Seria uma sátira ou homenagem aos filmes e à estética de Yasujiro Ozu? Provavelmente um pouco de cada. Os enredos de dramas familiares, com casais conflituosos ou com filhas solteiras em dúvida se devem se casar ou não, são aqui subvertidos para um drama familiar quase pornográfico e quase incestuoso (com imagens até bem comportadas, na verdade, em comparação com outros filmes eróticos japoneses da época). Esteticamente, o filme não faz absolutamente sentido nenhum sem ter como refererência primordial os filmes de Ozu, parecendo até mesmo os atores estarem robotizados. Propositalmente, cada plano, cada enquadramento, cada encenação, cada movimento dos atores, é pensado pra fazer referência ao grande mestre do cinema clássico japonês, mas parecendo sempre no limiar entre o reverenciamento e a subversão. O enredo e as cenas de sexo são pouco empolgantes. O mais divertido e interessante mesmo é ver Ozu o tempo todo, com a cara dos anos 80.
Primeiro longa-metragem ficcional produzido em Santa Catarina, em Florianópolis. Inspirado no neo-realismo italiano e em Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos, representava questões sociais, tendo a própria cidade como cenário.
Mas devido à baixa qualidade ténica do som, o filme acabou não fazendo muito sucesso em sua época e, infelizmente, acabou por não ser preservado. Considerado perdido em quase sua totalidade, restam apenas 7 minutos da fita, trecho que pode facilmente ser encontrado no YouTube.
O documentário "O filme que ninguém viu" conta a história de sua produção.
Em 2008, foi feito o curta "Desilusão", um remake ambientado na Florianópolis contemporânea.
Praticamente um programa de televisão com números musicais e esquetes humorísticas, décadas antes do surgimento e popularização da televisão no Brasil. Clássicos das noites de sábado dos anos 1990 e 2000, como Sabadão Sertanejo e Zorra Total, são como se fossem netos de Alô, alô, Carnaval.
A história é praticamente uma versão brasileira, e com alta dose de erotismo, de O estranho que nós amamos, lançado dez anos antes. Em vez das paisagens rurais dos Estados Unidos, vemos as belíssimas praias ainda em estado natural da Florianópolis de 40 anos atrás. Em vez dos cogumelos, o machado.
Uma delícia reconhecer os belos morros da Praia Mole (esta ainda muito parecida hoje com o que se vê no filme), uma Barra da Lagoa que ainda era uma vila de pescadores, as dunas da Joaquina (bem mais altas naquela época).
Problemático na sinopse constar "interpretação mítico-religiosa" dos Guarani, quando o principal questionamento que eles trazem no filme é justamente a marginalização de todo o conhecimento ancestral indígena, relegado a mitos e crenças, frente a imposição da visão de mundo do homem branco. E isso não apenas quanto à religião, mas à própria visão sobre a história. Então é exatamente isso que o filme reivindica, sobre como eles próprios podem e devem narrar e escrever sua própria história, colocando os jesuítas e os colonizadores no seu devido papel de assassinos e destruidores de todo um universo que de fato foram.
Esse é um tipo de filme em que a sinopse, ou a historinha que nos é mostrada em primeiro plano, simplesmente não tem tanta importância para o filme em si. A busca dos dois personagens, por sua esposa e marido, respectivamente, é um mero pretexto para se mostrar a realidade social daquele lugar naquele momento, o que é feito de forma magistral através da fotografia, com seus planos longos e vistas panorâmicas. O impacto da construção da barragem na vida daquelas pessoas, os deslocamentos forçados, a perda de referências e de laços comunitários, as dificuldades financeiras e incertezas quanto ao futuro. Provavelmente muito do que se vê, como as constantes cenas de demolição, por exemplo, não eram encenadas especialmente para o filme, mas o diretor deve simplesmente ter se aproveitado de tais eventos reais pra enquadrar os personagens dentro daquele contexto. Vejo assim que a cidade, a represa e a comunidade que lá vivia são as absolutas protagonistas do filme. Sendo então um cenário que hoje deve estar em grande parte submerso, visto que a represa não havia ainda atingido seu nível máximo, Jia Zhang-Ke deixou para a posteridade um belíssimo registro de um lugar e momento que não existem mais.
Dos filmes soviéticos que já vi que foram realizados no período em que o Realismo Socialista vigorou como estilo artístico oficial na União Soviética, este me parece, até agora, o que melhor levou a atmosfera e a estética das pinturas, cartazes e murais para o cinema, tornando-o visualmente bastante peculiar.
Pinturas do Realismo Socialista em movimento, embaladas por músicas alegres festejando o trabalho coletivo e a vida comunitária nas fazendas coletivizadas.
Excelente e necessário filme. Sembène, mais uma vez, assim como em alguns de seus filmes anteriores, retrata de forma primorosa acontecimentos que a história oficial “heroica” imperialista/capitalista busca esconder. Não por acaso o filme foi por mais de dez anos censurado na França e até mesmo no Senegal, cujas elites governantes continuam a reproduzir uma mentalidade colonialista.
Muito se fala das atrocidades cometidas pela Alemanha nazista, enquanto que as outras potências imperialistas ocidentais construíram sua imagem como as grandes vencedoras da Segunda Guerra, lutando pela liberdade e pela democracia e contra a tirania. No entanto, ao olhar para a atuação destes mesmos países em suas colônias, especialmente na África, fica a questão se seriam os franceses e os Estados Unidos de fato tão diferentes da ideologia nazista a qual combatiam na Europa.
Certamente aponta algo bastante problemático deste nosso mundo contemporâneo, apesar de não apresentar nada que seja muita novidade. Embora traga uma necessária denúncia dos algoritmos que são “biased”, o documentário em si é extremamente "biased", ou seja parcial, tendencioso, até mesmo desonesto, eu diria.
