Sem a necessidade de efeitos especiais megalomaníacos ou diálogos excessivamente explicativos, o longa se desenvolve com primazia por conta de uma narrativa bem desenvolvida. Um mundo ficcional (nem tanto assim), futurístico, dominado pela competição no mercado de trabalho, pelo individualismo e pela busca objetiva e explícita pela boa aparência, explicitando perfeitamente bem uma empresa especializada em complexos procedimentos estéticos - nos quais, mulheres, figuram como maiores vítimas. E apesar de aqui termos como motivação o clichê "transferência corpórea de consciência", os pontos importantes para a trama são outros. Nenhuma das personagens está preocupada se a hipotética cirurgia pode, enfim, dar errado. A problematização ocorre no plano relacional-psicológico e este é o ponto chave do filme. Contém spolier: Gwen deixaria de ser Gwen para poder melhor atender ao futuro da filha? A filha reconheceria Gwen como sua mãe, mesmo após um processo onde sua aparência fosse trocada radicalmente por outra? Nesse involucro, podemos refletir a respeito da criação dos laços de conexão indivíduo/mundo. A experiência empírica gera uma memória ao corpo diferente daquela armazenada na consciência pensante. Isso aparece quado Gwen tenta aproximar-se do piano, mas pouco som é transmitido. Ou, quando encontra-se incomodada com a música clássica que anteriormente gostava de ouvir. Advantageous é cheio de pequenos simbolismos, gestos sutis e cenas com nuances surrealistas (se não, ao menos um tom mais lúdico) que tentam trazer o espectador para o ambiente interno e, ao mesmo tempo, causar certo estranhamento. Vemos também a discussão a respeito do excessivo corporativismo e a perfeição ligada ao ofício. Perfeição também criticada no aspecto da busca por uma estética particular - nos aproximamos cada vez mais do universo robótico ali expresso. Uma ficção científica poética e cativante.
Depois desta experiência, entendemos que um filme pode ser recheado de cenas fortes graficamente e, ao mesmo tempo, construí-las de forma sutil e encantadora. Muito dessa preoza vem doss diretores de A Quinta Estação trabalharem com infinitas metáforas para incumbir significados implícitos na narrativa. O prazer em assistir àqueles estranhos personagens e acontecimentos é o que mantém nossa curiosidade acesa naquele universo inexplicável. Aqui, nos é apresentada toda a consistente força da natureza, com seus ciclos próprios e, muitas vezes, desconhecidos. Temos a praga, a maldição, a bruxaria e o azar que se apossam de uma comunidade. Junto, os residentes que não compreendem o que veem. O tradicional ritual de inverno não se concretiza; os peixes morrem; o gado é levado embora; a produção de mel some; começa a brotar daí a grande questão que movimenta o filme: como responder ao mundo quando ele não lhe provê o que necessita para viver? No caso destes moradores isolados, suas necessidades estavam nas mãos da natureza, que não lhes deu um ciclo habitual, conhecido, esperado. Nada mais tem vida dentre os cinzentos moradores, a menina Alice não chora, mas a chuva escorrendo atrás de seu corpo expressa sua melancolia interior. A Quinta Estação oferece muitas leituras, mas a uma linha possível de aceso é a que conclui que que o ser humano é um infeliz dependente. E quando suas muletas, sejam lá quais foram, são retiradas, ele não sabe para onde ir. Totalmente cego, esse mesmo homem precisa achar um culpado pelos motivos invisíveis de tantos problemas, não consegue reagir facilmente aos novos ciclos requeridos pelo desconhecido. É, sem dúvidas, um filme recomendado para todos aqueles que gostam de viver experiências estéticas diferentes, com seus belos quadros e tocante trilha sonora, o longa atinge o espectador emocionalmente, que desarmado, precisa colocar-se sob novas perspectivas para adentrar nessa outra realidade.
Wim Wenders cria uma das poesias visuais mais lindas que se possa ver. Asas do Desejo se apresenta como uma obra que brinda à vida, ela se apodera dos pequeninos detalhes que nós, seres desgastados pela rotina, deixamos de perceber. São as mãos gélidas, o vento varrendo os cabelos, o Sol que nasce todas as manhãs e esquenta a pele, pele que sente o toque. O diretor explora a ideia de que os sentidos prevalecem, que viver a autodescoberta é voar. Quando crianças, com nossos recentes pares de asas, começamos a nos deslocar sobre as experiências acessíveis, e o novo nos atrai incessantemente, nos mantendo em movimento contínuo atrás do desejo. E ainda nesse momento, a mente destrava-se e passa a perguntar quem seria ela própria, a mente. Wenders une a filosofia à psiquê de suas personagens. Como seres existencialistas, por vezes enrijecemos o par de asas e entramos numa esfera onde a solidão e marasmo ganham maior voz. Não há cor, não há cheiro, não há vento ou vida. O que resta é uma existência vista de fora, contada por um outro protagonista, sem experimentação empírica. O que é mais sedutor ao ser humano? Viver como um anjo e sem dor? Viver a dor e ter a capacidade de sentir? Através dos belíssimos planos da trapezista que se arrisca nas alturas, e de diálogos que forçam o mergulho do espectador nas angústias dos personagens, o filme oferece uma passagem ao espectador para dentro de si mesmo, basta permitir-se atirar.
Tentar entender esse filme traz ao espectador uma tarefa difícil. Bertolucci não adapta o personagem de Dostoiévski simplificando-o e criando uma personalidade de fácil identificação. É através dos choques entre as duas personalidades que se passa conhecer algo sobre Jacob. Um Jacob que se reconhece um pouco Rimbaud, aquele que tem tantos de si guardado dentro do próprio eu. E a partir de pontos como esse, as referências à liberdade começam a ser compreendidas. Parter nasceu de um ano de efervescências, onde as chamadas revoluções revoluções sexuais, sociais e culturais dominavam o cenário. A negação à regra, aos vícios da sociedade e à antiga política fascista fazem parte da crítica e parte do personagem, que como ser humano, vive na corda bamba entre assumir sua revolta interna ou cair no medo. Dilemas como "é proibido proibir" parecem resumir a essência da discussão que o diretor põe em tela. Pessoas vendadas, com olhos falsos ou conversando com suas duplicatas, todas cegas ou amedrontadas, escondidas atrás de livros e esperando outro alguém que tenha iniciativa. Por fim, Bertolucci não esquece da guilhotina, símbolo da libertação contraditória.
Bergman traz os fortes acontecimentos históricos sem deixar de tratar por seu viés próprio a temática, construindo seu estilo investigador da psicologia humana e crítico. Vemos uma Alemanha se afundando pós Primeira Guerra, com um difícil colapso social-administrativo, sentindo o peso de ter sido responsabilizada por tantos problemas. Já se percebe que haveriam de achar culpados, uma explicação que justificasse tanta desgraça ao povo alemão. Já aí, antes de Hitler, percebe-se a cultura que estouraria contra os Judeus. Anti-semitismo, repressão, culto ao líder, as novas políticas que iriam "reerguer" a Alemanha dos problemas inflacionários e sociais. Bergman faz o que faz, nos mostra como essa ideologia foi traumática. Em uma metáfora dos diálogos a personagem comenta sobre a sensação de febre, agradável, não sabe quando se está acordado ou não. Em seguida, diretamente para a câmera, conversando com o espectador: "É um povo sem futuro." O vício no álcool, a preferência do pesadelo à vida real, passagens todas que demonstram a fuga da realidade. Isso, porque a mesma significava medo.
