Faz pouco tempo que venho experimentado uma redescoberta da televisão. Vez ou outra, através da força de um hábito que renasce, ligo a tevê para ver se algo me agrada. Foi assim que descobri dois documentários que me tocaram. O primeiro foi “Noite e Dia - Lima Barreto, Obra & Vida”, nele conheci parte da história inoficial do país através da vida incélebre e da obra inapreciada de Afonso Henriques de Lima Barreto. Já o segundo foi o documentário “Migliaccio, o Brasileiro em Cena”, que conta a trajetória nos filmes e vida de Flávio Migliaccio.
Desta vez, era domingo e após assistir a reprise semanal da novela “Andando nas Nuvens”, fiquei curiosa para saber qual ração estava sendo servida à população brasileira na televisão paga. Sem nenhuma expectativa de encontrar algo que me chamasse à atenção, acabei me deparando com “A fantástica fábrica de chocolates”. Assisti esse filme diversas vezes na infância e então acabei me dando a oportunidade de vê-lo novamente, pois sabia que ao menos teria alguma diversão.
Diversão foi pouco. Quando criança, tínhamos o DVD desse filme em casa e eu sabia alguns diálogos de cor, ou melhor ainda sei. Há uma frase em especial dita por Willy Wonka quando ele se apresenta aos visitantes, que até hoje faz parte do meu repertório: “Bom dia, estrelinhas. A terra diz olá!”. E assim quebro o gelo com crianças ou adultos, ou, involuntariamente, intensifico algum incômodo social. Meu primeiro impulso foi de colocar o idioma original do filme, mas, assim, talvez estivesse vendo um filme novo. Eu queria a redescoberta do filme de infância, então assisti em português.
No filme, conhecemos Charlie e sua família e através deles conhecemos o mundo. Charlie mora com seus pais e seus quatro avós, na minha leitura os seus dois avôs cumprem um papel fundamental no filme. O avó, que suponho ser materno, Joe, foi operário na fábrica de chocolates. É ele quem apresenta Willy Wonka e narra entusiasmadamente seus feitos, como ter saído de uma pequena loja de esquina para abrir a maior fábrica de chocolates do mundo. Joe também relata o declínio da fábrica, quando os concorrentes passaram a roubar e a replicar as receitas de Wonka e, por conta disso, ele decide fechar a fábrica para sempre. Quando Joe termina a história, Charlie, percebendo a contradição, diz que a fábrica não fechou para sempre, então sua mãe responde que quando os adultos dizem “para sempre”, significa apenas que durará muito tempo. É aí que destaco o segundo avó, George, pai do pai de Charlie, que responde em tom de queixa que comerá sopa de repolhos para sempre. George ao longo do filme vai se apresentando como um duro guidão da realidade diante da sinuosa fantasia da família.
Por falar em fantasia, Joe ainda tem o sonho de voltar à fábrica de chocolates. É aí que ficamos sabendo que Willy Wonka abrirá os portões de sua fábrica para 5 crianças e que uma delas ganhará um prêmio tão sublime e quintessencial que eu mesma são sei como descrever em palavras nesse exato momento. A condição para ser uma dessas crianças é achar o convite dourado numa de suas barras de chocolate. Assim, as vendas dos chocolates Wonka disparam no mundo todo. A família de Charlie, com exceção do avó George, alenta a esperança que Charlie possa ser uma dessas crianças. Faltou dizer que, inspirado pelas histórias do avó Joe, Charlie também estabelece uma admiração por Willy Wonka. Tanto é que ele montou ao longo de algum tempo uma maquete do prédio da fábrica de chocolates feita de tampas de pasta de dente, que seu pai traz quando pode do trabalho. Achar o convite dourado é a chance de Charlie conhecer esse gênio misterioso que seu avô tanto fala e que ele também admira.
Os convites vão aparecendo um a um na televisão da casa ou no jornal lido pela família. A cada novo convite achado há uma espécie de desânimo. Mesmo com poucos recursos para comprar chocolates, o sonho de Charlie e do avó Joe é tão grande que quase todos acreditam que ele visitará a fábrica de chocolates. Os pais, então, antecipam o presente de aniversário do filho, que é uma barra de chocolate, mas o convite não estava lá. O avó Joe usa todo dinheiro de suas economias para que o neto possa ter mais uma chance e nada feito. Assim foram esgotadas as possibilidades de Charlie achar o convite dourado. Mas enquanto o último convite não era achado, a esperança ainda estava viva.
A notícia de que o quinto convite apareceu agora surge fora de sua casa. Charlie, nos portões da fábrica, ainda não abandona completamente sua esperança. Como se por um capricho, o destino quisesse recompensá-lo no último momento – não de forma milagrosa, mas como efeito da junção de fatores, ou melhor, de desejos – Charlie encontra uma nota de dinheiro na rua, corre para a loja mais próxima e compra uma barra de chocolate. Ele decide abri-la no mesmo instante e enfim encontra o último convite dourado, pois o que apareceu antes era falso. Estupefato ele recebe ofertas pelo convite. O dono da loja dá um basta nos clientes de olhos crescidos e diz para Charlie não entregar o convite a ninguém e ir direto para casa.
