Comunidade e Kursk não são lá essas coisas. Comunidade é tedioso. Kursk é uma propaganda anti-russa. Mesmo assim, Thomas Vinterberg é um dos meus diretores favoritos. Drunk é um filme qual todo o possível alcoólatra deveria ver. Um filme sobre como o alívio alcoólicoé utilizado para curar nossas frustrações e vazios. É engraçado, mas não terminamos o filme sorrindo, mesmo a última cena sendo uma festa.
Judas e o Messias Negro tinha tudo para ser uma excelente obra, mas se perde em dois pontos. Primeiro, ao invés de thriller político é um filme policial, existe política, mas o filme transforma a luta de classes em uma disputa de gangues. As discussões são boas, mas pouco sabemos sobre os conflitos, motivos e divergências. Entendemos o racismo e sabemos superficialmente sobre o movimento. Segundo, o protagonista não é o protagonista, ele é quase um coadjuvante. O antagonista eh mais importante e isso determina o tom do filme. É forte, afinal os Panteras Negras em legítima defesa defendiam o armamento do povo. Logo, ao invés de fazer como Freixo, que fica pedindo proteção para polícia, eles defendiam a auto-defesa e o armamento do povo. Eles defendiam os seus, eram revolucionários, não reformista O filme abraça a narrativa policial para não explicar a política. Não quer criar desafetos, nem mostrar contradições que possam contradizer os movimentos atuais. Ele quer agradar todos e participar do sistema. Como filme de Spike Lee sobre Malcon X e o filme do Clint Eastwood sobre Mandela, eles apagam o passado comunista e radical e os utilizam como propaganda reformista e conciliatória.
Em 1978, durante a ditadura militar argentina, o filme INVASIÓN dirigido por Hugo Santiago acabou se perdendo. Em 2004 ele foi finalizado e depois restaurado. O roteiro conta com a colaboração de dois gigantes da literatura argentina, Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Ricardo Aronovich é o fotografo. O filme carrega nas frases dos personagens a densidade de seus roteiristas. A Obra parece um filme policial, ficção cientifica ou drama político. Como todo grande filme sempre ultrapassa os limites do gênero. A obra foi um fracasso de bilheteria, mas um sucesso de crítica. Foi premiado em Cannes e até recentemente ficou esquecido. Uma excelente obra do cinema fantástico, que precisa ser vista e revista.
Mulan Filme de turista é aquele filme constituído por locações, eventos e situações esperadas por turistas quando visitam um país. A grande muralha é assim. Todos os elementos coloridos, os personagens e os cenários funcionam em função dos dois personagens estrangeiros. Mulan não é um filme para turista ver, mas fica próximo disso. Quando a diretora declarou não ter músicas no filme, pois ninguém canta na guerra esperava uma obra madura, mas ao contrário, o filme segue o padrão Disney. Os personagens são assexuados. Uma mulher se passar por homem não é algo novo no cinema. Essa ideia já foi usada de várias maneiras, mas em Mulan isso é tímido. Esperava uma tensão maior no afeto de seu amigo por ela e na revolta dela quanto a situação das mulheres. A pretensão do filme é ser uma obra adulta, mas algo me incomoda na iluminação. As cores quentes mantém a obra próxima ao desenho, a infância. As lutas são outro elemento frustrante, não impressionam e mantém um nível regular. Poderia ter sido melhor. Quantos colocamos atores em planos próximos e evitamos planos conjuntos ou abertos, impedimos o desenvolvimento da luta em toda a sua coreografia. É como assistir um espetáculo de dança e vermos os pés do bailarino, seu corpo pela metade, mas nunca um grande plano aberto, onde enxergamos o palco e toda a companhia dançando. Para terminar, o filme tem uma vilã, que não é bem vilã. Ela foge do Reino por não poder ser aceitar como uma guerreira. É taxada de bruxa por isso. Se alia ao povo inimigo por desejar viver em um lugar onde possa ser aceita. Oferece uma aliança a Mulan, mas ela prefere o reino, a família e a tradição. Ela não luta por uma mudança, nem o filme sinaliza uma mudança. O imperador oferece a ela uma vaga como oficial da guarda real, não extinguiu as leis, nem muda os decretos que impõe as mulheres a vida como do lar. Ou seja, apesar de todo alarde da representatividade do filme, Mulan mostra o modelo imperialista para essa representatividade. As minorias não são emancipadas, mas cooptados pelo sistema. Serão parte do alto comando e defenderão o sistema e suas leis, como se fosse algo sagrado.
Despedida de Lulu Wang é um excelente filme. Apesar de ser vendido como um filme chinês, não o vejo dessa forma. É uma obra sobre a diáspora chinesa que ainda mantém raízes na China. A história tem particularidades da cultura chinesa, mas a forma de filmar não difere muito dos outros filmes. O grande ponto da obra é abordar a morte de uma maneira leve e bonita. Gosto do papel matriarcal da vó, como todos querem fazer bem, mesmo não dizendo a verdade. Sobre como ela se esforça para manter a família unida. sobre como a personagem interpretada pela excelente Awkwafina está em confronto com os valores da sua família e fica em dúvida sobre o que está certo. Nunca sabemos o que dizer em momentos de despedidas, mas depois pensamos em tudo que poderíamos ter dito. Ficamos remoendo o quanto poderíamos ter feito a pessoa se sentir melhor. Quando não percebemos, o mais importante é simplesmente estar ali.
Assisti Loro, filme sobre Silvio Berlusconi dirigido por Paolo Sorrentino. Até onde li, a obra é uma "critica" ao político e magnata das comunicações italiano. A arte é uma forma de conhecimento, qual utilizamos a imaginação e empatia. Uma obra sobre o escroto Berlosconi pode ser bela artisticamente. Isso não o inocenta, nem nós torna partidário de seus atos. Mostra as contradições e pode nos ajudar a entender melhor a nós e os outros. O sentimento que tenho sobre a obra é contraditório. Vemos um senhor, extremamente cheio de confiança, mas com poderes reduzidos. Alguém tentando reconquistar o poder e a esposa. Não vemos um mafioso, escroto e de extrema direita. Ficamos confusos, quando sabemos de quem trata o filme. Esse sentimento de confusão é de grande responsabilidade de Toni Sevillo. Mesmo com uma maquiagem estranha, o ator brilha intensamente. O filme é semelhante ao jornalismo, quando colhe diversas opiniões, mas tentar manter "civilidade, torna monstros, tiranos e pessoas escrotas simpáticas. O filme é bom, mas não posso chamá -lo de crítica, pois quem o credita assim, talvez não entenda de crítica ou a confunda com propaganda.
Crystal Swan (2018, Darya Zhuk) – Crítica – Clube de Cinema Outubro Em Crystal Swan Velya, Alina Nasibullina, sonha em viajar para Chicago e fazer sucesso como uma DJ de House, um estilo de música eletrônica. Ela espera encontrar um lugar onde possa ser ela mesma, sem julgamentos. Algo difícil em seu país, a ex-república soviética da Bielorrússia. No filme, o país parece uma sociedade sem perspectiva. A Mãe de Velya trabalha em um museu e se agarra ao passado, como uma forma de superar a miséria do presente. Para ela, que é responsável por contar toda a história da superação do país na 2º guerra, nada justifica emigrar. Deixar o país é uma traição.
Antes de emigrar, a jovem DJ precisa ter seus documentos aprovados na embaixada americana. Para acelerar o processo, a garota resolveu forjar os papéis, mas colocou um telefone aleatório de uma casa no interior do país. Isso a leva até um vilarejo, onde ela se sentirá ainda mais estranha e deslocada. Se a roupa colorida e a peruca azul causavam olhares, se capital Minsk, imaginem em um vilarejo do interior. Mesmo assim, ela não desiste e está disposta a passar por tudo para conseguir chegar a Chicago.
No vilarejo, Velya conhece o jovem Stepan, Ivan Mulin. Ele acha Valya metida, orgulhosa por querer ir embora, mas a acha bonita e tem por ela um desejo ressentido. Ele a deseja por sua liberdade, por escolher fugir, encontrar um lugar diferente e recomeçar. Algo totalmente impensável para ele, pois irá casar em breve. Na Capital, como no interior, a jovem lembra a todos como estão nus em sua cegueira. Diante dela, eles enxergam o mundo e veem o quanto miseráveis e medíocres estão.
Tanto para a mãe de Velya, como para o jovem Stepan, não existe saída. Eles a invejam e a temem. Os dois não aceitam o fim do estado soviético, mas pensam diferente sobre como agir e viver. A responsável pelo museu deseja recuperar os valores, acredita ser necessário lutar para recuperar os louros do passado, não ir embora. A memória é uma forma de buscar perspectivas para o futuro, lembra a todo momento da guerra a faz ter força para enfrentar as batalhas do futuro, mesmo ele parecendo impossível.
Enquanto para Stepan, defender os valores da antiga sociedade e amar a pátria é uma forma de consolo. Com o destino traçado, fugir para outro lugar significa negar a identidade dele e de sua família. O casamento e a vida qual todos preparam para ele, envolve laços e raízes difíceis de serem cortados. O jovem irá cumprir seu destino, mesmo sendo infeliz.
É no meio dessa asfixia cultural, na ignorância e na defesa cega da pátria que Velya encontra um novo sentido. O jeito como ela se veste, assim como a música são uma forma de fugir da depressão. Enquanto outros aceitam ou ignoram, ela resolve ir além. Esse desejo produz a hostilidade da sociedade, pois mostra o quanto eles podem não estar certos, nem serem perfeitos. Esse conflito nos é mostrado na fotografia do filme. Dias sempre nublados, tons frios e uma arquitetura que faz tudo parecer velho e chato se opõe as cores quentes e vivas das roupas da garota. Ela está viva em um lugar onde tudo parece estar morto.
O desejo de ir questiona a perfeição da sociedade, como rompe o ciclo qual nossa família e a sociedade nos exigem cumprir. No Vilarejo, os trabalhadores vivem, como trabalham, uma rotina. Todo dia batem o cartão, executam tarefas repetitivas e assim vivem. O mesmo fazem com suas vida, crescem, casam e se reproduzem, sem questionar. O casamento de Stepan, não é apenas um evento casual do filme, mas uma repetição da rotina da fábrica e da vida no vilarejo.
Ao fim, o fato da trama ocorrer em uma ex-república soviética só torna a obra mais exótica. Não podemos pensar no filme como uma obra apenas Bielorrussa, mas sim uma obra humana. As ideias reproduzidas por Velya, como as ideias de sua mãe e do Stepan poderiam ser em qualquer parte do mundo. Como música, as roupas, os sentimentos também podem ser globalizados. O fim para a viagem da personagem pode ser incerto, mas não há dúvida sobre sua busca ou seu sentimento.
Wasp Network: Rede de Espiões (Olivier Assayas, 2020) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Baseado no livro do jornalista Brasileiro, Fernando Morais, Os Último Soldados da Guerra Fria. Wasp Network: Rede de Espiões adapta uma história real sobre agentes Cubanos, infiltrados nos EUA.
Dirigido e roteirizado pelo cineasta francês Olivier Assayas, Wasp Network: Rede de Espiões é uma adaptação do livro do jornalista e escritor Fernando Morais, Os Últimos Soldados da Guerra Fria. Não é a primeira obra do jornalistas a ser adaptada para o cinema, Olga, Chatô: O Rei do Brasil e Corações Sujos também foram. Nenhuma produziu o mesmo sucesso dos livros, mas todas tiveram peso de uma grande produção cinematográfica. Nenhuma delas comparada ao filme de Assayas, a começar pelos atores.
O elenco multinacional da adaptação de Assayas é formado por atores latinos em ascensão ou conhecidos em Hollywood. Eles são o biotipo da cara latina para o público americano. Apesar de protagonizarem papéis principais, eles muitas vezes acabam ficando conhecidos pelos papéis latinos, nos filmes protagonizados por americanos. Aqui, talvez cabe a ironia, pois nos filmes de espiões americanos, os personagens latinos nunca são protagonistas, na grande parte das vezes são vilões ou coadjuvantes sem importância.
O filme ganha assim uma tonalidade de o outro lado da história, mas sem se esforçar muito para isso. Falta um impulso para mostrar essa inversão de valores. Aparentemente segue o receituário hollywoodiano com uma “história comunista”. Os atores são o exemplo mais evidente, apesar de latinos, brilham como Stars System, algo muito diferente de seus personagens reais. O filme até tenta fugir do modelo comercial, ao inserir cenas de documentários, ao contar a história do “rambo salvadorenho”, mas fica por isso mesmo. Não é uma sátira, nem crítica. Fica no meio termo.
É nesse meio termo que a história dos personagens não avança. O filme começa com Rene Gonzalez, interpretado por Edgar Ramirez (libertador, crítica aqui), fugindo para os Estados Unidos em um aeroplano. Ele se junta aos contrarrevolucionários em Miami. Logo após, Juan Pablo Roque, Wagner Moura (Sérgio, crítica aqui) foge a nado de Cuba. Isso o torna uma estrela, como ele próprio diz. Enquanto René é mero instrutor de voo, alguém preocupado com sua família e executa missões pelo espaço aéreo de Cuba, Roque vive na alta sociedade e age como uma celebridade.
A história dos dois personagem já bastaria para um filme, mas Assayas inclui Gerardo Hernández, líder da operação interpretado por Gael García Bernal. O filme caminha em uma direção, mas quando aplica a virada dramática, a mesma não provoca surpresa. A história de Hernandez parece um novo filme com um drama familiar semelhante. Esse talvez seja um problema, a história de espionagem parece muito mais com um drama de sacrifício da família pelo dever com a pátria.
Mesmo como um drama familiar, o filme se perde. Penélope Cruz, interpretado Olga Salanueva mulher de Juan produz uma atuação brilhante, mas desperdiçada. A explicação dada à ela por Gerardo só preenche espaço na cena, não acrescenta muito ao drama. A ligação e as diferenças entre Olga, mulher de um herói e Ana Margarita Martinez, interpretado por Ana Armas são perceptíveis, mas falta uma ligação, falta algo no drama qual una o sofrimento de quem perde e quem recupera a família.
Assayas, como seus personagens, fica dividido na narrativa e quer contar um pouco de cada coisa, acaba não explorando nada. A independência das histórias aqui poderia ser o mérito, mas fracassam quando não conseguem conectar os sentimentos dos personagens. Ao fim, o filme é um excelente registro histórico para conhecer uma história, mas vale pouco como obra artística.
12 Homens e Uma Sentença – (Sidney Lumet, 1957) – Crítica – Clube de Cinema Outubro – Você está falando de uma questão de segundos! Ninguém pode ser tão preciso!
– Bem… Acredito que um depoimento que pode colocar um garoto numa cadeira elétrica deva ser preciso!
A justiça perfeita é um sonho, um desejo a ser alcançado, mas não uma realização. Quando olhamos clinicamente para os julgamentos, ficamos com dúvida sobre o quão correta nossa justiça é. Sidney Lumet nos conta os motivos, em seu primeiro filme, 12 Homens e uma Sentença. O filme de 63 anos, conta a história de 12 jurados e o destino de um jovem acusado de matar o pai. Tudo parecia claro, mas o jurado n° 8 diz não ter certeza sobre a culpa do jovem. Como a decisão precisa ser unânime, os homens precisam discutir até chegar a um consenso.
A obra tem outro nome em inglês, talvez mais adequado à trama de Lumet, 12 Angry Man, algo como 12 homens raivosos. Esse título não é tão chamativo, mas está de acordo com os sentimentos dos jurados. O dia mais quente em Nova York deixa o ânimo de todos aflorado, além de ninguém querer passar mais dias perdendo tempo com um “assassino”. Uns têm negócios, outros têm compromisso, ninguém aguenta mais, com exceção do jurado 8, todos parecem decididos.
