Força maior é um filme que parte de uma questão simples pra entrar em uma longa, interminável e complexa DR. O que realmente torna o filme interessante, no entanto, não é exatamente a DR, as questões referentes ao relacionamento do casal e como esse foi abalado pela fuga de Tomas, mas sim a desconstrução de conceitos bem mais universais e surpreendentemente complexos. Do pesado conceito de masculinidade (que parece desmoronar Tomas lentamente ao longo do filme) ao confortável lugar comum do "instinto materno" (que também parece naturalizar a atitude da mulher e dar ao homem uma espécie de carta branca, quando não deveria ser assim), são muitas as questões que envolvem o dilema do casal. Isso sem falar na clássica questão do instinto de sobrevivência.
Durante o filme, foi impossível não pensar que, no momento em que se afoga, uma pessoa é capaz de puxar qualquer outra (filha, mãe ou o que for), apenas pra ter algo em que se apoiar e conseguir voltar à superfície. Se Tomas estava sendo punido por ter sido simplesmente humano, se estava pagando caro pelas expectativas heroicas que o nosso modelo de moralidade parece impor, ou se estava, também, desmontando sob o peso de um conceito de masculinidade despejado sobre os homens desde o início da vida, Ebba, por outro lado, parece ter sido treinada para carregar o "instinto materno" como parte de sua fórmula feminina, e só a partir da crise do marido é que começa a perceber quão igualmente pesada (e frágil) é essa imposição.
Enfim, com todos os seus silêncios e suas músicas repentinas e pesadas, questões interessantes e complexas, Força maior me surpreendeu bastante. Se o cinema serve, em alguma medida, pra bagunçar a nossa concepção de mundo e fazer com que a gente repense concepções já cristalizadas, então Força maior, com certeza, cumpre o seu papel.
Realmente não foi um dos meus favoritos do Woody. Como em tantos outros filmes, ele traz uma questão interessante: a lógica racional e pessimista vs. o desejo de acreditar em algo além; a mortalidade nua e crua vs. a necessária ilusão de uma transcendência. É uma discussão ótima, e tantas vezes abordada pelo Woody (dessa vez perfeitamente encarnado no personagem de Colin Firth), mas a história onde essa questão é levantada ficou tão fraca que a gente acaba não se envolvendo como deveria. Não sei exatamente o que falta: mais complexidade na trama e nos personagens, mais química entre eles... talvez um pouco de cada. Mas, enfim, como disseram aqui: um Woody fraco ainda me parece mais forte que muitos outros diretores por aí.
Não sei se mais alguém terminou o documentário obcecado com formas de ir pra Antártida, mas Herzog me deixou verdadeiramente fascinada (não só com as perguntas com as quais ele começa o filme, mas com as eventuais respostas indiretas que vão aparecendo; respostas que, por sua vez, vão se desdobrando em novas perguntas, e por aí vai). A sensação é um pouco como alguém falou aqui embaixo: o espanto de ver quanta coisa existe para além do que a gente vê e imagina e supõe. A cena do pinguim é uma das cenas mais absurdamente tristes e lindas que eu já vi na vida.
Enfim, filme que eu resumiria com a palavra "espanto". E tudo de impacto que esse espanto traz.
Tem momentos divertidos e ainda carrega aquele toque surreal que quem é fã do Almodóvar adora, mas, no geral, achei um pouco apelativo. Mesmo em comparação às outras comédias do diretor, cujo tom é mais leve, esse fica um pouco abaixo. Vale pela atuação dos vários queridinhos almodovarianos, todos sempre maravilhosos (com Javier Cámara roubando a cena lindamente).
Acho que só eu achei o filme ruim. Ou não exatamente ruim, mas mal aproveitado. As tentativas de humor são constrangedoras de tão terríveis. Se o filme tivesse se assumido como um drama, teria sido um drama incrível, mas esse pseudo-humor forçado acaba impedindo o nosso apego pelos personagens e pelo desenvolvimento da história. Pra mim, não passa do "quase".
Filme sensacional, embora a experiência de assistir seja terrível. Todo o tédio e o vazio que vão crescendo no espectador ao longo do filme são nada mais que o reflexo do tédio e do vazio dos personagens em sua vida completamente miserável. Chegou um ponto que eu já estava rezando pra acabar, verificando os minutos, e fiquei com a impressão de ter morrido umas 15 vezes durante aquelas 2 horas. Chama a atenção, principalmente, a precisão dos gestos, tão automáticos e esvaziados, repetindo meticulosamente a rotina (como se nela eles ainda encontrassem algum pilar de sobrevivência, algum apoio), e o silêncio completo dos personagens, mostrando que o nada se tornou tão concreto que não há mais espaço nem pra palavra. Só a sequência inicial já faz valer a pena, um dos inícios mais bonitos que eu já vi. Impossível não tomar a dor do cavalo pra si e compreender perfeitamente o abraço desesperado de Nietzsche.
Fui a única que não gostou muito da atuação da Alicia Vikander, pelo visto. Achei a atriz extremamente sem sal e acho que essa falta de carisma do personagem foi um dos motivos principais por eu não ter conseguido me apegar tanto à história. Em compensação, Mads Mikkelsen e Mikkel Boe Følsgaard estão sensacionais e a questão histórica é abordada de forma bastante interessante (se tornando, inclusive, mais interessante que a própria história de amor dos dois).
