Na primeira vez que assisti já havia gostado muito, mesmo não sendo do estilo de filme que mais me agradava na época. Depois de alguns anos resolvi rever e o que tenho a dizer é: que experiência! São tantos os aspectos fascinantes do filme que fica até difícil colocar em palavras, mas tentarei. O filme é belíssimo do início ao fim (tanto em seu aspecto visual quanto em seu significado): a fotografia é linda (com destaque especial para as cenas em que o personagem principal do filme dirige pela noite com o rosto iluminado pelas luzes da cidade) e a trilha sonora icônica, proporcionando um sentimento de imersão muito grande ao espectador.
A trama é relativamente simples, mas o desenrolar dos acontecimentos é muito bem construído; é fácil identificar duas metades distintas do filme: a primeira, mais parada, poética, e caracterizada por acontecimentos mais simples e mundanos, em que somos introduzidos aos personagens da história; a segunda, mais agitada e frenética, marcada pela ação, onde somos introduzidos ao plot principal. Apesar de distintas, as duas metades se encaixam perfeitamente: a sequência de eventos é elaborada de maneira que o filme vá “crescendo” com o passar do tempo, se transformando num verdadeiro thriller. Pretendo me debruçar mais demoradamente sobre a primeira metade, por, particularmente, achar ela mais significativa e também porque é possível fazê-lo sem fornecer muitos spoilers sobre o enredo.
Já na cena inicial, antes dos créditos, somos apresentados ao personagem principal (interpretado magistralmente por Ryan Gosling), o “driver”, que trabalha como motorista de fuga para criminosos. O ato de dirigir define o personagem (como já se depreende do título do filme), cujo nome não é revelado em momento algum. Ele é simplesmente o “motorista”, uma figura quieta, de certa forma sombria, mas também fascinante. O silêncio do personagem e suas respostas curtas são extremamente significativos, revelam muito sobre uma pessoa que à primeira vista parece desprovida de personalidade. Sua quietude e inaptidão social chegam até mesmo a ser irritantes em alguns momentos: o embaraço das situações é transmitido ao espectador, que sente na pele o incômodo experimentado nas cenas. Ele conduz sua vida sob certa monotonia pessoal (o que contrasta com o ritmo frenético de suas atividades com o volante, tanto na vida criminosa noturna quanto no seu trabalho como dublê em cenas de perseguição de filmes de ação), com grande distanciamento do mundo que o permeia, nunca realmente se envolvendo com os acontecimentos (assim como nunca se envolve com os delitos cometidos pelos criminosos para quem dirige). A atividade de conduzir veículos (que apesar de agitada é desempenhada com a mesma calma e sobriedade habituais do personagem) é, aparentemente, a única coisa que o prende à realidade, e sua única relação social efetiva se dá mediante a convivência com Shannon (Bryan Cranston), seu chefe na oficina em que trabalha. Há, assim, uma clara dicotomia entre a profissão ativa e a personalidade passiva do personagem, que é explorada por diversos momentos durante o filme.
Sua vida, contudo, é alterada quando conhece a personagem Irene (Carey Mulligan) e seu filho Benicio, seus vizinhos. A partir deste momento, sua vida, que até então se resumia à direção, ganha um novo significado. A felicidade até então não vista do personagem (ainda que tímida), despertada no convívio com seus vizinhos, é tocante: o personagem segue quieto e sóbrio, revelando muito pouco sobre si, mas claramente descobre um novo fascínio em sua existência. Passa, então, a se envolver cada vez mais com a vizinha e seu filho, desempenhando, simultaneamente, o papel de companheiro de Irene (cujo marido está preso) e papel paternal com Benicio. Tal envolvimento proporciona algumas cenas belíssimas e comoventes (novamente a trilha sonora e a fotografia desempenham papel fundamental).
As coisas começam a se complicar quando Gabriel Standard (Oscar Isaac), marido de Irene, sai da cadeia. Frente a esse empecilho, que dificulta e limita a participação do motorista na família, somos apresentados a uma nova face deste: ele apresenta uma espécie de tristeza e desilusão com a situação vivida (diferentemente da indiferença do personagem no início do filme). É neste momento do filme que a trama de eventos principais efetivamente começa a aparecer, com crescente envolvimento do personagem principal nos acontecimentos, assumindo caráter ativo, em oposição ao distanciamento e à falta de envolvimento marcantes de sua figura no início do filme.