Ao chegar em casa anunciando ter encontrado o último convite dourado todos ficam atônitos. O avó Joe, que até então aparecia apenas deitado na cama, levanta-se e dança de alegria. Quando a família a se atenta às questões práticas da visita à fábrica, Charlie fala sobre a oferta de 500 dólares que recebeu pelo convite e que a família precisa mais de dinheiro do que de chocolates. É nesse momento que o avó George fala a coisa mais realista dentre todas as outras que falou até então. Tomei a liberdade de transcrever esse trecho do diálogo abaixo:
— Existem [sic] muito dinheiro por aí e imprimem mais a cada dia. Já este convite, só existem 5 deles no mundo todo e nunca mais vai existir. Vai ser burro de trocar isso por uma coisa tão comum quanto dinheiro? Me diz, você é burro? — Não, senhor – diz Charlie. — Então tire a lama da calça, você tem que ir àquela fábrica – conclui o avó George.
A minha suspeita é de que o avó George, apesar de expressar o contrário, escondesse a fantasia de que seu neto também pudesse ser uma das crianças a visitar a fábrica de chocolates. O que ele diz a Charlie, embora ainda corresponda a uma certa lógica, é repleto de amor e o amor não precisa ser previsível, lógico ou certo. Charlie e nós sabemos que algum dinheiro poderia fazer a diferença para a família, mesmo que momentaneamente. Mas burrice, como disse George, não é ficar sem dinheiro, mas vender um sonho, aliás um desejo. Dificilmente o dinheiro compra algum desejo. O desejo exige muito mais, é o risco que se toma ao dizer sim ou não e tudo que vem, ou se imagina, depois.
Charlie e o avô Joe vão à Fábrica e aí o filme ganha outro tom. As crianças e seus responsáveis encontram Wonka na entrada da fábrica, se apresentam e iniciam a visita. As 4 crianças, Augustus, Violet, Veruca e Mike, representam, cada qual, uma falha de caráter típica do mundo do capital. Augustus é guloso, demonstra não ter limites nem senso na hora de comer chocolates. Violet é ultracompetitiva, faz o que for necessário para torna-se a melhor e superar os outros, Veruca é mimada, não aceita ser contrariada e ter seus gostos negados, enfim não aceita estar em falta. E, por fim, Mike é um “nerd” que usa sua inteligência a serviço de interesses mesquinhos.
Essas falhas de caráter das crianças são presas perfeitas para os locais visitados na fábrica. Primeiro Augustus quase se afoga no rio de chocolate, em seguida Violet se torna o primeiro ser humano a provar o chiclete das 3 refeições, mas ignora as advertências de que ele está em fase de testes e contrai uma mutação de amora, depois Veruca ficou obcecada por um esquilo que não poderia ter e foi parar no lixão, e, por fim, Mike, também ignorando as contraindicações, se teletransportou para a televisão, se encolheu e depois foi esticado. Sem que se falassem em regras, elas foram uma a uma ficando no caminho ao som da trilha sonora acertada de Danny Elfman. Wonka não esconde seu voyerismo de ver as crianças se dando mal, acho que pode estar relacionado ao fato de ele evitar sua infância e até mesmo recusar-se a falar a palavra “pais”. Vemos seus lapsos de memória e sua reação ambivalente, mascarado e ensimesmado.
Quando só restou Charlie, Wonka o parabeniza, diz que desconfiava desde o princípio que Charlie seria a criança vencedora e o leva para casa em seu elevador de vidro. O que ele não desconfiava era que Charlie recusaria seu prêmio sublime e quintessencial, ganhar a fábrica de chocolates, pois Charlie não aceitou se mudar para a fábrica sem sua família. Para Wonka, ele não teria chegado onde chegou se sua família estivesse presente o atrapalhando, como ele mesmo diz. Sabemos que seu pai, dentista, o proibia de comer chocolates e foi terminantemente contra a escolha de sua profissão de chocolateiro. Os dois romperam relações e Wonka foi atrás de seu sonho.
Depois disso Wonka entra em crise. Os chocolates não vendem, ele não tem mais ideias geniais. Por outro lado, a família de Charlie está prosperando, o pai de Charlie não está mais desempregado e o vovô George não come mais sopa de repolho. Wonka no divã conclui que os chocolates são um reflexo de seu estado mental: se ele não está bem os chocolates não saem bem. Ele também sabe o motivo de não estar bem tem a ver com seu pai e procura Charlie para ajudá-lo nisso. Os dois vão, sem marcar horário, ao consultório do Dr. Wonka, sobre o pretexto de um atendimento para Willy. O local está repleto de notícias de jornais sobre a jornada de sucesso de Willy Wonka. Charlie vai descobrindo esse material, equanto Willy está sendo examinado pelo seu pai. Como um típico pai e bom dentista, o Dr. Wonka reconhece a arcada dentária de seu filho, ambos se abraçam constrangidos e aparentemente restauram o laço rompido. Assim, Willy Wonka pôde aceitar a família de Charlie, recuperou seu ânimo e ambos uniram-se em criatividade no trabalho com os doces.
Outro dia, me deparei com um trecho de uma entrevista de Gene Wilder, o Willy Wonka do primeiro filme de 1971. Wilder disse que só aceitou o papel de Wonka se, na cena de recepção das crianças para a visita, ele pudesse se apresentar mancando de bengalas e depois fizesse uma cambalhota e mostrasse que, na realidade, tem plenas condições físicas. Para Wilder, depois desse momento, não haveria a certeza de nada vindo de seu personagem. Na vida, essa parece ser a coisa mais verdadeira: não se pode ter certeza de nada. Willy Wonka não fechou a fábrica para sempre, vovô George não comeu sopa de repolho para sempre, romper com a família não é a única maneira de tornar-se gênio, dinheiro não compra tudo e eu não sei do que estou falando, mas estou falando.
