxiliador deveria ser, segundo a racionalidade convencional, seu obstáculo. Dessa forma, Providência e ação humana se reconciliam.
Leibniz, certa vez, dissertando em tratado célebre sobre a polêmica do predestinacionismo, sabiamente sentenciou: “sem sonhar com o que não podemos conhecer e nenhuma luz vos pode dar, agi segundo o vosso dever, que conheceis”.
O comandante André Dévigny nada sabia sobre seu destino. Apenas conhecia o seu dever, que era resistir ao mal nazista. E a oportunidade de remissão proporcionada ao jovem traidor – criminoso impelido a aderir ao mal por débil impulso pueril – mediante sua persistência heróica talvez fosse sua autêntica missão desde a eternidade. “O Espírito sopra onde quer”...
Um filme que introduz uma sutil incursão de Rohmer no imaginário estéril de burgueses secularizados. Como todo fenômeno sociológico, tal não é produto do acaso e ressoa precedentes culturais que o viabilizaram. A alienação dos personagens masculinos no que concerne à natureza ontológica do problema moral no homem é indecorosa. Ora, eles nada mais são do que reflexos da instituição da moralidade laica – o famigerado mito maçônico que para tornar-se opinião dominante sacrificou a experiência de todas as civilizações no altar da imbecilidade erudita. A inclusão de Rousseau - o expoente do iluminismo que foi um dos inspiradores desse processo - nas leituras distrativas do protagonista é um indicador eloquente da perspicácia com que Rohmer maneja seu tema. Eis que aqui faz-se mister uma observação: a existência da moral requer vínculo com o transcendente, a recorrência a instâncias superiores e eternas que sua própria descoberta intui. O inverso é a sua negação.
Com esse dado clarificado no raciocínio desenvolvido, apreendemos o elemento fulcral que subjaz nessa sofisticada narrativa: o moralismo de Adrien e Daniel são paródias de moralidade, criações teóricas arbitrárias encerradas em um subjetivismo que os reduzem à demência – o que dizer de quem declara perseguir o “nada absoluto”? Eles justificam-se num verbalismo circular, fundam valores sobre o vento e projetam na garota o ceticismo que os anima. Sim, porque a vacilante liberalidade sexual desta é um sintoma trivial da juventude de sua geração: de tanto sentir-se livre, sente-se vazia. Nada de novo sob o sol. Então, temos o desdobramento da falsa profundidade que motivava o retiro ao isolamento de Adrien: bastaria a chegada de um elemento feminino estranho para que a futilidade de suas concepções morais emergisse. Ir ou não para a cama com uma “mulher degenerada”? Desnecessário acentuar a baixeza desse “dilema”.
A consciência com que esse excêntrico cristão apresenta assunto de tão elevada importância para a compreensão do nosso tempo infelizmente é explorada sob ângulos turvos. É um daqueles casos em que a difusão limitada de uma obra não é produto de uma contingência, mas da riqueza inerente a seu conteúdo e imperceptível ao indivíduo vulgar.
De uma degradante incursão no submundo de Nova York Ferrara opera a proeza de extrair uma apologia católica. Em verdade e para uma mente cônscia, tal é o próprio cerne do filme e sua omissão ou relativização em leituras genéricas é explicada pela suprema ignorância dos problemas religiosos por parte da patuléia “crítica”, crédula de sua própria educação quando não é capaz de imaginar um tema cristão fora do eixo de estereótipos infamantes absorvidos de alguma latrina “educacional” - provavelmente macaqueação de subcultura universitária.
O drama do personagem central é o sintoma inequívoco da contaminação pela barbárie rotineira - rejeitada formalmente porém interiorizada no coração. Engana-se quem nele vê uma revolta adolescente contra a religião católica: sua explosão de ira contra o conceito do perdão cristão é o clamor desesperado de um homem auto-consciente de sua culpa, cuja remissão só pode ser fornecida na catalisação de seu ódio numa vingança sem critério contra a podridão inescapável. O ódio ao bem é uma manifestação da enérgica sensação da impossibilidade de conhecê-lo - que o diga a paráfrase dos versos de Paulo na epístola aos Coríntios em uma das cenas mais sublimes do filme.
