São raros os filmes que nos fazem realmente repensar nossa existência. Se levo algo desse filme é que importa menos o que fizemos, e mais o que deixamos de fazer.
Pequenos prazeres que nunca tivemos, a dança que não dançamos, a viagem que foi adiada, as palavras que nunca foram ditas. E se, por ventura, o filme não foi aceito como esperado, o tempo encarrega-se e o futuro chamar-lhe-á obra-prima.
De modo quase profético, Wilder previu os extremos que chegaria o sensacionalismo midiático, só não previu que o uso excessivo desse recurso inconsequente acarretaria em sua própria banalização.
Nos dias de hoje, ninguém mais se importa com as milhares de tragédias que se vê na mídia a cada segundo – de enchentes e deslizamentos à estupros e assassinatos.Tudo isso saturou. Já não causa interesse, nem comoção, talvez um suspiro, e olhe lá.
Um convite a conhecer o mundo sob a ótica de uma mente pura, sem concepções de moralidade, a partir da qual podemos ter deslumbramentos inusitados, num ponto de vista desprovido das inclinações que nós mesmos temos. Imagine o mundo sem esse mundo de convenções, padrões, parâmetros e conceitos pré-fabricados, que regem cada faísca de pensamento que temos e moldam, irremediavelmente, toda nossa existência, e certamente, impossibilita-nos de ir além.
Filme pra ser estudado. Assemelha-se ao Estado de Natureza do Jean-Jacques Rousseau - à quem possa interessar.
Os escritos a seguir NÃO são aconselháveis para quem não tenha assistido ao filme.
A intenção será especular uma teoria acerca da significação do filme, uma busca pelo “sentido”. Contudo, assim como é preciso deixar a física e o realismo de lado quando se assiste a um filme de fantasia, ou mesmo uma comédia romântica, aqui também se faz necessário em certos aspectos. É preciso abraçar a idéia. Afinal de contas, pressupõe-se um campo mitológico, onírico e irreal, não perdendo, todavia, uma lógica de entendimento, que discorrerei a seguir. Sempre bom lembrar que essa é uma opinião autoral, e ainda mais se tratando de um filme cuja explicação é extremamente subjetiva, não espero que concorde com minha visão. Mas caso tenha sua própria teoria ou ache furos (que certamente deve possuir) na minha, sinta-se a vontade para comentar.
De antemão, aviso que não é um filme fácil, principalmente se você tiver preguiça de pensar. Trata-se de um filme instigante, daqueles que requerem persistência, análises minuciosas e, sobretudo, muita atenção. Não por acaso, os acontecimentos acontecem; há uma lógica por traz deles. Christopher Smith, diretor que desde já é uma promessa, convida-nos a desvendar as pistas deliberadamente apresentadas. Não que não se possa apreciar o filme sem um entendimento mais aprofundado; é justamente o contrário: é lindo ver os detalhes que o cineasta constrói; as referências, os belos travellings entrecruzando os corredores, por vezes de costas, por vezes de frente, perambulando feito um rato em um labirinto, tal qual o labirinto mental de transtornos no qual a personagem principal, Jess, encontra-se imersa, e, acima de tudo, a sublime forma com que ele refilma seu próprio filme por diferentes ângulos e enquadramentos.
O título “triângulo” refere-se ao famigerado triângulo das bermudas e as lendas em torno dele. Existe a suposição de que as leis da física não se aplicam ao triângulo, tendo-se em vista os diversos eventos anormais que acontecem naquela região, como o não funcionamento de uma bússola, além do sumiço de embarcações e aviões. É desse contexto que o filme se vale, visto que em alto-mar – no triângulo – estranhos eventos acontecem: sumiço repentino do vento; tempestades elétricas e, por fim, o aparecimento de um novo navio, uma espécie de navio-fantasma, em cujo interior transcorrem os maiores devaneios da trama. Uma vez que as leis da física não são plenamente respeitadas, minha teoria parte do princípio de que ali, em algum momento, houve uma distorção do tempo, um dobramento sobre si mesmo. Assim, o passado poderia se encontrar com o futuro (passado e futuro relativos, obviamente), o que explica as desventuras de Jess.