A ideia é ótima, mas me incomodou um pouco o tom exagerado de alguns personagens (aquela criança era irritantemente feliz, não parecia nem real), além da cantoria que eu dispensaria se pudesse. Também fiquei revoltada com o final, como falaram aí, em relação àquele último crepe totalmente desnecessário. Enfim, foi divertido de assistir, traz umas críticas interessantes sobre a época pró-depressão que a gente vive hoje, mas ainda acho que poderiam ter explorado melhor a ideia.
Gostei do conto do Scorsese, apesar de achar que ele poderia ter sido mais aprofundado de alguma forma (senti que ficou faltando algo pra decolar realmente) e o Woody, como sempre, ótimo. Só o do Coppola que me pareceu mais um filme da sessão da tarde, achei que destoou completamente dos outros dois.
Anna Karenina me divide um pouco. Por um lado, a direção de arte é absurda e eu gostei muito dessa montagem "semi-teatral" que fizeram, assim como alguns recursos super interessantes (como a ideia de imobilizar todos os outros casais enquanto eles dançam), mas, ao mesmo tempo, fica a sensação de que o filme não decola como deveria em momento nenhum. Acho que o roteiro tem algumas falhas, não deixa a trama inteiramente clara, e aprofunda pouco os dois personagens principais. Anna ainda consegue criar empatia por conta da atuação da Keira, mas o Vronsky do Aaron Johnson não poderia ser mais sem sal. Consequentemente, a atração entre eles, tão súbita e tão forte, acaba não convencendo muito. Apesar disso, por algum motivo obscuro, eu acabei gostando mais do que o esperado (talvez porque ele seja esteticamente lindo ou por pura identificação com a personagem), mas reconheço que poderia ter sido melhor desenvolvido em vários aspectos.
Eu fico realmente surpresa cada vez que vejo alguém chamando Bergman de arrogante. Não vejo nada, nada de arrogância nele, muito pelo contrário. Nesse documentário, ele é de uma simplicidade e uma sinceridade absurdamente cativantes. Aliás, o documentário em si é bastante delicado também, quase tão introspectivo quanto os filmes dele, melancolicamente poético... Gostei especialmente de ver ele já velho assistindo às próprias entrevistas quando mais novo, um momento meio Morangos Silvestres da vida real. Lindo, muito lindo.
Além dos dilemas morais relativos à religião e à cultura (que ajudam a evidenciar que todos os lados têm sua razão, seus motivos, assim como também cometeram alguma falta), me chamou a atenção a ideia de que, no meio de uma tragédia, o "não tenho nada a perder" cria essa necessidade de colocar a culpa no outro, de encontrar um responsável sobre o qual se possa jogar toda a dor da situação. Só não dou 5 estrelas porque o final me decepcionou um pouco, senti que ficou meio inacabado, merecia uma finalização melhor. Mas... Filme dolorosamente humano. E bonito.
A fina linha entre ficção e realidade e toda a ideia de voyeurismo (especialmente ligado à escrita) me lembraram muito Swimming Pool, outro do mesmo diretor. Mas aqui acho que Ozon acrescenta um novo elemento que não existe, até onde eu lembro, no outro: o leitor. O voyeurismo parte daquele que escreve, mas atinge principalmente aquele que lê, ou seja, Germain e a mulher. É interessante pensar até que em certo momento do filme a gente deixa de acompanhar uma relação professor/aluno e passa a ver uma relação autor/leitor: Germain, quase sem perceber, já ocupou a posição de leitor, com tudo que isso acarreta, e é capaz de fazer coisas eticamente questionáveis (como a situação da prova) em nome da sua curiosidade, da sua obsessão pela continuação da história.
Gostei especialmente de uma cena em que Claude diz que sempre há um jeito de se entrar em qualquer casa. A perversão voyeurística que a gente encontra no olhar do menino escritor o filme inteiro é, na verdade, espelho da nossa própria perversão não só enquanto leitores (acompanhantes da história), mas enquanto espectadores - e, por que não dizer, enquanto seres humanos no geral. Em uma época de BBBs e outros realities, paparazzi e celebridades, vidas pessoais narradas no Twitter e fotografadas diariamente no Instagram, nada me parece tão atual quanto a obsessão pelo que se esconde dentro de cada casa. Ótimo filme (pros apaixonados por literatura, então, mais ainda).
Trilha sonora, fotografia, roteiro, química absurda entre os 3 atores. Não saberia nem por onde começar. Sei que, pra mim, foi um daqueles filmes que puxam a gente pelas pernas e, quando a gente percebe, já tá dentro, já tá querendo viver ali também. Talvez eu tenha me identificado com a cinefilia dos personagens, talvez tenha me contaminado pela inquietação revolucionária deles ou pela vivacidade insana (e levemente perturbada), não sei. Mas foi um filme que me ganhou no primeiro segundo e ficou ecoando em mim horas e horas depois de assistido. Se tenho algum comentário negativo, é só que:
Eu ia dizer que esse filme me fez pensar sobre várias questões a respeito da monogamia e da (im)possibilidade de fidelidade em uma relação longa, mas na verdade acho que essas questões já existiam em mim, o filme só fez puxar o gatilho. De qualquer forma, acho sim que ele levanta uma discussão muito boa sobre os tipos possíveis de relacionamento em oposição aos modelos padrões que a gente tem (e costuma acreditar que são os únicos realmente válidos).