É estranho nunca serem chamado pelo nome, isso limita a personalidade deles. Sabemos quem são, pois falam de seus gostos, trabalho, temperamento, mas sempre fica um ar de mistério sobre cada um. A trama acontece exclusivamente em uma sala. Com exceção da sala do julgamento, a sala do júri e banheiro anexo serão os únicos cômodos qual veremos. Isso poderia cansar nossa visão ou nos deixar entediados, mas a organização dos planos sabe exatamente como compor a cena. A apresentação dos personagens no início do longa é feito por meio de um plano-sequência, conforme falam e se acomodam, vamos conhecendo os personagens. Quando sentam, temos os planos fragmentados de cada personagem, isso cria a tensão, até alguém pedir para votar ou fazer uma pausa, então alguma cena ocorre no banheiro ou vemos um plano aberto da sala.
Lumet utiliza o espaço e as lentes para aliviar nossos olhos da mesma forma que os personagens tomam fôlego da discussão. O espaço delimitado é muito bem utilizado pelo diretor. Nossa proximidade com os personagens nos deixa com a sensação de enclausuramento. Ao mesmo tempo é uma metáfora, os jurados estão presos em uma sala até chegarem o consenso do julgamento. Ao inocentar o jovem ou mandá-lo para cadeira elétrica, eles serão libertados. A tensão no filme é notada também pelo suor no rosto dos personagens, por tirarem o casaco ou abrirem a gravata. O calor é uma forma de evidenciar ainda mais o clima de tensão. Dos 12 homens, 11 estão impacientes, em um calor infernal discutindo o julgamento.
A imparcialidade É importante entendermos o filme como uma obra de sua época. De acordo com Lumet, em seu livro ( crítica aqui), quando filmaram a obra, as mulheres podiam ser dispensadas do júri, apenas por serem mulheres. Logo, um júri composto apenas por homens brancos, com uma certa idade, nenhum jovem, pode não ser muito representativo, mas era a realidade na época. A questão aqui não é como Lumet compõe o quadro, mas como ele confronta seus personagens.
Essa composição do júri já mostra a fragilidade da imparcialidade. 12 homens brancos de meia idade julgando um jovem imigrante, é justo? Os jurados não julgam segundo os fatos, mas segundo suas opiniões e valores. O julgamento, por meio de uma discussão e a busca de um consenso de unanimidade acaba refletindo estereótipos e preconceitos da própria sociedade.
Notamos isso em cada cena do filme, os jurados se comportam em grupo. Criticam os que mudam de opinião. Alguns não dão nenhuma importância para o julgamento, querem apenas se livrar da responsabilidade. Outros querem despejar sobre o suspeito todo o sentimento de raiva. A grande habilidade de Lumet está em desmontar essas motivações, em como a análise dos fatos desmonta o discurso de ódio e como o preconceito sempre obscurece a verdade.
O filme trata de um júri, mas também trata da democracia. A condenação é votada e a forma do julgamento é vista, por alguns jurados, como uma das conquista das sociedades democráticas. Logo, não nos estranha o comportamento dos jurados ser, em algumas situações, o comportamento dos eleitores em nossas eleições. Infelizmente, não temos um Henry Fonda para reverter essas decisões e, ao contrário do filme, acabamos seguindo por caminhos mais sombrios.
"Por que eu bebo? por que sem a bebida não conseguiria atingir aquele tom de amarelo", Jacques Becker cita Van Gogh, quando seu personagem, um pintor fracassado tenta conversa com milionário americano sobre seus quadros. Becker aqui não fala apenas de Van Gogh, nem de seu personagem, mas da angustia ao tentar atingir a perfeição de uma obra que satisfaça não o outro, mas a si mesmo. Planejar, rascunhar e nunca conseguir atingir o objeto desejado, dói. Os Amantes de Montparnasse, talvez seja um dos melhores filmes que vi nessa quarentena e em muito tempo...
Destacamento Blood (Spike lee, Netflix) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Um filme sobre guerra, racismo e violência. Spike Lee demonstra comprometimento político e grande habilidade artística.
A última imagem na introdução do filme, antes de vermos o hotel de Saigon são os cinco “Bloods” com o punho esquerdo levantado no Vietnã. Apesar da imagem ser fictícia, as cenas anteriores são reais. O discurso de Malcolm X, a fala de Angela Davis e as cenas de guerra são registros documentais. Ao colocar a imagem dos personagens fictícios ao final das cenas introdutórias, Spike Lee está representando o próprio filme. Destacamento Blood é uma obra de ficção, mas a crítica e o discurso fílmico é real.
O filme conta história do retorno de quatro veteranos ao Vietnã. Eles vão em busca de restos mortais do líder do Esquadrão, interpretado por Chadwick Boseman, e buscar um tesouro escondido. Esse retorno os obriga a reviver a guerra, mas também os coloca de frente à realidade atual, afinal o fim do conflito pouco representou para eles. O retorno à América, depois da guerra, não lhes trouxe nada, além de problemas.
A narrativa clássica predomina o discurso fílmico, mas existe espaço para experimentações e colagens. As fotos e as cenas documentais inseridas durante o filme aproximam a obra do documentário. Assim como a diferença do enquadramento em determinadas sequências nos força a pensar a imagem de outra maneira. Afinal, qual a semelhança das cenas documentais na introdução, com os flashbacks e as imagens da câmera de Eddie, interpretado por Norm Lewis? Eddie, em quem todos acreditam ter se dado “bem” na vida, não apenas filma, mas fotografa em preto e branco.
A resposta, talvez, seja a memória. As cenas de guerra e os documentários possuem um enquadramento menor para forçar nossa percepção das memórias dos personagens fictícios e reais. A Câmera do Eddie tem relação com a memória do presente, sobre como é estar novamente no Vietnã, como é reviver tudo. Olhar o presente com os olhos do passado. Esse é o motivo para os atores serem os mesmo no passado e no presente. Não é um erro ou descuido. A perceptível diferença de idade de Chadwick Boseman e dos outros personagens, serve para contrastar a perda da juventude de Norm, mas também para frisar como eles ainda revivem a guerra.
Spike Lee demonstra uma grande preocupação em frisar o discurso político e documental do filme. Fazemos ficção, mas falamos a verdade. Logo, nos choca um pouco a romantização da história de Otis, Clarke Peters, no Vietnã. A relação do soldado é bem possível, mas é um pouco romantizada. Algo bem diferente da realidade, lembremos da herança maldita deixadas pelos soldados brasileiros no Haiti. Algo nada romântico, nem humano.
Se Lee escorrega ao romantizar essa situação, ele acerta na crítica aos tradicionais heróis de guerra Hollywoodianos. Logo, ele busca referências no cinema, onde a guerra não seja limpa, nem heróica, mas perturbadora. Apocalypse Now não é apenas um Bar ao qual os amigos planejam a empreitada, mas um ponto de inspiração para o filme.
De todos os ex-veteranos é Paul, interpretado por Delroy Lindo, quem nunca deixou de viver o Vietnã. Nas primeiras cenas, quando eles avaliam a vida e conversam sobre a jornada, é ele quem mais fala dos problemas. Todos mantém uma aparência, menos Paul. Quando defende expulsar os imigrantes e construir o muro, quando usa o boné do Trump não faz isso apenas por ter novos valores, mas por sentir remorso. A esperança aqui cedeu espaço ao ódio, diante de todas as promessas não cumpridas.
Os planos-sequência de Paul falando diretamente para câmera, afirmam ainda mais o caráter político da obra. Na primeira sequência, repete várias vezes, “não vou me foder de novo”. Fala sobre as tentativas de matá-lo e como ele deseja sobreviver. Termina o discurso com o punho cerrado. O sentimento aqui transmitido parece ir além do remorso pelos amigos e chegar até a revolta pelo que foi feito com o povo negro. O segundo parece de aceitação, não das injustiças sofridas, mas do fardo carregado. A atuação de Delroy merece com certeza uma indicação ao Oscar.
Apesar do que muitos reacionários e conservadores podem dizer, Lee é um homem do sistema. A foto de Obama não é casual. Norm, o líder do pelotão e militante negro não converteu os soldados a um partido ou movimento, eles foram até o fim da guerra e lutaram pelos Estados Unidos. Quando os soldados querem matar os brancos por terem assassinado Martin Luther King, ele pede calma, em nenhum momento eles pensam em desertar ou retornar para EUA se integrando a um movimento de libertação. Apesar de serem revoltados com tudo, eles continuam sendo soldados.
Um ponto interessante a notar sobre os personagens é eles terem se descoberto na guerra. Apesar da morte do líder do pelotão, eles parecem avaliar a guerra como positiva, pois foi quando Norm os ensinou sobre a história dos negros e os mostrou quem eram. Isso não significa estarem de acordo com o conflito, nem com as injustiças passadas, mas aceitar o acontecimento como algo importante na história de vida dos personagens.
Ao final, o filme renderia bem mais que um texto, talvez um livro. Spike Lee prova não só domínio da linguagem cinematográfica, mas também comprometimento político com sua história e de seu povo.
A Carga (2019, Ognjen Glavonic) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Um retrato da desolação e indiferença diante das tragédias humanas. A Carga nos mostra como podemos ser responsáveis pelas mortes das pessoas, mesmo não empunhando as armas
Não importa para Vlada, interpretado Leon Lucev, qual carga o caminhão irá transportar. Em sua terceira viagem, a maior preocupação não é com o perigo de dirigir em meio a guerra do Kosovo, mas em quando irá receber. Vlada é uma pessoa de personalidade séria, sem muita conversa. Isso nos provoca a sensação de indiferença, afinal, ele parece pouco preocupado. Essa percepção muda quando vemos ele telefonar para casa ou falar do filho. A guerra, a crise e os conflitos colocam em risco todos, inclusive sua família, antes de pensar no próximo, Vlad está interessado em proteger seu filho e esposa.
Em meio as paradas no caminho, Vlad encontra diversas situações de desolação e indiferença. Vemos os refugiados sendo transportados de barco. Ouvimos o barulho do avião, as bombas sendo lançadas, mas não vemos uma situação de conflito. O filme não mostra o conflito diretamente, mas as consequências e como as pessoas reagem. Uns fogem, outros casam. A cena do casamento, talvez seja o melhor retratado da indiferença. Enquanto alguns comemoram a união dos noivos, um corpo está estirado no quintal, sem ninguém se importar.
Aqui, talvez nos perguntamos como nossas ações individuais em nome da proteção de nossa família, da garantia de nosso emprego pode afetar outras pessoas. O quanto nosso instinto de autopreservação pode ser danoso a outros. Vlad, mesmo como um simples motorista e sua carga misteriosa não é responsável por suas ações, mesmo só querendo garantir o salário. Esse discurso de cumprir a lei e executar o que nos foi pedido é o que permite a indiferença, mas também as pessoas lavarem as mãos diante da morte de milhares.
Esse sentimento é transmitido na imagem e som do filme. Não é filmado como um documentário, mas caminha próximo. Não existe música no filme, a única trilha são os sons naturais. O silêncio é ensurdecedor, ainda mais em uma zona de guerra. Isso combina com a fotografia de tons frios, transmite uma sensação de dia nublado, sem calor, como se tudo fosse cinza. Apesar do desânimo ser predominante não é com esse sentimento que o filme termina.
O filme, escrito e dirigido pelo sérvio Ognjen Glavonić demonstra acreditar na possibilidade da superação das dificuldades e também na mudança das pessoas. Vlad, ainda é motorista, ainda terá uma carga para transportar, mas agora leva uma câmera consigo. O filho de Vlad, decide formar uma banda, em meio a guerra surge a necessidade de expressar os sentimentos de revolta e angústia. Uma forma de se sentir vivo e ter esperança.
A viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki,2001) – Crítica – Clube de Cinema Outubro Chihiro não está feliz em mudar, ela quer apenas voltar para sua antiga escola e seus amigos. Não entende os motivos de seus pais, nem quer entender. A criança ignora o mundo dos adultos, qual temos obrigações e responsabilidades. Tudo muda quando o pai de Chihiro resolve pegar um atalho para a nova casa, onde eles encontram um túnel com uma estátua estranha. Nesse momento, a menina de apenas 10 anos é tragada para um mundo cheio de espíritos, fantasmas e seres estranhos. Começa A Viagem…
Chihiro, uma garota mimada e teimosa é obrigada a viver em um mundo totalmente estranho, sem seus pais. Sua primeira atitude é chorar, mas Haku a ajuda. Ele explica o mundo onde ela está e lhe mostra uma maneira de achar um trabalho, a única forma de permanecer naquele mundo em segurança. É interessante notar aqui a metáfora, quando crescemos, quando nos separamos de nossos pais é justamente quando começamos a trabalhar. O trabalho nos tira da família, nos separa de nosso lar.
Como em todo o filme do Studio Ghibli, A viagem de Chihiro é cheias de sutilezas. Chihiro tem medo, mas precisa libertar seus pais, além de salvar seu amigo, isso a obriga a tomar decisões e enfrentar os perigos. A menina chorona das primeiras cenas está cheia de coragem ao fim. Haku é quem mais acompanha esse crescimento, mesmo não sabendo o motivo do carinho pela menina, o espirito guardião e amigo confia em sua simpatia para recordar.
A metáfora do crescimento não está apenas em Chihiro, mas nos personagens do filmes. Yubaba, quem comanda a casa de banhos é uma idosa amargurada e ressentida. Tem um filho, um bebê enorme qual ela tranca dentro de um quarto e não o deixa sair, devido aos germes e perigos. Zeniba, a irmã gêmea, é muito diferente, pois ela é uma artesã, não deseja ganhar milhões, vive tranquilamente em uma casa no campo.
O filme possui uma grande simbologia, algo difícil de analisar quando não conhecemos o folclore japonês. Isso não nos impede de nos conectar a obra, apenas desperta nossa curiosidade sobre todos os seres na animação. Alguns deles já estiverem presentes outros filmes de Miyazaki. De certa forma, o cineasta coloca várias citações e referências de suas obras em Viagem de Chihiro.
É muito difícil falar da animação, sem ficar reparando nos detalhes do desenhos, no traço primoroso e no movimento ágil dos personagens. Vemos o vento, as folhas mexerem e Chihiro rir e chorar. Tudo de uma maneira intensa. O filme pode ser uma releitura do folclore japonês, uma adaptação de Alice, mas para mim é, talvez, um dos maiores filmes de todos os tempos.
O Assalto (David Mamet, 2001) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Mamet constrói um filme como um jogo de cartas. Com grandes reviravoltas e cheio de blefes. O Assalto tem um excelente roteiro e um grande elenco.
Pensar em uma desculpa, quando a pessoa não pergunta nada, é uma perda de tempo? Para Joe, interpretado por Gene Hackman, não. Pois é sempre preciso sempre ter um álibi. Não é desproposital a primeira aparição do personagem ser no meio de uma floresta com uma espingarda e um caderno de anotações. Além de estar extremamente preparado para o Assalto, ele possui certos “princípios morais”. Isso o Atrapalha em um serviço e provoca desavenças com seu receptor Mickey Bergman, interpretado por Danny DeVito.
Duas características importante para o roteiro é nunca mostrar o plano e sempre manter a tensão entre os personagens. Quando Joe e Pinky, interpretado por Ricky Jay, conversam nunca falam dos detalhes. Nem mesmo com todo o grupo reunido, existe o rito da preparação, o clima tenso, mas não sabemos nada do Assalto. Ao mesmo tempo, não sabemos em quem confiar, nem se Joe vai sair ileso.