Ferrara foge do trivial a não se ater a questionamentos superficiais e infantis contra a santidade idealizada pela freira. Nas mãos de um cineasta boçal certamente a confrontação se limitaria a apontar o cristianismo como um conjunto de abstrações morais ingênuas; porém, o domínio da dialética teológica aqui eleva o problema a patamares maduros, por isso não se propõe a velha discussão entre formalidade e materialidade dos valores, mas antes, um convite à auto-introspecção tão cara a uma vida monástica. Evidência inconteste dessa fértil proposição é a alusão contida nos nomes dos estupradores: a dualidade entre poder temporal – representada pelos deveres de sua profissão – e plano espiritual – a experiência mística que escandaliza a razão profana – em Pablo (Paulo, o disseminador do evangelho) e Júlio (o império que tenta suprimi-lo). Cristo contra César.
Posta essas pequenas observações, devo assinalar a crueza que emana sinceridade na obra. Ferrara aparenta imprimir nela suas próprias experiências, resumida numa busca sincera pela redenção prometida no evangelho num ambiente de devastação moral tentadora. O exercício do perdão transcende as relações pessoais efêmeras...
Para quem leu a obra-prima de George Bernanos, a controversa adaptação para o cinema de Maurice Pialat se torna um incômodo praticamente irrefreável. Não se trata aqui de incorrer na quintessência da ingenuidade estúpida de comparar duas linguagens distintas, pois é notório que todas as possibilidades que Bernanos oferece em seu romance jamais poderiam ser transferidas para uma adaptação cinematográfica. Entretanto, as escolhas do diretor merecem ser discutidas e julgadas. É certo que na condição de cineasta sua visão pessoal pode e deve prevalecer sobre o romance. Porém, a impressão em mim fixada é a de que Pialat submeteu toda a complexidade do livro a uma simplificação boboca, relativamente deferente é verdade, – ora, nas mãos de um materialista safado todas as ocorrências sobrenaturais seriam reduzidas a um psicologismo primário – o que não impede de comprometê-la. Nem mesmo a fotografia sublime é capaz de captar toda a angústia avassaladora que as questões propostas por Bernanos transmite; antes, soa como um substituto, uma evasão covarde de um cineasta com preguiça de lapidar a forma de seu filme.
Sim, todas as qualificações ao estilo de Pialat aqui já foram justamente atribuídas. Rígido, seco, insípido...nada a acrescentar, tais características podem funcionar com perfeição arrebatadora em determinados casos - “Aos Nossos Amores” do próprio Pialat é uma amostra eloquente. Mas, por que perseguir um desfecho conclusivo quando a magnitude do texto rechaça inegavelmente tal postura? Deve-se salientar: o problema não é ignorar o final obscuro, à terrível perplexidade à qual Bernanos nos subordina. Não, o vício elementar consiste em optar por um otimismo mistificador alheio à própria estrutura dos acontecimentos narrados. Se a ubiquidade de Satã no mundo é incontornável, onde está Deus nesse enredo mortificante? Eis o grande tema do livro. Pialat fornece uma falsa resposta. A sobriedade da expressão de angústia de Bernanos cedeu lugar a uma teologia absurda em Pialat.
Quando Ken Loach não faz com que sua paixão ideológica produza filmes com propósitos “pedagógicos” - vide o irrisoriamente cretino Terra e Liberdade – vemos um grande cineasta em ação. A crítica social aqui não se ancora em um marxismo vulgar e a mensagem que ele supostamente intenta transmitir é precisamete mais eficaz por essa razão.
Em Kes temos uma história singela em que o realismo é verdadeiramente real e não produto de interpretações forçadas que impõem leituras “histórico-críticas” que subestimam a inteligência do espectador ao fazê-lo massa recrutável à militância socialista. Se a brutalidade do meio em que o garoto vive constrange a cada cena, as culpabilidades não são tão óbvias e as instituições que a permite não se apresentam como “estratégias de classe” sorrateiramente calculadas. Nesse aspecto, infelizmente o diretor padeceu de um retrocesso comum em tantos outros cineastas: a obsessão pelo engajamento sobrepujou sua sensibilidade como artista.