O final é obviamente subjetivo e totalmente aberto a interpretações, mas eu enxerguei como uma metáfora pra libertação da Gabrielle.
Depois de tanto tempo reprimindo seus desejos de acordo com o que era moralmente aceitável pros padrões sociais, ela finalmente se deixa levar e vai. Livre das amarras do que as nossas convenções determinaram como sendo correto ou adequado.
Me chamou a atenção, inclusive, como os personagens preferem mentir a admitir que sentem desejo por outras pessoas fora do casamento, tamanha é a ideia, culturalmente construída, de que a infidelidade é o que há de mais imperdoável. No fim das contas, acho que o filme questiona exatamente isso. Entre o se apaixonar por 2 pessoas ao mesmo tempo, a solidão de um casamento desgastado, o sexo casual... o que (e quem) tá errado e o que (e quem) tá certo?
Não foi um dos melhores filmes franceses que eu já vi, me parece riscar na superfície em relação a vários personagens e situações (na realidade, acho que só Gabrielle e Vincent são realmente bem aproveitados, o resto fica pairando ao redor), mas... traz umas boas reflexões, tem a linda da Charlotte e uma trilha sonora ótima. Gostei de ter visto.
Me incomodou um pouco a visão meio maniqueísta dos personagens, aqueles papeis já estabelecidinhos da menina invejosa que faz intrigas, a revoltada que só quer ir embora, o menino que toma atitudes bestas por conta da suposta popularidade, etc. etc. Apesar disso, eu diria que é um filme despretensioso, simples até, mas bastante amável. Alma e seus conflitos, seu isolamento doloroso, o silêncio imposto pela mãe que não abre espaço nem sequer pra diálogo, e uma sexualidade que - por nascer dentro de uma sociedade em que a mulher não tem esse direito - passa de saudável a doentia, de libertadora a condenadora. Esse fardo carregado por Alma durante o filme inteiro é, no fundo, o fardo de toda mulher. A diferença é que, ao invés de abaixar a cabeça e aceitar ser reprimida, como muitas fazem, ela se impõe, não permite em momento nenhum que transformem o seu desejo em auto-recriminação, não se deixa castrar por essas convenções machistas segundo as quais tesão é coisa de homem enquanto à mulher cabe o papel de princesa, pura, romântica e imaculada. Alma não se rende em momento nenhum e talvez seja exatamente essa a ideia daquele final que, a princípio, poderia soar bastante bobo e convencional:
a partir da postura dela de não se render, de impor o seu direito à sexualidade, resta ao outro, no fim das contas, o aceitar e o respeitar.
Enfim, um bom filme. Se perde em alguns momentos, se rende a alguns clichês, mas traz uma discussão ótima e mostra com muita honestidade um assunto que costuma ser frequentemente camuflado e ignorado (já que, quando se fala em sexualidade adolescente, 99% das vezes se fala é da perspectiva masculina). Gostei muito de ter visto.
(tipo a filha dela casar e ter filho de uma forma tão súbita, sendo que, pouco antes, dizia ter medo de se apaixonar)
Mas... O filme é de uma leveza tão boa, Diane Keaton coloca tanta alma em tudo que diz, que acaba sendo um daqueles filmes gostosos de ver, que a gente ri chorando ou chora rindo e sente vontade de ir abraçar os personagens em algum momento. Gosto muito. Dentro do gênero, é um dos que gosto mais.
Tô desde ontem tentando descobrir o que dizer sobre esse filme. Apaixonada pelo roteiro, fascinada pelo Marquês... é claro que o filme é só baseado na vida dele, mas acredito que a personalidade forte, contestadora e ferina que o Geoffrey Rush colocou no personagem foi bastante compatível com a da vida real.
Inclusive: será possível terminar de ver esse filme sem querer dar pro Marquês? Ou eu sou a única louca?
Ótimo pra gente pensar em quão quadrada e reprimida é a sociedade (e em como, infelizmente, isso mudou menos do que deveria ter mudado daquela época até os dias de hoje). Felizmente, vez ou outra aparece um Sade pra gritar nos ouvidos hipócritas as verdades que eles tentam ignorar.
Não sei se é porque eu tava esperando pouquíssimo (por conta dos comentários horríveis daqui), mas eu gostei. Vejo várias falhas realmente, me irritou aquela dramaticidade meio forçada, com a trilha sonora insistente que parece induzir a gente à tristeza, e a impressão de que o tema poderia ter sido mais aprofundado de alguma forma... Mas... Gosto bastante desse pessimismo com um quê de esperança, uma certa brecha na decadência, e o "l'appel du vide" que o filme evoca a cada cena.
Inclusive, o "l'appel du vide" que a Elisabeth diz ter sido a causa da tentativa de suicídio (e que é traduzido como "medo do vazio") me parece resumir muito bem o filme. L'appel du vide não é só o medo do vazio, mas sim uma expressão que poderia ser traduzida como "o chamado do abismo", ou seja, a urgência que se sente diante do vazio, o impulso de se jogar nele na mesma medida em que, por medo, se recua... E não é exatamente isso o que o amor faz? Em uma cena quase no final do filme, Paul diz: "no amor, é cada um por si". Sim, cada um por si. Se o abismo chama, ninguém sente o impulso pela gente nem tampouco pode impedir o salto. Mesmo sabendo que a queda é certa. E, no fim das contas, o filme inteiro me parece ser isso, o acompanhamento do chamado e da queda, experimentados de formas diferentes por cada um dos personagens, mas sempre presentes.