Não se trata, contudo, de uma sobreposição circular; mas de um helicóide, de modo que os acontecimentos se repetem, mas ainda assim se movimentam no tempo. Ora, nota-se a multiplicação da matéria: os pássaros, os amuletos, os bilhetes e as próprias pessoas. Isso só seria possível se houvesse uma progressão linear (como o movimento retilíneo de um helicóide), repetindo, ao mesmo tempo, a trajetória dos acontecimentos (como o movimento circular uniforme de um helicóide). Classificá-lo meramente como ciclo é deveras reducionista.
Diferentemente do tempo, as referências ao “O Iluminado”, do Stanley Kubrick, são uma constante no filme. O navio fantasma é o próprio hotel. Há nele inúmeras referências: os corredores, o quarto de número 237, o espelho, o machado, o fato de estar vazio, o fato de nele a personagem principal querer matar todos. Tantas referências não poderiam ser em vão. Penso que essa seja, talvez, a pista mais importante do filme, que sugere a insanidade adquirida pela personagem. Isso explica o que teria acontecido com a primeira Jess (até seu nome soa parecido com Jack do Iluminado, não?).
Após enlouquecer e matar todos, de alguma forma, por meio da distorção helicoidal do tempo supracitada, essa primeira Jess encontrou-se consigo mesmo no passado. Ao ver que ela mesma, no passado, não era tão boazinha com seu filho quanto se supunha, acaba por se assassinar. Vê-se aqui, pela forma que tratava seu filho e pela forma a sangue-frio que matou seu eu-do-passado, o temperamento forte dela e o que ela é capaz de fazer. Gerou-se, assim, um paradoxo: como ela pode ter voltado no passado e matado a si mesma se para voltar ela teria que primeiro ter ido, e se ela morreu, não pode ter ido e jamais voltado para se matar. Essa é a explicação que fez os fenômenos helicoidais de viagem no tempo tornarem-se cíclicos, em uma nova realidade ciclo-helicoidal, em outras palavras, uma espécie de inferno eterno.
É importante ressaltar que esse ciclo não acontece apenas no navio, envolve desde a embarcação no barco com os “amigos” até quando ela volta e opta por re-embarcar no barco. Essa é a trajetória do ciclo. O mistério é: o que motiva Jess a retornar ao barco, e por conseqüência, ao ciclo, após ter voltado para casa? A explicação encontra-se em uma das cenas finais, em que Jess – por culpa do destino em sua sádica vontade divina, talvez – sofre um acidente de carro, no qual seu filho morre. Assim, movida por culpa e remorso ( eu não diria amor), decide retornar ao ciclo propositalmente para que possa rever seu filho novamente. Daí Jess desculpar-se com o marinheiro, abraçando-o e pedindo perdão. Ele diz que não há o que desculpar, mas ela sabe bem que terá de matá-lo se quiser rever seu filho. Ademais, quando questionada se de fato gostaria de ir na viagem, ela, de modo profundo, olha para as outras pessoas no barco, como se dependesse deles sua decisão. Afinal de contas, sabe que terá que matá-los também.
Outro fator que deve ser considerado é a amnésia, proveniente do acidente de carro. Desde o início, quando entra no barco, Jess parece extremamente confusa. Não obstante, é somente após dormir que Jess não se lembra mais do ciclo, esquece-se de que já passou por tudo aquilo e assim acaba por repetir tudo da mesma forma – escrevendo o bilhete, deixando o colar cair, etc. Lembre-se de que, não à toa, Jess dorme por mais de duas horas no barco, também dorme na praia após conseguir retornar. Mostram-se pistas, a todo instante, que lhe sugerem que já estivera em tal lugar, por isso sua sensação constante de deja vu que ela repete diversas vezes.