Narrativa refinada, tocante sem ser explicitamente manipuladora. Não por acaso é o filme predileto de um gênio como Kieslowski.
Perante a torrente de libelos anti-fascistas que o cinema italiano produziu, Um Dia Muito Especial deve ser destacado pela leitura sutil e honesta que dispensa uma abordagem maniqueísta, nas quais a autoglorificação implícita da classe dos "intelectuais de esquerda" - tão recorrente na casta de cineastas assediada pelo PCI - se torna quase um dever corporativo nestes aduladores das ideologias de massas mais torpes que já existiram - comunismo em todas suas variantes. Mas Scola, um revisionista de um humor quase melancólico, se sobrepõe a tal tendência.
Não há simplesmente vítimas inermes entre os perseguidos e excluídos pela demência coletiva, tão pouco um intento pretensioso de catalogar o "homem medíocre" que adere ao fascismo a fim de escamotear sua própria insignificância, como faz o errático Bertolucci no assaz elegante "O Conformista". Aqui os termos são colocados de maneira mais telúrica e por isso mesmo tocante. A mentalidade do populacho canalha está em todos e não há papéis irredutíveis. A participação na mística nacionalista oprime pela sua falsidade intrínseca e tanto a doméstica ignorante como o homossexual semi-letrado estão saturados desse delírio opressor. Se o espetáculo dos desfiles militares atrai jovens entediados e canaliza fantasias de poder, é porque essa representação insana se enraíza justamente na auto-negação permanente de suas próprias condições existenciais. A acrobacia verbal que caracteriza as locuções radiofônicas irradiam a patologia do estetismo político - vício inconfundível do século XX - e contrasta com a rotina pacata de civis comuns, humanos como quaisquer outros e que a loucura de uma elite mitômana quer absorver à força pela castração ideológica. A piedade que os dois personagens nos inspiram, - embora hajam eproporções díspares de simpatia e colaboracionismo com o regime entre eles - é um sintoma da competência com que um grande cineasta nos consegue fazer imergir naquele cenário aterrador.
O caso típico em que a proposição de uma espécie de "cinema conceitual" justifica a superficialidade do argumento, ou mesmo vacuidade, talvez.
A cena do jantar, onde velhas apáticas reputam a abstrações como "a sociedade" ou "os homens" a própria miséria espiritual em que chafurdam suas vidas - provavelmente mais aprofundadas na proporção em que reproduzem conversas como aquelas, em que fala-se sobre nada afetando uma altivez intelectual que finge ecoar verdades teológicas - poderia constituir-se numa crítica sagaz do ancião português às idéias difusas e imbecis de uma certa elite européia, se não parecesse ser essas mesmas as próprias do diretor.
Insosso, moroso e pretensioso. É como se a mensagem politicamente bonita (ah, o garotinho que prefere não crescer a tornar-se como os demais) do filme blindasse algumas responsabilidades dos autores. E mais: desconfio que todo ovacionamento obtido e premiações angariadas não passam de pura propaganda barata. Entre um cocozinho desse e uma propaganda da Riefenstahl, fico com a segunda.
Em Suas Mãos
3.5 10O "cristianismo" cívico em que degenerou a Igreja dinamarquesa - outrora prenunciado por Kierkegaard - torna o drama da personagem principal tão patético e enfadonho que seu desenvolvimento caminha para o intragável.
A fim de suprir o vácuo espiritual da associação civil com uma arenga pseudo-cristã, temos os "dons" de uma presidiária como contraponto. Contudo, ainda que possa insinuar algumas descobertas, o desdém pelo tema abordado é incapaz de se ocultar. No final, o resultado não poderia ser menos "dogmático": o roteiro é um mero pretexto para um experimento formal tosco e tudo não passa de uma sublime banalidade.