Incrível mensagem transposta por este roteiro que se utiliza da simplicidade de contar a história e bons atores para se realizar. Muito comum ao homem, desde sua forma primitiva até a atual sociedade, a ideia de produzir ao causador a mesma dor que lhe foi posta. Se utilizando de uma situação no sertão nordestino, não deixando a oportunidade de relembrar a complicada realidade do povo e o olhar crítico que é preciso ter sobre ela, cria-se essa trama de briga de famílias. Porém, é uma fórmula genérica, podendo ser aplicada em qualquer lugar do mundo e com qualquer pessoa que se submeta a essa ideologia da revanche. Olho por olho e o mundo acabará cego, a vingança não resolve nada, apenas abre lacunas intermináveis.
Os Idiotas é uma experiência cinematográfica bem diferente, tenho certeza que todos que se propuseram a assistir sentiram um enorme incômodo durante a maior parte do tempo, ou ao menos quando os personagens entravam em paranoia. Isso é o que Lars faz com seu espectador, cutuca até fazê-lo perceber o quão intrínseco está dentro da chamada sociedade. As opressões, não dizendo apenas de modo negativo, mas normativo em relação à convivência normal do ser humano, tiram a liberdade para agir "à la vonté". Porém, quando um grupo se propõe a quebrar as razões absolutas pré-estabelecidas em pró dessa sensação de liberdade plena, aparecem contradições. Que liberdade seria essa? É tão benéfica assim como os próprios defendem? E daí vemos diversas situações dos personagens desmontando seu núcleo familiar ou envolvendo-se em acontecimentos complicados. Por outro lado, quando perguntados sobre seu estado de espírito, todos afirmam que são muitos felizes juntos agindo de tal maneira. A negação da moral e as falas subversivas entram em choque quando vemos os personagens aparentemente sofrendo por alguns desses acontecimentos, não há consistência, é tudo contradição, a liberdade e o politicamente correto. Até a fotografia e o modo de filmagem escolhidos por Lars, dentro do dogma 95, trazem essa quebra de regras que o filme brinca. Não há conclusão absoluta quando se acaba de assistir, é o tipo de filme feito para provocar reflexões e remoer antigas perguntas, feito a forma ousada do dinamarquês.
De forma generalizada, acho que o pessoal não captou a proposta e ironia imensa que são esse filme. O problema é que por trás de toda essa ironia, existe uma realidade mórbida a qual foi inspiração para o diretor. É o limite entre a risada e o desespero.
"Proibido Proibir" é um filme que conversa com a ideia da morte. E com a efemeridade da vida, consequentemente. Temos três personagens principais que mostram noções diferentes sobre a realidade que os cerca, porém, em algum momento, todos compartilham das mesmas frustrações, e é nesse ponto que o roteiro ataca. Para falar de assuntos batidos com uma abordagem diferenciada, o filme destaca as relações que se estabelecem entre os personagens. Como se dentro de cada um, existisse um universo particular, a subjetividade que transborda em cada olhar perdido. Nos acontecimentos que permeiam o trançado de tramas, a morte e a injustiça estão em todos os cantos, lembrando-se delas ou não, estão ali presentes. A ultima cena expressa de forma bela e com muita sinceridade
o que foi trabalhado durante toda a narrativa, aquele embate constante entre as forças, um embate confuso que ameaça aliados, mas vê no fim do túnel uma fagulha de esperança.
Começa arrancando todas as suposições sobre a ideia, o conceito e a utilidade da filosofia para os Homens, e termina devolvendo uma reflexão sobre esse tal existencialismo voraz. Ora temos um filósofo que encontra seu conforto no estudo do sentido do mundo, e ora temos um filósofo desesperado por não achá-lo. De modo bastante interessante, o diretor consegue plantar no espectador um pouco das incertezas que Ludwig divagava. E sem parecer monólogo, expõe uma teoria acerca da enorme confusão que se faz sobre as problemáticas filosóficas, supondo que os paradoxos, os medos, o abismo estão todos relacionados com os significados. Significados que só existem no mundo conhecido por cada criatura, onde não "há" e sim "parece haver". Muda-se o ângulo, obtêm-se outro encaixe. O ser humano é o mestre de confundir os símbolos e acaba por transformar as várias linguagens em puros embaraços. Ainda assim, analisando separadamente, e talvez justamente por isso, as coisas percam mais ainda sentido. Não compreendendo seu entorno e desejando ser o supra sumo da perfeição, os embaraços se tornam nós mais fortes.
Gus Van Sant propôs que o espectador experimentasse a sensação que Kurt estava vivenciando neste período de sua existência. E existir é o termo mais trabalhado neste longa. O existir sufocante que a desilusão traz, o vagar às cegas e obter nesse caminho mais encruzilhadas. "Eu perdi algo no meu caminho", e a busca por esse algo que nunca se obtém é o enlouquecer do ser humano. E assim segue, especulando como poderiam ter sido os últimos dias de alguém que em breve perderia a cabeça. Há algumas análises que dizem que o diretor quis abrir margem a ideia de assassinato, contudo, pra quê arder em tanta solidão se a intenção fosse essa? Está estampado o afastamento com o círculo de amizade e a fuga do fardo religioso (literal, quando Blake corre dos dois meninos da Igreja) que uma ideia de suicídio traria. Ao decorrer dos minutos, essa agonia cresce junto ao personagem. São as melodias em tom baixo e repetitivo, os arranhados da guitarra que perduram por cinco minutos e o grunge cabisbaixo tocado, os elementos que criam uma áurea caótica a cerca do universo melancólico e introspectivo. Independente de qualquer coisa, tanto nesse recorte fictício, quanto nas entrevistas reais e músicas do cantor, percebe-se que há muito sentimento brotando de dentro de Kurt. E ele parecia não compreender o mundo que o cercava, um mundo recheado de atitudes ruins e interesses na fama e lucro. O olhar final parece ser sua decisão, uma decisão também confusa e triste. A existência é um paradoxo.
Muita gente parece ir aos filmes de Gus van Sant, talvez, com a ideia de ser um mero passa-tempo, ou no caso de Paranoid Park, um suspense que pára nessa midiática classificação de gênero. Mas na realidade, seus filmes transmitem o verdadeiro suspense que paira na situação psicológica das personagens, e o final, apesar de forte carga significativa, não importa tanto quanto toda a da trajetória da trama. Este longa parece seguir a mesma métrica, ambientado por cores frias e personagens que mantém certas distâncias entre si, propõe ponto reflexivos bastante perturbadores quando olhados à fundo. A questão da responsabilidade ética, a consciência moral e o medo se colidindo na mente de um jovem que agora convive com a carga de ter interferido indiretamente, porém definitivamente, no destino de alguém. A dúvida sobre o sentimento de culpa e as alusões constantes durante os diálogos à cultura cultivada pela grande maioria: o não se importar.