De tal forma, o personagem vai além de seu papel de simples “motorista”, realizando inúmeros esforços para salvar a família de Irene (e posteriormente a si mesmo) da ameaça de criminosos e mafiosos.
Ao final do filme, contudo, após restar exitoso seu empenho em salvar seus vizinhos e a si mesmo, após derrotar, de forma trágica, àqueles que o ameaçaram e em virtude da violência das atitudes que cometeu, o personagem retorna ao papel incialmente exercido no filme: reassume a figura solitária e distante do “driver”, voltando à vida de direção e se afastando de Irene e de seu filho. O filme termina como começou: com o personagem principal dirigindo pelas ruas de Los Angeles durante a noite. A música de encerramento e seu refrão também são bastante significativos: “a real human being and a real hero’’; o motorista foi o herói da história, salvando aqueles por quem prezava, mas foi, essencialmente, humano, passando por angústias, sofrimentos, tristezas, medos e alegrias, emoções inerentes à toda vida humana e sua complexidade.
Poderia escrever muito mais sobre esse filme maravilhoso, que já nasce sendo um clássico moderno, mas acredito que já me alonguei suficientemente. Destaco mais uma vez, apenas, a atuação antológica de Ryan Gosling, que infelizmente foi esnobado pelas premiações de maior destaque. Filme magnífico, daqueles para rever inúmeras vezes e se fascinar por sua simplicidade grandiosa e cheia de significado.
O Poderoso Chefão II por si só já é um filme incrível. Mas, quando comparado com seu antecessor, sua riqueza se torna ainda mais abundante. O filme foca na trajetória de Michael Corleone como chefe da Família Corleone; porém, mais do que isso, o Poderoso Chefão II, em sua essência, se destaca por opor os personagens de Al Pacino e Marlon Brando, estabelecendo diversos paralelos entre suas diferentes formas de administração da Família e seus impactos na vida familiar dos Corleone. Enquanto em Godfather observamos um Vito Corleone já experiente e consolidado como um dos principais líderes do submundo nova-iorquino e a ascensão de um jovem Michael Corleone, em Godfather II temos a ascensão de Vito Corleone e o retrato de um experiente Michael Corleone.
Ambos os filmes começam retratando festividades da família mafiosa: no primeiro temos o casamento de Constanza Corleone, filha de Vito e irmã de Michael; no segundo, a primeira comunhão de Anthony Corleone, filho de Michael. O contraste entre as duas festas é notável: enquanto na primeira temos uma festa tipicamente italiana e essencialmente tradicional, a segunda tem um ar “americanizado”, com poucos resquícios do tradicionalismo que é tão intrínseco à “Cosa Nostra”. Tal contraste fica bastante evidente na cena em que o personagem Frank Pentangeli destaca a ausência de músicos italianos na banda presente na festividade, cobrando que toquem músicas tradicionais italianas como a “tarentella”. Este contraste entre Itália e EUA é bastante recorrente no filme, tendo como principal símbolo a mudança de sede da Família Corleone (já ocorrida no primeiro filme) de Nova York, coração da Cosa Nostra americana, para Las Vegas, cidade essencialmente estadunidense. À medida que a trama do filme se desenrola, a perda do tradicionalismo e das raízes italianas por parte da máfia e sua crescente “americanização” se torna cada vez mais evidente. O já referido personagem de Frank Petrangeli é evidenciado como um dos poucos remanescentes da “era de ouro” da máfia, que, com o passar dos anos, perdeu boa parte de sua identicidade. A própria figura de Michael Corleone é um elemento simbólico desta contraposição: Michael é o único dos filhos de Vito com nome americano (todos seus irmãos possuem nomes italianos: Santino, Constanza e Fredo) e o mais desapegado às tradições familiares (conforme abordado no primeiro filme), tendo, inclusive, lutado na 2ª Guerra Mundial e sido considerado herói de guerra. Vito, por sua vez, nasceu no interior da Sicília e se criou em um bairro ítalo-americano. A referida diferença entre as culturas italiana e americana, na realidade, trata-se essencialmente de uma diferença o “tradicional”, representado por Vito, e o “novo”, representado por Michael.