Enfim, concordo que ele poderia ser melhor e que dá a impressão de ter tropeçado (ou exagerado) em alguns pontos, mas me alcançou de alguma forma. Gostei bastante.
Ai, Amour, difícil saber o que dizer. Minha sensação é de ter entrado no cinema com 22 anos e ter saído com 85. Que peso, meu deus. Delicadamente devastador: o amor enquanto salvação e condenação simultâneas. O que me chama a atenção é que, mesmo a morte dominando cada uma das cenas (entre silêncios e diálogos), mesmo a morte ocupando a tela inteira, o verdadeiro personagem principal não é ela, é o amor, aquele que fica camuflado, subentendido, aparecendo discretamente numa brechinha qualquer bem pequena, mas que não se permite ser vencido.
Se, por um lado, é visível que a doença e a morte tornam quase impossível a sobrevivência de qualquer outra coisa (como mostrado no momento em que Georges sugere à filha que falem de outro assunto, e ela - com um rosto molhado de choro e um olhar doloridíssimo - pergunta "falar de que?", lembrando que já não existe essa possibilidade, já não existem outros assuntos possíveis), por outro lado, fica marcada a cena terrivelmente triste e bonita em que Georges estimula Anne a cantar: "sur le pont d'Avignon, on y danse, on y danse..." Dançar sobre a ponte! Mesmo no meio dessa travessia dolorosa que é a velhice, no meio dessa ponte na qual ninguém quer pisar, na qual todos tentam inutilmente recuar, mesmo nela: continuar dançando... quase sem voz, quase sem fôlego, quase sem pernas, mas continuar dançando.
Haneke foi de uma secura quase cruel nesse filme (e isso sem nem entrar nas atuações surrealmente boas, Riva merecendo todos os prêmios e um pouco mais). Quando chegam os créditos, vazios de música, a gente fica lá parado, tentando não morrer junto e aceitar que, como disse uma senhora do meu lado no cinema, "é a vida". Pois é, é a vida.
A questão que ficou em mim depois de assistir Carnage é: afinal, o que é ser civilizado? Cobrir com suficiente maquiagem os nossos impulsos animais que as crianças tão bem exploram (até, obviamente, serem podadas pelos próprios pais, professores e derivados)? Se deixar entupir por Coca-cola pra sufocar os enjoos de cada dia? Demonstrar compaixão pela África, convenientemente tão longe, e ser incapaz de ver no outro, tão mais próximo, um reflexo de si mesmo? Se são essas as noções de comportamento civilizado que a nossa sociedade sustenta, Polanski faz com esse filme uma pergunta fundamental: pra quê exatamente nós estamos adestrando as nossas crianças? Vomitar refrigerantes artificiais sobre livros de arte talvez nem sequer lidos mas lindamente ostentados na mesinha da sala? Ou: o que são esses impulsos (os dentes quebrados da criança, o celular jogado na água, a palavra usada como arma) que a gente, com tanto esforço, tenta varrer pra baixo do tapete?
Com tantos e tantos diálogos (que parecem voltar pros mesmos pontos e não avançar realmente), o desgaste do filme é mesmo inevitável. No final, até a gente termina esgotado, descompensado, como se soubesse, no fundo, que a maquiagem arrancada do rosto dos quatro personagens sai é do nosso próprio rosto também. A carnificina sempre vence a briga.
de, curiosamente, o que se envolveu com a gordinha ser exatamente o cego, me lembrando um pouco a premissa do filme (odioso) "O amor é cego", no qual se parte da ideia de que a gordura é sempre uma feiura, um defeito ou um "apesar de" que o amor, apenas por ser cego aos defeitos, consegue superar. Um filme que preza tanto pela beleza encontrada nas imperfeições e pela valorização das singularidades de cada um poderia ter seguido um caminho um pouco diferente nesse aspecto.
Apesar disso, filme incrivelmente sensível e delicado na abordagem do tema. Ficou ecoando em mim dias e dias depois. Favoritado com certeza.
Realmente, concordo que não seja o melhor do Woody Allen, mas eu gostei bastante sim. É um filme divertido e, entre um sorriso e outro, Woody coloca questões interessante sobre o dilema "corpo x espírito" (que se manifesta até nas constantes indagações dos personagens sobre a diferença entre amor e desejo sexual). Se existe ou não existe algo para além da matéria, ou se existe amor sem sexo e sexo sem amor, são perguntas que cada personagem vai responder à sua própria maneira. Não acho que o final tenha sido uma apologia à metafísica nem nada disso, mas talvez uma forma de Woody dizer que a própria verdade é subjetiva. Enfim, um filme gostoso de assistir, com algumas referências sutis a Bergman e outras mais nítidas a Shakespeare, além de - claro, se tratando de Woody Allen - algumas risadas. Gostei.
Confesso que não tava esperando grande coisa, mas me surpreendi. A dinâmica entre os dois é bem interessante, todo o desgaste, a destruição mútua e os sentimentos contraditórios e misturados me lembraram Quem tem medo de Virginia Woolf. Isso sem falar nas atuações ótimas também. Bom filme, gostei bastante.