Meu nome é Gal fez corresponder à cantora como tal: acanhada e voz de cristal, alento e fatal. Era assim que Gal era, era partida, era inteira, era o olhar do outro sobre ela mesma, era o risco que se toma ao dizer sim ou não. O filme é uma homenagem. Penso que Gal se agradaria, que daria boas risadas do temperamento caricato de Caetano, que lembraria com amor e dor das pessoas e dos acontecimentos de sua vida, mesmo que não tenham acontecido da maneira que o filme mostrou. Pra falar a verdade, não há profundidade no filme, pontos importantes do roteiro são encenações dos relatos mais batidos de Gal em entrevistas. O documentário 'O nome dela é Gal' é bom um contraponto, é mais leal aos personagens e à própria Gal. A interpretação de Sophie no filme é sem dúvidas o ponto alto. A atriz tem algo no olhar que me lembra a própria Gal, é alguma coisa entre medo e desejo que não consigo definir. Como conclusão só consigo pensar que o filme e a vida de Gal coincidem em algo: ambos sofreram pela ausência de coragem.
"Uma fotografia tem diferentes significados em diferentes mãos". Foi mais ou menos o que disse Kleber Mendonça Filho durante o debate do filme no Cine Bangüê ao comentar o relato de uma espectadora que disse estar revisitando as memórias de uma antiga câmera filmadora que estava jogada na sua casa. O cinema, assim como as outras formas de arte, mesmo na sua expressão mais realista, não tem qualquer compromisso com a realidade. Ele tem uma verdade que é trazida à tona por seu autor, mas seus significados mudam de mão em mão, ou melhor, de cabeça à cabeça. Em Retratos Fantasmas somos guiados pelo próprio Kleber, ouvimos sua voz, vemos suas fotos, família, filmes, parte de sua história e seu amor pelo cinema e por Recife. E para mim é disso que o filme trata, de amor. Amor sem disfarces na sua forma mais austera, que é aquele amor que anuncia que algo não deixa de ser amável apesar da miséria que é amar. No filme conhecemos diversos "personagens" significantes da filmografia do diretor. Falo em especial de Joselice, mãe de Kleber, ela foi uma das mulheres que serviram de inspiração para a construção da personagem de Clara do filme Aquarius. Eu tenho o costume de buscar adivinhar sobre algo que nunca saberei, então me perguntava "quanto de Clara, uma mulher tão heroica, pode ter vindo da mãe de Kleber?". Sei que esta será uma das poucas vezes em que pude testar minha vaga adivinhação sobre algo. Jocelice foi tão ou quiçá mais fantástica que Clara. Talvez a magia do documentário seja justamente essa, ao mostrar personagens reais, ele pode tangenciar ainda mais quem assiste. Ainda há tantas nuances memoráveis em Retratos Fantasmas, como a "belle époque" do cinema de rua recifense financiado pela indústria cultural alemã e estadunidense, a pauta política das cotas e do cinema de rua no Brasil, o filme 'Som ao Redor', o próprio Kleber exposto por ele mesmo e por aí vai. Kleber expõe seu amor, seja em Retratos Fantasmas ou mesmo na turnê que está fazendo pelo Brasil para debater o filme. Vi um Kleber humildemente grato pelo público e pela sua calorosa recepção ao filme. Também agradeço humildemente poder contemplar seu amor pelo cinema.
Pessoalmente eu venho me encantando pelos últimos trabalhos de Coppola. Este filme em especial assisti logo depois de ter visto "As duas faces da felicidade" de Agnès Varda e fui totalmente influenciada pela narrativa e sátira dele. Cheguei até a imaginar se "On the rocks" (uma pena não terem traduzido, estava ansiosa para saber como seria o título no Brasil) seria a versão pessoal de Coppola do próprio "Le bonheur". No final entendi que era apenas mais um filme para colocar para fora coisas que estavam entaladas na garganta. O que sinto mais falta no cinema atualmente é de alguma espécie de clandestinidade, seja nas suas conclusões, referências etc. Mesmo assim não me incomoda vê-las de maneira mais palpável como foi o caso.
Dito isto, não posso deixar de citar a abertura onde ouvimos o pai explicando para a filha ainda criança que ela será sua propriedade até que ele a passe para o homem com quem ela um dia casará. E no final, Laura tira o relógio que ganhou do pai para colocar o relógio recebido de presente de aniversário de seu marido, guardando o relógio do pai logo em seguida. A excentricidade e a maneira despreocupada e boêmia como Félix leva a vida representa um contraste com a vida de Dean, que abriu recentemente sua empresa, está sempre ocupado, viajando e, como ele mesmo disse para a esposa, "tentando mostrar o seu valor para ela e para as filhas". Laura em meio a isso aproveita dos privilégios que o pai pode oferecer e fica confusa com o olhar determinista dele sobre os gêneros. Por outro lado, Dean cada vez mais distante e desatencioso, negligenciando até as decisões sobre sua filha - talvez essa tenha sido a principal contribuição do filme: até mesmo em classes abastardas, o homem é capaz de ser bem sucedido porque a mulher (ou alguém no papel feminino) também desempenha o papel de principal responsável pelo bem estar da família -, deixa espaço para que as ideias de Félix tomem conta da mente de Laura. A possível traição no final das contas nem era tão importante assim, Dean estava tão focado no trabalho que não tinha um mínimo de sensibilidade. Na festa de aniversário dele na empresa, por exemplo, Laura parececia mais uma desconhecida do que a esposa do chefe. Não posso citar muito sobre a conduta de Félix com Laura além do permanente paternalismo e do que a própria Laura já deixou claro na cena epopeica no hotel no México. Já as cenas do dia a dia de Laura mostram como sua rotina está condicionada as necessidades das filhas, ouvindo até mesmo o desabafos diários de uma outra mãe, mesmo não gostando, enquanto espera na fila da sala. Apesar de ser ambientando num contexto economicamente privilegiado - quem dera toda mulher pudesse viajar para o México para pegar o marido no flagra na traição -, é um filme que tem bons momentos, é divertido e também faz refletir.