Fica bem forçado querer pintar a China como o "grande malvadão comunista que quer controlar todo mundo", como se também os Estados Unidos não fossem o país que mais faz isso (e não apenas em seu próprio território), como se ser vigiado por empresas não fosse tão nocivo quanto ou até mais, porque faz isso vendendo uma falsa ideia de liberdade. Tipo, "que horror é ser controlado pelo Estado", mas vende a lorota de que num país "democrático", totalmente controlado por grandes corporações e pelo capital financeiro, basta aprovar uma lei no congresso que está tudo resolvido. Até tem uma mulher que compara a China com o Ocidente, e diz que a diferença é que a China é transparente, mas essa acusação contra o Ocidente acaba sendo relativizada com o final supostamente vitorioso no congresso. Então achei bastante tendencioso nesse sentido. E afinal qual é o país que usa de espionagem eletrônica e inteligência artificial pra causar instabilidade e promover golpes de Estado em outros países? Acho que não é a China.
Então, pra mim o que acabou me marcando, mais do que a denúncia que está trazendo, foi essa abordagem desonesta de acusar o outro relativizando e omitindo suas próprias falcatruas.
A bela fotografia em profundidade com diferentes ações acontecendo em camadas é um deleite visual. Vários filmes soviéticos desse período utilizaram magistralmente a técnica, dando grande valor ao cenário enquanto elemento fundamental para se construir a narrativa fílmica. Somente o visual, proporcionado pela fotografia e pelos cenários do vilarejo nevado, já torna o filme interessante.
Pode nos soar estranho uma comédia romântica soviética, que embora foque nas aproximações e desventuras amorosas do casal protagonista (de um modo bastante ingênuo aliás), traz embutidos valores de coletividade e do trabalho como modo de se construir e melhorar a vida em sociedade. O campo de trabalho acaba assim ganhando ares de uma colônia de férias. Valores estranhos para uma sociedade extremamente individualista como a nossa. A heroína do filme se mostra perplexa com as atitudes egoístas de sua colega de quarto, de modo que o espectador é também levado a antipatizar com ela.
Interessante notar também a força da protagonista enquanto mulher, que mesmo sendo bastante ingênua em alguns momentos, ao mesmo tempo não aceita desaforo de macho.
Em seu filme de estreia, A Negra de..., Sembène já havia impactado com a história da migrante senegalesa explorada na França, denunciando a herança do colonialismo na África e utilizando linguagem e técnica primorosas, que em absolutamente nada deixava a desejar para seus contemporâneos do Norte Global. Em Mandabi, seu primeiro filme em cores, mostra também um domínio incrível das técnicas cinematográficas. A qualidade das imagens é realmente impressionante, ainda mais considerando ser um filme africano independente dos anos 1960.
Além da questão técnica, através do deslumbrante visual colorido e de sua bela trilha sonora, Sembène nos imerge e aprofunda no ambiente social deixado para trás pela protagonista de seu filme anterior, de modo que vemos agora a vida dos que ficaram. Revela assim o contexto de miséria de um país que acabara de ganhar sua “liberdade” e que tentava ser moderno, mas que já anunciava que esta liberdade/modernidade não seriam acessíveis para todos, dificultando o acesso a um dos mais básicos direitos que é existir perante a lei. Sem documento não se pode pegar o dinheiro, sem dinheiro e contatos não se pode fazer documentos. Como resolver a questão?
O filme nos imerge também na cultura senegalesa, com alguns costumes que podem parecer estranhos para nós. Assim, se nos incomoda o modo como o protagonista trata suas duas esposas, ao mesmo tempo não há como não se solidarizar com ele por toda a injustiça sofrida devido a um sistema extremamente corrupto.
Um filme um pouco menos lembrado do Cinema Novo, também perceptivelmente inspirado no neorrealismo italiano, podendo ser visto como uma releitura de Obsessão, de Luchino Visconti, trazido para a realidade brasileira do período.
Embora não enfoque diretamente em questões sociais tais como em outros filmes mais consagrados do mesmo período, elas estão ali presentes também, diluídas em uma primeira camada narrativa que mostra o relacionamento nada saudável entre o casal, culminando no final trágico. Este enredo por si só, combinado com sua bela encenação e fotografia, já desperta o interesse, mas penso que ele serve de pretexto para evidenciar uma realidade social.
Diferente da maioria das obras do Cinema Novo, nas quais prevalecem as temáticas da miséria do sertão ou do caos das grandes cidades, vemos aqui um outro ambiente retratado, o de uma cidade do interior, não longe da capital, mas que ficou parada e estagnada no tempo, em que o projeto moderno desenvolvimentista da democracia prestes a ser interrompida por um golpe de Estado simplesmente nem dava o ar de sua graça por ali. Um lugar esquecido, pessoas vivendo precariamente em meio às ruínas de um passado glorioso de uma elite que simplesmente abandonara o local (fábricas, casarões e igrejas em ruínas). O discurso clamando por reforma agrária como prenúncio da tragédia nacional que se estenderia pelas próximas duas décadas.
Um filme em que acontece muita coisa mesmo sem acontecer nada, com toda a banalidade e monotonia de um cotidiano bastante opressor, registrado de forma monótona, mas extremamente bela. Fiquei imerso neste nada pelas primeiras duas horas, já totalmente sem esperança de que qualquer coisa interessante fosse acontecer ali. Na terceira hora já tinha se tornado cansativo, talvez me sentindo justamente como a protagonista, entediado com sua vida vazia, repetitiva e sem perspectivas. E num contexto em que ainda me encontro em isolamento por causa da pandemia, realizando as mesmas tarefas diariamente, cheguei até a imaginar uma câmera dentro da casa registrando estas tarefas banais do cotidiano.