Ação
Aqui Mamet mostra o motivo de ser um dos maiores roteiristas da indústria. As cenas do filme são semelhante a estarmos em frente a uma briga. Sabemos a origem do conflito, mas não os pormenores. Também não temos ideia de como vai acabar. Somos fisgados pela ação da trama, não por sua explicação. Existe sempre uma dúvida. Nunca nos é revelado todas as intenções do Assalto.
Nenhum personagem precisa explicar seu papel em cena. Mamet explica isso os colocando em ação. Bobby representa a força. É quem age sempre de maneira violenta. Enquanto Pinky cuida da parte mais administrativa, dos papéis, não é por menos que sempre segura a prancheta. Enquanto Fran, interpretada por Rebecca Pidgeon, é a isca para os golpes, a comparsa e aluna de Joe. Diferente dos outros, ela e Jimmy, interpretado Sam Rockwell são os únicos personagens jovens e por isso são os mais suspeitos. Jimmy por acreditar ser mais inteligente e poder enganar a todos, Fran por nunca deixar claro suas intenções, mas também por sempre convencer no papel de isca.
A moral
Uma questão a qual o filme parece deixar em aberto é a moral dos personagens. Bobby comete um erro no início do filme. Algo extremamente descuidado. O erro trás consigo uma dúvida erro, pois parece ser algo premeditado. A primeira cena do filme ele aparece sem bigode e de óculos, um visual adotado após o erro. Ter parecido ético no início do filme, não foi uma ato de boa conduta, mas um novo golpe. Afinal, bandidos com uma ética tão apurada não se comovem quando um dos seus acaba morrendo? Outro problema, não é estranho ele nunca ser procurado, apesar de manter o disfarce, não seria nada difícil achá-lo com a imagens das câmeras. O problema do grupo de assaltantes aqui, não seria a moral, mas Bergman. Eles perdem dinheiro com ele. A moral aqui é uma questão de sair ileso e se livrar do atravessador da mercadoria do roubo. Essa perspectiva me parece provável, quando analisamos os plots twist no filme. A cada sequência temos um jogo, um blefe e uma reviravolta. Tudo parece sempre estar esquematizado, logo, ao invés de assaltantes éticos, temos bons jogadores. Tudo em mais um grande Filme de David Mamet.
A Vastidão da Noite (Prime, 2020) – Crítica – Clube de Cinema Outubro É sempre à noite. Ouvimos um barulho e vemos luzes estranhas. Nosso medo do desconhecido produz a realidade diante de nossos olhos. Nossa imaginação, alimentada por nossa cultura, grita significados aos sons e dá formas às imagens. Não temos certeza de nada, mas temos a curiosidade. Isso nos move a ir atrás das respostas. A vastidão da Noite trata sobre como as teorias da conspiração nos confortam diante do nosso medo e curiosidade do desconhecido.
A Vastidão da noite… A trama se passa em uma cidade do interior, no início da década de 1950. É o ínicio da guerra fria e início dos avistamento de ovnis. Os protagonistas são dois adolescentes: Fay, interpretada por Sierra McCormick, e Everett, interpretado por Jake Horowitz. Fay trabalha na central telefônica da cidade, enquanto Everett é radialista. Ela é curiosa, ele tem ambição, e juntos vão em busca de respostas para uma estranha interferência nas ondas rádios.
O filme, dirigido por Andrew Patterson, começa com longos planos-sequência, logo no início. Eles nos “carregam” de um lado para outro no ginásio de esporte. Isso nos deixa incômodo, pois o movimento vai de um lado ao outro, sem parar, acompanhados de um falatório intenso dos personagens. Entendemos pouco nessas primeiras cenas, mas percebemos toda a cidade reunida para o jogo. Só não vai ao jogo quem não pode sair de casa ou precisa trabalhar, como Fay e Everett.
Nossos olhos descansam após serem carregados de um lado para outro, nos planos estáticos de Fay na central telefônica. Nesse momento, percebemos a solidão e isolamento dos protagonistas. Ela não consegue falar com várias pessoas no telefone, repete isso várias vezes. Quando escuta uma interferência na programação do rádio, liga para o amigo radialista. Ele coloca no ar o ruído e pergunta se alguém sabe a origem do som. É quando novamente somos “carregados”.
O filme tem esse ritmo na montagem, nos deixar descansar nos planos estáticos e nos carrega nos planos-sequência. Constrói uma atmosfera tensa e cada vez mais sombria. Fay e Everett estão sozinhos, pois todos estão no jogo. Eles percebem algo de errado, temem ser algo secreto do governo, então se jogam nas primeiras respostas dos estranhos. Tudo para tentar descobrir.
Rádio e o Cinema O filme brinca com sua própria linguagem. Quando Fay pede a Everett para ajudá-la com o gravador ela não está só mostrando curiosidade, mas como a fala das pessoas, seus discursos, relatos e histórias são importantes. Da mesma forma, quando ela fala sobre as incríveis invenções do futuro, que para sua mãe são apenas histórias criadas para vender revistas. Implicitamente o narrador está dizendo não existir certeza da verdade, apenas uma história.
Concordando ou não, as histórias atraem milhares de pessoas não pela sua autenticidade, mas pela forma como são contadas. É o quanto isso lhes concede uma importância a uma vida sem importância, mas também como ela explica os problemas do mundo, como ela nos dá um inimigo contra o qual lutar. Não sabemos ao certo o quanto Everett acredita, mas sabemos que ele deseja crescer profissionalmente. O personagem então se divide entre quem deseja significar sua existência e os que aproveitam dessas anedotas de forma oportunista.
Nesse sentido, não nos resta escolha, apenas aceitar o discurso do filme. Podemos não gostar, mas devemos aceitá-lo como verdade na tela. O rádio deu voz às anedotas, as histórias com o rádio têm voz e identidade. Ele também fez companhia a muitas pessoas em sua solidão. Logo, nada mais é simbólico à teoria das conspirações que um radialista, não podemos ver nem sentir aquilo que eles nos dizem, apenas ouvimos.
Teorias da conspiração Teorias da conspiração são baseadas coincidências e na desconfiança. Não há certeza, apenas indícios. Alguém viu algo estranho, uma fotografia não um muito clara ou um vídeo de procedência duvidosa. Isso é suficiente para despertar o interesse das pessoas. A mídia esperando o furo jornalístico ou a audiência alimenta essas histórias, muitas vezes baseada apenas no relato.
Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, algumas dessas histórias foram se desmanchando e substituídas por outras, mais complexas. Antes viam dragões no céu, agora veem discos. A forma como a mídia trata essas questões ajudou a disseminar esse sentimento de desconfiança, assim como a dificuldade da escola em educar as pessoas. Conforme os meios de comunicação avançam e se desenvolvem, muitas pessoas perderam a noção do real.
Nossa imaginação foi transformada e ganhou vida. O jornal noticiava esses relatos, mas era lido por poucos. Depois o rádio não só falava sobre esses acontecimentos, como também dava voz aos testemunhos. A TV mostrava o lugar, as pessoas, não tinham apenas voz, mas também rosto. O cinema tornou real nossas fantasias, inflando ainda mais a noção de irrealidade. As redes sociais deram voz às milhares de pessoas, que de suas casas podem divulgar milhares de teorias, sem fundamento algum.
Por último, impossível negar as influências no filme, mas talvez a mais adequada seja Arquivo-X. Era onde a teorias de conspiração necessitavam de crença, necessitavam ser buscadas lá fora. O filme, assim como série, exploram o limiar dessas teorias, exploram o desconhecido e ficam em situação de estímulo desconfiança.
Cinturão Vermelho (David Mamet, 2008) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Com Alice Braga e Rodrigo Santoro, Cinturão Vermelho é um conto moral envolvendo Jiu-jitsu e as artes marciais.
Mike Terry, interpretado por Chiwetel Ejiofor, acredita na pureza das artes marciais. Para ele, o Jiu-Jitsu não é apenas uma técnica de auto defesa, mas uma espécie de “espiritualidade”. Participar de uma competição seria uma mácula em sua fé, um sacrilégio para seu credo. Ele não está interessado na publicidade, mas em fazer algo bom, em ajudar as pessoas a serem mais fortes. Ele sabe muito bem o significado do Cinturão Vermelho e não é apenas um adorno.
Laura Black, interpretada por Emilly Mortimer, é uma pessoa a qual ele acredita poder ajudar. A personagem representa o sentido espiritual da arte marcial. A advogada é quem impulsiona a mudança na trama. Ela cuida dos problemas jurídicos de Mike, mas também o lembra dos motivos para lutar. Diferente da esposa interpretada por Alice Braga e do cunhado, interpretado por Rodrigo Santoro. Os dois sempre tentam o dissuadir de seus sonhos e ganhar dinheiro.
O português é a segunda língua no filme, mas a participação dos brasileiros é meramente figurativa. Serve para relacionar tacitamente o Jiu-jitsu com o Brasil, mas apenas isso. Importante dizer, isso pode desagradar os praticantes da arte marcial, como também os fãs dos atores.
De todos os motivos do mundo, apenas um convence Terry a competir. Ele não consegue viver apenas das aulas de sua academia e a situação o pressiona. Como um Samurai, ele tenta manter o espírito puro diante da corrupção do mundo, o problema é não existir limites para essa corrupção. Ele está disposto a ter uma mácula em sua história, mas não em ir ao fundo do poço. Quando ele explode no desfecho final é por não aceitar isso. Ele pode ser roubado, competir, mas não participar de uma mentira que destrói sua crença e honra.
O filme não aborda positivamente as competições. Os torneios são visto como um lugar onde o espírito do “guerreiro” é corrompido pela fama e dinheiro. Em compensação as cenas de lutas são bem filmadas e isso é possível devido ao conhecimento do diretor do Jiu Jitsu. David Mamet é praticante a anos da arte japonesa popularizada pelos brasileiros no campeonatos de MMA (sigla em inglês para Artes Marciais Mistas).
Cenas de Luta
Assistir uma luta de jiu-jitsu não é algo bonito. A maior parte da luta é no chão e os lutadores sempre ficam agarrados, rolando de um lado para outro. É uma arte de contato, que utiliza a técnica para subjugar os adversário. É eficiente, mas não constrói imagens bonitas. Isso talvez explique o motivo de não termos muitos filmes sobre o jiu jitsu, como temos sobre o Karatê e Kung-fu. Essas artes possuem uma teatralidade muito maior. Podemos coreógrafa-las como coreografados passos de dança. Agora, como fazer isso com uma luta no chão?
David Mamet parece mostrar o caminho. As lutas durante o filme são incrivelmente tensas, não criam uma coreografia, mas conseguem despertar o interesse. Na primeira parte, durante o treino na academia temos o close no rosto do policial. É a tensão no olhar dele, a sensação de estar sendo sufocado que nos prende a atenção. Na luta no bar e na competição os planos novamente estão próximos, pois além do olhar, querem mostrar o agarre a imobilização.
Em filmes de artes marciais, os planos mais próximos servem para ocultar a falta de coreografia. Afinal, uma luta com um ponto de vista distante obriga todos a coreografar os golpes. Com planos próximos você oculta essa dificuldade. A luta, que poderia ser como uma dança, acaba sendo produto de um artifício de câmera. Isso é diferente em cinturão vermelho, os planos distantes deixariam o ator distante do espectador. Não existindo coreografia para mostrar, não precisamos afastar a câmera. Mamet aproxima o espectador da ação e consegue mostrar então todo o desempenho do jiu-jitsu.
Ao fim, entendo as críticas sobre pontos não explicados no roteiro, mas isso não importa muito quando vemos o desfecho final. Mamet cria um conto moral, no qual Terry coloca à prova sua técnica e seus valores. Quando o velho mestre o reverencia é justamente por reconhecer nele, o representante do princípios do Jiu-jitsu. Mamet consegue produzir um filme, no qual as cenas de ação e conflitos narrativos caminham para um só lugar.
As Coisas Mudam (David Mamet, 1988) – Crítica – Clube de Cinema Outubro Para o diretor e roteirista David Mamet, o cineasta deve buscar ordem, não o caos. Segundo ele, devemos começar com um evento perturbador e seguir em direção a restauração da ordem. Em As Coisas Mudam vemos uma exemplificação desta teoria. A trama começa com o sapateiro Gino, interpretado por Don Ameche, recebendo uma proposta de mafiosos. Segundo eles, Gino confessaria um crime e em troca receberia dinheiro para realizar seu sonho: comprar um barco de pesca na Sicília.
A vida pacata do sapateiro pode mudar ao aceitar a proposta da máfia, mas para isso ele precisa passar um fim de semana em observação, antes de assumir o crime. Jerry, interpretado por Joe Mantegna, um mafioso que está tentando provar seu valor é responsável por cuidar de Gino. O problema é ele não estar disposto a ficar um fim de semana preso em um quarto de hotel. É então, quando tudo começa a complicar, Jerry e Mantenga resolvem ir à Las Vegas aproveitar o fim de semana, antes da prisão.
Diferente de Jerry, Gino quase não fala e suas intenções são demonstradas por meio do olhar e gesto. O duo de atores conseguem criar um antagonismo interessante na forma de representação. Jerry quer conquistar o respeito de seus pares, mas também deseja se dar bem. Ele precisa da prova por não ter “conseguido” seguir às ordens antes. O silêncio do sapateiro é quebrado sempre com o falatório de Jerry. Alguém autoconfiante e cheio de malícia. Bem diferente de Gino, um humilde sapateiro, confiante no cumprimento do acordo com a máfia para realizar seu sonho.
Um dos grandes méritos de Mamet, em todos os seus filmes é conseguir coesão em roteiro e nunca deixar um personagem sem função. Em As Coisas Mudam, ele choca as intenções de Jerry e Dino. Tudo exposto em cena tem uma função, mesmo sendo apenas uma moeda. Os planos sequências são quase inexistentes, mas os quadros nunca são formados sem uma ligação com a cena a seguir.
Ao fim, As Coisas Mudam é um bom filme que demonstra domínio do diretor na produção da arte cinematográfica.
Sérgio - Crítica - netflix O diplomata Sérgio Vieira de Mello (1948-2003) era cotado como sucessor natural de Kofi Annan para a Secretaria-Geral das Nações Unidas. Sérgio, como era chamado por todos, inclusive pelo presidente Bush, nasceu no Rio de Janeiro, mas foi estudar em Paris, na Sorbonne. De lá saiu doutor em Filosofia, letras e ciências humanas. Entrou para ONU aos 21 anos e construiu toda a sua carreira no órgão, chegando ao cargo de alto-comissário para os Direitos Humanos. Foi morto em 2003, em um atentado a bomba no Iraque, reivindicado pela Al-Qaeda.
Greg Barker é o diretor do longa-metragem e quem também produziu um documentário sobre o diplomata. Barker é um documentarista com uma vasta experiência, produziu documentários sobre terrorismo, conflitos no afeganistão, sobre política internacional do governo Obama. Sérgio é sua estreia na ficção
A trajetória O filme busca mostrar o quão importante foi o diplomata Sérgio Vieira de Mello morto por defender seus ideais, mas desconhecido pelo público em geral, inclusive do brasileiro. Esse desconhecimento, talvez, explique a forma narrativa da obra ser baseada em flashbacks. O diplomata trabalhou em diferentes programas da organização em Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique e Peru. No Timor leste foi responsável pelo governo de transição. Logo, fica difícil contar a história do personagem de maneira linear e também escolher em qual momento dar mais ênfase.
A forma escolhida foi justamente começar por onde ela acaba, o atentado de 2003 e o discurso institucional para a ONU. Com essa imagem cria-se um impacto no espectador, desperta a curiosidade para saber como ele foi parar debaixo dos escombros, ao mesmo tempo cria simpatia pelo personagem. Essa intenção inicial parece contradizer o restante da obra, primeiro em mostrar o porte atlético e ressaltar as qualidades físicas do personagem. O encontro com o guerrilheiro no meio da mata é um exemplo disso. Afinal, um diplomata ou um agente secreto?