Escolhi assistir este filme sem saber do que se tratava e vê-lo me fez sentir uma aflição de uma realidade que estava tentando evitar. Ontem uma criança de 10 anos grávida, que vinha sendo estuprada há 4 anos pelo tio, e a equipe de um hospital de Recife foram alvo de ameças de grupos conservadores, que queriam impedir o aborto dela e promover os valores fundamentalistas cristãos. Felizmente, o aborto foi bem sucedido. O filme também me fez pensar em vários indicativos do tempo em que vivemos. O olhar específico para a França durante a 2a Guerra Mundial, que estava rendida, invadida, em crise, porém ainda não afetada pelo ápice de sua total ruína, mostrou que ela foi buscar reafirmar-se por meio bases moralistas. Quando os crimes morais passaram a ser crimes de Estado em uma sociedade dominada por homens significa que o inimigo, ou melhor, a inimiga tem gênero e classe bem definidos.
Fazia tempo que não dava risadas e não me divertia tanto como fiz assistindo este filme. Além de tudo faz refletir sobre estilo de vida insustentável do ocidente, muito bom!
O documentário me fez lembrar de a desalambrar ('a desamarrar' em português) uma canção de Victor Jara muito signicativa. Um dos trechos que mais gosto diz assim:
"Yo pregunto a los presentes Sí no se han puesto a pensar Que esta tierra es de nosotros Y no del que tenga mas"
Estamos em 2020 e Victor Jara e o documentário permanecem atuais. Nos últimos anos tivemos novos golpes e novas atividades anti-democráticas na América Latina (Honduras, Paraguai, Brasil, Venezuela, Peru etc.) com apoio direto e indireto dos EUA. A política internacional estadunidense é terrorista e, como o documento deixou muito claro, é baseada na perpetuação do seu império em detrimento de diversos países em todo o mundo. As justificativas foram modernizadas (hoje o combate à corrupção é o novo combate ao comunismo), mas nem tanto. O desespero dos EUA para levar "democracia" ou "direitos humanos" é, de fato, a sanha do império em exercer seu domínio e em praticar sua exploração.
Curiosamente conheci o filme através do documentário, estava tentando consumir as obras de Agnès e me dei conta que este era um filme sobre um filme chamado "Les Demoiselles de Rochefort". 25 anos depois da estreia do filme, parte da equipe retorna à cidade onde ele foi filmado no aniversário de Jacques Demy para celebrar talvez o maior acontecimento de Rochefort dos últimos tempos. Quando assisti "Les demoiselles ont eu 25 ans", não sabia que Jacques e Françoise Dorléac (que de fato era irmã de Catherine Deneuve) já eram mortos. O documentário não fala diretamente de suas mortes, mas a ausência de ambos e o modo como os entrevistados falam deles, com tanta saudade e amor, transmite a informação e a emoção ao mesmo tempo. A alegria, beleza e grandiosidade do filme continuam presentes aqui, mas dessa vez através do jeito pessoal de Agnès de retratar os fatos. É possível conhecer muito dela e do seu amor pelas pessoas, pelo cinema e por Jacques. O documentário é uma grande dedicatória de amor 'das duas garotas românticas' Agnés e Catherine. Quando falam do filme, da equipe, de Françoise, de Jacques etc. celebram a alegria e a beleza ao modo que o filme faz: vivenciando o amor, a melancolia e a leveza.
Stella não tinha malícia, mas sabia o que era sexo, sabia sobre a violência social e física que sofria, depois descobriu as limitações do seu mundo, enfim não era totalmente ingênua.
O filme raz alguns elementos que intensificam as sensações da personagem, principalmente quando trabalha com sua ingenuidade, rebeldia e descobrimento. Enfim, assistir como aos poucos Stella conhecia novas formas de emancipação foi mágico.
"Caminhar não é fácil. As sociedades se movem pelo confronto de forças, não pelo bom senso, pela caridade e pela justiça. Não basta consumir cultura, é necessário produzí-la. Não basta gozar arte, é necessário ser artista. Não basta produzir ideias, é necessário transformá-las em atos sociais concretos e continuados. Porque nós entendemos que arte e cultura são formas de combate tão importantes quanto a ocupação de terras improdutivas e a organização política solidária."
A Fantástica Fábrica de Chocolate
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Faz pouco tempo que venho experimentado uma redescoberta da televisão. Vez ou outra, através da força de um hábito que renasce, ligo a tevê para ver se algo me agrada. Foi assim que descobri dois documentários que me tocaram. O primeiro foi “Noite e Dia - Lima Barreto, Obra & Vida”, nele conheci parte da história inoficial do país através da vida incélebre e da obra inapreciada de Afonso Henriques de Lima Barreto. Já o segundo foi o documentário “Migliaccio, o Brasileiro em Cena”, que conta a trajetória nos filmes e vida de Flávio Migliaccio.