Força Maior
3.6 241Força maior é um filme que parte de uma questão simples pra entrar em uma longa, interminável e complexa DR. O que realmente torna o filme interessante, no entanto, não é exatamente a DR, as questões referentes ao relacionamento do casal e como esse foi abalado pela fuga de Tomas, mas sim a desconstrução de conceitos bem mais universais e surpreendentemente complexos. Do pesado conceito de masculinidade (que parece desmoronar Tomas lentamente ao longo do filme) ao confortável lugar comum do "instinto materno" (que também parece naturalizar a atitude da mulher e dar ao homem uma espécie de carta branca, quando não deveria ser assim), são muitas as questões que envolvem o dilema do casal. Isso sem falar na clássica questão do instinto de sobrevivência.
Durante o filme, foi impossível não pensar que, no momento em que se afoga, uma pessoa é capaz de puxar qualquer outra (filha, mãe ou o que for), apenas pra ter algo em que se apoiar e conseguir voltar à superfície. Se Tomas estava sendo punido por ter sido simplesmente humano, se estava pagando caro pelas expectativas heroicas que o nosso modelo de moralidade parece impor, ou se estava, também, desmontando sob o peso de um conceito de masculinidade despejado sobre os homens desde o início da vida, Ebba, por outro lado, parece ter sido treinada para carregar o "instinto materno" como parte de sua fórmula feminina, e só a partir da crise do marido é que começa a perceber quão igualmente pesada (e frágil) é essa imposição.
Enfim, com todos os seus silêncios e suas músicas repentinas e pesadas, questões interessantes e complexas, Força maior me surpreendeu bastante. Se o cinema serve, em alguma medida, pra bagunçar a nossa concepção de mundo e fazer com que a gente repense concepções já cristalizadas, então Força maior, com certeza, cumpre o seu papel.
Magia ao Luar
3.4 569 Assista AgoraRealmente não foi um dos meus favoritos do Woody. Como em tantos outros filmes, ele traz uma questão interessante: a lógica racional e pessimista vs. o desejo de acreditar em algo além; a mortalidade nua e crua vs. a necessária ilusão de uma transcendência. É uma discussão ótima, e tantas vezes abordada pelo Woody (dessa vez perfeitamente encarnado no personagem de Colin Firth), mas a história onde essa questão é levantada ficou tão fraca que a gente acaba não se envolvendo como deveria. Não sei exatamente o que falta: mais complexidade na trama e nos personagens, mais química entre eles... talvez um pouco de cada. Mas, enfim, como disseram aqui: um Woody fraco ainda me parece mais forte que muitos outros diretores por aí.
Encontros no Fim do Mundo
4.3 22Não sei se mais alguém terminou o documentário obcecado com formas de ir pra Antártida, mas Herzog me deixou verdadeiramente fascinada (não só com as perguntas com as quais ele começa o filme, mas com as eventuais respostas indiretas que vão aparecendo; respostas que, por sua vez, vão se desdobrando em novas perguntas, e por aí vai). A sensação é um pouco como alguém falou aqui embaixo: o espanto de ver quanta coisa existe para além do que a gente vê e imagina e supõe. A cena do pinguim é uma das cenas mais absurdamente tristes e lindas que eu já vi na vida.
Enfim, filme que eu resumiria com a palavra "espanto". E tudo de impacto que esse espanto traz.
Os Amantes Passageiros
3.1 648 Assista AgoraTem momentos divertidos e ainda carrega aquele toque surreal que quem é fã do Almodóvar adora, mas, no geral, achei um pouco apelativo. Mesmo em comparação às outras comédias do diretor, cujo tom é mais leve, esse fica um pouco abaixo. Vale pela atuação dos vários queridinhos almodovarianos, todos sempre maravilhosos (com Javier Cámara roubando a cena lindamente).
Os Reis do Verão
3.6 422 Assista AgoraAcho que só eu achei o filme ruim. Ou não exatamente ruim, mas mal aproveitado. As tentativas de humor são constrangedoras de tão terríveis. Se o filme tivesse se assumido como um drama, teria sido um drama incrível, mas esse pseudo-humor forçado acaba impedindo o nosso apego pelos personagens e pelo desenvolvimento da história. Pra mim, não passa do "quase".
O Cavalo de Turim
4.2 211Filme sensacional, embora a experiência de assistir seja terrível. Todo o tédio e o vazio que vão crescendo no espectador ao longo do filme são nada mais que o reflexo do tédio e do vazio dos personagens em sua vida completamente miserável. Chegou um ponto que eu já estava rezando pra acabar, verificando os minutos, e fiquei com a impressão de ter morrido umas 15 vezes durante aquelas 2 horas. Chama a atenção, principalmente, a precisão dos gestos, tão automáticos e esvaziados, repetindo meticulosamente a rotina (como se nela eles ainda encontrassem algum pilar de sobrevivência, algum apoio), e o silêncio completo dos personagens, mostrando que o nada se tornou tão concreto que não há mais espaço nem pra palavra. Só a sequência inicial já faz valer a pena, um dos inícios mais bonitos que eu já vi. Impossível não tomar a dor do cavalo pra si e compreender perfeitamente o abraço desesperado de Nietzsche.
O Amante da Rainha
4.0 365 Assista AgoraFui a única que não gostou muito da atuação da Alicia Vikander, pelo visto. Achei a atriz extremamente sem sal e acho que essa falta de carisma do personagem foi um dos motivos principais por eu não ter conseguido me apegar tanto à história. Em compensação, Mads Mikkelsen e Mikkel Boe Følsgaard estão sensacionais e a questão histórica é abordada de forma bastante interessante (se tornando, inclusive, mais interessante que a própria história de amor dos dois).