Mesmo com o grande desempenho de Wagner Moura, de toda a simpatia que sentimos pelo ator, falta diálogo, não apenas falas, mas discurso e embates de ideias. A simples presença de Sérgio em cada lugar e as poucas palavras parecem resolver tudo, não existe um conflito do personagem, nem uma jornada. O diplomata passa de um país para o outro e resolve tudo de maneira simples.
Sérgio Essa forma apressada de exibir os feitos do diplomata tentam passar uma síntese da sua trajetória, nas missões mais importantes de sua carreira. É uma história sobre como Sérgio quase chegou a ser secretário geral da ONU. Sobre como ele desempenhava um importante papel ao exercer a diplomacia nos conflitos de diversos países. Tenta mostrar a importância da paz e da conciliação. É uma obra sobre os valores quais a ONU diz representar e sobre o papel que ela diz exercer.
Tudo é mostrado em um tom melancólico, mas meio fora de eixo. Sabemos do destino do personagem, então fica excessivo as cenas debaixo dos escombros, queremos vê-lo em ação. Melhor que a citação da participação nas manifestações de maio de 68, teria sido melhor mostrá-lo, assim como sua relação com os líder guerrilheiro. Ao contrário disso, o filme foca no relacionamento dele com Carolina Larriera, interpretada por Ana de Armas.
Ao fim, temos um grande desempenho dos atores, uma história interessante e uma oportunidade desperdiçada.
Você Nem Imagina da Netflix é um filme que me lembrou Dentro de Casa de François Ozon. O filme conta a história de uma estudante de origem chinesa. Ela fatura uma grana escrevendo redações para o restante da turma. Um dia, um aluno lhe pede para escrever uma carta de amor para uma menina. O filme tem certa sutileza, mas se perde quando necessita ser explicito sobre os desejos de cada personagem. Existe um tom bobo, mas isso não torna a obra ruim, nem a desmerece. O grande problema do filme, na minha opinião, é não explorar as contradições. A religião, por exemplo, mas também a descoberta da sexualidade. Tudo fica meio perdido. O filme é bonitinho, mas apenas isso não basta para se sustentar. Caso queiram ver uma grande obra, assistam Dentro de Casa ou Me chame pelo seu nome. Tratam de temas parecidos, mas de forma muito mais interessante.
O Jogo de Emoções (David Mamet,1987) – Crítica – Clube de Cinema Outubro Jogo das emoções é o primeiro filme de David Mamet. Após escrever roteiros para Sidney Lumet e Brian de Palma, o roteirista e dramaturgo assume a produção de seu próprio filme. A obra conta a história de uma psicóloga envolvida com um grupo de trapaceiros. Uma trama envolvente sobre o jogo de confiança. Mamet assina a direção e o roteiro.
A psicóloga Margaret Ford, interpretada por Lindsay Crouse está no auge de sua carreira. O livro, que acaba de lançar, é um bestseller e seu consultório está cheio de pacientes. A cena inicial, quando uma leitora a aborda na rua para pedir um autógrafo, enfatiza o auge do sucesso. Para Ford, não existe tempo para relaxar, ela vive em função do trabalho. Tudo muda quando aceita ajudar um paciente com tendências suicidas. A psicóloga acaba se envolvendo em um jogo de trapaças, no qual perde o controle e a autoconfiança.
A acensão e a queda de Margaret Ford é o centro da trama no filme. Quando ela encontra o trapaceiro Mike, interpretado por Joe Mantegna, a personagem senti uma excessiva autoconfiança. O sucesso lhe provocou um sentimento de grandeza. Ela acredita estar imune ao perigo. Afinal, qual motivo de ir até uma casa de jogos defender seu paciente? O excesso de autoconfiança e a necessidade de relaxar, encoraja Ford a se envolver com Mike.
Mike apresenta o mundo dos trapaceiros para Ford, mostra como consegue trapacear utilizando a confiança das pessoas. Ela é seduzida pelo perigo e pelo descobrimento de um mundo novo. Vê nesses momentos um desligamento de sua vida de famosa escritora e psicóloga. Um desligamento que a amiga havia recomendado, ao mesmo tempo que sente seu poder aumentar ao mergulhar no mundo do crime. É quando começa o jogo das emoções, onde se inverte as regras e as apostas.
Aqui encontramos um princípio qual Mamet leva muito a sério, o princípio da inevitabilidade. A situação precisa ser inevitável para convencer o espectador. Não podemos confundir a construção impecável do roteiro, sem pontas soltas com previsibilidade, afinal as reviravoltas e os plots não são previsíveis.
Uma coisa que marca o centro da trama é como as intenções de Ford e de Mike são casadas. Ele queria trapacear e conseguir uma grana fácil. Ela queria se desligar do mundo e participar de uma nova aventura. A união dos dois ocorre na satisfação de seus desejos. Eles mostram isso em cada cena. Quando ela aceita ajudá-lo no jogo ou quando ele a convida para participar de seus “golpes”.
A grande confusão e revolta de Margarete Ford é não ter notado que o golpe é aplicado no bom senso das pessoas e isso também a incluía. Ela acreditava estar imune aos jogos emocionais, mas não percebeu as cartas marcadas. Isso é algo imperdoável para ela. É o motivo da transformação dos sentimentos de orgulho e confiança em ressentimento e culpa.
Porco Rosso: O Último Herói Romântico – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Não espere grandes explicações sobre o motivo de Marco Porcellino, mais conhecido por Porco Rosso, ter sido amaldiçoado. Tudo que sabemos no filme é que isso ocorreu após ele lutar na primeira Grande Guerra. O filme conta a sua história, não a história de sua maldição. Um aviador que desistiu do exército para viver como caçador de recompensa. A bordo do hidroavião vermelho, Marco enfrenta piratas que aterrorizam o Mar Adriático.
Marco não é um caçador de recompensa pela fama ou pelo dinheiro, mas pela liberdade. Essa é a vida que lhe permite voar. Ele não deseja mais servir a nenhuma causa, nem quer viver próximo a nada que lembre seu passado. O filme é ambientado na década de 30, o mundo está em crise, os fascistas ganharam o poder na itália. As pessoas passam por uma situação de vida difícil e os pilotos livres tem a liberdade de voar ameaçada pelas novas autoridades.
Novamente, vemos um mundo em choque. Como em Princesa Mononoke, uma época está no fim e outra está nascendo. Essa mudança nunca é pacífica. A nova sociedade tende a ser mais sombria e fria. Por isso, é emblemático no filme, os fascistas estarem atrás dos piratas e pilotos livres. O novo governo quer acabar com todas as liberdades, inclusive com a de voar. Marco sabe que os fascistas representam uma nova guerra, um passado a qual ele não quer reviver. Prefere morrer, continuar sendo um porco, a servir o exército de Mussolini.
Porco Melancólico
Existe um sentimento de desalento presente na face do personagem principal durante todo o filme. Não sabemos ao certo o motivo da maldição, mas sabemos que ele não está preocupado com isso. Porco Rosso não quer quebrar o feitiço, ele deseja viver, deseja continuar voando pelos céus, sem ser importunado por ninguém. Não há esperança na humanidade, nem na vida perto dela, o céus são o único lugar que ele consegue se sentir bem.
Gina, cantora e proprietária do Hotel Adriano e Fi são as duas personagens que provocam mudanças em seu modo de ver o mundo. Ele sempre fica vermelho quando pensa em uma vida ao lado de Gina, pois não acredita na capacidade de alguém amá-lo ou ter uma nova vida. Já Fi, mesmo achando ela bonita, mesmo não gostando dela no ínicio é quem o arrasta para todos os problemas, mas também o ajuda a resolvê-los.
Uma característica nos filmes do Studio Ghibli é mostrar personagens femininas fortes. Gina, por exemplo, tem uma vida de rainha entre os piratas, poderia escolher quem ela quisesse, teve seus três maridos mortos em acidentes ou combate de avião. Ela teria diversos motivos para não querer um novo romance com Porco Rosso, mas é quem seu coração escolheu. O amor por ele vem da época de infância, quando era apenas um menino sonhador.
Um filme Noir
Fi explora as contradições do tipo de personagem machista nos filme noir. Porco vê as mulheres como frágeis. Para ele, elas têm como arma a sedução e a malícia, não a inteligência ou a força. Fi prova o contrário, quando conserta o hidroavião, quando tenta resolver sua questão de honra e desafia todos os piratas. São sutis essas provocações, mas nem por isso menos importantes.
Apesar do Porco carregar o tipo de personagem noir, o cara durão e solitário, o filme trabalha com tons diferentes. Ao contrário do mundo sujo e escuro do noir, temos o mar, as ilhas desertas e um ambiente quente e colorido. Isso aproxima a obra da fábula, da magia, sem tirar a força e a seriedade da guerra e da violência. Apesar de ser um longa, a obra tem uma estrutura de crônica, como se várias histórias fossem coladas. O incrível é a força e a emoção provocados por essas histórias unidas.
Ao fim, Hayao Miyazaki e Shinichi Matsumi querem deixar o espectador imaginar. Para os dois diretores o mais interessante aqui não é responder tudo, mas despertar questionamentos e reflexões. Não devemos ver o filme na espera de soluções fáceis, mas na busca por uma aventura. Afinal, porcos precisam voar…
Princesa Mononoke – crítica – Clube de Cinema Outubro A relação do ser humano com a natureza nunca foi pacífica. Sempre tivemos que lutar para sobreviver. Quanto mais batalhas eram vencidas, mais a luta por sobrevivência se transformava em uma luta por poder. Nosso domínio e força extinguiu espécies, devastou florestas e poluiu rios. A natureza perdeu, conseguimos dominar e manipular quase todos os seus recursos, mas nós também perdemos. O mundo retratado em Princesa Mononoke tenta mostrar exatamente isso, as vitórias do homem sobre a natureza. A destruição de um velho mundo e o nascimento de um novo.
O choque O filme começa com a tribo Aino sendo atacada por um demônio-deus da floresta. O príncipe Ashitaka mata o demônio, mas é vítima de uma maldição. Ele então é expulso da tribo e vai rumo ao sul para descobrir uma cura. Em sua viagem, Ashitaka chega em Tataraba, uma vila que sobrevive da extração do ferro desmatando a Floresta dos Antigos Deuses-Animais. Ele encontra então um novo mundo em choque com o antigo.
Diferente da maioria dos heróis, Ashitaka não nega seu destino, nem busca um mestre ou precisa ser convencido a fazer o certo. Os anciões o expulsam, ele aceita e vai em busca de uma cura, sem questionar. Quando descobre que sua maldição é motivada pela guerra entre humanos e Deuses, ele decide intervir. Diferente dos outros personagens, o Príncipe deseja parar a destruição. Ele quer encontrar uma forma de conciliar os interesses dos homens com a natureza.
Interesses que entram em colisão com San, a Princesa Mononoke, órfã criada por lobos-deuses e Eboshi, a líder da vila que constrói armas com o ferro extraído. Mononoke representa aqueles que veem a espécie humana como a origem da destruição do meio ambiente. Para princesa, a solução é o extermínio de todos os seres humanos. Eboshi, vê na capacidade de suas armas matarem deuses-animais a vitória da evolução humana. A líder da vila pretende conquistar todo o poder sobre homens e deuses.
É interessante notar, os animais-deuses eram invencíveis até Eboshi desenvolver as armas. A arma, no filme é o símbolo da destruição da magia e do conhecimento antigo. Quando os seres humanos matam os deuses, eles o transforma em demônio que deseja apenas a destruição. De certa forma, o filme mostra o caos de um mundo que não só perde seus deuses, mas seu espírito.
Metáfora Ao fim, Princesa Mononoke cria metáforas para falar da relação da humanidade com a natureza. Tudo de um ponto de vista trágico. Vemos o progresso da humanidade, vemos ela se distanciando de uma relação harmoniosa com a natureza e o perigo da destruição. Moralmente, o filme possui um sentido de alerta, mas em nenhum momento isso atrapalha o desenvolvimento dramático da obra. Ashitaka deseja a conciliação, mas ele sabe que o mundo não voltará a ser o que foi, talvez por isso aceite seu destino.
Hideo Miyazaki, fundador do Studio Ghibli e diretor do filme, criou uma obra maravilhosa com um sentido político trágico, mas também com esperança. O filme mostra personagens imperfeitos, com desejos conflituosos, mas também mostra capacidade de crescimento e compreensão. Como Ashitaka, Miyazaki parece acreditar na esperança da humanidade…
O Poço — Crítica — (Netflix, 2020) – Clube de Cinema Outubro
O Poço trata sobre um sistema prisional vertical, os presos são designados para um determinado nível e forçados a racionar alimentos a partir de uma plataforma que se move entre os andares. Em teoria, caso todos colaborem e comam somente o necessário, não faltaria comida. Não existem carcereiros e cada detento mantêm contato direto apenas com o colega de cela.
A ideia do Poço é forçar a solidariedade e a empatia dos prisioneiros, em um sistema que obrigue todos a colaborar para sobreviver. O problema é o experimento não pensar que as condições moldam a consciência. Quando as pessoas estão em cima e recebem os alimentos primeiro, não pensam em quem está embaixo e vice e versa. O filme aponta para duas alternativas, sem afirmar nenhuma: ou as pessoas nascem boas e o meio as corrompe ou nascem corrompidas e se aproveitam do status social.
Os andares Para o filme, o andar de cada prisioneiro é mais que um status social, é um forma de isolamento político. Na visão dos autores não existe saída, a barbárie vivida pela população não a empurra à organização ou à revolta, mas ao egoísmo. Quando Trimagasi, Zorion Eguileo, diz para Goreng, Ivan Massagué, não falar com os de cima, nem com os debaixo, pois ambos não irão ouvir, ele está dizendo que não importa em que lugar da pirâmide nos encontramos, pensamos apenas em nós mesmos.
O roteiro apresenta a desigualdade e a miséria como responsabilidade de todos, assim como a violência. Independente do andar qual nascemos, devemos lutar contra o gene egoísta que nos torna indiferentes e sermos responsáveis. A administração poderia ser uma metáfora do Estado, mas está mais próxima de Deus, pois é quem escolhe, sem mostrar a face, onde cada um vai “nascer” e sem explicar o motivo de seus desígnios.
Sem saída A ausência da perspectiva política é mostrada quando o filme critica o “capitalismo”, mostrando os de cima como consumidores desenfreados, mas critica o “socialismo” caindo no velho clichê de ser impossível a redistribuição devido ao egoísmo das pessoas. A piada sobre Goreng ser comunista não é casual.
Se deus decide nosso lugar na pirâmide do poço não temos como explicar nossa mobilidade social, a não ser pela vontade divina. Não tendo perspectiva política, o filme apela para o divino. A descida ao fundo e o envio da mensagem podem também ser vistas como mensagens políticas, mas não são reações coletivas, nem de revolta, são apelos religiosos para um problema político.
Ao fim, temos uma boa produção de entretenimento. Algo que vale a cerca de uma hora e meia, mas que muito provavelmente será esquecida logo após ser vista.
Druk: Mais Uma Rodada
3.9 798 Assista AgoraComunidade e Kursk não são lá essas coisas. Comunidade é tedioso. Kursk é uma propaganda anti-russa. Mesmo assim, Thomas Vinterberg é um dos meus diretores favoritos. Drunk é um filme qual todo o possível alcoólatra deveria ver. Um filme sobre como o alívio alcoólicoé utilizado para curar nossas frustrações e vazios. É engraçado, mas não terminamos o filme sorrindo, mesmo a última cena sendo uma festa.