Desta vez, era domingo e após assistir a reprise semanal da novela “Andando nas Nuvens”, fiquei curiosa para saber qual ração estava sendo servida à população brasileira na televisão paga. Sem nenhuma expectativa de encontrar algo que me chamasse à atenção, acabei me deparando com “A fantástica fábrica de chocolates”. Assisti esse filme diversas vezes na infância e então acabei me dando a oportunidade de vê-lo novamente, pois sabia que ao menos teria alguma diversão.
Diversão foi pouco. Quando criança, tínhamos o DVD desse filme em casa e eu sabia alguns diálogos de cor, ou melhor ainda sei. Há uma frase em especial dita por Willy Wonka quando ele se apresenta aos visitantes, que até hoje faz parte do meu repertório: “Bom dia, estrelinhas. A terra diz olá!”. E assim quebro o gelo com crianças ou adultos, ou, involuntariamente, intensifico algum incômodo social. Meu primeiro impulso foi de colocar o idioma original do filme, mas, assim, talvez estivesse vendo um filme novo. Eu queria a redescoberta do filme de infância, então assisti em português.
No filme, conhecemos Charlie e sua família e através deles conhecemos o mundo. Charlie mora com seus pais e seus quatro avós, na minha leitura os seus dois avôs cumprem um papel fundamental no filme. O avó, que suponho ser materno, Joe, foi operário na fábrica de chocolates. É ele quem apresenta Willy Wonka e narra entusiasmadamente seus feitos, como ter saído de uma pequena loja de esquina para abrir a maior fábrica de chocolates do mundo. Joe também relata o declínio da fábrica, quando os concorrentes passaram a roubar e a replicar as receitas de Wonka e, por conta disso, ele decide fechar a fábrica para sempre. Quando Joe termina a história, Charlie, percebendo a contradição, diz que a fábrica não fechou para sempre, então sua mãe responde que quando os adultos dizem “para sempre”, significa apenas que durará muito tempo. É aí que destaco o segundo avó, George, pai do pai de Charlie, que responde em tom de queixa que comerá sopa de repolhos para sempre. George ao longo do filme vai se apresentando como um duro guidão da realidade diante da sinuosa fantasia da família.
Por falar em fantasia, Joe ainda tem o sonho de voltar à fábrica de chocolates. É aí que ficamos sabendo que Willy Wonka abrirá os portões de sua fábrica para 5 crianças e que uma delas ganhará um prêmio tão sublime e quintessencial que eu mesma são sei como descrever em palavras nesse exato momento. A condição para ser uma dessas crianças é achar o convite dourado numa de suas barras de chocolate. Assim, as vendas dos chocolates Wonka disparam no mundo todo. A família de Charlie, com exceção do avó George, alenta a esperança que Charlie possa ser uma dessas crianças. Faltou dizer que, inspirado pelas histórias do avó Joe, Charlie também estabelece uma admiração por Willy Wonka. Tanto é que ele montou ao longo de algum tempo uma maquete do prédio da fábrica de chocolates feita de tampas de pasta de dente, que seu pai traz quando pode do trabalho. Achar o convite dourado é a chance de Charlie conhecer esse gênio misterioso que seu avô tanto fala e que ele também admira.
Os convites vão aparecendo um a um na televisão da casa ou no jornal lido pela família. A cada novo convite achado há uma espécie de desânimo. Mesmo com poucos recursos para comprar chocolates, o sonho de Charlie e do avó Joe é tão grande que quase todos acreditam que ele visitará a fábrica de chocolates. Os pais, então, antecipam o presente de aniversário do filho, que é uma barra de chocolate, mas o convite não estava lá. O avó Joe usa todo dinheiro de suas economias para que o neto possa ter mais uma chance e nada feito. Assim foram esgotadas as possibilidades de Charlie achar o convite dourado. Mas enquanto o último convite não era achado, a esperança ainda estava viva.
A notícia de que o quinto convite apareceu agora surge fora de sua casa. Charlie, nos portões da fábrica, ainda não abandona completamente sua esperança. Como se por um capricho, o destino quisesse recompensá-lo no último momento – não de forma milagrosa, mas como efeito da junção de fatores, ou melhor, de desejos – Charlie encontra uma nota de dinheiro na rua, corre para a loja mais próxima e compra uma barra de chocolate. Ele decide abri-la no mesmo instante e enfim encontra o último convite dourado, pois o que apareceu antes era falso. Estupefato ele recebe ofertas pelo convite. O dono da loja dá um basta nos clientes de olhos crescidos e diz para Charlie não entregar o convite a ninguém e ir direto para casa.
Ao chegar em casa anunciando ter encontrado o último convite dourado todos ficam atônitos. O avó Joe, que até então aparecia apenas deitado na cama, levanta-se e dança de alegria. Quando a família a se atenta às questões práticas da visita à fábrica, Charlie fala sobre a oferta de 500 dólares que recebeu pelo convite e que a família precisa mais de dinheiro do que de chocolates. É nesse momento que o avó George fala a coisa mais realista dentre todas as outras que falou até então. Tomei a liberdade de transcrever esse trecho do diálogo abaixo:
— Existem [sic] muito dinheiro por aí e imprimem mais a cada dia. Já este convite, só existem 5 deles no mundo todo e nunca mais vai existir. Vai ser burro de trocar isso por uma coisa tão comum quanto dinheiro? Me diz, você é burro?