Um questionamento que vi em muitos fóruns foi: de onde surgiram tantas Jess’s? Descreverei o trajeto, a partir do início, que de acordo com minha teoria, melhor se encaixa. A primeira Jess, que maltrata seu filho e chega a dizer que quer um tempo só para ela, decide ir viajar com os amigos e opta por deixar seu filho na escola ao invés de levá-lo. Como a Jess que nos é mostrada é uma já imersa no ciclo, duas são as possibilidades que explicam o percurso da primeira Jess : ou ela levou seu filho para a escola, ou ela sofreu o acidente de carro e ficou atordoada, não se lembrando bem de onde deixara seu filho. Em qualquer dos casos, Jess embarca e após a distorção do tempo no triângulo das bermudas, enlouquece no navio. Talvez propriamente por passar por essa distorção ou pela provável perda do filho no acidente. Assim, todos os rastros (por rastros, entenda-se: a chave, o colar, o bilhete, entre outros) são implantados, ainda que sem objetivo prévio. Mas nunca nos é mostrado a Jess original; a que conhecemos no início chamarei de 1ª Jess. Essa é a Jess que deixa os rastros para o segundo grupo, é a Jess que lança uma outra Jess para fora do navio. A Jess atirada para fora do navio chamarei de Jess Anterior, essa é a Jess que atira nas pessoas do grupo da 1ª Jess, no teatro. É quem provavelmente deixou os rastros para a Jess do 1º grupo. Os rastros para a Jess Anterior foram deixados pela Jess com sangue no rosto, da qual não sabemos toda a trajetória. Sabe-se, no entanto, que a Jess com sangue no rosto é quem assassina dois integrantes (o casal), no quarto 237, do segundo grupo. E a Jess do segundo grupo, aquela que ao invés de ser estrangulado por Victor, torna-se alvo da arma da Jess do 1º grupo, se tornará também uma Jess com sangue no rosto, e, pela lógica, assassinará o casal apenas do 5º grupo a chegar. Percebe-se, pois, que há uma ordem: Jess Com Sangue no Rosto > Jess Anterior > 1ª Jess (a que se mostra desde o princípio) > 2ª Jess > 3ª Jess. O ciclo não se restringe ao navio, ao contrário do que talvez pense o espectador no momento em que assiste.
Tanto o nome do navio quanto o quadro em sua parede são referentes à lenda de Sísifu, um homem, da mitologia grega, condenado a carregar uma pedra montanha acima só para vê-la rolar para baixo, repetidas e infinitas vezes. Tal castigo deve-se ao fato de Sísifu ter enganado a morte – justamente o que Jess tenta fazer para salvar seu filho, que, na verdade, morrera no acidente de carro. Talvez seja então a explicação, para a realidade de punição cíclica alternativa, de cunho mitológico. O fato é que pouco isso importa. Vale mesmo a diversão de tentar montar o quebra-cabeça.
Talvez seja o diretor que mais sente o mundo com os olhos.
Longas tomadas dominadas pela fumaça de fábricas, como se a fumaça mesma fosse a personagem principal; ora instalando-se no interior ora irrompida para o exterior das fábricas. Espalha-se em múltiplas variações ao longo das cenas; mesmo quando exalada pelo fogo de queimadas ou ainda quando se insinua com sutileza roubando a cena ao dissipar-se pela ponta de cigarros. Em certas sequências alça altos voos, tornando-se tão indiscernível da naturalidade da imagem que se chegam a confundir nuvens com fumaças.
A narrativa, reduzida ao mínimo, não expõe as informações que somente a construção plástica nos revela. A câmera, atenta e curiosa, parece ganhar autonomia, vida própria, em sua movimentação e em seus enquadramentos, por vezes parece mesmo se esquecer dos personagens, ou demorar-se mais em algum detalhe qualquer que lhe interesse. É a plena liberdade da imagem! É uma pena que Antonioni seja tão mal compreendido.
A ambiguidade da dúvida por meio de contrastes e o papel revolucionário da imagem: a primazia do que se diz apenas visualmente e não raro se opõe ao diálogo em si, como se houvesse uma incomunicabilidade entre a linguagem imagética e a discursiva.
Sejam jasmins azuis e púrpuras rosas sem plumas algumas seja em Manhattan ou Roma quer seja em Cairo ou Paris por de trás dos velhos óculos Que loucura! Whatever sempre Works. ... Casado com a psicanálise, filosofando tudo em neuroses com suas lentes e cenas stardust mise-en-scene Woody é um Allien do bom e velho cinema.