Judas e o Messias Negro
4.1 517 Assista AgoraJudas e o Messias Negro tinha tudo para ser uma excelente obra, mas se perde em dois pontos. Primeiro, ao invés de thriller político é um filme policial, existe política, mas o filme transforma a luta de classes em uma disputa de gangues. As discussões são boas, mas pouco sabemos sobre os conflitos, motivos e divergências. Entendemos o racismo e sabemos superficialmente sobre o movimento. Segundo, o protagonista não é o protagonista, ele é quase um coadjuvante. O antagonista eh mais importante e isso determina o tom do filme. É forte, afinal os Panteras Negras em legítima defesa defendiam o armamento do povo. Logo, ao invés de fazer como Freixo, que fica pedindo proteção para polícia, eles defendiam a auto-defesa e o armamento do povo. Eles defendiam os seus, eram revolucionários, não reformista O filme abraça a narrativa policial para não explicar a política. Não quer criar desafetos, nem mostrar contradições que possam contradizer os movimentos atuais. Ele quer agradar todos e participar do sistema. Como filme de Spike Lee sobre Malcon X e o filme do Clint Eastwood sobre Mandela, eles apagam o passado comunista e radical e os utilizam como propaganda reformista e conciliatória.
Invasión
3.9 6Em 1978, durante a ditadura militar argentina, o filme INVASIÓN dirigido por Hugo Santiago acabou se perdendo. Em 2004 ele foi finalizado e depois restaurado. O roteiro conta com a colaboração de dois gigantes da literatura argentina, Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Ricardo Aronovich é o fotografo. O filme carrega nas frases dos personagens a densidade de seus roteiristas. A Obra parece um filme policial, ficção cientifica ou drama político. Como todo grande filme sempre ultrapassa os limites do gênero. A obra foi um fracasso de bilheteria, mas um sucesso de crítica. Foi premiado em Cannes e até recentemente ficou esquecido. Uma excelente obra do cinema fantástico, que precisa ser vista e revista.
Mulan
3.2 1,0K Assista AgoraMulan
Filme de turista é aquele filme constituído por locações, eventos e situações esperadas por turistas quando visitam um país. A grande muralha é assim. Todos os elementos coloridos, os personagens e os cenários funcionam em função dos dois personagens estrangeiros. Mulan não é um filme para turista ver, mas fica próximo disso. Quando a diretora declarou não ter músicas no filme, pois ninguém canta na guerra esperava uma obra madura, mas ao contrário, o filme segue o padrão Disney. Os personagens são assexuados. Uma mulher se passar por homem não é algo novo no cinema. Essa ideia já foi usada de várias maneiras, mas em Mulan isso é tímido. Esperava uma tensão maior no afeto de seu amigo por ela e na revolta dela quanto a situação das mulheres. A pretensão do filme é ser uma obra adulta, mas algo me incomoda na iluminação. As cores quentes mantém a obra próxima ao desenho, a infância. As lutas são outro elemento frustrante, não impressionam e mantém um nível regular. Poderia ter sido melhor. Quantos colocamos atores em planos próximos e evitamos planos conjuntos ou abertos, impedimos o desenvolvimento da luta em toda a sua coreografia. É como assistir um espetáculo de dança e vermos os pés do bailarino, seu corpo pela metade, mas nunca um grande plano aberto, onde enxergamos o palco e toda a companhia dançando. Para terminar, o filme tem uma vilã, que não é bem vilã. Ela foge do Reino por não poder ser aceitar como uma guerreira. É taxada de bruxa por isso. Se alia ao povo inimigo por desejar viver em um lugar onde possa ser aceita. Oferece uma aliança a Mulan, mas ela prefere o reino, a família e a tradição. Ela não luta por uma mudança, nem o filme sinaliza uma mudança. O imperador oferece a ela uma vaga como oficial da guarda real, não extinguiu as leis, nem muda os decretos que impõe as mulheres a vida como do lar. Ou seja, apesar de todo alarde da representatividade do filme, Mulan mostra o modelo imperialista para essa representatividade. As minorias não são emancipadas, mas cooptados pelo sistema. Serão parte do alto comando e defenderão o sistema e suas leis, como se fosse algo sagrado.
A Despedida
4.0 298Despedida de Lulu Wang é um excelente filme. Apesar de ser vendido como um filme chinês, não o vejo dessa forma. É uma obra sobre a diáspora chinesa que ainda mantém raízes na China. A história tem particularidades da cultura chinesa, mas a forma de filmar não difere muito dos outros filmes. O grande ponto da obra é abordar a morte de uma maneira leve e bonita. Gosto do papel matriarcal da vó, como todos querem fazer bem, mesmo não dizendo a verdade. Sobre como ela se esforça para manter a família unida. sobre como a personagem interpretada pela excelente Awkwafina está em confronto com os valores da sua família e fica em dúvida sobre o que está certo. Nunca sabemos o que dizer em momentos de despedidas, mas depois pensamos em tudo que poderíamos ter dito. Ficamos remoendo o quanto poderíamos ter feito a pessoa se sentir melhor. Quando não percebemos, o mais importante é simplesmente estar ali.
Silvio e os Outros
3.5 5Assisti Loro, filme sobre Silvio Berlusconi dirigido por Paolo Sorrentino. Até onde li, a obra é uma "critica" ao político e magnata das comunicações italiano. A arte é uma forma de conhecimento, qual utilizamos a imaginação e empatia. Uma obra sobre o escroto Berlosconi pode ser bela artisticamente. Isso não o inocenta, nem nós torna partidário de seus atos. Mostra as contradições e pode nos ajudar a entender melhor a nós e os outros. O sentimento que tenho sobre a obra é contraditório. Vemos um senhor, extremamente cheio de confiança, mas com poderes reduzidos. Alguém tentando reconquistar o poder e a esposa. Não vemos um mafioso, escroto e de extrema direita. Ficamos confusos, quando sabemos de quem trata o filme. Esse sentimento de confusão é de grande responsabilidade de Toni Sevillo. Mesmo com uma maquiagem estranha, o ator brilha intensamente. O filme é semelhante ao jornalismo, quando colhe diversas opiniões, mas tentar manter "civilidade, torna monstros, tiranos e pessoas escrotas simpáticas. O filme é bom, mas não posso chamá -lo de crítica, pois quem o credita assim, talvez não entenda de crítica ou a confunda com propaganda.
Crystal Swan
3.8 6Crystal Swan (2018, Darya Zhuk) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Em Crystal Swan Velya, Alina Nasibullina, sonha em viajar para Chicago e fazer sucesso como uma DJ de House, um estilo de música eletrônica. Ela espera encontrar um lugar onde possa ser ela mesma, sem julgamentos. Algo difícil em seu país, a ex-república soviética da Bielorrússia. No filme, o país parece uma sociedade sem perspectiva. A Mãe de Velya trabalha em um museu e se agarra ao passado, como uma forma de superar a miséria do presente. Para ela, que é responsável por contar toda a história da superação do país na 2º guerra, nada justifica emigrar. Deixar o país é uma traição.
Antes de emigrar, a jovem DJ precisa ter seus documentos aprovados na embaixada americana. Para acelerar o processo, a garota resolveu forjar os papéis, mas colocou um telefone aleatório de uma casa no interior do país. Isso a leva até um vilarejo, onde ela se sentirá ainda mais estranha e deslocada. Se a roupa colorida e a peruca azul causavam olhares, se capital Minsk, imaginem em um vilarejo do interior. Mesmo assim, ela não desiste e está disposta a passar por tudo para conseguir chegar a Chicago.
No vilarejo, Velya conhece o jovem Stepan, Ivan Mulin. Ele acha Valya metida, orgulhosa por querer ir embora, mas a acha bonita e tem por ela um desejo ressentido. Ele a deseja por sua liberdade, por escolher fugir, encontrar um lugar diferente e recomeçar. Algo totalmente impensável para ele, pois irá casar em breve. Na Capital, como no interior, a jovem lembra a todos como estão nus em sua cegueira. Diante dela, eles enxergam o mundo e veem o quanto miseráveis e medíocres estão.
Tanto para a mãe de Velya, como para o jovem Stepan, não existe saída. Eles a invejam e a temem. Os dois não aceitam o fim do estado soviético, mas pensam diferente sobre como agir e viver. A responsável pelo museu deseja recuperar os valores, acredita ser necessário lutar para recuperar os louros do passado, não ir embora. A memória é uma forma de buscar perspectivas para o futuro, lembra a todo momento da guerra a faz ter força para enfrentar as batalhas do futuro, mesmo ele parecendo impossível.
Enquanto para Stepan, defender os valores da antiga sociedade e amar a pátria é uma forma de consolo. Com o destino traçado, fugir para outro lugar significa negar a identidade dele e de sua família. O casamento e a vida qual todos preparam para ele, envolve laços e raízes difíceis de serem cortados. O jovem irá cumprir seu destino, mesmo sendo infeliz.
É no meio dessa asfixia cultural, na ignorância e na defesa cega da pátria que Velya encontra um novo sentido. O jeito como ela se veste, assim como a música são uma forma de fugir da depressão. Enquanto outros aceitam ou ignoram, ela resolve ir além. Esse desejo produz a hostilidade da sociedade, pois mostra o quanto eles podem não estar certos, nem serem perfeitos. Esse conflito nos é mostrado na fotografia do filme. Dias sempre nublados, tons frios e uma arquitetura que faz tudo parecer velho e chato se opõe as cores quentes e vivas das roupas da garota. Ela está viva em um lugar onde tudo parece estar morto.
O desejo de ir questiona a perfeição da sociedade, como rompe o ciclo qual nossa família e a sociedade nos exigem cumprir. No Vilarejo, os trabalhadores vivem, como trabalham, uma rotina. Todo dia batem o cartão, executam tarefas repetitivas e assim vivem. O mesmo fazem com suas vida, crescem, casam e se reproduzem, sem questionar. O casamento de Stepan, não é apenas um evento casual do filme, mas uma repetição da rotina da fábrica e da vida no vilarejo.
Ao fim, o fato da trama ocorrer em uma ex-república soviética só torna a obra mais exótica. Não podemos pensar no filme como uma obra apenas Bielorrussa, mas sim uma obra humana. As ideias reproduzidas por Velya, como as ideias de sua mãe e do Stepan poderiam ser em qualquer parte do mundo. Como música, as roupas, os sentimentos também podem ser globalizados. O fim para a viagem da personagem pode ser incerto, mas não há dúvida sobre sua busca ou seu sentimento.
Wasp Network: Rede de Espiões
3.1 116 Assista AgoraWasp Network: Rede de Espiões (Olivier Assayas, 2020) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Baseado no livro do jornalista Brasileiro, Fernando Morais, Os Último Soldados da Guerra Fria. Wasp Network: Rede de Espiões adapta uma história real sobre agentes Cubanos, infiltrados nos EUA.
Dirigido e roteirizado pelo cineasta francês Olivier Assayas, Wasp Network: Rede de Espiões é uma adaptação do livro do jornalista e escritor Fernando Morais, Os Últimos Soldados da Guerra Fria. Não é a primeira obra do jornalistas a ser adaptada para o cinema, Olga, Chatô: O Rei do Brasil e Corações Sujos também foram. Nenhuma produziu o mesmo sucesso dos livros, mas todas tiveram peso de uma grande produção cinematográfica. Nenhuma delas comparada ao filme de Assayas, a começar pelos atores.
O elenco multinacional da adaptação de Assayas é formado por atores latinos em ascensão ou conhecidos em Hollywood. Eles são o biotipo da cara latina para o público americano. Apesar de protagonizarem papéis principais, eles muitas vezes acabam ficando conhecidos pelos papéis latinos, nos filmes protagonizados por americanos. Aqui, talvez cabe a ironia, pois nos filmes de espiões americanos, os personagens latinos nunca são protagonistas, na grande parte das vezes são vilões ou coadjuvantes sem importância.
O filme ganha assim uma tonalidade de o outro lado da história, mas sem se esforçar muito para isso. Falta um impulso para mostrar essa inversão de valores. Aparentemente segue o receituário hollywoodiano com uma “história comunista”. Os atores são o exemplo mais evidente, apesar de latinos, brilham como Stars System, algo muito diferente de seus personagens reais. O filme até tenta fugir do modelo comercial, ao inserir cenas de documentários, ao contar a história do “rambo salvadorenho”, mas fica por isso mesmo. Não é uma sátira, nem crítica. Fica no meio termo.
É nesse meio termo que a história dos personagens não avança. O filme começa com Rene Gonzalez, interpretado por Edgar Ramirez (libertador, crítica aqui), fugindo para os Estados Unidos em um aeroplano. Ele se junta aos contrarrevolucionários em Miami. Logo após, Juan Pablo Roque, Wagner Moura (Sérgio, crítica aqui) foge a nado de Cuba. Isso o torna uma estrela, como ele próprio diz. Enquanto René é mero instrutor de voo, alguém preocupado com sua família e executa missões pelo espaço aéreo de Cuba, Roque vive na alta sociedade e age como uma celebridade.
A história dos dois personagem já bastaria para um filme, mas Assayas inclui Gerardo Hernández, líder da operação interpretado por Gael García Bernal. O filme caminha em uma direção, mas quando aplica a virada dramática, a mesma não provoca surpresa. A história de Hernandez parece um novo filme com um drama familiar semelhante. Esse talvez seja um problema, a história de espionagem parece muito mais com um drama de sacrifício da família pelo dever com a pátria.
Mesmo como um drama familiar, o filme se perde. Penélope Cruz, interpretado Olga Salanueva mulher de Juan produz uma atuação brilhante, mas desperdiçada. A explicação dada à ela por Gerardo só preenche espaço na cena, não acrescenta muito ao drama. A ligação e as diferenças entre Olga, mulher de um herói e Ana Margarita Martinez, interpretado por Ana Armas são perceptíveis, mas falta uma ligação, falta algo no drama qual una o sofrimento de quem perde e quem recupera a família.
Assayas, como seus personagens, fica dividido na narrativa e quer contar um pouco de cada coisa, acaba não explorando nada. A independência das histórias aqui poderia ser o mérito, mas fracassam quando não conseguem conectar os sentimentos dos personagens. Ao fim, o filme é um excelente registro histórico para conhecer uma história, mas vale pouco como obra artística.
12 Homens e Uma Sentença
4.6 1,2K Assista Agora12 Homens e Uma Sentença – (Sidney Lumet, 1957) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
– Você está falando de uma questão de segundos! Ninguém pode ser tão preciso!
– Bem… Acredito que um depoimento que pode colocar um garoto numa cadeira elétrica deva ser preciso!
A justiça perfeita é um sonho, um desejo a ser alcançado, mas não uma realização. Quando olhamos clinicamente para os julgamentos, ficamos com dúvida sobre o quão correta nossa justiça é. Sidney Lumet nos conta os motivos, em seu primeiro filme, 12 Homens e uma Sentença. O filme de 63 anos, conta a história de 12 jurados e o destino de um jovem acusado de matar o pai. Tudo parecia claro, mas o jurado n° 8 diz não ter certeza sobre a culpa do jovem. Como a decisão precisa ser unânime, os homens precisam discutir até chegar a um consenso.
A obra tem outro nome em inglês, talvez mais adequado à trama de Lumet, 12 Angry Man, algo como 12 homens raivosos. Esse título não é tão chamativo, mas está de acordo com os sentimentos dos jurados. O dia mais quente em Nova York deixa o ânimo de todos aflorado, além de ninguém querer passar mais dias perdendo tempo com um “assassino”. Uns têm negócios, outros têm compromisso, ninguém aguenta mais, com exceção do jurado 8, todos parecem decididos.