A Pequena Loja de Suicídios
3.7 774A ideia é ótima, mas me incomodou um pouco o tom exagerado de alguns personagens (aquela criança era irritantemente feliz, não parecia nem real), além da cantoria que eu dispensaria se pudesse. Também fiquei revoltada com o final, como falaram aí, em relação àquele último crepe totalmente desnecessário. Enfim, foi divertido de assistir, traz umas críticas interessantes sobre a época pró-depressão que a gente vive hoje, mas ainda acho que poderiam ter explorado melhor a ideia.
Contos de Nova York
3.5 267 Assista AgoraGostei do conto do Scorsese, apesar de achar que ele poderia ter sido mais aprofundado de alguma forma (senti que ficou faltando algo pra decolar realmente) e o Woody, como sempre, ótimo. Só o do Coppola que me pareceu mais um filme da sessão da tarde, achei que destoou completamente dos outros dois.
Anna Karenina
3.7 1,2K Assista AgoraAnna Karenina me divide um pouco. Por um lado, a direção de arte é absurda e eu gostei muito dessa montagem "semi-teatral" que fizeram, assim como alguns recursos super interessantes (como a ideia de imobilizar todos os outros casais enquanto eles dançam), mas, ao mesmo tempo, fica a sensação de que o filme não decola como deveria em momento nenhum. Acho que o roteiro tem algumas falhas, não deixa a trama inteiramente clara, e aprofunda pouco os dois personagens principais. Anna ainda consegue criar empatia por conta da atuação da Keira, mas o Vronsky do Aaron Johnson não poderia ser mais sem sal. Consequentemente, a atração entre eles, tão súbita e tão forte, acaba não convencendo muito. Apesar disso, por algum motivo obscuro, eu acabei gostando mais do que o esperado (talvez porque ele seja esteticamente lindo ou por pura identificação com a personagem), mas reconheço que poderia ter sido melhor desenvolvido em vários aspectos.
A Ilha de Bergman
4.2 20Eu fico realmente surpresa cada vez que vejo alguém chamando Bergman de arrogante. Não vejo nada, nada de arrogância nele, muito pelo contrário. Nesse documentário, ele é de uma simplicidade e uma sinceridade absurdamente cativantes. Aliás, o documentário em si é bastante delicado também, quase tão introspectivo quanto os filmes dele, melancolicamente poético... Gostei especialmente de ver ele já velho assistindo às próprias entrevistas quando mais novo, um momento meio Morangos Silvestres da vida real. Lindo, muito lindo.
A Separação
4.2 726Além dos dilemas morais relativos à religião e à cultura (que ajudam a evidenciar que todos os lados têm sua razão, seus motivos, assim como também cometeram alguma falta), me chamou a atenção a ideia de que, no meio de uma tragédia, o "não tenho nada a perder" cria essa necessidade de colocar a culpa no outro, de encontrar um responsável sobre o qual se possa jogar toda a dor da situação. Só não dou 5 estrelas porque o final me decepcionou um pouco, senti que ficou meio inacabado, merecia uma finalização melhor. Mas... Filme dolorosamente humano. E bonito.
Dentro da Casa
4.1 553 Assista AgoraA fina linha entre ficção e realidade e toda a ideia de voyeurismo (especialmente ligado à escrita) me lembraram muito Swimming Pool, outro do mesmo diretor. Mas aqui acho que Ozon acrescenta um novo elemento que não existe, até onde eu lembro, no outro: o leitor. O voyeurismo parte daquele que escreve, mas atinge principalmente aquele que lê, ou seja, Germain e a mulher. É interessante pensar até que em certo momento do filme a gente deixa de acompanhar uma relação professor/aluno e passa a ver uma relação autor/leitor: Germain, quase sem perceber, já ocupou a posição de leitor, com tudo que isso acarreta, e é capaz de fazer coisas eticamente questionáveis (como a situação da prova) em nome da sua curiosidade, da sua obsessão pela continuação da história.
Gostei especialmente de uma cena em que Claude diz que sempre há um jeito de se entrar em qualquer casa. A perversão voyeurística que a gente encontra no olhar do menino escritor o filme inteiro é, na verdade, espelho da nossa própria perversão não só enquanto leitores (acompanhantes da história), mas enquanto espectadores - e, por que não dizer, enquanto seres humanos no geral. Em uma época de BBBs e outros realities, paparazzi e celebridades, vidas pessoais narradas no Twitter e fotografadas diariamente no Instagram, nada me parece tão atual quanto a obsessão pelo que se esconde dentro de cada casa. Ótimo filme (pros apaixonados por literatura, então, mais ainda).
Os Sonhadores
4.1 1,9K Assista AgoraTrilha sonora, fotografia, roteiro, química absurda entre os 3 atores. Não saberia nem por onde começar. Sei que, pra mim, foi um daqueles filmes que puxam a gente pelas pernas e, quando a gente percebe, já tá dentro, já tá querendo viver ali também. Talvez eu tenha me identificado com a cinefilia dos personagens, talvez tenha me contaminado pela inquietação revolucionária deles ou pela vivacidade insana (e levemente perturbada), não sei. Mas foi um filme que me ganhou no primeiro segundo e ficou ecoando em mim horas e horas depois de assistido. Se tenho algum comentário negativo, é só que:
estou até agora esperando o Louis Garrel pegar de jeito o Michael Pitt.