Só quem sabe o que é sentir-se um alienígena dia após dia é capaz de entender. Só quem sabe o que é se sentir cuspido pelo mundo. Culpado em fazer parte; nauseado."Louco" é a única palavra que não cabe para descrevê-lo. Desde sua primeira palavra, ele já demonstra saber exatamente o seu próprio fim, e não poderia mesmo ser outro. Sensato e verdadeiro. O que faz o filme tão belo é mesmo o fato de ser o próprio Kurt o narrador.
Particularmente, achei bacana toda a teatralidade musical do filme. Sinto falta desse experimentalismo no cinema atual... Mesmo não estando à altura do Victor Hugo, é óbvio, fiz um soneto, em homenagem ao filme; a quem interessar poesia:
Filme lindo e mentecapto. Escrevi há algum tempo uma TEORIA explicando tudo que pude! Pra quem se interessar:
Mas por favor, não tomem como algo com pretensão de ser uma verdade absoluta e tal. Ali eu explico apenas minha mera opinião, os ziguezagues da minha cabeça, e o sentido que compreendi. Não precisam concordar.
É óbvio que a conclusão “a felicidade só é real quando compartilhada” sofreu afetação do estado lamentável no qual se encontrava o rapaz. Deve-se levar em conta que, em 95% do filme, Chris continha estampado no rosto um sorriso do tamanho do mundo que desbravava. E que cada maçã mordida e ar-livre sentido e pensamentos iluminados eram encrustados de pureza e de Verdade.
Longe Dela
3.9 133São raros os filmes que nos fazem realmente repensar nossa existência. Se levo algo desse filme é que importa menos o que fizemos, e mais o que deixamos de fazer.
Pequenos prazeres que nunca tivemos, a dança que não dançamos, a viagem que foi adiada, as palavras que nunca foram ditas. E se, por ventura, o filme não foi aceito como esperado, o tempo encarrega-se e o futuro chamar-lhe-á obra-prima.
A Montanha dos Sete Abutres
4.4 246 Assista AgoraDe modo quase profético, Wilder previu os extremos que chegaria o sensacionalismo midiático, só não previu que o uso excessivo desse recurso inconsequente acarretaria em sua própria banalização.
Nos dias de hoje, ninguém mais se importa com as milhares de tragédias que se vê na mídia a cada segundo – de enchentes e deslizamentos à estupros e assassinatos.Tudo isso saturou. Já não causa interesse, nem comoção, talvez um suspiro, e olhe lá.
O Enigma de Kaspar Hauser
4.0 328Um convite a conhecer o mundo sob a ótica de uma mente pura, sem concepções de moralidade, a partir da qual podemos ter deslumbramentos inusitados, num ponto de vista desprovido das inclinações que nós mesmos temos. Imagine o mundo sem esse mundo de convenções, padrões, parâmetros e conceitos pré-fabricados, que regem cada faísca de pensamento que temos e moldam, irremediavelmente, toda nossa existência, e certamente, impossibilita-nos de ir além.
Filme pra ser estudado. Assemelha-se ao Estado de Natureza do Jean-Jacques Rousseau - à quem possa interessar.
Triângulo do Medo
3.5 1,3K Assista AgoraOs escritos a seguir NÃO são aconselháveis para quem não tenha assistido ao filme.
A intenção será especular uma teoria acerca da significação do filme, uma busca pelo “sentido”. Contudo, assim como é preciso deixar a física e o realismo de lado quando se assiste a um filme de fantasia, ou mesmo uma comédia romântica, aqui também se faz necessário em certos aspectos. É preciso abraçar a idéia. Afinal de contas, pressupõe-se um campo mitológico, onírico e irreal, não perdendo, todavia, uma lógica de entendimento, que discorrerei a seguir. Sempre bom lembrar que essa é uma opinião autoral, e ainda mais se tratando de um filme cuja explicação é extremamente subjetiva, não espero que concorde com minha visão. Mas caso tenha sua própria teoria ou ache furos (que certamente deve possuir) na minha, sinta-se a vontade para comentar.