O Pornógrafo
2.9 15Confronto de uma geração com os resultados das suas próprias ideias. O pornógrafo - homem subjugado pelo vórtice de um movimento cuja unidade fundante era a negação erigida em princípio -, é dominado pelo tédio lânguido e impotente. A cada tentativa frustrada de restaurar projetos convencionais, intui a estupidez profunda em que se baseou sua vida. Lar, casamento, paternidade e arte se dissolvem porque nada mais são do que caricaturas de realizações. Demover os "valores burgueses" a fim de substituí-los por veleidades é a estrada segura a que a razão delirante conduz e cujo último estertor é a proclamação do silêncio enquanto único meio de protesto. Para sublimar o reconhecimento da própria futilidade, resta somente a auto-justificação irônica...
Bertrand Bonello é um dos poucos cineastas que têm algo a dizer sobre o nada a dizer.
Vidas Vazias
3.6 3Pela força do roteiro e o esmero da produção, o resultado é deveras insatisfatório. Direção burocrática que exala à lívida imitação do ápice da nouvelle vague, deixa uma sensação de potencial dissipado por ausência de vigor. O drama existencial do protagonista soa caricatural e, enquanto personificação do ignóbil, a garota está mais para um estereótipo de jovem rasa e desinteressada. Uma realização elegante e olvidável.
Verdadeiramente Humano
4.2 9Ingênuo e anódino. O elo entre o início e a conclusão insinua transmitir algo similar a um "aprendizado", porém a confusão e a falta de tato para o tratamento do que aparenta ser o tema do filme não podem ser mascarados por um pretenso "leque de interpretações" de um todo irremediavelmente inconsistente. Persegue rechaçar o estereótipo de clichês fáceis e sentimentais e incorre em uma bobagem a rigor vazia.
Eis quando as propostas formais do dogma se sentem no direito de realizar qualquer ladainha...
Amor
4.2 2,2K Assista AgoraConsiderando a própria filmografia do Michael Haneke, se reduz a uma realização trivial e medíocre. Desconfio que o turbilhão de ovações se explica meramente por suas conclusões se adequarem à "ética" pós-moderna, na qual a vida humana não tem um valor intrínseco em si, mas se manipula conforme os caprichos de sua "utilidade" social ou emocional. Lamentável contemplar a obra de um autor tão interessante ser mutilada e instrumentalizada como um miserável panfleto da eutanásia, perfeitamente ajustada aos valores do establishment depravado de hollywood.
Ao Anoitecer
3.8 7Nem mesmo a objetividade da culpa transcende o vício da perversão...Segundo o universo doentio dos "conselheiros" do assassino, a psicologia deveria subjugar a norma. Chabrol retrata com uma contundência tão lúcida quanto sutil o niilismo latente no seleto círculo das famílias refinadas e respeitáveis.
Cenas de Caça na Baixa Baviera
3.8 7Nada é informado de preciso sobre a vida pregressa de Abram. Importa somente descortinar a aversão absurda da comunidade pelos trejeitos citadinos. Imbuída do contágio vingativo, qualquer pretexto é válido para catalisar a expulsão do elemento intruso, desde que ajustado pelos ditames da obsessão acusatória diluídos na caça ao objeto sacrifical que canaliza a culpa coletiva. Um enredo que atualiza com um humor radioso o tema do bode expiatório arraigado no panteão dos deuses primitivos. Pérola subestimada do Cinema Novo Alemão que nada deve aos clássicos do inestimável Werner Herzog.
Irma La Douce
4.0 75Início auspicioso, cheio de insinuações ácidas acerca da ambiguidade da prostituição diante da "sociedade exemplar" e de um delicioso sarcasmo no que refere ao universo emocional das meretrizes. Porém, degenera em uma acrobacia absurda de enredo para forçar um humor que já estava sob medida. O resultado é um desenvolvimento pueril, fruto provável da opção preferencial pelo entretenimento de massas em detrimento de um filme adulto e potencialmente impopular.
Conheço Bem Essa Moça
3.9 5Estranhamente proscrito, esse filme é um testemunho inequívoco do esplendor do cinema italiano da época. Talvez sejam puras impressões subjetivas, mas não posso deixar de evocar paralelos com o clássico A Doce Vida: a deliciosa fluidez de uma narrativa frêmita e que aparenta fugir de significações triviais e, fundamentalmente, o retrato sem concessões de uma individualidade mutilada pelo tédio - tão invencível quanto mais inexprimível - instilado por uma sociedade pulverizada pela linguagem publicitária; e isso sem recorrer ao influxo dos consagrados hiperbolismos fellinianos...