E Viveram Felizes Para Sempre
3.4 96Eu ia dizer que esse filme me fez pensar sobre várias questões a respeito da monogamia e da (im)possibilidade de fidelidade em uma relação longa, mas na verdade acho que essas questões já existiam em mim, o filme só fez puxar o gatilho. De qualquer forma, acho sim que ele levanta uma discussão muito boa sobre os tipos possíveis de relacionamento em oposição aos modelos padrões que a gente tem (e costuma acreditar que são os únicos realmente válidos).
O final é obviamente subjetivo e totalmente aberto a interpretações, mas eu enxerguei como uma metáfora pra libertação da Gabrielle.
Depois de tanto tempo reprimindo seus desejos de acordo com o que era moralmente aceitável pros padrões sociais, ela finalmente se deixa levar e vai. Livre das amarras do que as nossas convenções determinaram como sendo correto ou adequado.
Não foi um dos melhores filmes franceses que eu já vi, me parece riscar na superfície em relação a vários personagens e situações (na realidade, acho que só Gabrielle e Vincent são realmente bem aproveitados, o resto fica pairando ao redor), mas... traz umas boas reflexões, tem a linda da Charlotte e uma trilha sonora ótima. Gostei de ter visto.
Me Excita, Droga!
3.1 208Me incomodou um pouco a visão meio maniqueísta dos personagens, aqueles papeis já estabelecidinhos da menina invejosa que faz intrigas, a revoltada que só quer ir embora, o menino que toma atitudes bestas por conta da suposta popularidade, etc. etc. Apesar disso, eu diria que é um filme despretensioso, simples até, mas bastante amável. Alma e seus conflitos, seu isolamento doloroso, o silêncio imposto pela mãe que não abre espaço nem sequer pra diálogo, e uma sexualidade que - por nascer dentro de uma sociedade em que a mulher não tem esse direito - passa de saudável a doentia, de libertadora a condenadora. Esse fardo carregado por Alma durante o filme inteiro é, no fundo, o fardo de toda mulher. A diferença é que, ao invés de abaixar a cabeça e aceitar ser reprimida, como muitas fazem, ela se impõe, não permite em momento nenhum que transformem o seu desejo em auto-recriminação, não se deixa castrar por essas convenções machistas segundo as quais tesão é coisa de homem enquanto à mulher cabe o papel de princesa, pura, romântica e imaculada. Alma não se rende em momento nenhum e talvez seja exatamente essa a ideia daquele final que, a princípio, poderia soar bastante bobo e convencional:
a partir da postura dela de não se render, de impor o seu direito à sexualidade, resta ao outro, no fim das contas, o aceitar e o respeitar.
Enfim, um bom filme. Se perde em alguns momentos, se rende a alguns clichês, mas traz uma discussão ótima e mostra com muita honestidade um assunto que costuma ser frequentemente camuflado e ignorado (já que, quando se fala em sexualidade adolescente, 99% das vezes se fala é da perspectiva masculina). Gostei muito de ter visto.
Alguém Tem Que Ceder
3.4 474 Assista AgoraConfesso que o final me decepciona um pouco, acho muitos clichês e soluções fáceis
(tipo a filha dela casar e ter filho de uma forma tão súbita, sendo que, pouco antes, dizia ter medo de se apaixonar)
Contos Proibidos do Marquês de Sade
3.9 424Tô desde ontem tentando descobrir o que dizer sobre esse filme. Apaixonada pelo roteiro, fascinada pelo Marquês... é claro que o filme é só baseado na vida dele, mas acredito que a personalidade forte, contestadora e ferina que o Geoffrey Rush colocou no personagem foi bastante compatível com a da vida real.
Inclusive: será possível terminar de ver esse filme sem querer dar pro Marquês? Ou eu sou a única louca?
Ótimo pra gente pensar em quão quadrada e reprimida é a sociedade (e em como, infelizmente, isso mudou menos do que deveria ter mudado daquela época até os dias de hoje). Felizmente, vez ou outra aparece um Sade pra gritar nos ouvidos hipócritas as verdades que eles tentam ignorar.
Um Verão Escaldante
3.0 121Não sei se é porque eu tava esperando pouquíssimo (por conta dos comentários horríveis daqui), mas eu gostei. Vejo várias falhas realmente, me irritou aquela dramaticidade meio forçada, com a trilha sonora insistente que parece induzir a gente à tristeza, e a impressão de que o tema poderia ter sido mais aprofundado de alguma forma... Mas... Gosto bastante desse pessimismo com um quê de esperança, uma certa brecha na decadência, e o "l'appel du vide" que o filme evoca a cada cena.
Inclusive, o "l'appel du vide" que a Elisabeth diz ter sido a causa da tentativa de suicídio (e que é traduzido como "medo do vazio") me parece resumir muito bem o filme. L'appel du vide não é só o medo do vazio, mas sim uma expressão que poderia ser traduzida como "o chamado do abismo", ou seja, a urgência que se sente diante do vazio, o impulso de se jogar nele na mesma medida em que, por medo, se recua... E não é exatamente isso o que o amor faz? Em uma cena quase no final do filme, Paul diz: "no amor, é cada um por si". Sim, cada um por si. Se o abismo chama, ninguém sente o impulso pela gente nem tampouco pode impedir o salto. Mesmo sabendo que a queda é certa. E, no fim das contas, o filme inteiro me parece ser isso, o acompanhamento do chamado e da queda, experimentados de formas diferentes por cada um dos personagens, mas sempre presentes.