Como a colega do comentário abaixo bem mencionou, me chamou também bastante a atenção o modo como, sem qualquer movimentação de câmera no filme inteiro, apenas com a variação de planos, ficamos extremamente familiarizados com a espacialidade daquele ambiente, ao ponto de a planta daquele apartamento ter sido bem desenhada na minha mente.
É uma belíssima obra de arte, sem dúvida, e que vale a pena ser conhecida, mas num dia que se esteja aberto à monotonia e ao tédio. Felizmente acabei vendo num dia propício pra isso.
Me lembrou bastante os filmes de perseguição lá da primeira década do século XX, mas com cores, movimentos de câmera e montagem, variação nos meios de locomoção, com quase todos os meios de transporte disponíveis, e uma hora e meia de duração.
o que acaba por tornar cansativo no final. Os próprios motivos da perseguição são bem nonsense.
Mas apesar do roteiro fraco e repetitivo, é interessante como documento histórico, tanto pelo contexto dos festivais musicais e da ascensão da cultura televisiva no Brasil dos anos 1960, como pelas locações, em lugares atualmente quase irreconhecíveis. Alguns anos atrás, as cenas gravadas em Joinville viralizaram nas redes sociais na cidade, causando nostalgia nos mais velhos e estranhamento nos mais jovens, por já não a reconhecerem ali.
Vale comentar também a expectativa de ver Wanderléa, Erasmo Carlos e Ronald Golias,
A fotografia fria e distorcida pelos ângulos inusitados e pelos intensos contrastes de luz e sombra presente no filme inteiro chega até a causar certo incômodo, mas é justamente o mais interessante do filme, desvelando o ambiente onde tudo se passa.
Além da fotografia expressionista, o que mais se destaca é que vemos aqui a Guerra Fria sob o ponto de vista soviético. A importância de se investir em tecnologia avançada e física nuclear para se contrapor ao poderio bélico americano.
"Se não tivéssemos construído bomba atômica, não estaríamos aqui conversando agora".
Medo de armas nucleares, mas o otimismo e orgulho de possuí-las. Cientistas que fazem tudo pela ciência, inclusive se contaminar com radioatividade. Medidas de segurança falhas pra evitar acidentes nucleares. Prenúncio de Chernobyl?
Temática e fotografia interessantes. Mas a frieza com que tudo é mostrado acaba deixando meio monótono às vezes, especialmente a narrativa sobre o triângulo amoroso.
Com momentos de tensão bem construídos, a partir de toda a encenação dentro de um espaço claustrofóbico e acontecimentos inesperados, o filme pode parecer apenas um filme com cenas violentas e sangrentas aleatórias feitas pra chocar o espectador, mas penso que pode dar margem a muitas interpretações. Assisti sem saber nada sobre o filme, apenas que tinha cenas violentas, mas já pelo título e pelo poster do Murilo Benício em frente ao espelho quebrado, imaginei que traria um retrato metafórico que desmascarasse a figura do “homem cordial”, arquétipo utilizado por Sérgio Buarque de Holanda para caracterizar e explicar o brasileiro, especialmente, mas não apenas, os homens de posse e poderosos, forjados a partir de uma sociedade escravocrata e violenta.
Enquanto para a sociedade veste a máscara da cordialidade/gentileza e do self-made man de sucesso, nos bastidores destila todo o seu preconceito e ódio de classe, pisa em cima de seus subalternos, fetichiza as armas e quer deter o monopólio da violência, mostrando assim o animal nada cordial que tem dentro de si. E que não importa o que façam ou digam, sempre haverá subalternos que o aplaudem, achando que são realmente estimados.
No Brasil, infelizmente, os animais cordiais nos últimos anos perderam a vergonha de mostrar a sua face desfigurada que é refletida no espelho.
Uma obra que marca uma virada no cinema soviético, quando a produção cinematográfica, sob forte controle do partido comunista, abandona totalmente a montagem construtivista da década anterior, e restringe a importação de filmes estrangeiros. Nesse contexto, passam a investir na produção de filmes leves e alegres para as massas, nitidamente inspirados nas comédias, animações e musicais hollywoodianos, sem, contudo, deixar de fora os ideais comunistas. Numa época em que sincronizar imagem e som era ainda bastante difícil, este é considerado o primeiro filme musical russo. E a influência do cinema americano é nítida aqui, como de Chaplin e até mesmo de Walt Disney, com gags e cenas de humor pastelão típicas dos filmes dos anos 30, havendo aí radical contraste com os filmes construtivistas anteriores. A própria abertura do filme, mostrando Chaplin, Harold Lloyd e Buster Keaton, os três maiores ícones das comédias mudas americanas, e satiricamente dizendo que eles não estão neste filme, já evidencia o quanto serviram de inspiração para a produção.
Excelente documento histórico, que buscou retratar a realidade de uma grande cidade do império colonial francês na África, já em seus últimos anos de dominação direta. Melhor dizendo, traz um recorte dessa realidade, mostrando a cidade e seu cotidiano através dos olhos do protagonista. Assim, vemos em plena década de 1950, na África, uma cidade já bastante moderna e ocidentalizada, embora a cultura e tradições do povo local estejam ali inseridas, seja se sincretizando com a cultura do dominador ou lutando para resistir em meio a tantas influências externas. Cowboys americanos e Marlon Brando como ídolos de jovens negros que tem os direitos mais básicos negados, uma juventude que luta pra se adaptar e sobreviver em meio a uma cidade moderna que não foi feita pra eles, embora pelas mãos deles. Passados mais de 60 anos, a realidade que se apresenta nas periferias do capitalismo se mostram muito diferentes da Abidjan dos anos 50?