Interrogatório
4.3 7Embora o enredo seja ambientado na Polônia, o universo captado é análogo ao dos expurgos na URSS. Todos os ingredientes estão ali: "confissões" compulsórias, a incitação da intriga e da delação contínua como instrumento para dissolver cada membro de seus vínculos comunitários e a promoção da desconfiança permanente entre os prisioneiros a fim de criar um exército de autômatos esquizofrênicos. Tudo convergindo, é óbvio, para uma lavagem cerebral violenta e despudorada - o esteio operatório do Partido Comunista no afã de aniquilar a "sociedade de classes". Enfim, o terror não mais como método, mas como imperativo do novo regime.
Um petardo cinematográfico indecentemente ignorado.
O Jovem Törless
4.1 18Adaptação da obra clássica do grande conservador Robert Musil, esse filme cristaliza com singular competência alguns dos atributos socioculturais que possibilitaram a irrupção da barbárie nazista e, por extensão, das seitas revolucionárias como um todo. Antes que Haneke elegesse o bode expiatório preferencial – a austeridade religiosa – da idiotia crítica o responsável pela adesão de uma geração recalcada ao messianismo hitlerista, Schlondorff se apropriara da compreensão de seu tempo pelo romancista-filósofo austríaco para transmitir um legítimo retrato da textura psicológica da horda possessa que empreendeu um dos mais bestiais acontecimentos da história humana.
Torless, sequioso por entendimento e carente de participação afetiva no microcosmo escolar, observa com curiosidade inquieta o desenrolar dos distúrbios comportamentais que fazem erodir a crença na ordenação lógica do mundo que sua inteligência ora presumia existir. Perplexo, recorre à autoridade professoral que obscurece ainda mais as questões que propõe a si mesmo. E é aí que o ermo existencial coletivo se revela atroz. Seu professor representa a calamidade da ciência ocidental, um emaranhado de raciocínios complexos que ignora seus próprios fundamentos. É o monstro do divórcio entre ciência e metafísica. A consequência dessa desorientação não é outra senão a emergência do tédio demoníaco de que falava Thomas Mann – subjugado somente na persecução compulsiva de experiências extremas. “Eliminar sentimentos supérfluos”, propugna um dos personagens. E a realização de tal projeto demanda a destruição da moral tradicional. Daí que a tortura – física e mental -, o jogo cínico de linguagem e o emprego inescrupuloso da indução hipnótica são vistos como um imperativo categórico, porque a libertação prometida pelos jovens revolucionários – quer sejam nazistas, comunistas ou anarquistas – se resume em essência na promoção do puro satanismo, isto é, a inversão de todos os valores e suas relações hierárquicas.
O circunspecto Torless já não pode distinguir entre o bem e o mal. Pudera, da covardia imoral da vítima à violência fetichista de seus algozes , é apenas o mal que prepondera.
Um Condenado à Morte Escapou
4.4 69“Tudo o que filmo é religioso. Para um cristão, não há temas mais 'cristãos' do que outros”.
Essa declaração de Bresson descortina a unidade de sua obra sob o véu da multiplicidade de situações dramáticas que a circunscreve. Utilizando como subterfúgio uma narrativa verídica cujo clímax o próprio título do filme prenuncia, ele representa aqui uma vivência concreta que aduz as mais caras questões para a condição humana consoante a cosmovisão cristã. Predestinação ou livre-arbítrio : a perpétua dúvida a respeito da qual a escolha entre o acaso como fatalidade ou desígnio supra-temporal é o homem comprimido a optar.