Gus van Sant faz um mix entre a ausência de consciência e a escolha da falta de ausência de consciência - na qual as relações estão longínquas, desacreditadas e individuais, a tal ponto que a confiança para compartilhar algo que deveria ser conversado é rompida, e o que resta é escrever cartas ao fogo.
Silêncios, olho no olho, música e sentimentos, o filme vale.
Filme analítico, no qual a mudança de pontos de vista cria um emaranhado de suposições e fundi diversas teorias, cabendo ao espectador captar a essência por trás de toda a aparente "desconstrução" de linearidade e lógica. O diretor faz uso do suspense como arma para prender o público e não liberar as informações cruciais para a conexão das peças, caso contrário, a brincadeira proposta não teria graça e ao menos seria possível. Pendendo para o lado da psicologia, mostra como a manipulação pode ocorrer de forma sutil, e como essa manipulação chega à níveis catastróficos. O exemplo foi a psicanálise, de tanto martelado algo em cima de alguém, é fácil fazê-lo crer no problema e desenvolvê-lo realmente, para os fins desejados. E mais, a manipulação que molda nosso ser é mais perigosa ainda quando até os cinco anos de idade, período que começamos a desenvolver subjetividade aparente. A memória acessível de hoje pára por volta dessa fase da infância, o que não significa que a formação internalizada de antes seja esquecida. É assim que se sustenta o argumento, mostrando que podemos (e somos) muitas vezes o produto do meio, o que faz das "influências" e estímulos a chave para um determinado comportamento.
"A Canção dos Pardais" é, com leve forma, uma crítica bastante pertinente. Um filme que se apresenta no Irã, mas que, em sua essência, poderia ocorrer em qualquer país de terceiro mundo. Sem tocar repetidas vezes com palavras no cerne da questão, o diretor usa-se das situações para demonstrar a péssima condição de vida de uma família. Sentimos que a odisseia começará quando Karim perde seu avestruz, a fonte de sustento. As portas abrem-se para o seu tortuoso percurso, acompanhado de seus filhos. Temos um protagonista, homem humilde e decidido, arrumando bicos em função do desespero crônico da falta de dinheiro e emprego para bancar a família, e temos filhos, que se submetem ao trabalho logo cedo para ajudar na renda. Coisa do Irã? Do mundo, é tema universal. Violência moral de governos que mantém nulos quanto toda a situação. Por diante, criamos um vínculo com a causa, o que culmina num clímax simbólico e uma das cenas mais marcantes que vi nos últimos tempos:
os peixinhos indo ao chão, a água escorrendo à canaleta e os meninos em lágrimas. Era peixes, mas era a representação, a construção de toda a esperança de ascensão daqueles meninos. Representação melhor da realidade dura e frustante não há, desde pequenos os meninos estarão vacinados. Logo depois, para evidenciar mais o contexto, Karim canta sobre o mundo ser uma mentira. Nos últimos momentos experimentamos uma sensação de luz no fim do túnel, aquela que nunca deve morrer. O realismo de Karim e o sonho de seu filho, não como contraponto, mas equilíbrio.
Construído de belas imagens mescladas com a música local, além de crítica social, é arte para os olhos.
Pelo visto, "Alucarda" ganha bastante fãs pelo estilo chamado trash ou algo que remeta ao terror, e não há nada de errado nisso. Mas apesar da maioria dos elogios que você encontra por aí serem sobre os gritos e a possessão, o longa não se faz apenas disto. É mais ou menos por esse caminho, mas tudo justifica a proposta. Os exageros na atuação, o teatral; são representações intencionais para chegar justo ao cerne da questão: tudo não soa tão absurdo quando levado à realidade? É isso, é exatamente isso! O embate da religião, dogmas a serem seguidos e Igreja com a racionalidade. Assim, segue por diálogos que demonstram a hipocrisia humana e o lado normalmente maquiado pela graça. Entende quem se dispõe a conviver alguns minutos com os personagens intensos, olhares fuzilantes e cenas simbólicas. Para falar de fanatismo esse Nunsploitation faz sua parte. O diretor pesou a mão e levou a situação à patamares hiper improváveis, tudo me soa como ironia. À alguns funciona, a crítica é passada... Já, outros, acreditam ser apenas uma bizarrice com feiras sangrando.
Assim como o diálogo abstrato e fragmentado das personagens, o filme também se fraciona em diversos elementos.Ao terminá-lo, já sabia que dividira um oceano de opiniões. Lendo, então, algumas críticas, o tema deste experimental englobaria o teor revolucionário dos que tangenciam o sistema nos anos 70, a crítica ao trabalho pelo trabalho por imposição (me pareceu uma referência aos vermelhos, uma vez que a moça pinta a parede com a cor enquanto fala o texto) e certos posicionamentos políticos soltos. Mas o que ficou em mim, foi além que isso. Bianchi pode não ter tido a menor intenção, mas eu compreendi como a cansativa luta eterna entre a esquerda e a direita. E no meio disso, a vida acontecendo, as crianças que não tem o que comer, as pessoas que se perdem no caminho, a miséria assolando, a repressão entrando no pacote e tudo se configura num quadro que já conhecemos. A luta da utopia contra o regime já estabelecido que não chega a qualquer lugar, apenas leva à uma longa discussão que depois de tão desgastada, já parece não fazer sentido para quem está em volta (cenas finais) esperando a tão sonhada mudança. Como se dissesse "não importa quem esteja no poder, apenas faça direito", o longa - em suas belas imagens poéticas - reflete o lixo disfuncional que é nossa política.
Como se misturasse realidade e ficção em um esquema que complica a distinção para o espectador, a união desses dois elementos cria um tempero único. "César Deve Morrer" vem como uma parábola entre a sociedade romana e uma penitenciária atual, dois sistemas que ainda se interligam por um resquício que nos foi deixado. O que vemos em ambos, seria o poder de decisão na mão de alguém mais soberano, seja um Estado, seja uma figura. E como cabe a este poder evitar que um homem culpado torne à sociedade a mesma maneira, os limites de punição também lhe cabem. O simbolismo que mais vejo neste longa é o autoritarismo desses mecanismos em cima de homens. Mecanismos que não criam a possibilidade de mudança desses homens. A prisão onde é encenada a peça serve como exceção e uma espécie de exemplo, defendendo a arte como principal chave para a abertura da carcaça e mudança de um sujeito. Ao entrarem em contato com essa força reflexiva, os homens tiveram uma nova chance. O interessante é saber que o longa foi gravado com a mistura de detentos reais com atores, o que traz ainda mais vivacidade ao que o filme defende.