Em alguns momentos lembra os filmes de Yasujiro Ozu, tanto pelas pitorescas e singelas imagens de paisagens, trens, interiores domésticos aconchegantes ou roupas penduradas no varal, bem como pela história narrada com extrema delicadeza.
Boa produção, com bonita fotografia, especialmente nas partes passadas na Manchúria 30 anos depois. Destaque ao plano sequência antes do encontro dos dois personagens sobreviventes da história original. Acho interessante saber o que teria acontecido com eles, inserindo-os em um outro acontecimento histórico posterior.
Penso que o filme não deve ser visto como uma adaptação fiel ao livro, mas como uma nova obra nele inspirada, de modo que expande o universo da história original. Se for esperar fidelidade, pode ser bem frustrante, pois muita coisa é suprimida. Mas faz sentido, pois a história seria contada sob o ponto de vista de um personagem específico décadas depois. Por conta disso, só acho meio incoerente então que, se quem conta a história é o Vronsky, há certas cenas da história original que não fazem sentido estar ali. Ele não estava presente em determinadas cenas. Logo, não poderia saber de coisas que se passaram entre Anna e o marido, por exemplo. Pra ser a História de Vronsky, teria que ter sido contado mais do ponto de vista dele, o que acaba sendo falho em alguns momentos.
Assisti sem saber praticamente nada da história, pois nunca li o livro nem havia visto outra adaptação cinematográfica. Conhecendo Tolstoi, sabia apenas que retrata a sociedade aristocrática da Rússia czarista. Então sem fazer comparação com um livro que não conheço, penso que a história em si está bastante compreensível. Obviamente não há como reproduzir fielmente o romance, importando mais a sua essência.
Achei bastante interessante o modo como a história foi encenada, com quase tudo acontecendo dentro de um teatro, com cenários teatrais. O filme começa já em seu primeiro enquadramento nos mostrando que tudo não passa de uma grande encenação, pois assim vivia a aristocracia, encenando um modelo de vida para os seus iguais dentro daquele círculo social. Não viviam suas vidas da forma como queriam, mas de acordo com os papéis que eram dados a cada um naquela sociedade, cabendo a cada um apenas representa-lo, bem como ostracizar os que não atendiam ao papel que era deles esperado.
Em contraponto às cenas teatrais, as cenas de intimidade entre Anna e Vronsky acontecem em meio a um ambiente natural. Não precisam naquele momento encenar seus sentimentos. O mesmo acontece com Levin, que em muitas cenas também aparece em meio à natureza. Morando no campo, afastado da hipocrisia daquela sociedade, ele não precisa encenar para os outros.
Segunda guerra mundial é um tema inesgotável para o cinema. As proporções da guerra foram tamanhas que há ainda milhares de histórias a ser contadas sobre ela. Interessante que neste filme, ainda que coloque um soldado dos Estados Unidos como protagonista (talvez visando um Oscar de melhor filme estrangeiro?), vemos como ele vai descobrindo a perspectiva dos chineses durante a guerra, algo que raramente é mostrado em filmes ocidentais. Também muito se fala das atrocidades dos nazistas, mas raramente ouvimos por aqui os diversos crimes e massacres cometidos pelos japoneses, bem como a luta do povo chinês pra expulsar os invasores, temáticas estas bem representadas no filme.
Interessante ver minha cidade retratada em um filme, captando suas belezas arquitetônicas e naturais. É o primeiro filme que eu assisto na vida que eu provavelmente conheço pessoalmente quase 100% das locações, além de ver pessoas conhecidas da vida real em papéis secundários ou como figurantes. Visualmente ficou bonito, representa bem a parte histórica e turística cidade, mas de fato ficou um filme muito institucional e regional, com referências e piadas muito particulares da cidade, que não fazem sentido pra quem não é local. Certamente é necessário ampliar a produção cinematográfica além de Rio-SP, e em especial em Santa Catarina, onde é praticamente inexistente. Mas penso que pra um filme que pretendia atingir um público mais nacional, podia ter sido melhor aproveitada a oportunidade de mostrar a cidade, dando-a mais projeção a nível nacional, com menos ufanismo e regionalismo. Além disso, entendo que foi um filme feito com baixo orçamento e que precisou angariar recursos juntos ao setor privado, mas acaba ficando meio chato ver tanto merchandising dentro do filme. Certamente que há furos no roteiro e algumas atuações são discutíveis, e a ideia até seria interessante, mas bastante mal desenvolvida. Mas pra quem é de Joinville ou conhece a cidade vai se identificar com os lugares retratados e com algumas situações. Quem não conhece Joinville, eis uma boa oportunidade de conhecer um pouco sobre ela.
Um filme antropofágico, no sentido modernista da palavra, que se alimenta da arte e da cultura estrangeira, mas a deglute colocando seu próprio tempero e sabor nacional. Interessante como o filme adota vários elementos da linguagem do faroeste, sendo visualmente inspirado nos antigos filmes de Western, tanto os clássicos americanos como os spaghetti de Sérgio Leone. Lembra Tarantino, mas também bom lembrar o quanto Tarantino se inspirou naqueles filmes também. E assim, O matador traz essa inspiração no estrangeiro levando-a para dentro de um contexto brasileiro.
Família Anormal
2.7 1 Assista AgoraSeria uma sátira ou homenagem aos filmes e à estética de Yasujiro Ozu?
Provavelmente um pouco de cada.
Os enredos de dramas familiares, com casais conflituosos ou com filhas solteiras em dúvida se devem se casar ou não, são aqui subvertidos para um drama familiar quase pornográfico e quase incestuoso (com imagens até bem comportadas, na verdade, em comparação com outros filmes eróticos japoneses da época).