De antemão, aviso que não é um filme fácil, principalmente se você tiver preguiça de pensar. Trata-se de um filme instigante, daqueles que requerem persistência, análises minuciosas e, sobretudo, muita atenção. Não por acaso, os acontecimentos acontecem; há uma lógica por traz deles. Christopher Smith, diretor que desde já é uma promessa, convida-nos a desvendar as pistas deliberadamente apresentadas. Não que não se possa apreciar o filme sem um entendimento mais aprofundado; é justamente o contrário: é lindo ver os detalhes que o cineasta constrói; as referências, os belos travellings entrecruzando os corredores, por vezes de costas, por vezes de frente, perambulando feito um rato em um labirinto, tal qual o labirinto mental de transtornos no qual a personagem principal, Jess, encontra-se imersa, e, acima de tudo, a sublime forma com que ele refilma seu próprio filme por diferentes ângulos e enquadramentos.
O título “triângulo” refere-se ao famigerado triângulo das bermudas e as lendas em torno dele. Existe a suposição de que as leis da física não se aplicam ao triângulo, tendo-se em vista os diversos eventos anormais que acontecem naquela região, como o não funcionamento de uma bússola, além do sumiço de embarcações e aviões. É desse contexto que o filme se vale, visto que em alto-mar – no triângulo – estranhos eventos acontecem: sumiço repentino do vento; tempestades elétricas e, por fim, o aparecimento de um novo navio, uma espécie de navio-fantasma, em cujo interior transcorrem os maiores devaneios da trama. Uma vez que as leis da física não são plenamente respeitadas, minha teoria parte do princípio de que ali, em algum momento, houve uma distorção do tempo, um dobramento sobre si mesmo. Assim, o passado poderia se encontrar com o futuro (passado e futuro relativos, obviamente), o que explica as desventuras de Jess.
Não se trata, contudo, de uma sobreposição circular; mas de um helicóide, de modo que os acontecimentos se repetem, mas ainda assim se movimentam no tempo. Ora, nota-se a multiplicação da matéria: os pássaros, os amuletos, os bilhetes e as próprias pessoas. Isso só seria possível se houvesse uma progressão linear (como o movimento retilíneo de um helicóide), repetindo, ao mesmo tempo, a trajetória dos acontecimentos (como o movimento circular uniforme de um helicóide). Classificá-lo meramente como ciclo é deveras reducionista.
Diferentemente do tempo, as referências ao “O Iluminado”, do Stanley Kubrick, são uma constante no filme. O navio fantasma é o próprio hotel. Há nele inúmeras referências: os corredores, o quarto de número 237, o espelho, o machado, o fato de estar vazio, o fato de nele a personagem principal querer matar todos. Tantas referências não poderiam ser em vão. Penso que essa seja, talvez, a pista mais importante do filme, que sugere a insanidade adquirida pela personagem. Isso explica o que teria acontecido com a primeira Jess (até seu nome soa parecido com Jack do Iluminado, não?).
Após enlouquecer e matar todos, de alguma forma, por meio da distorção helicoidal do tempo supracitada, essa primeira Jess encontrou-se consigo mesmo no passado. Ao ver que ela mesma, no passado, não era tão boazinha com seu filho quanto se supunha, acaba por se assassinar. Vê-se aqui, pela forma que tratava seu filho e pela forma a sangue-frio que matou seu eu-do-passado, o temperamento forte dela e o que ela é capaz de fazer. Gerou-se, assim, um paradoxo: como ela pode ter voltado no passado e matado a si mesma se para voltar ela teria que primeiro ter ido, e se ela morreu, não pode ter ido e jamais voltado para se matar. Essa é a explicação que fez os fenômenos helicoidais de viagem no tempo tornarem-se cíclicos, em uma nova realidade ciclo-helicoidal, em outras palavras, uma espécie de inferno eterno.