Enfim, concordo que ele poderia ser melhor e que dá a impressão de ter tropeçado (ou exagerado) em alguns pontos, mas me alcançou de alguma forma. Gostei bastante.
Amor
4.2 2,2K Assista AgoraAi, Amour, difícil saber o que dizer. Minha sensação é de ter entrado no cinema com 22 anos e ter saído com 85. Que peso, meu deus. Delicadamente devastador: o amor enquanto salvação e condenação simultâneas. O que me chama a atenção é que, mesmo a morte dominando cada uma das cenas (entre silêncios e diálogos), mesmo a morte ocupando a tela inteira, o verdadeiro personagem principal não é ela, é o amor, aquele que fica camuflado, subentendido, aparecendo discretamente numa brechinha qualquer bem pequena, mas que não se permite ser vencido.
Se, por um lado, é visível que a doença e a morte tornam quase impossível a sobrevivência de qualquer outra coisa (como mostrado no momento em que Georges sugere à filha que falem de outro assunto, e ela - com um rosto molhado de choro e um olhar doloridíssimo - pergunta "falar de que?", lembrando que já não existe essa possibilidade, já não existem outros assuntos possíveis), por outro lado, fica marcada a cena terrivelmente triste e bonita em que Georges estimula Anne a cantar: "sur le pont d'Avignon, on y danse, on y danse..." Dançar sobre a ponte! Mesmo no meio dessa travessia dolorosa que é a velhice, no meio dessa ponte na qual ninguém quer pisar, na qual todos tentam inutilmente recuar, mesmo nela: continuar dançando... quase sem voz, quase sem fôlego, quase sem pernas, mas continuar dançando.
Haneke foi de uma secura quase cruel nesse filme (e isso sem nem entrar nas atuações surrealmente boas, Riva merecendo todos os prêmios e um pouco mais). Quando chegam os créditos, vazios de música, a gente fica lá parado, tentando não morrer junto e aceitar que, como disse uma senhora do meu lado no cinema, "é a vida". Pois é, é a vida.
Deus da Carnificina
3.8 1,4KA questão que ficou em mim depois de assistir Carnage é: afinal, o que é ser civilizado? Cobrir com suficiente maquiagem os nossos impulsos animais que as crianças tão bem exploram (até, obviamente, serem podadas pelos próprios pais, professores e derivados)? Se deixar entupir por Coca-cola pra sufocar os enjoos de cada dia? Demonstrar compaixão pela África, convenientemente tão longe, e ser incapaz de ver no outro, tão mais próximo, um reflexo de si mesmo? Se são essas as noções de comportamento civilizado que a nossa sociedade sustenta, Polanski faz com esse filme uma pergunta fundamental: pra quê exatamente nós estamos adestrando as nossas crianças? Vomitar refrigerantes artificiais sobre livros de arte talvez nem sequer lidos mas lindamente ostentados na mesinha da sala? Ou: o que são esses impulsos (os dentes quebrados da criança, o celular jogado na água, a palavra usada como arma) que a gente, com tanto esforço, tenta varrer pra baixo do tapete?
Com tantos e tantos diálogos (que parecem voltar pros mesmos pontos e não avançar realmente), o desgaste do filme é mesmo inevitável. No final, até a gente termina esgotado, descompensado, como se soubesse, no fundo, que a maquiagem arrancada do rosto dos quatro personagens sai é do nosso próprio rosto também. A carnificina sempre vence a briga.
Hasta La Vista: Venha Como Você É
4.1 90Melancolicamente lindo! Do tipo que a gente ri com o olho cheio de lágrima. Só tenho uma pequena restrição que é o fato
de, curiosamente, o que se envolveu com a gordinha ser exatamente o cego, me lembrando um pouco a premissa do filme (odioso) "O amor é cego", no qual se parte da ideia de que a gordura é sempre uma feiura, um defeito ou um "apesar de" que o amor, apenas por ser cego aos defeitos, consegue superar. Um filme que preza tanto pela beleza encontrada nas imperfeições e pela valorização das singularidades de cada um poderia ter seguido um caminho um pouco diferente nesse aspecto.
Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão
3.4 103Realmente, concordo que não seja o melhor do Woody Allen, mas eu gostei bastante sim. É um filme divertido e, entre um sorriso e outro, Woody coloca questões interessante sobre o dilema "corpo x espírito" (que se manifesta até nas constantes indagações dos personagens sobre a diferença entre amor e desejo sexual). Se existe ou não existe algo para além da matéria, ou se existe amor sem sexo e sexo sem amor, são perguntas que cada personagem vai responder à sua própria maneira. Não acho que o final tenha sido uma apologia à metafísica nem nada disso, mas talvez uma forma de Woody dizer que a própria verdade é subjetiva. Enfim, um filme gostoso de assistir, com algumas referências sutis a Bergman e outras mais nítidas a Shakespeare, além de - claro, se tratando de Woody Allen - algumas risadas. Gostei.
Entrevista
3.4 27Confesso que não tava esperando grande coisa, mas me surpreendi. A dinâmica entre os dois é bem interessante, todo o desgaste, a destruição mútua e os sentimentos contraditórios e misturados me lembraram Quem tem medo de Virginia Woolf. Isso sem falar nas atuações ótimas também. Bom filme, gostei bastante.