Esteticamente, o filme não faz absolutamente sentido nenhum sem ter como refererência primordial os filmes de Ozu, parecendo até mesmo os atores estarem robotizados. Propositalmente, cada plano, cada enquadramento, cada encenação, cada movimento dos atores, é pensado pra fazer referência ao grande mestre do cinema clássico japonês, mas parecendo sempre no limiar entre o reverenciamento e a subversão.
O enredo e as cenas de sexo são pouco empolgantes. O mais divertido e interessante mesmo é ver Ozu o tempo todo, com a cara dos anos 80.
O Preço da Ilusão
4.5 1Primeiro longa-metragem ficcional produzido em Santa Catarina, em Florianópolis.
Inspirado no neo-realismo italiano e em Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos, representava questões sociais, tendo a própria cidade como cenário.
Mas devido à baixa qualidade ténica do som, o filme acabou não fazendo muito sucesso em sua época e, infelizmente, acabou por não ser preservado. Considerado perdido em quase sua totalidade, restam apenas 7 minutos da fita, trecho que pode facilmente ser encontrado no YouTube.
O documentário "O filme que ninguém viu" conta a história de sua produção.
Em 2008, foi feito o curta "Desilusão", um remake ambientado na Florianópolis contemporânea.
Alô, Alô, Carnaval
3.5 11Praticamente um programa de televisão com números musicais e esquetes humorísticas, décadas antes do surgimento e popularização da televisão no Brasil.
Clássicos das noites de sábado dos anos 1990 e 2000, como Sabadão Sertanejo e Zorra Total, são como se fossem netos de Alô, alô, Carnaval.
A Fêmea do Mar
3.1 20A história é praticamente uma versão brasileira, e com alta dose de erotismo, de O estranho que nós amamos, lançado dez anos antes.
Em vez das paisagens rurais dos Estados Unidos, vemos as belíssimas praias ainda em estado natural da Florianópolis de 40 anos atrás.
Em vez dos cogumelos, o machado.
Uma delícia reconhecer os belos morros da Praia Mole (esta ainda muito parecida hoje com o que se vê no filme), uma Barra da Lagoa que ainda era uma vila de pescadores, as dunas da Joaquina (bem mais altas naquela época).
TAVA, a casa de pedra
4.1 1Problemático na sinopse constar "interpretação mítico-religiosa" dos Guarani, quando o principal questionamento que eles trazem no filme é justamente a marginalização de todo o conhecimento ancestral indígena, relegado a mitos e crenças, frente a imposição da visão de mundo do homem branco. E isso não apenas quanto à religião, mas à própria visão sobre a história. Então é exatamente isso que o filme reivindica, sobre como eles próprios podem e devem narrar e escrever sua própria história, colocando os jesuítas e os colonizadores no seu devido papel de assassinos e destruidores de todo um universo que de fato foram.
Em Busca da Vida
3.9 34Esse é um tipo de filme em que a sinopse, ou a historinha que nos é mostrada em primeiro plano, simplesmente não tem tanta importância para o filme em si. A busca dos dois personagens, por sua esposa e marido, respectivamente, é um mero pretexto para se mostrar a realidade social daquele lugar naquele momento, o que é feito de forma magistral através da fotografia, com seus planos longos e vistas panorâmicas.
O impacto da construção da barragem na vida daquelas pessoas, os deslocamentos forçados, a perda de referências e de laços comunitários, as dificuldades financeiras e incertezas quanto ao futuro.
Provavelmente muito do que se vê, como as constantes cenas de demolição, por exemplo, não eram encenadas especialmente para o filme, mas o diretor deve simplesmente ter se aproveitado de tais eventos reais pra enquadrar os personagens dentro daquele contexto.
Vejo assim que a cidade, a represa e a comunidade que lá vivia são as absolutas protagonistas do filme.
Sendo então um cenário que hoje deve estar em grande parte submerso, visto que a represa não havia ainda atingido seu nível máximo, Jia Zhang-Ke deixou para a posteridade um belíssimo registro de um lugar e momento que não existem mais.
Os Cossacos de Kuban
3.7 5Dos filmes soviéticos que já vi que foram realizados no período em que o Realismo Socialista vigorou como estilo artístico oficial na União Soviética, este me parece, até agora, o que melhor levou a atmosfera e a estética das pinturas, cartazes e murais para o cinema, tornando-o visualmente bastante peculiar.
Pinturas do Realismo Socialista em movimento, embaladas por músicas alegres festejando o trabalho coletivo e a vida comunitária nas fazendas coletivizadas.
Campo Thiaroye
4.3 8Excelente e necessário filme. Sembène, mais uma vez, assim como em alguns de seus filmes anteriores, retrata de forma primorosa acontecimentos que a história oficial “heroica” imperialista/capitalista busca esconder. Não por acaso o filme foi por mais de dez anos censurado na França e até mesmo no Senegal, cujas elites governantes continuam a reproduzir uma mentalidade colonialista.
Muito se fala das atrocidades cometidas pela Alemanha nazista, enquanto que as outras potências imperialistas ocidentais construíram sua imagem como as grandes vencedoras da Segunda Guerra, lutando pela liberdade e pela democracia e contra a tirania. No entanto, ao olhar para a atuação destes mesmos países em suas colônias, especialmente na África, fica a questão se seriam os franceses e os Estados Unidos de fato tão diferentes da ideologia nazista a qual combatiam na Europa.
Coded Bias
4.0 19Certamente aponta algo bastante problemático deste nosso mundo contemporâneo, apesar de não apresentar nada que seja muita novidade. Embora traga uma necessária denúncia dos algoritmos que são “biased”, o documentário em si é extremamente "biased", ou seja parcial, tendencioso, até mesmo desonesto, eu diria.