O Poderoso Chefão apresenta como tema recorrente a “família”. Para o personagem de Marlon Brando, nada é mais importante que a família, e sempre deve-se zelar por ela. O Poderoso Chefão II, contudo, retrata o desfazimento da família Corleone, ainda que esta, enquanto instituição criminosa, se encontre no auge de seu poderio. Apesar de Michael ser um líder mais astuto e ambicioso do que Vito
(o que é evidenciado pelo planejamento de assassinato dos líderes das 4 outras famílias de Nova York e a transição NY-Nevada, ambos eventos ocorridos ao final do primeiro filme),
falta a este a “humanidade” de seu pai, seu zelo pela família. Michael, que em Godfather é apresentado inicialmente como o jovem filho de mafioso que não deseja seguir a vida criminosa de seu pai, vai, ao longo dos dois filmes, se tornando cada vez mais “desumano” e dessensibilizado, priorizando seus interesses econômicos e políticos sobre os interesses familiares. Enquanto Vito buscou o fim dos conflitos com a família Tattaglia em O Poderoso Chefão, priorizando o bem-estar de sua família à busca por poder e, deixando de lado sua sede de vingança (ao menos no momento), a ambição de Michael é insaciável, o que tem efeitos nocivos à sua família. O Poderoso Cheffão II, assim, trata, sobretudo, do desfazimento das relações familiares de Michael, resultado direto de seu modo de administração dos negócios criminosos.
A já desgastada relação com sua esposa Kay, que sempre se opôs ao viés criminoso da Família Corleone, atinge seu ápice, culminando no
divórcio de ambos, num aborto realizado deliberadamente por esta e em sua agressão por parte de Michael
(algo inconcebível para o personagem em momentos anteriores). À medida que a dominação do submundo criminoso por parte dos Corleone se consolida, a família em si vai ruindo. Este dilema é fruto de aflição ao próprio Michael, que, em determinado momento do filme, indaga sua mãe sobre o impasse de, ao ser “forte para a família”, acabar por perdê-la. Entretanto, com o desenrolar dos atos, o personagem de Al Pacino, em sua sede pelo poder, acaba por se dessensibilizar completamente com o bem-estar de sua família,
Don Corleone triunfa sobre seus adversários, se consolidando definitivamente como líder do submundo criminoso: Michael leva sua vingança até o fim, eliminando todos aqueles que lhe fizeram mal ou tentaram derrubá-lo. Contudo, a vitória é amarga.
O filme termina de forma brilhante, com Michael relembrando uma ocasião em que desagradou sua família ao contar de seu alistamento na 2ª Guerra: como naquele período, Michael fez prevalecer seu ímpeto e sua vontade, mas, ao fazê-lo, se encontra sozinho e sem o apoio daqueles por quem preza.
Por todos esses motivos e muitos outros que não abordei, O Poderoso Chefão II é uma sequência extremamente digna e quase tão bom filme quanto seu predecessor, sendo quase essencial que sua análise e se dê forma conjunta com o antecessor. Enfim, outra obra-prima de Francis Ford Coppola.
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3.9 3,5K Assista AgoraMaravilhoso.
Na primeira vez que assisti já havia gostado muito, mesmo não sendo do estilo de filme que mais me agradava na época. Depois de alguns anos resolvi rever e o que tenho a dizer é: que experiência! São tantos os aspectos fascinantes do filme que fica até difícil colocar em palavras, mas tentarei. O filme é belíssimo do início ao fim (tanto em seu aspecto visual quanto em seu significado): a fotografia é linda (com destaque especial para as cenas em que o personagem principal do filme dirige pela noite com o rosto iluminado pelas luzes da cidade) e a trilha sonora icônica, proporcionando um sentimento de imersão muito grande ao espectador.
A trama é relativamente simples, mas o desenrolar dos acontecimentos é muito bem construído; é fácil identificar duas metades distintas do filme: a primeira, mais parada, poética, e caracterizada por acontecimentos mais simples e mundanos, em que somos introduzidos aos personagens da história; a segunda, mais agitada e frenética, marcada pela ação, onde somos introduzidos ao plot principal. Apesar de distintas, as duas metades se encaixam perfeitamente: a sequência de eventos é elaborada de maneira que o filme vá “crescendo” com o passar do tempo, se transformando num verdadeiro thriller. Pretendo me debruçar mais demoradamente sobre a primeira metade, por, particularmente, achar ela mais significativa e também porque é possível fazê-lo sem fornecer muitos spoilers sobre o enredo.