Existencialismo visceral. Quem poderá saber das coisas da vida, a não ser nós mesmos? Um poço de melancolia é apresentado, "As Horas" enfrenta a falta de sentido coexistindo com o desejo de viver. Um desejo sufocado pelas dúvidas sobre o fim, reduzido ao desconhecido, essa é a alma das densas personagens. Alguém deve morrer, para se atentar que o pouco sentido da vida, só aparece quando deparado com a morte. E seguindo a lei, quem morre é o visionário, o poeta, aquele que sente e vive demais por dentro, e se vê diante do marasmo de fora. Roteiro impecavelmente conectado, revelando os clímaxs aos poucos. Tudo muito bem amarrado à trilha sonora com seus angustiantes pianos. Mais um filme existencialista poético e sensível.
Os olhos se tornam o que decidimos, o foco não existe, ele é criado através de experiências. O menino cego enxerga seu mundo através da audição, um som deve soar bonito e harmônico para levá-lo à plenitude, assim como, para os usuários de olhos, uma paisagem bela enche a alma. O universo a parte - singelo e simples - da aldeia, é o charme que apaixona o espectador, que fica vidrado nas sutilezas daquelas personagens. O ponto que o filme toca é justamente o "almejar": a menina de trancinhas com seus adereços que lhe trazem a imagem sensual de mulher madura em contraposição com sua infância, a mãe sem dinheiro procurando não ser despejada, os músicos que vagam pela cidade buscando uma nova moldura para suas situações e o pequeno menino, sofrendo as influências de todos em volta, arranjando um jeito de reger como um maestro a situação. Além da reflexão sensorial-filosófica, tudo se complementa mostrando de forma poética e sutil, os problemas que uma sociedade anda passando. Alegoria para o trabalho, a exploração de crianças e mercenários desestruturando famílias pobres.
Quer achar o ponto fraco de uma ideologia? Leve-a ao extremo. "Die Welle" exibe, com um enredo chocante, os perigos da manipulação. Basta encontrar uma boa justificativa para que um grupo se una, dispor de um líder que atua pela via "os fins justificam os meios" que uma bomba relógio está armada. Crítica ácida ao fascismo, mostra como é fácil criar uma situação em que as cabeças pensantes deixem de ser pensantes, o momento que acham que estão em pró do coletivo mas excluem a individualidade e rebatem a oposição com a condenação total. Não há troca de palavras, apenas o caminhar cego atrás do líder. Além disso, o circo fica aberto aos tendenciosos pesarem mais ainda a mão, e assim some a liberdade e temos uma ditadura, quando os próprios seres estão pasteurizados e protegendo de forma autônoma o sistema. Não podendo fechar com frase melhor, o filme ainda traz a maior de todas as preocupações: "Ainda acham que isso pode não acontecer de novo?"
Homens e mulheres e a guerra interminável dos sexos. A tentativa de se afirmar em sua maior inteligência sobre o outro, os mecanismos de dominação, além de referências à essa briga, puxa a crítica para os regimes autoritários. Seres que nunca buscam entender o outro, que atuam pela via do pensamento ignorante da submissão. A ideia é sempre naturalizar, civilizar, dominar. Feminismo exagerado, machismo exagerado, regimes exagerados. E o caminho do meio, onde fica?
As pedras, as nuvens. Um moço de óculos escuros e punho cerrado. Simples assim? Simples assim, responde. Wenders traz a paradoxal existência, simples, mas contendo seres que não a aceitam como simples e entram numa busca. Valorizam em seus passados as histórias que os tornaram o "eu" atual, contudo, não fazem a menor ideia de onde suas estradas os conduzirão. Talvez, possamos fazer um paralelo com as situações vividas pela Alemanha. Tentar passar a borracha na história não apresentará o entediamento do quadro atual, para algo "ser" hoje, precisou ter surgido ontem. Além disso, nos é apresentada uma Alemanha (um mundo) que se vende cada vez mais. O personagem do técnico de projetores, que conserta e passa os filmes sem receber nada em troca, é um exemplo do desejo de uma nova mentalidade. Crítica ao Cinema de grande produção, que se esqueceu sua origem, que nasceu da pequena máquina que girava e criava o empuxe para os vinte e quatro frames. Cinema monopolizado, países monopolizados, vidas monopolizadas. É um estranho mundo engolidor, sem reflexão, sem passado e futuro, apenas presente.
"Todo mundo tem uma caixa". E todos querem olhar dentro das caixas dos outros, o toque voyeur! A sensação de entrar no íntimo, na vida de um desconhecido, de tirá-lo da multidão de transformá-lo em um rosto. "Following" brinca com o estranho prazer de brincar com a face espiã, que penetra no observado sem que ele perceba de imediato, para apenas depois, desejar que tome conhecimento, e o faz questão disso. Somos todos espécies de voyeurs, procurando mergulhar e mexer nos significados pessoais de todos a nossa volta, assim como fazem conosco. Consciência, subconsciência e ilusão se embaralham. Nolan em uma produção de baixo orçamento mostrando que seu sucesso advém realmente de seus incríveis roteiros. E assim são feitas as boas estórias.
Um deleite metafórico do início ao fim, isso é "As Pequenas Margaridas". Começamos prestando atenção em uma figura de imagem que aparece constantemente, e os significados desabrocham: a maçã. As protagonistas passam a primeira metade do filme mastigando maçãs, deitando sobre elas, jogando-as pelo ar. E são maçãs verdes, juntas à suas anarquias e inocências. Inocência também presente pelo simbolismo do arco de flores branca, que logo no início é relacionado com a virgindade. Para mim, as personagens representam de forma a lembrar a infância, a época que não desenvolvemos a crítica ainda. E pensamos que tudo pode ser ao nosso modo. Na segunda parte, me parece que entra um novo período, a adolescência. No pier, uma das margaridas fala algo como "Está chegando ao fim". A partir dali, a postura delas muda. Vão ao espelho e alongam a maquiagem dos olhos, é tempo de exagero, é tempo de não se importar. Andam nas ruas e sentem como se não fossem vistas, se lamentam, não compreendem. É tempo de melancolia. Entram num barco e saem a passear refletindo sobre a existência, sobre qualquer coisa. É tempo de indagação, o início da formação da consciência. E finalmente chegamos no banquete, onde há destruição e caos, o não se importar. Agora pegue tudo isso e relacione ao homem, as ações desprovidas de senso crítico e recheadas de perversão que abrem a porta para o mundo que conhecemos. Esse é o perigo, o homem nunca sair da zona infanto-juvenil e não assumir a sua postura crítica onde se enxerga as consequências de algo no outro. Ou pior, não se importar com isso. Assim, só mais bombas continuarão a explodir. Vera Chytilová foi inovadora na linguagem cinematográfica e na forma de passar sua mensagem, genial!
Advantageous
3.4 77 Assista AgoraSem a necessidade de efeitos especiais megalomaníacos ou diálogos excessivamente explicativos, o longa se desenvolve com primazia por conta de uma narrativa bem desenvolvida. Um mundo ficcional (nem tanto assim), futurístico, dominado pela competição no mercado de trabalho, pelo individualismo e pela busca objetiva e explícita pela boa aparência, explicitando perfeitamente bem uma empresa especializada em complexos procedimentos estéticos - nos quais, mulheres, figuram como maiores vítimas. E apesar de aqui termos como motivação o clichê "transferência corpórea de consciência", os pontos importantes para a trama são outros. Nenhuma das personagens está preocupada se a hipotética cirurgia pode, enfim, dar errado. A problematização ocorre no plano relacional-psicológico e este é o ponto chave do filme.