Fica bem forçado querer pintar a China como o "grande malvadão comunista que quer controlar todo mundo", como se também os Estados Unidos não fossem o país que mais faz isso (e não apenas em seu próprio território), como se ser vigiado por empresas não fosse tão nocivo quanto ou até mais, porque faz isso vendendo uma falsa ideia de liberdade. Tipo, "que horror é ser controlado pelo Estado", mas vende a lorota de que num país "democrático", totalmente controlado por grandes corporações e pelo capital financeiro, basta aprovar uma lei no congresso que está tudo resolvido. Até tem uma mulher que compara a China com o Ocidente, e diz que a diferença é que a China é transparente, mas essa acusação contra o Ocidente acaba sendo relativizada com o final supostamente vitorioso no congresso. Então achei bastante tendencioso nesse sentido. E afinal qual é o país que usa de espionagem eletrônica e inteligência artificial pra causar instabilidade e promover golpes de Estado em outros países? Acho que não é a China.
Então, pra mim o que acabou me marcando, mais do que a denúncia que está trazendo, foi essa abordagem desonesta de acusar o outro relativizando e omitindo suas próprias falcatruas.
As Garotas
3.9 5A bela fotografia em profundidade com diferentes ações acontecendo em camadas é um deleite visual. Vários filmes soviéticos desse período utilizaram magistralmente a técnica, dando grande valor ao cenário enquanto elemento fundamental para se construir a narrativa fílmica. Somente o visual, proporcionado pela fotografia e pelos cenários do vilarejo nevado, já torna o filme interessante.
Pode nos soar estranho uma comédia romântica soviética, que embora foque nas aproximações e desventuras amorosas do casal protagonista (de um modo bastante ingênuo aliás), traz embutidos valores de coletividade e do trabalho como modo de se construir e melhorar a vida em sociedade. O campo de trabalho acaba assim ganhando ares de uma colônia de férias. Valores estranhos para uma sociedade extremamente individualista como a nossa. A heroína do filme se mostra perplexa com as atitudes egoístas de sua colega de quarto, de modo que o espectador é também levado a antipatizar com ela.
Interessante notar também a força da protagonista enquanto mulher, que mesmo sendo bastante ingênua em alguns momentos, ao mesmo tempo não aceita desaforo de macho.
A Ordem de Pagamento
3.8 7Em seu filme de estreia, A Negra de..., Sembène já havia impactado com a história da migrante senegalesa explorada na França, denunciando a herança do colonialismo na África e utilizando linguagem e técnica primorosas, que em absolutamente nada deixava a desejar para seus contemporâneos do Norte Global. Em Mandabi, seu primeiro filme em cores, mostra também um domínio incrível das técnicas cinematográficas. A qualidade das imagens é realmente impressionante, ainda mais considerando ser um filme africano independente dos anos 1960.
Além da questão técnica, através do deslumbrante visual colorido e de sua bela trilha sonora, Sembène nos imerge e aprofunda no ambiente social deixado para trás pela protagonista de seu filme anterior, de modo que vemos agora a vida dos que ficaram. Revela assim o contexto de miséria de um país que acabara de ganhar sua “liberdade” e que tentava ser moderno, mas que já anunciava que esta liberdade/modernidade não seriam acessíveis para todos, dificultando o acesso a um dos mais básicos direitos que é existir perante a lei. Sem documento não se pode pegar o dinheiro, sem dinheiro e contatos não se pode fazer documentos. Como resolver a questão?
A decência virou um pecado nesse país.
O filme nos imerge também na cultura senegalesa, com alguns costumes que podem parecer estranhos para nós. Assim, se nos incomoda o modo como o protagonista trata suas duas esposas, ao mesmo tempo não há como não se solidarizar com ele por toda a injustiça sofrida devido a um sistema extremamente corrupto.
Porto das Caixas
4.0 20Um filme um pouco menos lembrado do Cinema Novo, também perceptivelmente inspirado no neorrealismo italiano, podendo ser visto como uma releitura de Obsessão, de Luchino Visconti, trazido para a realidade brasileira do período.
Embora não enfoque diretamente em questões sociais tais como em outros filmes mais consagrados do mesmo período, elas estão ali presentes também, diluídas em uma primeira camada narrativa que mostra o relacionamento nada saudável entre o casal, culminando no final trágico. Este enredo por si só, combinado com sua bela encenação e fotografia, já desperta o interesse, mas penso que ele serve de pretexto para evidenciar uma realidade social.
Diferente da maioria das obras do Cinema Novo, nas quais prevalecem as temáticas da miséria do sertão ou do caos das grandes cidades, vemos aqui um outro ambiente retratado, o de uma cidade do interior, não longe da capital, mas que ficou parada e estagnada no tempo, em que o projeto moderno desenvolvimentista da democracia prestes a ser interrompida por um golpe de Estado simplesmente nem dava o ar de sua graça por ali. Um lugar esquecido, pessoas vivendo precariamente em meio às ruínas de um passado glorioso de uma elite que simplesmente abandonara o local (fábricas, casarões e igrejas em ruínas). O discurso clamando por reforma agrária como prenúncio da tragédia nacional que se estenderia pelas próximas duas décadas.
Jeanne Dielman
4.1 109 Assista AgoraUm filme em que acontece muita coisa mesmo sem acontecer nada, com toda a banalidade e monotonia de um cotidiano bastante opressor, registrado de forma monótona, mas extremamente bela.
Fiquei imerso neste nada pelas primeiras duas horas, já totalmente sem esperança de que qualquer coisa interessante fosse acontecer ali. Na terceira hora já tinha se tornado cansativo, talvez me sentindo justamente como a protagonista, entediado com sua vida vazia, repetitiva e sem perspectivas.
E num contexto em que ainda me encontro em isolamento por causa da pandemia, realizando as mesmas tarefas diariamente, cheguei até a imaginar uma câmera dentro da casa registrando estas tarefas banais do cotidiano.