É importante ressaltar que esse ciclo não acontece apenas no navio, envolve desde a embarcação no barco com os “amigos” até quando ela volta e opta por re-embarcar no barco. Essa é a trajetória do ciclo. O mistério é: o que motiva Jess a retornar ao barco, e por conseqüência, ao ciclo, após ter voltado para casa? A explicação encontra-se em uma das cenas finais, em que Jess – por culpa do destino em sua sádica vontade divina, talvez – sofre um acidente de carro, no qual seu filho morre. Assim, movida por culpa e remorso ( eu não diria amor), decide retornar ao ciclo propositalmente para que possa rever seu filho novamente. Daí Jess desculpar-se com o marinheiro, abraçando-o e pedindo perdão. Ele diz que não há o que desculpar, mas ela sabe bem que terá de matá-lo se quiser rever seu filho. Ademais, quando questionada se de fato gostaria de ir na viagem, ela, de modo profundo, olha para as outras pessoas no barco, como se dependesse deles sua decisão. Afinal de contas, sabe que terá que matá-los também.
Outro fator que deve ser considerado é a amnésia, proveniente do acidente de carro. Desde o início, quando entra no barco, Jess parece extremamente confusa. Não obstante, é somente após dormir que Jess não se lembra mais do ciclo, esquece-se de que já passou por tudo aquilo e assim acaba por repetir tudo da mesma forma – escrevendo o bilhete, deixando o colar cair, etc. Lembre-se de que, não à toa, Jess dorme por mais de duas horas no barco, também dorme na praia após conseguir retornar. Mostram-se pistas, a todo instante, que lhe sugerem que já estivera em tal lugar, por isso sua sensação constante de deja vu que ela repete diversas vezes.
Um questionamento que vi em muitos fóruns foi: de onde surgiram tantas Jess’s? Descreverei o trajeto, a partir do início, que de acordo com minha teoria, melhor se encaixa. A primeira Jess, que maltrata seu filho e chega a dizer que quer um tempo só para ela, decide ir viajar com os amigos e opta por deixar seu filho na escola ao invés de levá-lo. Como a Jess que nos é mostrada é uma já imersa no ciclo, duas são as possibilidades que explicam o percurso da primeira Jess : ou ela levou seu filho para a escola, ou ela sofreu o acidente de carro e ficou atordoada, não se lembrando bem de onde deixara seu filho. Em qualquer dos casos, Jess embarca e após a distorção do tempo no triângulo das bermudas, enlouquece no navio. Talvez propriamente por passar por essa distorção ou pela provável perda do filho no acidente. Assim, todos os rastros (por rastros, entenda-se: a chave, o colar, o bilhete, entre outros) são implantados, ainda que sem objetivo prévio. Mas nunca nos é mostrado a Jess original; a que conhecemos no início chamarei de 1ª Jess. Essa é a Jess que deixa os rastros para o segundo grupo, é a Jess que lança uma outra Jess para fora do navio. A Jess atirada para fora do navio chamarei de Jess Anterior, essa é a Jess que atira nas pessoas do grupo da 1ª Jess, no teatro. É quem provavelmente deixou os rastros para a Jess do 1º grupo. Os rastros para a Jess Anterior foram deixados pela Jess com sangue no rosto, da qual não sabemos toda a trajetória. Sabe-se, no entanto, que a Jess com sangue no rosto é quem assassina dois integrantes (o casal), no quarto 237, do segundo grupo. E a Jess do segundo grupo, aquela que ao invés de ser estrangulado por Victor, torna-se alvo da arma da Jess do 1º grupo, se tornará também uma Jess com sangue no rosto, e, pela lógica, assassinará o casal apenas do 5º grupo a chegar. Percebe-se, pois, que há uma ordem: Jess Com Sangue no Rosto > Jess Anterior > 1ª Jess (a que se mostra desde o princípio) > 2ª Jess > 3ª Jess. O ciclo não se restringe ao navio, ao contrário do que talvez pense o espectador no momento em que assiste.
Tanto o nome do navio quanto o quadro em sua parede são referentes à lenda de Sísifu, um homem, da mitologia grega, condenado a carregar uma pedra montanha acima só para vê-la rolar para baixo, repetidas e infinitas vezes. Tal castigo deve-se ao fato de Sísifu ter enganado a morte – justamente o que Jess tenta fazer para salvar seu filho, que, na verdade, morrera no acidente de carro. Talvez seja então a explicação, para a realidade de punição cíclica alternativa, de cunho mitológico. O fato é que pouco isso importa. Vale mesmo a diversão de tentar montar o quebra-cabeça.