Contém spolier: Gwen deixaria de ser Gwen para poder melhor atender ao futuro da filha? A filha reconheceria Gwen como sua mãe, mesmo após um processo onde sua aparência fosse trocada radicalmente por outra? Nesse involucro, podemos refletir a respeito da criação dos laços de conexão indivíduo/mundo. A experiência empírica gera uma memória ao corpo diferente daquela armazenada na consciência pensante. Isso aparece quado Gwen tenta aproximar-se do piano, mas pouco som é transmitido. Ou, quando encontra-se incomodada com a música clássica que anteriormente gostava de ouvir.
Advantageous é cheio de pequenos simbolismos, gestos sutis e cenas com nuances surrealistas (se não, ao menos um tom mais lúdico) que tentam trazer o espectador para o ambiente interno e, ao mesmo tempo, causar certo estranhamento. Vemos também a discussão a respeito do excessivo corporativismo e a perfeição ligada ao ofício. Perfeição também criticada no aspecto da busca por uma estética particular - nos aproximamos cada vez mais do universo robótico ali expresso. Uma ficção científica poética e cativante.
A Quinta Estação
3.8 16Depois desta experiência, entendemos que um filme pode ser recheado de cenas fortes graficamente e, ao mesmo tempo, construí-las de forma sutil e encantadora. Muito dessa preoza vem doss diretores de A Quinta Estação trabalharem com infinitas metáforas para incumbir significados implícitos na narrativa. O prazer em assistir àqueles estranhos personagens e acontecimentos é o que mantém nossa curiosidade acesa naquele universo inexplicável. Aqui, nos é apresentada toda a consistente força da natureza, com seus ciclos próprios e, muitas vezes, desconhecidos. Temos a praga, a maldição, a bruxaria e o azar que se apossam de uma comunidade. Junto, os residentes que não compreendem o que veem. O tradicional ritual de inverno não se concretiza; os peixes morrem; o gado é levado embora; a produção de mel some; começa a brotar daí a grande questão que movimenta o filme: como responder ao mundo quando ele não lhe provê o que necessita para viver? No caso destes moradores isolados, suas necessidades estavam nas mãos da natureza, que não lhes deu um ciclo habitual, conhecido, esperado. Nada mais tem vida dentre os cinzentos moradores, a menina Alice não chora, mas a chuva escorrendo atrás de seu corpo expressa sua melancolia interior. A Quinta Estação oferece muitas leituras, mas a uma linha possível de aceso é a que conclui que que o ser humano é um infeliz dependente. E quando suas muletas, sejam lá quais foram, são retiradas, ele não sabe para onde ir. Totalmente cego, esse mesmo homem precisa achar um culpado pelos motivos invisíveis de tantos problemas, não consegue reagir facilmente aos novos ciclos requeridos pelo desconhecido. É, sem dúvidas, um filme recomendado para todos aqueles que gostam de viver experiências estéticas diferentes, com seus belos quadros e tocante trilha sonora, o longa atinge o espectador emocionalmente, que desarmado, precisa colocar-se sob novas perspectivas para adentrar nessa outra realidade.
Asas do Desejo
4.3 493 Assista AgoraWim Wenders cria uma das poesias visuais mais lindas que se possa ver. Asas do Desejo se apresenta como uma obra que brinda à vida, ela se apodera dos pequeninos detalhes que nós, seres desgastados pela rotina, deixamos de perceber. São as mãos gélidas, o vento varrendo os cabelos, o Sol que nasce todas as manhãs e esquenta a pele, pele que sente o toque. O diretor explora a ideia de que os sentidos prevalecem, que viver a autodescoberta é voar. Quando crianças, com nossos recentes pares de asas, começamos a nos deslocar sobre as experiências acessíveis, e o novo nos atrai incessantemente, nos mantendo em movimento contínuo atrás do desejo. E ainda nesse momento, a mente destrava-se e passa a perguntar quem seria ela própria, a mente. Wenders une a filosofia à psiquê de suas personagens. Como seres existencialistas, por vezes enrijecemos o par de asas e entramos numa esfera onde a solidão e marasmo ganham maior voz. Não há cor, não há cheiro, não há vento ou vida. O que resta é uma existência vista de fora, contada por um outro protagonista, sem experimentação empírica. O que é mais sedutor ao ser humano? Viver como um anjo e sem dor? Viver a dor e ter a capacidade de sentir? Através dos belíssimos planos da trapezista que se arrisca nas alturas, e de diálogos que forçam o mergulho do espectador nas angústias dos personagens, o filme oferece uma passagem ao espectador para dentro de si mesmo, basta permitir-se atirar.
Partner
3.9 45Tentar entender esse filme traz ao espectador uma tarefa difícil. Bertolucci não adapta o personagem de Dostoiévski simplificando-o e criando uma personalidade de fácil identificação. É através dos choques entre as duas personalidades que se passa conhecer algo sobre Jacob. Um Jacob que se reconhece um pouco Rimbaud, aquele que tem tantos de si guardado dentro do próprio eu. E a partir de pontos como esse, as referências à liberdade começam a ser compreendidas. Parter nasceu de um ano de efervescências, onde as chamadas revoluções revoluções sexuais, sociais e culturais dominavam o cenário. A negação à regra, aos vícios da sociedade e à antiga política fascista fazem parte da crítica e parte do personagem, que como ser humano, vive na corda bamba entre assumir sua revolta interna ou cair no medo. Dilemas como "é proibido proibir" parecem resumir a essência da discussão que o diretor põe em tela. Pessoas vendadas, com olhos falsos ou conversando com suas duplicatas, todas cegas ou amedrontadas, escondidas atrás de livros e esperando outro alguém que tenha iniciativa. Por fim, Bertolucci não esquece da guilhotina, símbolo da libertação contraditória.
O Ovo da Serpente
4.0 131Bergman traz os fortes acontecimentos históricos sem deixar de tratar por seu viés próprio a temática, construindo seu estilo investigador da psicologia humana e crítico. Vemos uma Alemanha se afundando pós Primeira Guerra, com um difícil colapso social-administrativo, sentindo o peso de ter sido responsabilizada por tantos problemas. Já se percebe que haveriam de achar culpados, uma explicação que justificasse tanta desgraça ao povo alemão. Já aí, antes de Hitler, percebe-se a cultura que estouraria contra os Judeus. Anti-semitismo, repressão, culto ao líder, as novas políticas que iriam "reerguer" a Alemanha dos problemas inflacionários e sociais. Bergman faz o que faz, nos mostra como essa ideologia foi traumática. Em uma metáfora dos diálogos a personagem comenta sobre a sensação de febre, agradável, não sabe quando se está acordado ou não. Em seguida, diretamente para a câmera, conversando com o espectador: "É um povo sem futuro." O vício no álcool, a preferência do pesadelo à vida real, passagens todas que demonstram a fuga da realidade. Isso, porque a mesma significava medo.