Como a colega do comentário abaixo bem mencionou, me chamou também bastante a atenção o modo como, sem qualquer movimentação de câmera no filme inteiro, apenas com a variação de planos, ficamos extremamente familiarizados com a espacialidade daquele ambiente, ao ponto de a planta daquele apartamento ter sido bem desenhada na minha mente.
É uma belíssima obra de arte, sem dúvida, e que vale a pena ser conhecida, mas num dia que se esteja aberto à monotonia e ao tédio. Felizmente acabei vendo num dia propício pra isso.
Agnaldo, Perigo à Vista
2.5 6Me lembrou bastante os filmes de perseguição lá da primeira década do século XX, mas com cores, movimentos de câmera e montagem, variação nos meios de locomoção, com quase todos os meios de transporte disponíveis, e uma hora e meia de duração.
O roteiro em si não vai muito além disso,
Mas apesar do roteiro fraco e repetitivo, é interessante como documento histórico, tanto pelo contexto dos festivais musicais e da ascensão da cultura televisiva no Brasil dos anos 1960, como pelas locações, em lugares atualmente quase irreconhecíveis.
Alguns anos atrás, as cenas gravadas em Joinville viralizaram nas redes sociais na cidade, causando nostalgia nos mais velhos e estranhamento nos mais jovens, por já não a reconhecerem ali.
Vale comentar também a expectativa de ver Wanderléa, Erasmo Carlos e Ronald Golias,
e eles são meros figurantes de luxo, com menos de 5 segundos em cena.
Nove Dias em Um Ano
3.6 1A fotografia fria e distorcida pelos ângulos inusitados e pelos intensos contrastes de luz e sombra presente no filme inteiro chega até a causar certo incômodo, mas é justamente o mais interessante do filme, desvelando o ambiente onde tudo se passa.
Além da fotografia expressionista, o que mais se destaca é que vemos aqui a Guerra Fria sob o ponto de vista soviético. A importância de se investir em tecnologia avançada e física nuclear para se contrapor ao poderio bélico americano.
"Se não tivéssemos construído bomba atômica, não estaríamos aqui conversando agora".
Medo de armas nucleares, mas o otimismo e orgulho de possuí-las.
Cientistas que fazem tudo pela ciência, inclusive se contaminar com radioatividade.
Medidas de segurança falhas pra evitar acidentes nucleares. Prenúncio de Chernobyl?
Temática e fotografia interessantes. Mas a frieza com que tudo é mostrado acaba deixando meio monótono às vezes, especialmente a narrativa sobre o triângulo amoroso.
O Animal Cordial
3.4 618 Assista AgoraCom momentos de tensão bem construídos, a partir de toda a encenação dentro de um espaço claustrofóbico e acontecimentos inesperados, o filme pode parecer apenas um filme com cenas violentas e sangrentas aleatórias feitas pra chocar o espectador, mas penso que pode dar margem a muitas interpretações.
Assisti sem saber nada sobre o filme, apenas que tinha cenas violentas, mas já pelo título e pelo poster do Murilo Benício em frente ao espelho quebrado, imaginei que traria um retrato metafórico que desmascarasse a figura do “homem cordial”, arquétipo utilizado por Sérgio Buarque de Holanda para caracterizar e explicar o brasileiro, especialmente, mas não apenas, os homens de posse e poderosos, forjados a partir de uma sociedade escravocrata e violenta.
Enquanto para a sociedade veste a máscara da cordialidade/gentileza e do self-made man de sucesso, nos bastidores destila todo o seu preconceito e ódio de classe, pisa em cima de seus subalternos, fetichiza as armas e quer deter o monopólio da violência, mostrando assim o animal nada cordial que tem dentro de si. E que não importa o que façam ou digam, sempre haverá subalternos que o aplaudem, achando que são realmente estimados.
No Brasil, infelizmente, os animais cordiais nos últimos anos perderam a vergonha de mostrar a sua face desfigurada que é refletida no espelho.
Os Alegres Foliões
3.4 2 Assista AgoraUma obra que marca uma virada no cinema soviético, quando a produção cinematográfica, sob forte controle do partido comunista, abandona totalmente a montagem construtivista da década anterior, e restringe a importação de filmes estrangeiros. Nesse contexto, passam a investir na produção de filmes leves e alegres para as massas, nitidamente inspirados nas comédias, animações e musicais hollywoodianos, sem, contudo, deixar de fora os ideais comunistas.
Numa época em que sincronizar imagem e som era ainda bastante difícil, este é considerado o primeiro filme musical russo. E a influência do cinema americano é nítida aqui, como de Chaplin e até mesmo de Walt Disney, com gags e cenas de humor pastelão típicas dos filmes dos anos 30, havendo aí radical contraste com os filmes construtivistas anteriores.
A própria abertura do filme, mostrando Chaplin, Harold Lloyd e Buster Keaton, os três maiores ícones das comédias mudas americanas, e satiricamente dizendo que eles não estão neste filme, já evidencia o quanto serviram de inspiração para a produção.
Eu, Um Negro
4.2 16Excelente documento histórico, que buscou retratar a realidade de uma grande cidade do império colonial francês na África, já em seus últimos anos de dominação direta.
Melhor dizendo, traz um recorte dessa realidade, mostrando a cidade e seu cotidiano através dos olhos do protagonista. Assim, vemos em plena década de 1950, na África, uma cidade já bastante moderna e ocidentalizada, embora a cultura e tradições do povo local estejam ali inseridas, seja se sincretizando com a cultura do dominador ou lutando para resistir em meio a tantas influências externas.
Cowboys americanos e Marlon Brando como ídolos de jovens negros que tem os direitos mais básicos negados, uma juventude que luta pra se adaptar e sobreviver em meio a uma cidade moderna que não foi feita pra eles, embora pelas mãos deles.