É estranho nunca serem chamado pelo nome, isso limita a personalidade deles. Sabemos quem são, pois falam de seus gostos, trabalho, temperamento, mas sempre fica um ar de mistério sobre cada um. A trama acontece exclusivamente em uma sala. Com exceção da sala do julgamento, a sala do júri e banheiro anexo serão os únicos cômodos qual veremos. Isso poderia cansar nossa visão ou nos deixar entediados, mas a organização dos planos sabe exatamente como compor a cena. A apresentação dos personagens no início do longa é feito por meio de um plano-sequência, conforme falam e se acomodam, vamos conhecendo os personagens. Quando sentam, temos os planos fragmentados de cada personagem, isso cria a tensão, até alguém pedir para votar ou fazer uma pausa, então alguma cena ocorre no banheiro ou vemos um plano aberto da sala.
Lumet utiliza o espaço e as lentes para aliviar nossos olhos da mesma forma que os personagens tomam fôlego da discussão. O espaço delimitado é muito bem utilizado pelo diretor. Nossa proximidade com os personagens nos deixa com a sensação de enclausuramento. Ao mesmo tempo é uma metáfora, os jurados estão presos em uma sala até chegarem o consenso do julgamento. Ao inocentar o jovem ou mandá-lo para cadeira elétrica, eles serão libertados. A tensão no filme é notada também pelo suor no rosto dos personagens, por tirarem o casaco ou abrirem a gravata. O calor é uma forma de evidenciar ainda mais o clima de tensão. Dos 12 homens, 11 estão impacientes, em um calor infernal discutindo o julgamento.
A imparcialidade
É importante entendermos o filme como uma obra de sua época. De acordo com Lumet, em seu livro ( crítica aqui), quando filmaram a obra, as mulheres podiam ser dispensadas do júri, apenas por serem mulheres. Logo, um júri composto apenas por homens brancos, com uma certa idade, nenhum jovem, pode não ser muito representativo, mas era a realidade na época. A questão aqui não é como Lumet compõe o quadro, mas como ele confronta seus personagens.
Essa composição do júri já mostra a fragilidade da imparcialidade. 12 homens brancos de meia idade julgando um jovem imigrante, é justo? Os jurados não julgam segundo os fatos, mas segundo suas opiniões e valores. O julgamento, por meio de uma discussão e a busca de um consenso de unanimidade acaba refletindo estereótipos e preconceitos da própria sociedade.
Notamos isso em cada cena do filme, os jurados se comportam em grupo. Criticam os que mudam de opinião. Alguns não dão nenhuma importância para o julgamento, querem apenas se livrar da responsabilidade. Outros querem despejar sobre o suspeito todo o sentimento de raiva. A grande habilidade de Lumet está em desmontar essas motivações, em como a análise dos fatos desmonta o discurso de ódio e como o preconceito sempre obscurece a verdade.
O filme trata de um júri, mas também trata da democracia. A condenação é votada e a forma do julgamento é vista, por alguns jurados, como uma das conquista das sociedades democráticas. Logo, não nos estranha o comportamento dos jurados ser, em algumas situações, o comportamento dos eleitores em nossas eleições. Infelizmente, não temos um Henry Fonda para reverter essas decisões e, ao contrário do filme, acabamos seguindo por caminhos mais sombrios.
Os Amantes de Montparnasse
4.1 11"Por que eu bebo? por que sem a bebida não conseguiria atingir aquele tom de amarelo", Jacques Becker cita Van Gogh, quando seu personagem, um pintor fracassado tenta conversa com milionário americano sobre seus quadros. Becker aqui não fala apenas de Van Gogh, nem de seu personagem, mas da angustia ao tentar atingir a perfeição de uma obra que satisfaça não o outro, mas a si mesmo. Planejar, rascunhar e nunca conseguir atingir o objeto desejado, dói. Os Amantes de Montparnasse, talvez seja um dos melhores filmes que vi nessa quarentena e em muito tempo...
Destacamento Blood
3.8 448 Assista AgoraDestacamento Blood (Spike lee, Netflix) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Um filme sobre guerra, racismo e violência. Spike Lee demonstra comprometimento político e grande habilidade artística.
A última imagem na introdução do filme, antes de vermos o hotel de Saigon são os cinco “Bloods” com o punho esquerdo levantado no Vietnã. Apesar da imagem ser fictícia, as cenas anteriores são reais. O discurso de Malcolm X, a fala de Angela Davis e as cenas de guerra são registros documentais. Ao colocar a imagem dos personagens fictícios ao final das cenas introdutórias, Spike Lee está representando o próprio filme. Destacamento Blood é uma obra de ficção, mas a crítica e o discurso fílmico é real.
O filme conta história do retorno de quatro veteranos ao Vietnã. Eles vão em busca de restos mortais do líder do Esquadrão, interpretado por Chadwick Boseman, e buscar um tesouro escondido. Esse retorno os obriga a reviver a guerra, mas também os coloca de frente à realidade atual, afinal o fim do conflito pouco representou para eles. O retorno à América, depois da guerra, não lhes trouxe nada, além de problemas.
A narrativa clássica predomina o discurso fílmico, mas existe espaço para experimentações e colagens. As fotos e as cenas documentais inseridas durante o filme aproximam a obra do documentário. Assim como a diferença do enquadramento em determinadas sequências nos força a pensar a imagem de outra maneira. Afinal, qual a semelhança das cenas documentais na introdução, com os flashbacks e as imagens da câmera de Eddie, interpretado por Norm Lewis? Eddie, em quem todos acreditam ter se dado “bem” na vida, não apenas filma, mas fotografa em preto e branco.
A resposta, talvez, seja a memória. As cenas de guerra e os documentários possuem um enquadramento menor para forçar nossa percepção das memórias dos personagens fictícios e reais. A Câmera do Eddie tem relação com a memória do presente, sobre como é estar novamente no Vietnã, como é reviver tudo. Olhar o presente com os olhos do passado. Esse é o motivo para os atores serem os mesmo no passado e no presente. Não é um erro ou descuido. A perceptível diferença de idade de Chadwick Boseman e dos outros personagens, serve para contrastar a perda da juventude de Norm, mas também para frisar como eles ainda revivem a guerra.
Spike Lee demonstra uma grande preocupação em frisar o discurso político e documental do filme. Fazemos ficção, mas falamos a verdade. Logo, nos choca um pouco a romantização da história de Otis, Clarke Peters, no Vietnã. A relação do soldado é bem possível, mas é um pouco romantizada. Algo bem diferente da realidade, lembremos da herança maldita deixadas pelos soldados brasileiros no Haiti. Algo nada romântico, nem humano.
Se Lee escorrega ao romantizar essa situação, ele acerta na crítica aos tradicionais heróis de guerra Hollywoodianos. Logo, ele busca referências no cinema, onde a guerra não seja limpa, nem heróica, mas perturbadora. Apocalypse Now não é apenas um Bar ao qual os amigos planejam a empreitada, mas um ponto de inspiração para o filme.
De todos os ex-veteranos é Paul, interpretado por Delroy Lindo, quem nunca deixou de viver o Vietnã. Nas primeiras cenas, quando eles avaliam a vida e conversam sobre a jornada, é ele quem mais fala dos problemas. Todos mantém uma aparência, menos Paul. Quando defende expulsar os imigrantes e construir o muro, quando usa o boné do Trump não faz isso apenas por ter novos valores, mas por sentir remorso. A esperança aqui cedeu espaço ao ódio, diante de todas as promessas não cumpridas.
Os planos-sequência de Paul falando diretamente para câmera, afirmam ainda mais o caráter político da obra. Na primeira sequência, repete várias vezes, “não vou me foder de novo”. Fala sobre as tentativas de matá-lo e como ele deseja sobreviver. Termina o discurso com o punho cerrado. O sentimento aqui transmitido parece ir além do remorso pelos amigos e chegar até a revolta pelo que foi feito com o povo negro. O segundo parece de aceitação, não das injustiças sofridas, mas do fardo carregado. A atuação de Delroy merece com certeza uma indicação ao Oscar.
Apesar do que muitos reacionários e conservadores podem dizer, Lee é um homem do sistema. A foto de Obama não é casual. Norm, o líder do pelotão e militante negro não converteu os soldados a um partido ou movimento, eles foram até o fim da guerra e lutaram pelos Estados Unidos. Quando os soldados querem matar os brancos por terem assassinado Martin Luther King, ele pede calma, em nenhum momento eles pensam em desertar ou retornar para EUA se integrando a um movimento de libertação. Apesar de serem revoltados com tudo, eles continuam sendo soldados.
Um ponto interessante a notar sobre os personagens é eles terem se descoberto na guerra. Apesar da morte do líder do pelotão, eles parecem avaliar a guerra como positiva, pois foi quando Norm os ensinou sobre a história dos negros e os mostrou quem eram. Isso não significa estarem de acordo com o conflito, nem com as injustiças passadas, mas aceitar o acontecimento como algo importante na história de vida dos personagens.
Ao final, o filme renderia bem mais que um texto, talvez um livro. Spike Lee prova não só domínio da linguagem cinematográfica, mas também comprometimento político com sua história e de seu povo.
A Carga
3.3 11A Carga (2019, Ognjen Glavonic) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Um retrato da desolação e indiferença diante das tragédias humanas. A Carga nos mostra como podemos ser responsáveis pelas mortes das pessoas, mesmo não empunhando as armas
Não importa para Vlada, interpretado Leon Lucev, qual carga o caminhão irá transportar. Em sua terceira viagem, a maior preocupação não é com o perigo de dirigir em meio a guerra do Kosovo, mas em quando irá receber. Vlada é uma pessoa de personalidade séria, sem muita conversa. Isso nos provoca a sensação de indiferença, afinal, ele parece pouco preocupado. Essa percepção muda quando vemos ele telefonar para casa ou falar do filho. A guerra, a crise e os conflitos colocam em risco todos, inclusive sua família, antes de pensar no próximo, Vlad está interessado em proteger seu filho e esposa.
Em meio as paradas no caminho, Vlad encontra diversas situações de desolação e indiferença. Vemos os refugiados sendo transportados de barco. Ouvimos o barulho do avião, as bombas sendo lançadas, mas não vemos uma situação de conflito. O filme não mostra o conflito diretamente, mas as consequências e como as pessoas reagem. Uns fogem, outros casam. A cena do casamento, talvez seja o melhor retratado da indiferença. Enquanto alguns comemoram a união dos noivos, um corpo está estirado no quintal, sem ninguém se importar.
Aqui, talvez nos perguntamos como nossas ações individuais em nome da proteção de nossa família, da garantia de nosso emprego pode afetar outras pessoas. O quanto nosso instinto de autopreservação pode ser danoso a outros. Vlad, mesmo como um simples motorista e sua carga misteriosa não é responsável por suas ações, mesmo só querendo garantir o salário. Esse discurso de cumprir a lei e executar o que nos foi pedido é o que permite a indiferença, mas também as pessoas lavarem as mãos diante da morte de milhares.
Esse sentimento é transmitido na imagem e som do filme. Não é filmado como um documentário, mas caminha próximo. Não existe música no filme, a única trilha são os sons naturais. O silêncio é ensurdecedor, ainda mais em uma zona de guerra. Isso combina com a fotografia de tons frios, transmite uma sensação de dia nublado, sem calor, como se tudo fosse cinza. Apesar do desânimo ser predominante não é com esse sentimento que o filme termina.
O filme, escrito e dirigido pelo sérvio Ognjen Glavonić demonstra acreditar na possibilidade da superação das dificuldades e também na mudança das pessoas. Vlad, ainda é motorista, ainda terá uma carga para transportar, mas agora leva uma câmera consigo. O filho de Vlad, decide formar uma banda, em meio a guerra surge a necessidade de expressar os sentimentos de revolta e angústia. Uma forma de se sentir vivo e ter esperança.
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A Viagem de Chihiro
4.5 2,3K Assista AgoraA viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki,2001) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Chihiro não está feliz em mudar, ela quer apenas voltar para sua antiga escola e seus amigos. Não entende os motivos de seus pais, nem quer entender. A criança ignora o mundo dos adultos, qual temos obrigações e responsabilidades. Tudo muda quando o pai de Chihiro resolve pegar um atalho para a nova casa, onde eles encontram um túnel com uma estátua estranha. Nesse momento, a menina de apenas 10 anos é tragada para um mundo cheio de espíritos, fantasmas e seres estranhos. Começa A Viagem…
Chihiro, uma garota mimada e teimosa é obrigada a viver em um mundo totalmente estranho, sem seus pais. Sua primeira atitude é chorar, mas Haku a ajuda. Ele explica o mundo onde ela está e lhe mostra uma maneira de achar um trabalho, a única forma de permanecer naquele mundo em segurança. É interessante notar aqui a metáfora, quando crescemos, quando nos separamos de nossos pais é justamente quando começamos a trabalhar. O trabalho nos tira da família, nos separa de nosso lar.
Como em todo o filme do Studio Ghibli, A viagem de Chihiro é cheias de sutilezas. Chihiro tem medo, mas precisa libertar seus pais, além de salvar seu amigo, isso a obriga a tomar decisões e enfrentar os perigos. A menina chorona das primeiras cenas está cheia de coragem ao fim. Haku é quem mais acompanha esse crescimento, mesmo não sabendo o motivo do carinho pela menina, o espirito guardião e amigo confia em sua simpatia para recordar.
A metáfora do crescimento não está apenas em Chihiro, mas nos personagens do filmes. Yubaba, quem comanda a casa de banhos é uma idosa amargurada e ressentida. Tem um filho, um bebê enorme qual ela tranca dentro de um quarto e não o deixa sair, devido aos germes e perigos. Zeniba, a irmã gêmea, é muito diferente, pois ela é uma artesã, não deseja ganhar milhões, vive tranquilamente em uma casa no campo.
O filme possui uma grande simbologia, algo difícil de analisar quando não conhecemos o folclore japonês. Isso não nos impede de nos conectar a obra, apenas desperta nossa curiosidade sobre todos os seres na animação. Alguns deles já estiverem presentes outros filmes de Miyazaki. De certa forma, o cineasta coloca várias citações e referências de suas obras em Viagem de Chihiro.
É muito difícil falar da animação, sem ficar reparando nos detalhes do desenhos, no traço primoroso e no movimento ágil dos personagens. Vemos o vento, as folhas mexerem e Chihiro rir e chorar. Tudo de uma maneira intensa. O filme pode ser uma releitura do folclore japonês, uma adaptação de Alice, mas para mim é, talvez, um dos maiores filmes de todos os tempos.
O Assalto
3.2 56 Assista AgoraO Assalto (David Mamet, 2001) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Mamet constrói um filme como um jogo de cartas. Com grandes reviravoltas e cheio de blefes. O Assalto tem um excelente roteiro e um grande elenco.
Pensar em uma desculpa, quando a pessoa não pergunta nada, é uma perda de tempo? Para Joe, interpretado por Gene Hackman, não. Pois é sempre preciso sempre ter um álibi. Não é desproposital a primeira aparição do personagem ser no meio de uma floresta com uma espingarda e um caderno de anotações. Além de estar extremamente preparado para o Assalto, ele possui certos “princípios morais”. Isso o Atrapalha em um serviço e provoca desavenças com seu receptor Mickey Bergman, interpretado por Danny DeVito.
Duas características importante para o roteiro é nunca mostrar o plano e sempre manter a tensão entre os personagens. Quando Joe e Pinky, interpretado por Ricky Jay, conversam nunca falam dos detalhes. Nem mesmo com todo o grupo reunido, existe o rito da preparação, o clima tenso, mas não sabemos nada do Assalto. Ao mesmo tempo, não sabemos em quem confiar, nem se Joe vai sair ileso.