Abril Despedaçado
4.2 673Incrível mensagem transposta por este roteiro que se utiliza da simplicidade de contar a história e bons atores para se realizar. Muito comum ao homem, desde sua forma primitiva até a atual sociedade, a ideia de produzir ao causador a mesma dor que lhe foi posta. Se utilizando de uma situação no sertão nordestino, não deixando a oportunidade de relembrar a complicada realidade do povo e o olhar crítico que é preciso ter sobre ela, cria-se essa trama de briga de famílias. Porém, é uma fórmula genérica, podendo ser aplicada em qualquer lugar do mundo e com qualquer pessoa que se submeta a essa ideologia da revanche. Olho por olho e o mundo acabará cego, a vingança não resolve nada, apenas abre lacunas intermináveis.
Os Idiotas
3.5 283 Assista AgoraOs Idiotas é uma experiência cinematográfica bem diferente, tenho certeza que todos que se propuseram a assistir sentiram um enorme incômodo durante a maior parte do tempo, ou ao menos quando os personagens entravam em paranoia. Isso é o que Lars faz com seu espectador, cutuca até fazê-lo perceber o quão intrínseco está dentro da chamada sociedade. As opressões, não dizendo apenas de modo negativo, mas normativo em relação à convivência normal do ser humano, tiram a liberdade para agir "à la vonté". Porém, quando um grupo se propõe a quebrar as razões absolutas pré-estabelecidas em pró dessa sensação de liberdade plena, aparecem contradições. Que liberdade seria essa? É tão benéfica assim como os próprios defendem? E daí vemos diversas situações dos personagens desmontando seu núcleo familiar ou envolvendo-se em acontecimentos complicados. Por outro lado, quando perguntados sobre seu estado de espírito, todos afirmam que são muitos felizes juntos agindo de tal maneira. A negação da moral e as falas subversivas entram em choque quando vemos os personagens aparentemente sofrendo por alguns desses acontecimentos, não há consistência, é tudo contradição, a liberdade e o politicamente correto. Até a fotografia e o modo de filmagem escolhidos por Lars, dentro do dogma 95, trazem essa quebra de regras que o filme brinca. Não há conclusão absoluta quando se acaba de assistir, é o tipo de filme feito para provocar reflexões e remoer antigas perguntas, feito a forma ousada do dinamarquês.
Cama de Gato
3.0 178De forma generalizada, acho que o pessoal não captou a proposta e ironia imensa que são esse filme. O problema é que por trás de toda essa ironia, existe uma realidade mórbida a qual foi inspiração para o diretor. É o limite entre a risada e o desespero.
Proibido Proibir
3.6 146"Proibido Proibir" é um filme que conversa com a ideia da morte. E com a efemeridade da vida, consequentemente. Temos três personagens principais que mostram noções diferentes sobre a realidade que os cerca, porém, em algum momento, todos compartilham das mesmas frustrações, e é nesse ponto que o roteiro ataca. Para falar de assuntos batidos com uma abordagem diferenciada, o filme destaca as relações que se estabelecem entre os personagens. Como se dentro de cada um, existisse um universo particular, a subjetividade que transborda em cada olhar perdido. Nos acontecimentos que permeiam o trançado de tramas, a morte e a injustiça estão em todos os cantos, lembrando-se delas ou não, estão ali presentes. A ultima cena expressa de forma bela e com muita sinceridade
o que foi trabalhado durante toda a narrativa, aquele embate constante entre as forças, um embate confuso que ameaça aliados, mas vê no fim do túnel uma fagulha de esperança.
Wittgenstein
4.1 39Começa arrancando todas as suposições sobre a ideia, o conceito e a utilidade da filosofia para os Homens, e termina devolvendo uma reflexão sobre esse tal existencialismo voraz. Ora temos um filósofo que encontra seu conforto no estudo do sentido do mundo, e ora temos um filósofo desesperado por não achá-lo. De modo bastante interessante, o diretor consegue plantar no espectador um pouco das incertezas que Ludwig divagava. E sem parecer monólogo, expõe uma teoria acerca da enorme confusão que se faz sobre as problemáticas filosóficas, supondo que os paradoxos, os medos, o abismo estão todos relacionados com os significados. Significados que só existem no mundo conhecido por cada criatura, onde não "há" e sim "parece haver". Muda-se o ângulo, obtêm-se outro encaixe. O ser humano é o mestre de confundir os símbolos e acaba por transformar as várias linguagens em puros embaraços. Ainda assim, analisando separadamente, e talvez justamente por isso, as coisas percam mais ainda sentido. Não compreendendo seu entorno e desejando ser o supra sumo da perfeição, os embaraços se tornam nós mais fortes.
Talvez seja melhor deixar o terreno irregular, a pergunta que pode ser respondida sem resposta... não há enigmas.
Últimos Dias
2.9 348 Assista AgoraGus Van Sant propôs que o espectador experimentasse a sensação que Kurt estava vivenciando neste período de sua existência. E existir é o termo mais trabalhado neste longa. O existir sufocante que a desilusão traz, o vagar às cegas e obter nesse caminho mais encruzilhadas. "Eu perdi algo no meu caminho", e a busca por esse algo que nunca se obtém é o enlouquecer do ser humano. E assim segue, especulando como poderiam ter sido os últimos dias de alguém que em breve perderia a cabeça. Há algumas análises que dizem que o diretor quis abrir margem a ideia de assassinato, contudo, pra quê arder em tanta solidão se a intenção fosse essa? Está estampado o afastamento com o círculo de amizade e a fuga do fardo religioso (literal, quando Blake corre dos dois meninos da Igreja) que uma ideia de suicídio traria. Ao decorrer dos minutos, essa agonia cresce junto ao personagem. São as melodias em tom baixo e repetitivo, os arranhados da guitarra que perduram por cinco minutos e o grunge cabisbaixo tocado, os elementos que criam uma áurea caótica a cerca do universo melancólico e introspectivo. Independente de qualquer coisa, tanto nesse recorte fictício, quanto nas entrevistas reais e músicas do cantor, percebe-se que há muito sentimento brotando de dentro de Kurt. E ele parecia não compreender o mundo que o cercava, um mundo recheado de atitudes ruins e interesses na fama e lucro. O olhar final parece ser sua decisão, uma decisão também confusa e triste. A existência é um paradoxo.
Paranoid Park
3.6 325Muita gente parece ir aos filmes de Gus van Sant, talvez, com a ideia de ser um mero passa-tempo, ou no caso de Paranoid Park, um suspense que pára nessa midiática classificação de gênero. Mas na realidade, seus filmes transmitem o verdadeiro suspense que paira na situação psicológica das personagens, e o final, apesar de forte carga significativa, não importa tanto quanto toda a da trajetória da trama. Este longa parece seguir a mesma métrica, ambientado por cores frias e personagens que mantém certas distâncias entre si, propõe ponto reflexivos bastante perturbadores quando olhados à fundo. A questão da responsabilidade ética, a consciência moral e o medo se colidindo na mente de um jovem que agora convive com a carga de ter interferido indiretamente, porém definitivamente, no destino de alguém. A dúvida sobre o sentimento de culpa e as alusões constantes durante os diálogos à cultura cultivada pela grande maioria: o não se importar.