Em síntese, essa obra-prima funciona como a transposição precisa da querela incendiária entre jesuítas (o primado das obras) e jansenistas (o primado da graça) que a própria França conhecera. Mas, se na teologia, mãe de todas as ciências – tanto na acepção histórica quanto metafísica – a vereda da verdade se situa entre nuances e interpenetrações entre os dois vértices, na realidade as coisas também se imiscuem. Por conseguinte, a presciência do desfecho dessa história é fator irrelevante. O vigor desse filme consiste no fato de sujeitar o espectador a acompanhar a perseverança do prisioneiro em sua rebelião psicológica contra a aparência do inelutável, a determinação destemida em confiar no imponderável em contraste com o derrotismo reinante entre seus compatriotas. Seu esforço disciplinado não prescinde da intervenção decisiva do imprevisível – ora, lembremos que o seu grande auxiliador deveria ser, segundo a racionalidade convencional, seu obstáculo. Dessa forma, Providência e ação humana se reconciliam.
Leibniz, certa vez, dissertando em tratado célebre sobre a polêmica do predestinacionismo, sabiamente sentenciou: “sem sonhar com o que não podemos conhecer e nenhuma luz vos pode dar, agi segundo o vosso dever, que conheceis”.
O comandante André Dévigny nada sabia sobre seu destino. Apenas conhecia o seu dever, que era resistir ao mal nazista. E a oportunidade de remissão proporcionada ao jovem traidor – criminoso impelido a aderir ao mal por débil impulso pueril – mediante sua persistência heróica talvez fosse sua autêntica missão desde a eternidade. “O Espírito sopra onde quer”...
A Colecionadora
3.8 49 Assista AgoraUm filme que introduz uma sutil incursão de Rohmer no imaginário estéril de burgueses secularizados. Como todo fenômeno sociológico, tal não é produto do acaso e ressoa precedentes culturais que o viabilizaram. A alienação dos personagens masculinos no que concerne à natureza ontológica do problema moral no homem é indecorosa. Ora, eles nada mais são do que reflexos da instituição da moralidade laica – o famigerado mito maçônico que para tornar-se opinião dominante sacrificou a experiência de todas as civilizações no altar da imbecilidade erudita. A inclusão de Rousseau - o expoente do iluminismo que foi um dos inspiradores desse processo - nas leituras distrativas do protagonista é um indicador eloquente da perspicácia com que Rohmer maneja seu tema. Eis que aqui faz-se mister uma observação: a existência da moral requer vínculo com o transcendente, a recorrência a instâncias superiores e eternas que sua própria descoberta intui. O inverso é a sua negação.
Com esse dado clarificado no raciocínio desenvolvido, apreendemos o elemento fulcral que subjaz nessa sofisticada narrativa: o moralismo de Adrien e Daniel são paródias de moralidade, criações teóricas arbitrárias encerradas em um subjetivismo que os reduzem à demência – o que dizer de quem declara perseguir o “nada absoluto”? Eles justificam-se num verbalismo circular, fundam valores sobre o vento e projetam na garota o ceticismo que os anima. Sim, porque a vacilante liberalidade sexual desta é um sintoma trivial da juventude de sua geração: de tanto sentir-se livre, sente-se vazia. Nada de novo sob o sol.
Então, temos o desdobramento da falsa profundidade que motivava o retiro ao isolamento de Adrien: bastaria a chegada de um elemento feminino estranho para que a futilidade de suas concepções morais emergisse. Ir ou não para a cama com uma “mulher degenerada”? Desnecessário acentuar a baixeza desse “dilema”.
A consciência com que esse excêntrico cristão apresenta assunto de tão elevada importância para a compreensão do nosso tempo infelizmente é explorada sob ângulos turvos. É um daqueles casos em que a difusão limitada de uma obra não é produto de uma contingência, mas da riqueza inerente a seu conteúdo e imperceptível ao indivíduo vulgar.
Vício Frenético
3.9 124De uma degradante incursão no submundo de Nova York Ferrara opera a proeza de extrair uma apologia católica. Em verdade e para uma mente cônscia, tal é o próprio cerne do filme e sua omissão ou relativização em leituras genéricas é explicada pela suprema ignorância dos problemas religiosos por parte da patuléia “crítica”, crédula de sua própria educação quando não é capaz de imaginar um tema cristão fora do eixo de estereótipos infamantes absorvidos de alguma latrina “educacional” - provavelmente macaqueação de subcultura universitária.