Ação
Aqui Mamet mostra o motivo de ser um dos maiores roteiristas da indústria. As cenas do filme são semelhante a estarmos em frente a uma briga. Sabemos a origem do conflito, mas não os pormenores. Também não temos ideia de como vai acabar. Somos fisgados pela ação da trama, não por sua explicação. Existe sempre uma dúvida. Nunca nos é revelado todas as intenções do Assalto.
Nenhum personagem precisa explicar seu papel em cena. Mamet explica isso os colocando em ação. Bobby representa a força. É quem age sempre de maneira violenta. Enquanto Pinky cuida da parte mais administrativa, dos papéis, não é por menos que sempre segura a prancheta. Enquanto Fran, interpretada por Rebecca Pidgeon, é a isca para os golpes, a comparsa e aluna de Joe. Diferente dos outros, ela e Jimmy, interpretado Sam Rockwell são os únicos personagens jovens e por isso são os mais suspeitos. Jimmy por acreditar ser mais inteligente e poder enganar a todos, Fran por nunca deixar claro suas intenções, mas também por sempre convencer no papel de isca.
A moral
Uma questão a qual o filme parece deixar em aberto é a moral dos personagens. Bobby comete um erro no início do filme. Algo extremamente descuidado. O erro trás consigo uma dúvida erro, pois parece ser algo premeditado. A primeira cena do filme ele aparece sem bigode e de óculos, um visual adotado após o erro. Ter parecido ético no início do filme, não foi uma ato de boa conduta, mas um novo golpe. Afinal, bandidos com uma ética tão apurada não se comovem quando um dos seus acaba morrendo? Outro problema, não é estranho ele nunca ser procurado, apesar de manter o disfarce, não seria nada difícil achá-lo com a imagens das câmeras.
O problema do grupo de assaltantes aqui, não seria a moral, mas Bergman. Eles perdem dinheiro com ele. A moral aqui é uma questão de sair ileso e se livrar do atravessador da mercadoria do roubo. Essa perspectiva me parece provável, quando analisamos os plots twist no filme. A cada sequência temos um jogo, um blefe e uma reviravolta. Tudo parece sempre estar esquematizado, logo, ao invés de assaltantes éticos, temos bons jogadores. Tudo em mais um grande Filme de David Mamet.
A Vastidão da Noite
3.5 575 Assista AgoraA Vastidão da Noite (Prime, 2020) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
É sempre à noite. Ouvimos um barulho e vemos luzes estranhas. Nosso medo do desconhecido produz a realidade diante de nossos olhos. Nossa imaginação, alimentada por nossa cultura, grita significados aos sons e dá formas às imagens. Não temos certeza de nada, mas temos a curiosidade. Isso nos move a ir atrás das respostas. A vastidão da Noite trata sobre como as teorias da conspiração nos confortam diante do nosso medo e curiosidade do desconhecido.
A Vastidão da noite…
A trama se passa em uma cidade do interior, no início da década de 1950. É o ínicio da guerra fria e início dos avistamento de ovnis. Os protagonistas são dois adolescentes: Fay, interpretada por Sierra McCormick, e Everett, interpretado por Jake Horowitz. Fay trabalha na central telefônica da cidade, enquanto Everett é radialista. Ela é curiosa, ele tem ambição, e juntos vão em busca de respostas para uma estranha interferência nas ondas rádios.
O filme, dirigido por Andrew Patterson, começa com longos planos-sequência, logo no início. Eles nos “carregam” de um lado para outro no ginásio de esporte. Isso nos deixa incômodo, pois o movimento vai de um lado ao outro, sem parar, acompanhados de um falatório intenso dos personagens. Entendemos pouco nessas primeiras cenas, mas percebemos toda a cidade reunida para o jogo. Só não vai ao jogo quem não pode sair de casa ou precisa trabalhar, como Fay e Everett.
Nossos olhos descansam após serem carregados de um lado para outro, nos planos estáticos de Fay na central telefônica. Nesse momento, percebemos a solidão e isolamento dos protagonistas. Ela não consegue falar com várias pessoas no telefone, repete isso várias vezes. Quando escuta uma interferência na programação do rádio, liga para o amigo radialista. Ele coloca no ar o ruído e pergunta se alguém sabe a origem do som. É quando novamente somos “carregados”.
O filme tem esse ritmo na montagem, nos deixar descansar nos planos estáticos e nos carrega nos planos-sequência. Constrói uma atmosfera tensa e cada vez mais sombria. Fay e Everett estão sozinhos, pois todos estão no jogo. Eles percebem algo de errado, temem ser algo secreto do governo, então se jogam nas primeiras respostas dos estranhos. Tudo para tentar descobrir.
Rádio e o Cinema
O filme brinca com sua própria linguagem. Quando Fay pede a Everett para ajudá-la com o gravador ela não está só mostrando curiosidade, mas como a fala das pessoas, seus discursos, relatos e histórias são importantes. Da mesma forma, quando ela fala sobre as incríveis invenções do futuro, que para sua mãe são apenas histórias criadas para vender revistas. Implicitamente o narrador está dizendo não existir certeza da verdade, apenas uma história.
Concordando ou não, as histórias atraem milhares de pessoas não pela sua autenticidade, mas pela forma como são contadas. É o quanto isso lhes concede uma importância a uma vida sem importância, mas também como ela explica os problemas do mundo, como ela nos dá um inimigo contra o qual lutar. Não sabemos ao certo o quanto Everett acredita, mas sabemos que ele deseja crescer profissionalmente. O personagem então se divide entre quem deseja significar sua existência e os que aproveitam dessas anedotas de forma oportunista.
Nesse sentido, não nos resta escolha, apenas aceitar o discurso do filme. Podemos não gostar, mas devemos aceitá-lo como verdade na tela. O rádio deu voz às anedotas, as histórias com o rádio têm voz e identidade. Ele também fez companhia a muitas pessoas em sua solidão. Logo, nada mais é simbólico à teoria das conspirações que um radialista, não podemos ver nem sentir aquilo que eles nos dizem, apenas ouvimos.
Teorias da conspiração
Teorias da conspiração são baseadas coincidências e na desconfiança. Não há certeza, apenas indícios. Alguém viu algo estranho, uma fotografia não um muito clara ou um vídeo de procedência duvidosa. Isso é suficiente para despertar o interesse das pessoas. A mídia esperando o furo jornalístico ou a audiência alimenta essas histórias, muitas vezes baseada apenas no relato.
Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, algumas dessas histórias foram se desmanchando e substituídas por outras, mais complexas. Antes viam dragões no céu, agora veem discos. A forma como a mídia trata essas questões ajudou a disseminar esse sentimento de desconfiança, assim como a dificuldade da escola em educar as pessoas. Conforme os meios de comunicação avançam e se desenvolvem, muitas pessoas perderam a noção do real.
Nossa imaginação foi transformada e ganhou vida. O jornal noticiava esses relatos, mas era lido por poucos. Depois o rádio não só falava sobre esses acontecimentos, como também dava voz aos testemunhos. A TV mostrava o lugar, as pessoas, não tinham apenas voz, mas também rosto. O cinema tornou real nossas fantasias, inflando ainda mais a noção de irrealidade. As redes sociais deram voz às milhares de pessoas, que de suas casas podem divulgar milhares de teorias, sem fundamento algum.
Por último, impossível negar as influências no filme, mas talvez a mais adequada seja Arquivo-X. Era onde a teorias de conspiração necessitavam de crença, necessitavam ser buscadas lá fora. O filme, assim como série, exploram o limiar dessas teorias, exploram o desconhecido e ficam em situação de estímulo desconfiança.
Cinturão Vermelho
2.7 87 Assista AgoraCinturão Vermelho (David Mamet, 2008) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Com Alice Braga e Rodrigo Santoro, Cinturão Vermelho é um conto moral envolvendo Jiu-jitsu e as artes marciais.
Mike Terry, interpretado por Chiwetel Ejiofor, acredita na pureza das artes marciais. Para ele, o Jiu-Jitsu não é apenas uma técnica de auto defesa, mas uma espécie de “espiritualidade”. Participar de uma competição seria uma mácula em sua fé, um sacrilégio para seu credo. Ele não está interessado na publicidade, mas em fazer algo bom, em ajudar as pessoas a serem mais fortes. Ele sabe muito bem o significado do Cinturão Vermelho e não é apenas um adorno.
Laura Black, interpretada por Emilly Mortimer, é uma pessoa a qual ele acredita poder ajudar. A personagem representa o sentido espiritual da arte marcial. A advogada é quem impulsiona a mudança na trama. Ela cuida dos problemas jurídicos de Mike, mas também o lembra dos motivos para lutar. Diferente da esposa interpretada por Alice Braga e do cunhado, interpretado por Rodrigo Santoro. Os dois sempre tentam o dissuadir de seus sonhos e ganhar dinheiro.
O português é a segunda língua no filme, mas a participação dos brasileiros é meramente figurativa. Serve para relacionar tacitamente o Jiu-jitsu com o Brasil, mas apenas isso. Importante dizer, isso pode desagradar os praticantes da arte marcial, como também os fãs dos atores.
De todos os motivos do mundo, apenas um convence Terry a competir. Ele não consegue viver apenas das aulas de sua academia e a situação o pressiona. Como um Samurai, ele tenta manter o espírito puro diante da corrupção do mundo, o problema é não existir limites para essa corrupção. Ele está disposto a ter uma mácula em sua história, mas não em ir ao fundo do poço. Quando ele explode no desfecho final é por não aceitar isso. Ele pode ser roubado, competir, mas não participar de uma mentira que destrói sua crença e honra.
O filme não aborda positivamente as competições. Os torneios são visto como um lugar onde o espírito do “guerreiro” é corrompido pela fama e dinheiro. Em compensação as cenas de lutas são bem filmadas e isso é possível devido ao conhecimento do diretor do Jiu Jitsu. David Mamet é praticante a anos da arte japonesa popularizada pelos brasileiros no campeonatos de MMA (sigla em inglês para Artes Marciais Mistas).
Cenas de Luta
Assistir uma luta de jiu-jitsu não é algo bonito. A maior parte da luta é no chão e os lutadores sempre ficam agarrados, rolando de um lado para outro. É uma arte de contato, que utiliza a técnica para subjugar os adversário. É eficiente, mas não constrói imagens bonitas. Isso talvez explique o motivo de não termos muitos filmes sobre o jiu jitsu, como temos sobre o Karatê e Kung-fu. Essas artes possuem uma teatralidade muito maior. Podemos coreógrafa-las como coreografados passos de dança. Agora, como fazer isso com uma luta no chão?
David Mamet parece mostrar o caminho. As lutas durante o filme são incrivelmente tensas, não criam uma coreografia, mas conseguem despertar o interesse. Na primeira parte, durante o treino na academia temos o close no rosto do policial. É a tensão no olhar dele, a sensação de estar sendo sufocado que nos prende a atenção. Na luta no bar e na competição os planos novamente estão próximos, pois além do olhar, querem mostrar o agarre a imobilização.
Em filmes de artes marciais, os planos mais próximos servem para ocultar a falta de coreografia. Afinal, uma luta com um ponto de vista distante obriga todos a coreografar os golpes. Com planos próximos você oculta essa dificuldade. A luta, que poderia ser como uma dança, acaba sendo produto de um artifício de câmera. Isso é diferente em cinturão vermelho, os planos distantes deixariam o ator distante do espectador. Não existindo coreografia para mostrar, não precisamos afastar a câmera. Mamet aproxima o espectador da ação e consegue mostrar então todo o desempenho do jiu-jitsu.
Ao fim, entendo as críticas sobre pontos não explicados no roteiro, mas isso não importa muito quando vemos o desfecho final. Mamet cria um conto moral, no qual Terry coloca à prova sua técnica e seus valores. Quando o velho mestre o reverencia é justamente por reconhecer nele, o representante do princípios do Jiu-jitsu. Mamet consegue produzir um filme, no qual as cenas de ação e conflitos narrativos caminham para um só lugar.
As Coisas Mudam
3.6 8As Coisas Mudam (David Mamet, 1988) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Para o diretor e roteirista David Mamet, o cineasta deve buscar ordem, não o caos. Segundo ele, devemos começar com um evento perturbador e seguir em direção a restauração da ordem. Em As Coisas Mudam vemos uma exemplificação desta teoria. A trama começa com o sapateiro Gino, interpretado por Don Ameche, recebendo uma proposta de mafiosos. Segundo eles, Gino confessaria um crime e em troca receberia dinheiro para realizar seu sonho: comprar um barco de pesca na Sicília.
A vida pacata do sapateiro pode mudar ao aceitar a proposta da máfia, mas para isso ele precisa passar um fim de semana em observação, antes de assumir o crime. Jerry, interpretado por Joe Mantegna, um mafioso que está tentando provar seu valor é responsável por cuidar de Gino. O problema é ele não estar disposto a ficar um fim de semana preso em um quarto de hotel. É então, quando tudo começa a complicar, Jerry e Mantenga resolvem ir à Las Vegas aproveitar o fim de semana, antes da prisão.
Diferente de Jerry, Gino quase não fala e suas intenções são demonstradas por meio do olhar e gesto. O duo de atores conseguem criar um antagonismo interessante na forma de representação. Jerry quer conquistar o respeito de seus pares, mas também deseja se dar bem. Ele precisa da prova por não ter “conseguido” seguir às ordens antes. O silêncio do sapateiro é quebrado sempre com o falatório de Jerry. Alguém autoconfiante e cheio de malícia. Bem diferente de Gino, um humilde sapateiro, confiante no cumprimento do acordo com a máfia para realizar seu sonho.
Um dos grandes méritos de Mamet, em todos os seus filmes é conseguir coesão em roteiro e nunca deixar um personagem sem função. Em As Coisas Mudam, ele choca as intenções de Jerry e Dino. Tudo exposto em cena tem uma função, mesmo sendo apenas uma moeda. Os planos sequências são quase inexistentes, mas os quadros nunca são formados sem uma ligação com a cena a seguir.
Ao fim, As Coisas Mudam é um bom filme que demonstra domínio do diretor na produção da arte cinematográfica.
Sérgio
3.2 222Sérgio - Crítica - netflix
O diplomata Sérgio Vieira de Mello (1948-2003) era cotado como sucessor natural de Kofi Annan para a Secretaria-Geral das Nações Unidas. Sérgio, como era chamado por todos, inclusive pelo presidente Bush, nasceu no Rio de Janeiro, mas foi estudar em Paris, na Sorbonne. De lá saiu doutor em Filosofia, letras e ciências humanas. Entrou para ONU aos 21 anos e construiu toda a sua carreira no órgão, chegando ao cargo de alto-comissário para os Direitos Humanos. Foi morto em 2003, em um atentado a bomba no Iraque, reivindicado pela Al-Qaeda.
Greg Barker é o diretor do longa-metragem e quem também produziu um documentário sobre o diplomata. Barker é um documentarista com uma vasta experiência, produziu documentários sobre terrorismo, conflitos no afeganistão, sobre política internacional do governo Obama. Sérgio é sua estreia na ficção
A trajetória
O filme busca mostrar o quão importante foi o diplomata Sérgio Vieira de Mello morto por defender seus ideais, mas desconhecido pelo público em geral, inclusive do brasileiro. Esse desconhecimento, talvez, explique a forma narrativa da obra ser baseada em flashbacks. O diplomata trabalhou em diferentes programas da organização em Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique e Peru. No Timor leste foi responsável pelo governo de transição. Logo, fica difícil contar a história do personagem de maneira linear e também escolher em qual momento dar mais ênfase.
A forma escolhida foi justamente começar por onde ela acaba, o atentado de 2003 e o discurso institucional para a ONU. Com essa imagem cria-se um impacto no espectador, desperta a curiosidade para saber como ele foi parar debaixo dos escombros, ao mesmo tempo cria simpatia pelo personagem. Essa intenção inicial parece contradizer o restante da obra, primeiro em mostrar o porte atlético e ressaltar as qualidades físicas do personagem. O encontro com o guerrilheiro no meio da mata é um exemplo disso. Afinal, um diplomata ou um agente secreto?