— Não, senhor – diz Charlie.
— Então tire a lama da calça, você tem que ir àquela fábrica – conclui o avó George.
A minha suspeita é de que o avó George, apesar de expressar o contrário, escondesse a fantasia de que seu neto também pudesse ser uma das crianças a visitar a fábrica de chocolates. O que ele diz a Charlie, embora ainda corresponda a uma certa lógica, é repleto de amor e o amor não precisa ser previsível, lógico ou certo. Charlie e nós sabemos que algum dinheiro poderia fazer a diferença para a família, mesmo que momentaneamente. Mas burrice, como disse George, não é ficar sem dinheiro, mas vender um sonho, aliás um desejo. Dificilmente o dinheiro compra algum desejo. O desejo exige muito mais, é o risco que se toma ao dizer sim ou não e tudo que vem, ou se imagina, depois.
Charlie e o avô Joe vão à Fábrica e aí o filme ganha outro tom. As crianças e seus responsáveis encontram Wonka na entrada da fábrica, se apresentam e iniciam a visita. As 4 crianças, Augustus, Violet, Veruca e Mike, representam, cada qual, uma falha de caráter típica do mundo do capital. Augustus é guloso, demonstra não ter limites nem senso na hora de comer chocolates. Violet é ultracompetitiva, faz o que for necessário para torna-se a melhor e superar os outros, Veruca é mimada, não aceita ser contrariada e ter seus gostos negados, enfim não aceita estar em falta. E, por fim, Mike é um “nerd” que usa sua inteligência a serviço de interesses mesquinhos.
Essas falhas de caráter das crianças são presas perfeitas para os locais visitados na fábrica. Primeiro Augustus quase se afoga no rio de chocolate, em seguida Violet se torna o primeiro ser humano a provar o chiclete das 3 refeições, mas ignora as advertências de que ele está em fase de testes e contrai uma mutação de amora, depois Veruca ficou obcecada por um esquilo que não poderia ter e foi parar no lixão, e, por fim, Mike, também ignorando as contraindicações, se teletransportou para a televisão, se encolheu e depois foi esticado. Sem que se falassem em regras, elas foram uma a uma ficando no caminho ao som da trilha sonora acertada de Danny Elfman. Wonka não esconde seu voyerismo de ver as crianças se dando mal, acho que pode estar relacionado ao fato de ele evitar sua infância e até mesmo recusar-se a falar a palavra “pais”. Vemos seus lapsos de memória e sua reação ambivalente, mascarado e ensimesmado.
Quando só restou Charlie, Wonka o parabeniza, diz que desconfiava desde o princípio que Charlie seria a criança vencedora e o leva para casa em seu elevador de vidro. O que ele não desconfiava era que Charlie recusaria seu prêmio sublime e quintessencial, ganhar a fábrica de chocolates, pois Charlie não aceitou se mudar para a fábrica sem sua família. Para Wonka, ele não teria chegado onde chegou se sua família estivesse presente o atrapalhando, como ele mesmo diz. Sabemos que seu pai, dentista, o proibia de comer chocolates e foi terminantemente contra a escolha de sua profissão de chocolateiro. Os dois romperam relações e Wonka foi atrás de seu sonho.
Depois disso Wonka entra em crise. Os chocolates não vendem, ele não tem mais ideias geniais. Por outro lado, a família de Charlie está prosperando, o pai de Charlie não está mais desempregado e o vovô George não come mais sopa de repolho. Wonka no divã conclui que os chocolates são um reflexo de seu estado mental: se ele não está bem os chocolates não saem bem. Ele também sabe o motivo de não estar bem tem a ver com seu pai e procura Charlie para ajudá-lo nisso. Os dois vão, sem marcar horário, ao consultório do Dr. Wonka, sobre o pretexto de um atendimento para Willy. O local está repleto de notícias de jornais sobre a jornada de sucesso de Willy Wonka. Charlie vai descobrindo esse material, equanto Willy está sendo examinado pelo seu pai. Como um típico pai e bom dentista, o Dr. Wonka reconhece a arcada dentária de seu filho, ambos se abraçam constrangidos e aparentemente restauram o laço rompido. Assim, Willy Wonka pôde aceitar a família de Charlie, recuperou seu ânimo e ambos uniram-se em criatividade no trabalho com os doces.
Outro dia, me deparei com um trecho de uma entrevista de Gene Wilder, o Willy Wonka do primeiro filme de 1971. Wilder disse que só aceitou o papel de Wonka se, na cena de recepção das crianças para a visita, ele pudesse se apresentar mancando de bengalas e depois fizesse uma cambalhota e mostrasse que, na realidade, tem plenas condições físicas. Para Wilder, depois desse momento, não haveria a certeza de nada vindo de seu personagem. Na vida, essa parece ser a coisa mais verdadeira: não se pode ter certeza de nada. Willy Wonka não fechou a fábrica para sempre, vovô George não comeu sopa de repolho para sempre, romper com a família não é a única maneira de tornar-se gênio, dinheiro não compra tudo e eu não sei do que estou falando, mas estou falando.