O drama do personagem central é o sintoma inequívoco da contaminação pela barbárie rotineira - rejeitada formalmente porém interiorizada no coração. Engana-se quem nele vê uma revolta adolescente contra a religião católica: sua explosão de ira contra o conceito do perdão cristão é o clamor desesperado de um homem auto-consciente de sua culpa, cuja remissão só pode ser fornecida na catalisação de seu ódio numa vingança sem critério contra a podridão inescapável. O ódio ao bem é uma manifestação da enérgica sensação da impossibilidade de conhecê-lo - que o diga a paráfrase dos versos de Paulo na epístola aos Coríntios em uma das cenas mais sublimes do filme.
Ferrara foge do trivial a não se ater a questionamentos superficiais e infantis contra a santidade idealizada pela freira. Nas mãos de um cineasta boçal certamente a confrontação se limitaria a apontar o cristianismo como um conjunto de abstrações morais ingênuas; porém, o domínio da dialética teológica aqui eleva o problema a patamares maduros, por isso não se propõe a velha discussão entre formalidade e materialidade dos valores, mas antes, um convite à auto-introspecção tão cara a uma vida monástica. Evidência inconteste dessa fértil proposição é a alusão contida nos nomes dos estupradores: a dualidade entre poder temporal – representada pelos deveres de sua profissão – e plano espiritual – a experiência mística que escandaliza a razão profana – em Pablo (Paulo, o disseminador do evangelho) e Júlio (o império que tenta suprimi-lo). Cristo contra César.
Posta essas pequenas observações, devo assinalar a crueza que emana sinceridade na obra. Ferrara aparenta imprimir nela suas próprias experiências, resumida numa busca sincera pela redenção prometida no evangelho num ambiente de devastação moral tentadora. O exercício do perdão transcende as relações pessoais efêmeras...
Sob o Sol de Satã
3.7 22Para quem leu a obra-prima de George Bernanos, a controversa adaptação para o cinema de Maurice Pialat se torna um incômodo praticamente irrefreável. Não se trata aqui de incorrer na quintessência da ingenuidade estúpida de comparar duas linguagens distintas, pois é notório que todas as possibilidades que Bernanos oferece em seu romance jamais poderiam ser transferidas para uma adaptação cinematográfica. Entretanto, as escolhas do diretor merecem ser discutidas e julgadas. É certo que na condição de cineasta sua visão pessoal pode e deve prevalecer sobre o romance. Porém, a impressão em mim fixada é a de que Pialat submeteu toda a complexidade do livro a uma simplificação boboca, relativamente deferente é verdade, – ora, nas mãos de um materialista safado todas as ocorrências sobrenaturais seriam reduzidas a um psicologismo primário – o que não impede de comprometê-la. Nem mesmo a fotografia sublime é capaz de captar toda a angústia avassaladora que as questões propostas por Bernanos transmite; antes, soa como um substituto, uma evasão covarde de um cineasta com preguiça de lapidar a forma de seu filme.
Sim, todas as qualificações ao estilo de Pialat aqui já foram justamente atribuídas. Rígido, seco, insípido...nada a acrescentar, tais características podem funcionar com perfeição arrebatadora em determinados casos - “Aos Nossos Amores” do próprio Pialat é uma amostra eloquente. Mas, por que perseguir um desfecho conclusivo quando a magnitude do texto rechaça inegavelmente tal postura? Deve-se salientar: o problema não é ignorar o final obscuro, à terrível perplexidade à qual Bernanos nos subordina. Não, o vício elementar consiste em optar por um otimismo mistificador alheio à própria estrutura dos acontecimentos narrados. Se a ubiquidade de Satã no mundo é incontornável, onde está Deus nesse enredo mortificante? Eis o grande tema do livro. Pialat fornece uma falsa resposta. A sobriedade da expressão de angústia de Bernanos cedeu lugar a uma teologia absurda em Pialat.