Mesmo com o grande desempenho de Wagner Moura, de toda a simpatia que sentimos pelo ator, falta diálogo, não apenas falas, mas discurso e embates de ideias. A simples presença de Sérgio em cada lugar e as poucas palavras parecem resolver tudo, não existe um conflito do personagem, nem uma jornada. O diplomata passa de um país para o outro e resolve tudo de maneira simples.
Sérgio
Essa forma apressada de exibir os feitos do diplomata tentam passar uma síntese da sua trajetória, nas missões mais importantes de sua carreira. É uma história sobre como Sérgio quase chegou a ser secretário geral da ONU. Sobre como ele desempenhava um importante papel ao exercer a diplomacia nos conflitos de diversos países. Tenta mostrar a importância da paz e da conciliação. É uma obra sobre os valores quais a ONU diz representar e sobre o papel que ela diz exercer.
Tudo é mostrado em um tom melancólico, mas meio fora de eixo. Sabemos do destino do personagem, então fica excessivo as cenas debaixo dos escombros, queremos vê-lo em ação. Melhor que a citação da participação nas manifestações de maio de 68, teria sido melhor mostrá-lo, assim como sua relação com os líder guerrilheiro. Ao contrário disso, o filme foca no relacionamento dele com Carolina Larriera, interpretada por Ana de Armas.
Ao fim, temos um grande desempenho dos atores, uma história interessante e uma oportunidade desperdiçada.
Você Nem Imagina
3.4 517 Assista AgoraVocê Nem Imagina da Netflix é um filme que me lembrou Dentro de Casa de François Ozon. O filme conta a história de uma estudante de origem chinesa. Ela fatura uma grana escrevendo redações para o restante da turma. Um dia, um aluno lhe pede para escrever uma carta de amor para uma menina. O filme tem certa sutileza, mas se perde quando necessita ser explicito sobre os desejos de cada personagem. Existe um tom bobo, mas isso não torna a obra ruim, nem a desmerece. O grande problema do filme, na minha opinião, é não explorar as contradições. A religião, por exemplo, mas também a descoberta da sexualidade. Tudo fica meio perdido. O filme é bonitinho, mas apenas isso não basta para se sustentar. Caso queiram ver uma grande obra, assistam Dentro de Casa ou Me chame pelo seu nome. Tratam de temas parecidos, mas de forma muito mais interessante.
O Jogo de Emoções
3.9 20 Assista AgoraO Jogo de Emoções (David Mamet,1987) – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Jogo das emoções é o primeiro filme de David Mamet. Após escrever roteiros para Sidney Lumet e Brian de Palma, o roteirista e dramaturgo assume a produção de seu próprio filme. A obra conta a história de uma psicóloga envolvida com um grupo de trapaceiros. Uma trama envolvente sobre o jogo de confiança. Mamet assina a direção e o roteiro.
A psicóloga Margaret Ford, interpretada por Lindsay Crouse está no auge de sua carreira. O livro, que acaba de lançar, é um bestseller e seu consultório está cheio de pacientes. A cena inicial, quando uma leitora a aborda na rua para pedir um autógrafo, enfatiza o auge do sucesso. Para Ford, não existe tempo para relaxar, ela vive em função do trabalho. Tudo muda quando aceita ajudar um paciente com tendências suicidas. A psicóloga acaba se envolvendo em um jogo de trapaças, no qual perde o controle e a autoconfiança.
A acensão e a queda de Margaret Ford é o centro da trama no filme. Quando ela encontra o trapaceiro Mike, interpretado por Joe Mantegna, a personagem senti uma excessiva autoconfiança. O sucesso lhe provocou um sentimento de grandeza. Ela acredita estar imune ao perigo. Afinal, qual motivo de ir até uma casa de jogos defender seu paciente? O excesso de autoconfiança e a necessidade de relaxar, encoraja Ford a se envolver com Mike.
Mike apresenta o mundo dos trapaceiros para Ford, mostra como consegue trapacear utilizando a confiança das pessoas. Ela é seduzida pelo perigo e pelo descobrimento de um mundo novo. Vê nesses momentos um desligamento de sua vida de famosa escritora e psicóloga. Um desligamento que a amiga havia recomendado, ao mesmo tempo que sente seu poder aumentar ao mergulhar no mundo do crime. É quando começa o jogo das emoções, onde se inverte as regras e as apostas.
Aqui encontramos um princípio qual Mamet leva muito a sério, o princípio da inevitabilidade. A situação precisa ser inevitável para convencer o espectador. Não podemos confundir a construção impecável do roteiro, sem pontas soltas com previsibilidade, afinal as reviravoltas e os plots não são previsíveis.
Uma coisa que marca o centro da trama é como as intenções de Ford e de Mike são casadas. Ele queria trapacear e conseguir uma grana fácil. Ela queria se desligar do mundo e participar de uma nova aventura. A união dos dois ocorre na satisfação de seus desejos. Eles mostram isso em cada cena. Quando ela aceita ajudá-lo no jogo ou quando ele a convida para participar de seus “golpes”.
A grande confusão e revolta de Margarete Ford é não ter notado que o golpe é aplicado no bom senso das pessoas e isso também a incluía. Ela acreditava estar imune aos jogos emocionais, mas não percebeu as cartas marcadas. Isso é algo imperdoável para ela. É o motivo da transformação dos sentimentos de orgulho e confiança em ressentimento e culpa.
Porco Rosso: O Último Herói Romântico
3.9 285 Assista AgoraPorco Rosso: O Último Herói Romântico – Crítica – Clube de Cinema Outubro
Não espere grandes explicações sobre o motivo de Marco Porcellino, mais conhecido por Porco Rosso, ter sido amaldiçoado. Tudo que sabemos no filme é que isso ocorreu após ele lutar na primeira Grande Guerra. O filme conta a sua história, não a história de sua maldição. Um aviador que desistiu do exército para viver como caçador de recompensa. A bordo do hidroavião vermelho, Marco enfrenta piratas que aterrorizam o Mar Adriático.
Marco não é um caçador de recompensa pela fama ou pelo dinheiro, mas pela liberdade. Essa é a vida que lhe permite voar. Ele não deseja mais servir a nenhuma causa, nem quer viver próximo a nada que lembre seu passado. O filme é ambientado na década de 30, o mundo está em crise, os fascistas ganharam o poder na itália. As pessoas passam por uma situação de vida difícil e os pilotos livres tem a liberdade de voar ameaçada pelas novas autoridades.
Novamente, vemos um mundo em choque. Como em Princesa Mononoke, uma época está no fim e outra está nascendo. Essa mudança nunca é pacífica. A nova sociedade tende a ser mais sombria e fria. Por isso, é emblemático no filme, os fascistas estarem atrás dos piratas e pilotos livres. O novo governo quer acabar com todas as liberdades, inclusive com a de voar. Marco sabe que os fascistas representam uma nova guerra, um passado a qual ele não quer reviver. Prefere morrer, continuar sendo um porco, a servir o exército de Mussolini.
Porco Melancólico
Existe um sentimento de desalento presente na face do personagem principal durante todo o filme. Não sabemos ao certo o motivo da maldição, mas sabemos que ele não está preocupado com isso. Porco Rosso não quer quebrar o feitiço, ele deseja viver, deseja continuar voando pelos céus, sem ser importunado por ninguém. Não há esperança na humanidade, nem na vida perto dela, o céus são o único lugar que ele consegue se sentir bem.
Gina, cantora e proprietária do Hotel Adriano e Fi são as duas personagens que provocam mudanças em seu modo de ver o mundo. Ele sempre fica vermelho quando pensa em uma vida ao lado de Gina, pois não acredita na capacidade de alguém amá-lo ou ter uma nova vida. Já Fi, mesmo achando ela bonita, mesmo não gostando dela no ínicio é quem o arrasta para todos os problemas, mas também o ajuda a resolvê-los.
Uma característica nos filmes do Studio Ghibli é mostrar personagens femininas fortes. Gina, por exemplo, tem uma vida de rainha entre os piratas, poderia escolher quem ela quisesse, teve seus três maridos mortos em acidentes ou combate de avião. Ela teria diversos motivos para não querer um novo romance com Porco Rosso, mas é quem seu coração escolheu. O amor por ele vem da época de infância, quando era apenas um menino sonhador.
Um filme Noir
Fi explora as contradições do tipo de personagem machista nos filme noir. Porco vê as mulheres como frágeis. Para ele, elas têm como arma a sedução e a malícia, não a inteligência ou a força. Fi prova o contrário, quando conserta o hidroavião, quando tenta resolver sua questão de honra e desafia todos os piratas. São sutis essas provocações, mas nem por isso menos importantes.
Apesar do Porco carregar o tipo de personagem noir, o cara durão e solitário, o filme trabalha com tons diferentes. Ao contrário do mundo sujo e escuro do noir, temos o mar, as ilhas desertas e um ambiente quente e colorido. Isso aproxima a obra da fábula, da magia, sem tirar a força e a seriedade da guerra e da violência. Apesar de ser um longa, a obra tem uma estrutura de crônica, como se várias histórias fossem coladas. O incrível é a força e a emoção provocados por essas histórias unidas.
Ao fim, Hayao Miyazaki e Shinichi Matsumi querem deixar o espectador imaginar. Para os dois diretores o mais interessante aqui não é responder tudo, mas despertar questionamentos e reflexões. Não devemos ver o filme na espera de soluções fáceis, mas na busca por uma aventura. Afinal, porcos precisam voar…
Texto publicado na Folha Norte SC
Princesa Mononoke
4.4 944 Assista AgoraPrincesa Mononoke – crítica – Clube de Cinema Outubro
A relação do ser humano com a natureza nunca foi pacífica. Sempre tivemos que lutar para sobreviver. Quanto mais batalhas eram vencidas, mais a luta por sobrevivência se transformava em uma luta por poder. Nosso domínio e força extinguiu espécies, devastou florestas e poluiu rios. A natureza perdeu, conseguimos dominar e manipular quase todos os seus recursos, mas nós também perdemos. O mundo retratado em Princesa Mononoke tenta mostrar exatamente isso, as vitórias do homem sobre a natureza. A destruição de um velho mundo e o nascimento de um novo.
O choque
O filme começa com a tribo Aino sendo atacada por um demônio-deus da floresta. O príncipe Ashitaka mata o demônio, mas é vítima de uma maldição. Ele então é expulso da tribo e vai rumo ao sul para descobrir uma cura. Em sua viagem, Ashitaka chega em Tataraba, uma vila que sobrevive da extração do ferro desmatando a Floresta dos Antigos Deuses-Animais. Ele encontra então um novo mundo em choque com o antigo.
Diferente da maioria dos heróis, Ashitaka não nega seu destino, nem busca um mestre ou precisa ser convencido a fazer o certo. Os anciões o expulsam, ele aceita e vai em busca de uma cura, sem questionar. Quando descobre que sua maldição é motivada pela guerra entre humanos e Deuses, ele decide intervir. Diferente dos outros personagens, o Príncipe deseja parar a destruição. Ele quer encontrar uma forma de conciliar os interesses dos homens com a natureza.
Interesses que entram em colisão com San, a Princesa Mononoke, órfã criada por lobos-deuses e Eboshi, a líder da vila que constrói armas com o ferro extraído. Mononoke representa aqueles que veem a espécie humana como a origem da destruição do meio ambiente. Para princesa, a solução é o extermínio de todos os seres humanos. Eboshi, vê na capacidade de suas armas matarem deuses-animais a vitória da evolução humana. A líder da vila pretende conquistar todo o poder sobre homens e deuses.
É interessante notar, os animais-deuses eram invencíveis até Eboshi desenvolver as armas. A arma, no filme é o símbolo da destruição da magia e do conhecimento antigo. Quando os seres humanos matam os deuses, eles o transforma em demônio que deseja apenas a destruição. De certa forma, o filme mostra o caos de um mundo que não só perde seus deuses, mas seu espírito.
Metáfora
Ao fim, Princesa Mononoke cria metáforas para falar da relação da humanidade com a natureza. Tudo de um ponto de vista trágico. Vemos o progresso da humanidade, vemos ela se distanciando de uma relação harmoniosa com a natureza e o perigo da destruição. Moralmente, o filme possui um sentido de alerta, mas em nenhum momento isso atrapalha o desenvolvimento dramático da obra. Ashitaka deseja a conciliação, mas ele sabe que o mundo não voltará a ser o que foi, talvez por isso aceite seu destino.
Hideo Miyazaki, fundador do Studio Ghibli e diretor do filme, criou uma obra maravilhosa com um sentido político trágico, mas também com esperança. O filme mostra personagens imperfeitos, com desejos conflituosos, mas também mostra capacidade de crescimento e compreensão. Como Ashitaka, Miyazaki parece acreditar na esperança da humanidade…
Texto publicado na Folha Norte SC
O Poço
3.7 2,1K Assista AgoraO Poço — Crítica — (Netflix, 2020) – Clube de Cinema Outubro
O Poço trata sobre um sistema prisional vertical, os presos são designados para um determinado nível e forçados a racionar alimentos a partir de uma plataforma que se move entre os andares. Em teoria, caso todos colaborem e comam somente o necessário, não faltaria comida. Não existem carcereiros e cada detento mantêm contato direto apenas com o colega de cela.
A ideia do Poço é forçar a solidariedade e a empatia dos prisioneiros, em um sistema que obrigue todos a colaborar para sobreviver. O problema é o experimento não pensar que as condições moldam a consciência. Quando as pessoas estão em cima e recebem os alimentos primeiro, não pensam em quem está embaixo e vice e versa. O filme aponta para duas alternativas, sem afirmar nenhuma: ou as pessoas nascem boas e o meio as corrompe ou nascem corrompidas e se aproveitam do status social.
Os andares
Para o filme, o andar de cada prisioneiro é mais que um status social, é um forma de isolamento político. Na visão dos autores não existe saída, a barbárie vivida pela população não a empurra à organização ou à revolta, mas ao egoísmo. Quando Trimagasi, Zorion Eguileo, diz para Goreng, Ivan Massagué, não falar com os de cima, nem com os debaixo, pois ambos não irão ouvir, ele está dizendo que não importa em que lugar da pirâmide nos encontramos, pensamos apenas em nós mesmos.
O roteiro apresenta a desigualdade e a miséria como responsabilidade de todos, assim como a violência. Independente do andar qual nascemos, devemos lutar contra o gene egoísta que nos torna indiferentes e sermos responsáveis. A administração poderia ser uma metáfora do Estado, mas está mais próxima de Deus, pois é quem escolhe, sem mostrar a face, onde cada um vai “nascer” e sem explicar o motivo de seus desígnios.
Sem saída
A ausência da perspectiva política é mostrada quando o filme critica o “capitalismo”, mostrando os de cima como consumidores desenfreados, mas critica o “socialismo” caindo no velho clichê de ser impossível a redistribuição devido ao egoísmo das pessoas. A piada sobre Goreng ser comunista não é casual.
Se deus decide nosso lugar na pirâmide do poço não temos como explicar nossa mobilidade social, a não ser pela vontade divina. Não tendo perspectiva política, o filme apela para o divino. A descida ao fundo e o envio da mensagem podem também ser vistas como mensagens políticas, mas não são reações coletivas, nem de revolta, são apelos religiosos para um problema político.
Ao fim, temos uma boa produção de entretenimento. Algo que vale a cerca de uma hora e meia, mas que muito provavelmente será esquecida logo após ser vista.
Texto pública na Folha Norte de SC
The Children of the Dead
2.8 2Um filme tão ruim, tão ruim que fico bom, muito bom.