Meu Nome é Gal
3.1 120 Assista AgoraMeu nome é Gal fez corresponder à cantora como tal: acanhada e voz de cristal, alento e fatal. Era assim que Gal era, era partida, era inteira, era o olhar do outro sobre ela mesma, era o risco que se toma ao dizer sim ou não. O filme é uma homenagem. Penso que Gal se agradaria, que daria boas risadas do temperamento caricato de Caetano, que lembraria com amor e dor das pessoas e dos acontecimentos de sua vida, mesmo que não tenham acontecido da maneira que o filme mostrou. Pra falar a verdade, não há profundidade no filme, pontos importantes do roteiro são encenações dos relatos mais batidos de Gal em entrevistas. O documentário 'O nome dela é Gal' é bom um contraponto, é mais leal aos personagens e à própria Gal. A interpretação de Sophie no filme é sem dúvidas o ponto alto. A atriz tem algo no olhar que me lembra a própria Gal, é alguma coisa entre medo e desejo que não consigo definir. Como conclusão só consigo pensar que o filme e a vida de Gal coincidem em algo: ambos sofreram pela ausência de coragem.
Retratos Fantasmas
4.2 228 Assista Agora"Uma fotografia tem diferentes significados em diferentes mãos". Foi mais ou menos o que disse Kleber Mendonça Filho durante o debate do filme no Cine Bangüê ao comentar o relato de uma espectadora que disse estar revisitando as memórias de uma antiga câmera filmadora que estava jogada na sua casa. O cinema, assim como as outras formas de arte, mesmo na sua expressão mais realista, não tem qualquer compromisso com a realidade. Ele tem uma verdade que é trazida à tona por seu autor, mas seus significados mudam de mão em mão, ou melhor, de cabeça à cabeça. Em Retratos Fantasmas somos guiados pelo próprio Kleber, ouvimos sua voz, vemos suas fotos, família, filmes, parte de sua história e seu amor pelo cinema e por Recife. E para mim é disso que o filme trata, de amor. Amor sem disfarces na sua forma mais austera, que é aquele amor que anuncia que algo não deixa de ser amável apesar da miséria que é amar. No filme conhecemos diversos "personagens" significantes da filmografia do diretor. Falo em especial de Joselice, mãe de Kleber, ela foi uma das mulheres que serviram de inspiração para a construção da personagem de Clara do filme Aquarius. Eu tenho o costume de buscar adivinhar sobre algo que nunca saberei, então me perguntava "quanto de Clara, uma mulher tão heroica, pode ter vindo da mãe de Kleber?". Sei que esta será uma das poucas vezes em que pude testar minha vaga adivinhação sobre algo. Jocelice foi tão ou quiçá mais fantástica que Clara. Talvez a magia do documentário seja justamente essa, ao mostrar personagens reais, ele pode tangenciar ainda mais quem assiste. Ainda há tantas nuances memoráveis em Retratos Fantasmas, como a "belle époque" do cinema de rua recifense financiado pela indústria cultural alemã e estadunidense, a pauta política das cotas e do cinema de rua no Brasil, o filme 'Som ao Redor', o próprio Kleber exposto por ele mesmo e por aí vai. Kleber expõe seu amor, seja em Retratos Fantasmas ou mesmo na turnê que está fazendo pelo Brasil para debater o filme. Vi um Kleber humildemente grato pelo público e pela sua calorosa recepção ao filme. Também agradeço humildemente poder contemplar seu amor pelo cinema.
On the Rocks
3.3 120Pessoalmente eu venho me encantando pelos últimos trabalhos de Coppola. Este filme em especial assisti logo depois de ter visto "As duas faces da felicidade" de Agnès Varda e fui totalmente influenciada pela narrativa e sátira dele. Cheguei até a imaginar se "On the rocks" (uma pena não terem traduzido, estava ansiosa para saber como seria o título no Brasil) seria a versão pessoal de Coppola do próprio "Le bonheur". No final entendi que era apenas mais um filme para colocar para fora coisas que estavam entaladas na garganta.
O que sinto mais falta no cinema atualmente é de alguma espécie de clandestinidade, seja nas suas conclusões, referências etc. Mesmo assim não me incomoda vê-las de maneira mais palpável como foi o caso.
Dito isto, não posso deixar de citar a abertura onde ouvimos o pai explicando para a filha ainda criança que ela será sua propriedade até que ele a passe para o homem com quem ela um dia casará. E no final, Laura tira o relógio que ganhou do pai para colocar o relógio recebido de presente de aniversário de seu marido, guardando o relógio do pai logo em seguida.
A excentricidade e a maneira despreocupada e boêmia como Félix leva a vida representa um contraste com a vida de Dean, que abriu recentemente sua empresa, está sempre ocupado, viajando e, como ele mesmo disse para a esposa, "tentando mostrar o seu valor para ela e para as filhas". Laura em meio a isso aproveita dos privilégios que o pai pode oferecer e fica confusa com o olhar determinista dele sobre os gêneros. Por outro lado, Dean cada vez mais distante e desatencioso, negligenciando até as decisões sobre sua filha - talvez essa tenha sido a principal contribuição do filme: até mesmo em classes abastardas, o homem é capaz de ser bem sucedido porque a mulher (ou alguém no papel feminino) também desempenha o papel de principal responsável pelo bem estar da família -, deixa espaço para que as ideias de Félix tomem conta da mente de Laura.