Gus van Sant faz um mix entre a ausência de consciência e a escolha da falta de ausência de consciência - na qual as relações estão longínquas, desacreditadas e individuais, a tal ponto que a confiança para compartilhar algo que deveria ser conversado é rompida, e o que resta é escrever cartas ao fogo.
Genealogias de um Crime
3.7 8Filme analítico, no qual a mudança de pontos de vista cria um emaranhado de suposições e fundi diversas teorias, cabendo ao espectador captar a essência por trás de toda a aparente "desconstrução" de linearidade e lógica. O diretor faz uso do suspense como arma para prender o público e não liberar as informações cruciais para a conexão das peças, caso contrário, a brincadeira proposta não teria graça e ao menos seria possível. Pendendo para o lado da psicologia, mostra como a manipulação pode ocorrer de forma sutil, e como essa manipulação chega à níveis catastróficos. O exemplo foi a psicanálise, de tanto martelado algo em cima de alguém, é fácil fazê-lo crer no problema e desenvolvê-lo realmente, para os fins desejados. E mais, a manipulação que molda nosso ser é mais perigosa ainda quando até os cinco anos de idade, período que começamos a desenvolver subjetividade aparente. A memória acessível de hoje pára por volta dessa fase da infância, o que não significa que a formação internalizada de antes seja esquecida. É assim que se sustenta o argumento, mostrando que podemos (e somos) muitas vezes o produto do meio, o que faz das "influências" e estímulos a chave para um determinado comportamento.
A Canção dos Pardais
4.2 53"A Canção dos Pardais" é, com leve forma, uma crítica bastante pertinente. Um filme que se apresenta no Irã, mas que, em sua essência, poderia ocorrer em qualquer país de terceiro mundo. Sem tocar repetidas vezes com palavras no cerne da questão, o diretor usa-se das situações para demonstrar a péssima condição de vida de uma família. Sentimos que a odisseia começará quando Karim perde seu avestruz, a fonte de sustento. As portas abrem-se para o seu tortuoso percurso, acompanhado de seus filhos. Temos um protagonista, homem humilde e decidido, arrumando bicos em função do desespero crônico da falta de dinheiro e emprego para bancar a família, e temos filhos, que se submetem ao trabalho logo cedo para ajudar na renda. Coisa do Irã? Do mundo, é tema universal. Violência moral de governos que mantém nulos quanto toda a situação. Por diante, criamos um vínculo com a causa, o que culmina num clímax simbólico e uma das cenas mais marcantes que vi nos últimos tempos:
os peixinhos indo ao chão, a água escorrendo à canaleta e os meninos em lágrimas. Era peixes, mas era a representação, a construção de toda a esperança de ascensão daqueles meninos. Representação melhor da realidade dura e frustante não há, desde pequenos os meninos estarão vacinados. Logo depois, para evidenciar mais o contexto, Karim canta sobre o mundo ser uma mentira. Nos últimos momentos experimentamos uma sensação de luz no fim do túnel, aquela que nunca deve morrer. O realismo de Karim e o sonho de seu filho, não como contraponto, mas equilíbrio.
Alucarda
3.5 217 Assista AgoraPelo visto, "Alucarda" ganha bastante fãs pelo estilo chamado trash ou algo que remeta ao terror, e não há nada de errado nisso. Mas apesar da maioria dos elogios que você encontra por aí serem sobre os gritos e a possessão, o longa não se faz apenas disto. É mais ou menos por esse caminho, mas tudo justifica a proposta. Os exageros na atuação, o teatral; são representações intencionais para chegar justo ao cerne da questão: tudo não soa tão absurdo quando levado à realidade? É isso, é exatamente isso! O embate da religião, dogmas a serem seguidos e Igreja com a racionalidade. Assim, segue por diálogos que demonstram a hipocrisia humana e o lado normalmente maquiado pela graça. Entende quem se dispõe a conviver alguns minutos com os personagens intensos, olhares fuzilantes e cenas simbólicas. Para falar de fanatismo esse Nunsploitation faz sua parte. O diretor pesou a mão e levou a situação à patamares hiper improváveis, tudo me soa como ironia. À alguns funciona, a crítica é passada... Já, outros, acreditam ser apenas uma bizarrice com feiras sangrando.
Maldita Coincidência
3.5 16Assim como o diálogo abstrato e fragmentado das personagens, o filme também se fraciona em diversos elementos.Ao terminá-lo, já sabia que dividira um oceano de opiniões. Lendo, então, algumas críticas, o tema deste experimental englobaria o teor revolucionário dos que tangenciam o sistema nos anos 70, a crítica ao trabalho pelo trabalho por imposição (me pareceu uma referência aos vermelhos, uma vez que a moça pinta a parede com a cor enquanto fala o texto) e certos posicionamentos políticos soltos. Mas o que ficou em mim, foi além que isso. Bianchi pode não ter tido a menor intenção, mas eu compreendi como a cansativa luta eterna entre a esquerda e a direita. E no meio disso, a vida acontecendo, as crianças que não tem o que comer, as pessoas que se perdem no caminho, a miséria assolando, a repressão entrando no pacote e tudo se configura num quadro que já conhecemos. A luta da utopia contra o regime já estabelecido que não chega a qualquer lugar, apenas leva à uma longa discussão que depois de tão desgastada, já parece não fazer sentido para quem está em volta (cenas finais) esperando a tão sonhada mudança. Como se dissesse "não importa quem esteja no poder, apenas faça direito", o longa - em suas belas imagens poéticas - reflete o lixo disfuncional que é nossa política.
César Deve Morrer
4.0 82 Assista AgoraComo se misturasse realidade e ficção em um esquema que complica a distinção para o espectador, a união desses dois elementos cria um tempero único. "César Deve Morrer" vem como uma parábola entre a sociedade romana e uma penitenciária atual, dois sistemas que ainda se interligam por um resquício que nos foi deixado. O que vemos em ambos, seria o poder de decisão na mão de alguém mais soberano, seja um Estado, seja uma figura. E como cabe a este poder evitar que um homem culpado torne à sociedade a mesma maneira, os limites de punição também lhe cabem. O simbolismo que mais vejo neste longa é o autoritarismo desses mecanismos em cima de homens. Mecanismos que não criam a possibilidade de mudança desses homens. A prisão onde é encenada a peça serve como exceção e uma espécie de exemplo, defendendo a arte como principal chave para a abertura da carcaça e mudança de um sujeito. Ao entrarem em contato com essa força reflexiva, os homens tiveram uma nova chance. O interessante é saber que o longa foi gravado com a mistura de detentos reais com atores, o que traz ainda mais vivacidade ao que o filme defende.