[/spoiler]
[spoiler]
O Deserto Vermelho
4.0 96Talvez seja o diretor que mais sente o mundo com os olhos.
Longas tomadas dominadas pela fumaça de fábricas, como se a fumaça mesma fosse a personagem principal; ora instalando-se no interior ora irrompida para o exterior das fábricas. Espalha-se em múltiplas variações ao longo das cenas; mesmo quando exalada pelo fogo de queimadas ou ainda quando se insinua com sutileza roubando a cena ao dissipar-se pela ponta de cigarros. Em certas sequências alça altos voos, tornando-se tão indiscernível da naturalidade da imagem que se chegam a confundir nuvens com fumaças.
O Eclipse
4.1 90 Assista AgoraA narrativa, reduzida ao mínimo, não expõe as informações que somente a construção plástica nos revela. A câmera, atenta e curiosa, parece ganhar autonomia, vida própria, em sua movimentação e em seus enquadramentos, por vezes parece mesmo se esquecer dos personagens, ou demorar-se mais em algum detalhe qualquer que lhe interesse. É a plena liberdade da imagem! É uma pena que Antonioni seja tão mal compreendido.
A Aventura
4.1 112 Assista AgoraA ambiguidade da dúvida por meio de contrastes e o papel revolucionário da imagem: a primazia do que se diz apenas visualmente e não raro se opõe ao diálogo em si, como se houvesse uma incomunicabilidade entre a linguagem imagética e a discursiva.
Blue Jasmine
3.7 1,7K Assista AgoraPoeminha pro diretor querido.
Sejam jasmins azuis
e púrpuras rosas
sem plumas algumas
seja em Manhattan ou Roma
quer seja em Cairo ou Paris
por de trás dos velhos óculos
Que loucura!
Whatever sempre Works.
...
Casado com a psicanálise,
filosofando tudo em neuroses
com suas lentes e cenas
stardust mise-en-scene
Woody é um Allien
do bom e velho cinema.
O Bando à Parte
4.1 211Esses são os mistérios da vida. Quem matou Godard, o bom e velho Godard?
Kurt Cobain: Retrato de uma Ausência
4.2 92Só quem sabe o que é sentir-se um alienígena dia após dia é capaz de entender. Só quem sabe o que é se sentir cuspido pelo mundo. Culpado em fazer parte; nauseado."Louco" é a única palavra que não cabe para descrevê-lo. Desde sua primeira palavra, ele já demonstra saber exatamente o seu próprio fim, e não poderia mesmo ser outro. Sensato e verdadeiro. O que faz o filme tão belo é mesmo o fato de ser o próprio Kurt o narrador.
Os Miseráveis
4.1 4,2K Assista AgoraParticularmente, achei bacana toda a teatralidade musical do filme. Sinto falta desse experimentalismo no cinema atual...
Mesmo não estando à altura do Victor Hugo, é óbvio, fiz um soneto, em homenagem ao filme; a quem interessar poesia:
Triângulo do Medo
3.5 1,3K Assista AgoraFilme lindo e mentecapto. Escrevi há algum tempo uma TEORIA explicando tudo que pude! Pra quem se interessar:
Mas por favor, não tomem como algo com pretensão de ser uma verdade absoluta e tal. Ali eu explico apenas minha mera opinião, os ziguezagues da minha cabeça, e o sentido que compreendi. Não precisam concordar.
Na Natureza Selvagem
4.3 4,5K Assista AgoraÉ óbvio que a conclusão “a felicidade só é real quando compartilhada” sofreu afetação do estado lamentável no qual se encontrava o rapaz. Deve-se levar em conta que, em 95% do filme, Chris continha estampado no rosto um sorriso do tamanho do mundo que desbravava. E que cada maçã mordida e ar-livre sentido e pensamentos iluminados eram encrustados de pureza e de Verdade.