A possível traição no final das contas nem era tão importante assim, Dean estava tão focado no trabalho que não tinha um mínimo de sensibilidade. Na festa de aniversário dele na empresa, por exemplo, Laura parececia mais uma desconhecida do que a esposa do chefe. Não posso citar muito sobre a conduta de Félix com Laura além do permanente paternalismo e do que a própria Laura já deixou claro na cena epopeica no hotel no México. Já as cenas do dia a dia de Laura mostram como sua rotina está condicionada as necessidades das filhas, ouvindo até mesmo o desabafos diários de uma outra mãe, mesmo não gostando, enquanto espera na fila da sala.
Apesar de ser ambientando num contexto economicamente privilegiado - quem dera toda mulher pudesse viajar para o México para pegar o marido no flagra na traição -, é um filme que tem bons momentos, é divertido e também faz refletir.
Um Assunto de Mulheres
4.2 77Escolhi assistir este filme sem saber do que se tratava e vê-lo me fez sentir uma aflição de uma realidade que estava tentando evitar.
Ontem uma criança de 10 anos grávida, que vinha sendo estuprada há 4 anos pelo tio, e a equipe de um hospital de Recife foram alvo de ameças de grupos conservadores, que queriam impedir o aborto dela e promover os valores fundamentalistas cristãos. Felizmente, o aborto foi bem sucedido.
O filme também me fez pensar em vários indicativos do tempo em que vivemos. O olhar específico para a França durante a 2a Guerra Mundial, que estava rendida, invadida, em crise, porém ainda não afetada pelo ápice de sua total ruína, mostrou que ela foi buscar reafirmar-se por meio bases moralistas. Quando os crimes morais passaram a ser crimes de Estado em uma sociedade dominada por homens significa que o inimigo, ou melhor, a inimiga tem gênero e classe bem definidos.
Assistido em 17 de agosto de 2020.
Salada Russa Em Paris
3.4 6Fazia tempo que não dava risadas e não me divertia tanto como fiz assistindo este filme. Além de tudo faz refletir sobre estilo de vida insustentável do ocidente, muito bom!
A Guerra Contra a Democracia
4.3 24O documentário me fez lembrar de a desalambrar ('a desamarrar' em português) uma canção de Victor Jara muito signicativa. Um dos trechos que mais gosto diz assim:
"Yo pregunto a los presentes
Sí no se han puesto a pensar
Que esta tierra es de nosotros
Y no del que tenga mas"
Estamos em 2020 e Victor Jara e o documentário permanecem atuais. Nos últimos anos tivemos novos golpes e novas atividades anti-democráticas na América Latina (Honduras, Paraguai, Brasil, Venezuela, Peru etc.) com apoio direto e indireto dos EUA.
A política internacional estadunidense é terrorista e, como o documento deixou muito claro, é baseada na perpetuação do seu império em detrimento de diversos países em todo o mundo.
As justificativas foram modernizadas (hoje o combate à corrupção é o novo combate ao comunismo), mas nem tanto. O desespero dos EUA para levar "democracia" ou "direitos humanos" é, de fato, a sanha do império em exercer seu domínio e em praticar sua exploração.
Les demoiselles ont eu 25 ans
4.0 2Curiosamente conheci o filme através do documentário, estava tentando consumir as obras de Agnès e me dei conta que este era um filme sobre um filme chamado "Les Demoiselles de Rochefort".
25 anos depois da estreia do filme, parte da equipe retorna à cidade onde ele foi filmado no aniversário de Jacques Demy para celebrar talvez o maior acontecimento de Rochefort dos últimos tempos.
Quando assisti "Les demoiselles ont eu 25 ans", não sabia que Jacques e Françoise Dorléac (que de fato era irmã de Catherine Deneuve) já eram mortos. O documentário não fala diretamente de suas mortes, mas a ausência de ambos e o modo como os entrevistados falam deles, com tanta saudade e amor, transmite a informação e a emoção ao mesmo tempo.
A alegria, beleza e grandiosidade do filme continuam presentes aqui, mas dessa vez através do jeito pessoal de Agnès de retratar os fatos. É possível conhecer muito dela e do seu amor pelas pessoas, pelo cinema e por Jacques.
O documentário é uma grande dedicatória de amor 'das duas garotas românticas' Agnés e Catherine. Quando falam do filme, da equipe, de Françoise, de Jacques etc. celebram a alegria e a beleza ao modo que o filme faz: vivenciando o amor, a melancolia e a leveza.
Stella
3.9 108O peso da realidade social da periferia parisiense fez um belo contraste com a percepção infantil da personagem.
Stella não tinha malícia, mas sabia o que era sexo, sabia sobre a violência social e física que sofria, depois descobriu as limitações do seu mundo, enfim não era totalmente ingênua.
O filme raz alguns elementos que intensificam as sensações da personagem, principalmente quando trabalha com sua ingenuidade, rebeldia e descobrimento. Enfim, assistir como aos poucos Stella conhecia novas formas de emancipação foi mágico.
Augusto Boal e o Teatro do Oprimido
4.3 9"Caminhar não é fácil. As sociedades se movem pelo confronto de forças, não pelo bom senso, pela caridade e pela justiça. Não basta consumir cultura, é necessário produzí-la. Não basta gozar arte, é necessário ser artista. Não basta produzir ideias, é necessário transformá-las em atos sociais concretos e continuados. Porque nós entendemos que arte e cultura são formas de combate tão importantes quanto a ocupação de terras improdutivas e a organização política solidária."
(Augusto Boal)
Sem Essa, Aranha!
4.0 63Como diria Sganzerla "nossa realidade é mais original", acho que é uma das poucas ideias que não causam desalento ao tentar racionalizar esse filme.