Já na cena inicial, antes dos créditos, somos apresentados ao personagem principal (interpretado magistralmente por Ryan Gosling), o “driver”, que trabalha como motorista de fuga para criminosos. O ato de dirigir define o personagem (como já se depreende do título do filme), cujo nome não é revelado em momento algum. Ele é simplesmente o “motorista”, uma figura quieta, de certa forma sombria, mas também fascinante. O silêncio do personagem e suas respostas curtas são extremamente significativos, revelam muito sobre uma pessoa que à primeira vista parece desprovida de personalidade. Sua quietude e inaptidão social chegam até mesmo a ser irritantes em alguns momentos: o embaraço das situações é transmitido ao espectador, que sente na pele o incômodo experimentado nas cenas. Ele conduz sua vida sob certa monotonia pessoal (o que contrasta com o ritmo frenético de suas atividades com o volante, tanto na vida criminosa noturna quanto no seu trabalho como dublê em cenas de perseguição de filmes de ação), com grande distanciamento do mundo que o permeia, nunca realmente se envolvendo com os acontecimentos (assim como nunca se envolve com os delitos cometidos pelos criminosos para quem dirige). A atividade de conduzir veículos (que apesar de agitada é desempenhada com a mesma calma e sobriedade habituais do personagem) é, aparentemente, a única coisa que o prende à realidade, e sua única relação social efetiva se dá mediante a convivência com Shannon (Bryan Cranston), seu chefe na oficina em que trabalha. Há, assim, uma clara dicotomia entre a profissão ativa e a personalidade passiva do personagem, que é explorada por diversos momentos durante o filme.
Sua vida, contudo, é alterada quando conhece a personagem Irene (Carey Mulligan) e seu filho Benicio, seus vizinhos. A partir deste momento, sua vida, que até então se resumia à direção, ganha um novo significado. A felicidade até então não vista do personagem (ainda que tímida), despertada no convívio com seus vizinhos, é tocante: o personagem segue quieto e sóbrio, revelando muito pouco sobre si, mas claramente descobre um novo fascínio em sua existência. Passa, então, a se envolver cada vez mais com a vizinha e seu filho, desempenhando, simultaneamente, o papel de companheiro de Irene (cujo marido está preso) e papel paternal com Benicio. Tal envolvimento proporciona algumas cenas belíssimas e comoventes (novamente a trilha sonora e a fotografia desempenham papel fundamental).
As coisas começam a se complicar quando Gabriel Standard (Oscar Isaac), marido de Irene, sai da cadeia. Frente a esse empecilho, que dificulta e limita a participação do motorista na família, somos apresentados a uma nova face deste: ele apresenta uma espécie de tristeza e desilusão com a situação vivida (diferentemente da indiferença do personagem no início do filme). É neste momento do filme que a trama de eventos principais efetivamente começa a aparecer, com crescente envolvimento do personagem principal nos acontecimentos, assumindo caráter ativo, em oposição ao distanciamento e à falta de envolvimento marcantes de sua figura no início do filme.
De tal forma, o personagem vai além de seu papel de simples “motorista”, realizando inúmeros esforços para salvar a família de Irene (e posteriormente a si mesmo) da ameaça de criminosos e mafiosos.
Ao final do filme, contudo, após restar exitoso seu empenho em salvar seus vizinhos e a si mesmo, após derrotar, de forma trágica, àqueles que o ameaçaram e em virtude da violência das atitudes que cometeu, o personagem retorna ao papel incialmente exercido no filme: reassume a figura solitária e distante do “driver”, voltando à vida de direção e se afastando de Irene e de seu filho. O filme termina como começou: com o personagem principal dirigindo pelas ruas de Los Angeles durante a noite. A música de encerramento e seu refrão também são bastante significativos: “a real human being and a real hero’’; o motorista foi o herói da história, salvando aqueles por quem prezava, mas foi, essencialmente, humano, passando por angústias, sofrimentos, tristezas, medos e alegrias, emoções inerentes à toda vida humana e sua complexidade.
Poderia escrever muito mais sobre esse filme maravilhoso, que já nasce sendo um clássico moderno, mas acredito que já me alonguei suficientemente. Destaco mais uma vez, apenas, a atuação antológica de Ryan Gosling, que infelizmente foi esnobado pelas premiações de maior destaque. Filme magnífico, daqueles para rever inúmeras vezes e se fascinar por sua simplicidade grandiosa e cheia de significado.