As Horas
4.2 1,4KExistencialismo visceral. Quem poderá saber das coisas da vida, a não ser nós mesmos? Um poço de melancolia é apresentado, "As Horas" enfrenta a falta de sentido coexistindo com o desejo de viver. Um desejo sufocado pelas dúvidas sobre o fim, reduzido ao desconhecido, essa é a alma das densas personagens. Alguém deve morrer, para se atentar que o pouco sentido da vida, só aparece quando deparado com a morte. E seguindo a lei, quem morre é o visionário, o poeta, aquele que sente e vive demais por dentro, e se vê diante do marasmo de fora.
Roteiro impecavelmente conectado, revelando os clímaxs aos poucos. Tudo muito bem amarrado à trilha sonora com seus angustiantes pianos. Mais um filme existencialista poético e sensível.
O Silêncio
4.0 42Os olhos se tornam o que decidimos, o foco não existe, ele é criado através de experiências. O menino cego enxerga seu mundo através da audição, um som deve soar bonito e harmônico para levá-lo à plenitude, assim como, para os usuários de olhos, uma paisagem bela enche a alma. O universo a parte - singelo e simples - da aldeia, é o charme que apaixona o espectador, que fica vidrado nas sutilezas daquelas personagens. O ponto que o filme toca é justamente o "almejar": a menina de trancinhas com seus adereços que lhe trazem a imagem sensual de mulher madura em contraposição com sua infância, a mãe sem dinheiro procurando não ser despejada, os músicos que vagam pela cidade buscando uma nova moldura para suas situações e o pequeno menino, sofrendo as influências de todos em volta, arranjando um jeito de reger como um maestro a situação. Além da reflexão sensorial-filosófica, tudo se complementa mostrando de forma poética e sutil, os problemas que uma sociedade anda passando. Alegoria para o trabalho, a exploração de crianças e mercenários desestruturando famílias pobres.
A Onda
4.2 1,9KQuer achar o ponto fraco de uma ideologia? Leve-a ao extremo. "Die Welle" exibe, com um enredo chocante, os perigos da manipulação. Basta encontrar uma boa justificativa para que um grupo se una, dispor de um líder que atua pela via "os fins justificam os meios" que uma bomba relógio está armada. Crítica ácida ao fascismo, mostra como é fácil criar uma situação em que as cabeças pensantes deixem de ser pensantes, o momento que acham que estão em pró do coletivo mas excluem a individualidade e rebatem a oposição com a condenação total. Não há troca de palavras, apenas o caminhar cego atrás do líder. Além disso, o circo fica aberto aos tendenciosos pesarem mais ainda a mão, e assim some a liberdade e temos uma ditadura, quando os próprios seres estão pasteurizados e protegendo de forma autônoma o sistema. Não podendo fechar com frase melhor, o filme ainda traz a maior de todas as preocupações: "Ainda acham que isso pode não acontecer de novo?"
Sexmissão
3.3 9Homens e mulheres e a guerra interminável dos sexos. A tentativa de se afirmar em sua maior inteligência sobre o outro, os mecanismos de dominação, além de referências à essa briga, puxa a crítica para os regimes autoritários. Seres que nunca buscam entender o outro, que atuam pela via do pensamento ignorante da submissão. A ideia é sempre naturalizar, civilizar, dominar. Feminismo exagerado, machismo exagerado, regimes exagerados. E o caminho do meio, onde fica?
No Decurso do Tempo
4.1 30 Assista AgoraAs pedras, as nuvens. Um moço de óculos escuros e punho cerrado. Simples assim? Simples assim, responde. Wenders traz a paradoxal existência, simples, mas contendo seres que não a aceitam como simples e entram numa busca. Valorizam em seus passados as histórias que os tornaram o "eu" atual, contudo, não fazem a menor ideia de onde suas estradas os conduzirão. Talvez, possamos fazer um paralelo com as situações vividas pela Alemanha. Tentar passar a borracha na história não apresentará o entediamento do quadro atual, para algo "ser" hoje, precisou ter surgido ontem. Além disso, nos é apresentada uma Alemanha (um mundo) que se vende cada vez mais. O personagem do técnico de projetores, que conserta e passa os filmes sem receber nada em troca, é um exemplo do desejo de uma nova mentalidade. Crítica ao Cinema de grande produção, que se esqueceu sua origem, que nasceu da pequena máquina que girava e criava o empuxe para os vinte e quatro frames. Cinema monopolizado, países monopolizados, vidas monopolizadas. É um estranho mundo engolidor, sem reflexão, sem passado e futuro, apenas presente.
Following
4.0 302 Assista Agora"Todo mundo tem uma caixa". E todos querem olhar dentro das caixas dos outros, o toque voyeur! A sensação de entrar no íntimo, na vida de um desconhecido, de tirá-lo da multidão de transformá-lo em um rosto. "Following" brinca com o estranho prazer de brincar com a face espiã, que penetra no observado sem que ele perceba de imediato, para apenas depois, desejar que tome conhecimento, e o faz questão disso. Somos todos espécies de voyeurs, procurando mergulhar e mexer nos significados pessoais de todos a nossa volta, assim como fazem conosco. Consciência, subconsciência e ilusão se embaralham. Nolan em uma produção de baixo orçamento mostrando que seu sucesso advém realmente de seus incríveis roteiros. E assim são feitas as boas estórias.
As Pequenas Margaridas
4.2 267 Assista AgoraUm deleite metafórico do início ao fim, isso é "As Pequenas Margaridas". Começamos prestando atenção em uma figura de imagem que aparece constantemente, e os significados desabrocham: a maçã. As protagonistas passam a primeira metade do filme mastigando maçãs, deitando sobre elas, jogando-as pelo ar. E são maçãs verdes, juntas à suas anarquias e inocências. Inocência também presente pelo simbolismo do arco de flores branca, que logo no início é relacionado com a virgindade. Para mim, as personagens representam de forma a lembrar a infância, a época que não desenvolvemos a crítica ainda. E pensamos que tudo pode ser ao nosso modo. Na segunda parte, me parece que entra um novo período, a adolescência. No pier, uma das margaridas fala algo como "Está chegando ao fim". A partir dali, a postura delas muda. Vão ao espelho e alongam a maquiagem dos olhos, é tempo de exagero, é tempo de não se importar. Andam nas ruas e sentem como se não fossem vistas, se lamentam, não compreendem. É tempo de melancolia. Entram num barco e saem a passear refletindo sobre a existência, sobre qualquer coisa. É tempo de indagação, o início da formação da consciência. E finalmente chegamos no banquete, onde há destruição e caos, o não se importar. Agora pegue tudo isso e relacione ao homem, as ações desprovidas de senso crítico e recheadas de perversão que abrem a porta para o mundo que conhecemos. Esse é o perigo, o homem nunca sair da zona infanto-juvenil e não assumir a sua postura crítica onde se enxerga as consequências de algo no outro. Ou pior, não se importar com isso. Assim, só mais bombas continuarão a explodir. Vera Chytilová foi inovadora na linguagem cinematográfica e na forma de passar sua mensagem, genial!