Kes
4.2 142Quando Ken Loach não faz com que sua paixão ideológica produza filmes com propósitos “pedagógicos” - vide o irrisoriamente cretino Terra e Liberdade – vemos um grande cineasta em ação. A crítica social aqui não se ancora em um marxismo vulgar e a mensagem que ele supostamente intenta transmitir é precisamete mais eficaz por essa razão.
Em Kes temos uma história singela em que o realismo é verdadeiramente real e não produto de interpretações forçadas que impõem leituras “histórico-críticas” que subestimam a inteligência do espectador ao fazê-lo massa recrutável à militância socialista. Se a brutalidade do meio em que o garoto vive constrange a cada cena, as culpabilidades não são tão óbvias e as instituições que a permite não se apresentam como “estratégias de classe” sorrateiramente calculadas. Nesse aspecto, infelizmente o diretor padeceu de um retrocesso comum em tantos outros cineastas: a obsessão pelo engajamento sobrepujou sua sensibilidade como artista.
Narrativa refinada, tocante sem ser explicitamente manipuladora. Não por acaso é o filme predileto de um gênio como Kieslowski.
Um Dia Muito Especial
4.4 92Perante a torrente de libelos anti-fascistas que o cinema italiano produziu, Um Dia Muito Especial deve ser destacado pela leitura sutil e honesta que dispensa uma abordagem maniqueísta, nas quais a autoglorificação implícita da classe dos "intelectuais de esquerda" - tão recorrente na casta de cineastas assediada pelo PCI - se torna quase um dever corporativo nestes aduladores das ideologias de massas mais torpes que já existiram - comunismo em todas suas variantes. Mas Scola, um revisionista de um humor quase melancólico, se sobrepõe a tal tendência.
Não há simplesmente vítimas inermes entre os perseguidos e excluídos pela demência coletiva, tão pouco um intento pretensioso de catalogar o "homem medíocre" que adere ao fascismo a fim de escamotear sua própria insignificância, como faz o errático Bertolucci no assaz elegante "O Conformista". Aqui os termos são colocados de maneira mais telúrica e por isso mesmo tocante. A mentalidade do populacho canalha está em todos e não há papéis irredutíveis. A participação na mística nacionalista oprime pela sua falsidade intrínseca e tanto a doméstica ignorante como o homossexual semi-letrado estão saturados desse delírio opressor. Se o espetáculo dos desfiles militares atrai jovens entediados e canaliza fantasias de poder, é porque essa representação insana se enraíza justamente na auto-negação permanente de suas próprias condições existenciais. A acrobacia verbal que caracteriza as locuções radiofônicas irradiam a patologia do estetismo político - vício inconfundível do século XX - e contrasta com a rotina pacata de civis comuns, humanos como quaisquer outros e que a loucura de uma elite mitômana quer absorver à força pela castração ideológica. A piedade que os dois personagens nos inspiram, - embora hajam eproporções díspares de simpatia e colaboracionismo com o regime entre eles - é um sintoma da competência com que um grande cineasta nos consegue fazer imergir naquele cenário aterrador.
Um Filme Falado
3.6 38O caso típico em que a proposição de uma espécie de "cinema conceitual" justifica a superficialidade do argumento, ou mesmo vacuidade, talvez.
A cena do jantar, onde velhas apáticas reputam a abstrações como "a sociedade" ou "os homens" a própria miséria espiritual em que chafurdam suas vidas - provavelmente mais aprofundadas na proporção em que reproduzem conversas como aquelas, em que fala-se sobre nada afetando uma altivez intelectual que finge ecoar verdades teológicas - poderia constituir-se numa crítica sagaz do ancião português às idéias difusas e imbecis de uma certa elite européia, se não parecesse ser essas mesmas as próprias do diretor.
O Tambor
3.9 92 Assista AgoraInsosso, moroso e pretensioso. É como se a mensagem politicamente bonita (ah, o garotinho que prefere não crescer a tornar-se como os demais) do filme blindasse algumas responsabilidades dos autores. E mais: desconfio que todo ovacionamento obtido e premiações angariadas não passam de pura propaganda barata. Entre um cocozinho desse e uma propaganda da Riefenstahl, fico com a segunda.
A Idade da Terra
3.6 52 Assista AgoraUma merda monumental.