Passados mais de 60 anos, a realidade que se apresenta nas periferias do capitalismo se mostram muito diferentes da Abidjan dos anos 50?
As Memórias de Marnie
4.3 668 Assista AgoraEm alguns momentos lembra os filmes de Yasujiro Ozu, tanto pelas pitorescas e singelas imagens de paisagens, trens, interiores domésticos aconchegantes ou roupas penduradas no varal, bem como pela história narrada com extrema delicadeza.
Anna Karenina - A História de Vronsky
3.1 16Boa produção, com bonita fotografia, especialmente nas partes passadas na Manchúria 30 anos depois. Destaque ao plano sequência antes do encontro dos dois personagens sobreviventes da história original.
Acho interessante saber o que teria acontecido com eles, inserindo-os em um outro acontecimento histórico posterior.
Penso que o filme não deve ser visto como uma adaptação fiel ao livro, mas como uma nova obra nele inspirada, de modo que expande o universo da história original. Se for esperar fidelidade, pode ser bem frustrante, pois muita coisa é suprimida. Mas faz sentido, pois a história seria contada sob o ponto de vista de um personagem específico décadas depois.
Por conta disso, só acho meio incoerente então que, se quem conta a história é o Vronsky, há certas cenas da história original que não fazem sentido estar ali. Ele não estava presente em determinadas cenas. Logo, não poderia saber de coisas que se passaram entre Anna e o marido, por exemplo. Pra ser a História de Vronsky, teria que ter sido contado mais do ponto de vista dele, o que acaba sendo falho em alguns momentos.
Anna Karenina
3.7 1,2K Assista AgoraAssisti sem saber praticamente nada da história, pois nunca li o livro nem havia visto outra adaptação cinematográfica. Conhecendo Tolstoi, sabia apenas que retrata a sociedade aristocrática da Rússia czarista. Então sem fazer comparação com um livro que não conheço, penso que a história em si está bastante compreensível. Obviamente não há como reproduzir fielmente o romance, importando mais a sua essência.
Achei bastante interessante o modo como a história foi encenada, com quase tudo acontecendo dentro de um teatro, com cenários teatrais. O filme começa já em seu primeiro enquadramento nos mostrando que tudo não passa de uma grande encenação, pois assim vivia a aristocracia, encenando um modelo de vida para os seus iguais dentro daquele círculo social. Não viviam suas vidas da forma como queriam, mas de acordo com os papéis que eram dados a cada um naquela sociedade, cabendo a cada um apenas representa-lo, bem como ostracizar os que não atendiam ao papel que era deles esperado.
Em contraponto às cenas teatrais, as cenas de intimidade entre Anna e Vronsky acontecem em meio a um ambiente natural. Não precisam naquele momento encenar seus sentimentos. O mesmo acontece com Levin, que em muitas cenas também aparece em meio à natureza. Morando no campo, afastado da hipocrisia daquela sociedade, ele não precisa encenar para os outros.
Amor do Rio Amarelo
4.0 2Segunda guerra mundial é um tema inesgotável para o cinema. As proporções da guerra foram tamanhas que há ainda milhares de histórias a ser contadas sobre ela. Interessante que neste filme, ainda que coloque um soldado dos Estados Unidos como protagonista (talvez visando um Oscar de melhor filme estrangeiro?), vemos como ele vai descobrindo a perspectiva dos chineses durante a guerra, algo que raramente é mostrado em filmes ocidentais. Também muito se fala das atrocidades dos nazistas, mas raramente ouvimos por aqui os diversos crimes e massacres cometidos pelos japoneses, bem como a luta do povo chinês pra expulsar os invasores, temáticas estas bem representadas no filme.
Uma Carta para Ferdinand
1.8 3Interessante ver minha cidade retratada em um filme, captando suas belezas arquitetônicas e naturais. É o primeiro filme que eu assisto na vida que eu provavelmente conheço pessoalmente quase 100% das locações, além de ver pessoas conhecidas da vida real em papéis secundários ou como figurantes. Visualmente ficou bonito, representa bem a parte histórica e turística cidade, mas de fato ficou um filme muito institucional e regional, com referências e piadas muito particulares da cidade, que não fazem sentido pra quem não é local. Certamente é necessário ampliar a produção cinematográfica além de Rio-SP, e em especial em Santa Catarina, onde é praticamente inexistente. Mas penso que pra um filme que pretendia atingir um público mais nacional, podia ter sido melhor aproveitada a oportunidade de mostrar a cidade, dando-a mais projeção a nível nacional, com menos ufanismo e regionalismo. Além disso, entendo que foi um filme feito com baixo orçamento e que precisou angariar recursos juntos ao setor privado, mas acaba ficando meio chato ver tanto merchandising dentro do filme.
Certamente que há furos no roteiro e algumas atuações são discutíveis, e a ideia até seria interessante, mas bastante mal desenvolvida. Mas pra quem é de Joinville ou conhece a cidade vai se identificar com os lugares retratados e com algumas situações. Quem não conhece Joinville, eis uma boa oportunidade de conhecer um pouco sobre ela.
O Matador
3.3 222 Assista AgoraUm filme antropofágico, no sentido modernista da palavra, que se alimenta da arte e da cultura estrangeira, mas a deglute colocando seu próprio tempero e sabor nacional. Interessante como o filme adota vários elementos da linguagem do faroeste, sendo visualmente inspirado nos antigos filmes de Western, tanto os clássicos americanos como os spaghetti de Sérgio Leone. Lembra Tarantino, mas também bom lembrar o quanto Tarantino se inspirou naqueles filmes também. E assim, O matador traz essa inspiração no estrangeiro levando-a para dentro de um contexto brasileiro.