A Revolução Não Será Televisionada
4.2 97Qualquer semelhança com o atual momento político brasileiro não é mera coincidência.
O Poderoso Chefão: Parte II
4.6 1,2K Assista AgoraO Poderoso Chefão II por si só já é um filme incrível. Mas, quando comparado com seu antecessor, sua riqueza se torna ainda mais abundante. O filme foca na trajetória de Michael Corleone como chefe da Família Corleone; porém, mais do que isso, o Poderoso Chefão II, em sua essência, se destaca por opor os personagens de Al Pacino e Marlon Brando, estabelecendo diversos paralelos entre suas diferentes formas de administração da Família e seus impactos na vida familiar dos Corleone. Enquanto em Godfather observamos um Vito Corleone já experiente e consolidado como um dos principais líderes do submundo nova-iorquino e a ascensão de um jovem Michael Corleone, em Godfather II temos a ascensão de Vito Corleone e o retrato de um experiente Michael Corleone.
Ambos os filmes começam retratando festividades da família mafiosa: no primeiro temos o casamento de Constanza Corleone, filha de Vito e irmã de Michael; no segundo, a primeira comunhão de Anthony Corleone, filho de Michael. O contraste entre as duas festas é notável: enquanto na primeira temos uma festa tipicamente italiana e essencialmente tradicional, a segunda tem um ar “americanizado”, com poucos resquícios do tradicionalismo que é tão intrínseco à “Cosa Nostra”. Tal contraste fica bastante evidente na cena em que o personagem Frank Pentangeli destaca a ausência de músicos italianos na banda presente na festividade, cobrando que toquem músicas tradicionais italianas como a “tarentella”. Este contraste entre Itália e EUA é bastante recorrente no filme, tendo como principal símbolo a mudança de sede da Família Corleone (já ocorrida no primeiro filme) de Nova York, coração da Cosa Nostra americana, para Las Vegas, cidade essencialmente estadunidense. À medida que a trama do filme se desenrola, a perda do tradicionalismo e das raízes italianas por parte da máfia e sua crescente “americanização” se torna cada vez mais evidente. O já referido personagem de Frank Petrangeli é evidenciado como um dos poucos remanescentes da “era de ouro” da máfia, que, com o passar dos anos, perdeu boa parte de sua identicidade. A própria figura de Michael Corleone é um elemento simbólico desta contraposição: Michael é o único dos filhos de Vito com nome americano (todos seus irmãos possuem nomes italianos: Santino, Constanza e Fredo) e o mais desapegado às tradições familiares (conforme abordado no primeiro filme), tendo, inclusive, lutado na 2ª Guerra Mundial e sido considerado herói de guerra. Vito, por sua vez, nasceu no interior da Sicília e se criou em um bairro ítalo-americano. A referida diferença entre as culturas italiana e americana, na realidade, trata-se essencialmente de uma diferença o “tradicional”, representado por Vito, e o “novo”, representado por Michael.
O Poderoso Chefão apresenta como tema recorrente a “família”. Para o personagem de Marlon Brando, nada é mais importante que a família, e sempre deve-se zelar por ela. O Poderoso Chefão II, contudo, retrata o desfazimento da família Corleone, ainda que esta, enquanto instituição criminosa, se encontre no auge de seu poderio. Apesar de Michael ser um líder mais astuto e ambicioso do que Vito
(o que é evidenciado pelo planejamento de assassinato dos líderes das 4 outras famílias de Nova York e a transição NY-Nevada, ambos eventos ocorridos ao final do primeiro filme),
A já desgastada relação com sua esposa Kay, que sempre se opôs ao viés criminoso da Família Corleone, atinge seu ápice, culminando no
divórcio de ambos, num aborto realizado deliberadamente por esta e em sua agressão por parte de Michael
chegando a ordenar a morte de seu irmão Fredo, em virtude deste ter conspirado contra si
No fim,
Don Corleone triunfa sobre seus adversários, se consolidando definitivamente como líder do submundo criminoso: Michael leva sua vingança até o fim, eliminando todos aqueles que lhe fizeram mal ou tentaram derrubá-lo. Contudo, a vitória é amarga.
Por todos esses motivos e muitos outros que não abordei, O Poderoso Chefão II é uma sequência extremamente digna e quase tão bom filme quanto seu predecessor, sendo quase essencial que sua análise e se dê forma conjunta com o antecessor. Enfim, outra obra-prima de Francis Ford Coppola.