Assisti a esse filme com mais quatro pessoas. Ninguém gostou. Três dormiram (uma delas roncou) e uma ficou parte dele mexendo no celular. Enquanto isso, eu lá, gostando sozinho, ainda sem perceber esse novo tipo de solidão.
Dramático, eu sei. Mas "solidão" é uma palavra importante para esse filme. Os acontecimentos se desenrolam e, em vez de os personagens se entrelaçarem nesse mundo em comum e, com isso, desenvolverem suas relações, olho no olho, parece que há sempre uma ausência desse olhar e talvez uma ausência de comunicação afetiva entre os mundos dos personagens, embora exista uma intersubjetividade muito direta entre eles.
Essa ausência metafórica do "olho no olho" que acompanha todo o filme pode ser percebida na primeira cena em que Sofia e Edward conversam. Eles estavam sentados aparentemente juntos, à mesma mesma da lanchonete, mas Edward, estava de costas para Sofia, que também não olhava em sua direção. Suas palavras eram endereçadas à mesa (ou à lanchonete), não diretamente ao outro, apesar da semelhança e de muitas características em comum entre a atriz pornô de "sucesso" e o contador descabelado. Mesmo quando há uma forma de amor entre os dois, vemos a permanência dessa não-comunicação direta e dessa solidão, que acaba sendo banalizada e negligenciada. Talvez seja essa uma das visões de Hal Hartley sobre a vida.
No entanto, a comunicação sempre existe, ainda que os personagens tenham dificuldade em demonstrá-la. Isso me faz lembrar algo que li recentemente em "Pedagogia do Oprimido": "As consciências não são comunicantes porque se comunicam; mas comunicam-se porque comunicantes" (do prefácio, de Ernani Friori). Logo, vejo que, paradoxalmente, o filme ressalta a força da comunicação humana, que acontece à revelia das nossas barreiras individuais, criadas como resposta aos traumas e violências da vida.
Além da solidão e da comunicação, outro tema central para o filme é o da relação entre a memória e a identidade. Essa relação aparece não só em Thomas, mas também em Isabelle. Há muito o que poderia ser dito sobre isso, mas para mim existem duas cenas centrais e que se comunicam entre si em torno desse tema. Elas aparecem distantes inclusive cronologicamente - uma no início e outra no final do filme - e, ainda assim, se comunicam muito diretamente e aprofundam a estranha troca entre Thomas e Isabelle.
Na primeira, ela, saindo da lanchonete onde (não) se alimenta, pede desculpas e depois diz não saber o motivo. Thomas faz a mesma coisa no final, quando descobre que ela o conheceu antes de ele mesmo ter o direito de saber quem é, seja pela boca de Sofia, agora falecida, seja pela de Isabelle, para quem Thomas não deixa de ser quem era na primeira vez que o viu (sangrando) na lanchonete. Sangrando e sem memória, mas aparentemente ainda não preocupado com a sua identidade. É o encontro que faz ambos se preocuparem consigo mesmos e a enxergarem novamente sinais divinos - de forma literal para ela e simbólica para ele. Fica nítida, então, a íntima relação existente entre as consciências desses personagens.
Os quatro são amadores no crime (não conseguem finalizar um suicídio), na contabilidade (deixam rastros de crimes cometidos), na indústria pornográfica (são "sucesso de bilheteria", mas passam por dificuldades financeiras). Como todos nós, são amadores da comunicação, da memória e da narrativa de si. Como todos nós, amam, mesmo que esse amor seja baleado pelas diferentes forças de opressão e repressão do nosso mundo, mesmo que não saibam dizê-lo. Amam, mesmo em contextos absurdos. Porque, afinal, toda a vida é um absurdo. E o amor faz parte dela, assim como a comunicação: nós não somos amadores porque amamos; mas amamo-nos porque amadores.
Comédia sutil que me fez rir muito em vários momentos. Lembra "O Discreto Charme da Burguesia" (1972), do Buñuel, clara influência para Louis Malle e Jean-Claude Carrière, cineasta que participou do roteiro dos dois filmes.
Faz tempo que assisti o filme de Buñuel, então é difícil fazer qualquer comparação, mas vou fazer mesmo assim e dizer que o de Malle é mais amplo e certeiro. Segue a sua principal referência, um clássico, mas inclui outros elementos em torno da vida burguesa e dos seus medos, discursos e hipocrisias.
Existem discussões sobre a percepção e os jogos de poder em torno do Maio de 68 na França e uma relação disso com a ausência da figura da mãe de Milou e dos pais de Claire, que assume, a partir daí, um papel de "igualdade" com seus tios e de disputa com sua prima Camille. É possível pensar o tema das autoridades nesse filme a partir do contextos da família e da política nacional.
Para além disso, achei muito bonitas as passagens de um cenário para outro e bastante significativas cenas como a de Grimaldi acendendo as luzes do caminhão e, assim, colocando sob os holofotes do mundo do trabalho a burguesia e seu deslocamento da realidade social, que se expressa muito bem na relação desse núcleo burguês com o faz-tudo Leonce.
Três horas e meia não é nada fácil, mas o ritmo é muito bom e as atuações são geniais. Da última vez que vi Al Pacino e De Niro juntos, eu adorei e até hoje é o melhor filme de ação pra mim, que é o Heat, do Michael Mann. Outro filme bem longo, mas que nem parece demorado com esses dois. No Irishman, ainda tem o Joe Pesci como bônus.
O tempo e a forma como ele influencia as ações dos personagens nesse filme é incrível. Eles parecem desacelerar o tempo em meio a tantas negociações, traições e violência. É algo bem sutil. Scorsese foi um dos primeiros cineastas que aprendi a acompanhar e até hoje continua muito bom!
E a quem Sheeran ainda estava oferecendo a sua lealdade e proteção? Talvez dizer que a ele mesmo seja central, mas muito óbvio. Imagino que tenha a ver com a defesa de um mundo que era a sua verdadeira família e com a proteção da figura do conciliador que não pertence a nenhum dos grupos em disputa. Se for isso, é algo que vai muito além da história da máfia.
Esse filme me causou embates com alguns amigos. Só um deles havia gostado; as outras acharam romantizado. Uma delas, a mais crítica, ainda não viu, mas leu péssimos comentários, assim como eu também antes de assistir, o que me provocou um verdadeiro desinteresse por essa história que achava que seria muito água com açúcar. Mas não.
Reconheço que o filme tem uma estética romantizada, um visual excessivamente sutil - não sei se é bem isso o que quero dizer. No entanto, enxerguei um debate bastante produtivo e bem construído entre o esforço de manutenção das tradições católicas e o movimento reformista dentro da Igreja, posições que são personificadas, respectivamente, na figura do Ratzinger e do Bergoglio. E isso não é feito de uma maneira maniqueísta, por um lado, nem relativista, por outro. Esse conflito é tratado a partir de uma visão humanista e complexa, sem perder de vista que a aparente vitória da reforma que representaria a ascensão do papa Francisco está maculada por uma força estrutural que mantém o que nas célebres palavras de Giuseppe Tomasi di Lampedusa é dito da seguinte forma, em "O Leopardo": "Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude". Não à toa, Meirelles destaca a viagem do papa recém empossado para a ilha de Lampedusa.
Além disso, o filme procura sair da dicotomia Ratzinger x Bergoglio o quanto pode, ainda que esse seja obviamente o centro do roteiro. Há referências importantes aos padres jesuítas que se opuseram ao posicionamento covarde e colaboracionista de Bergoglio nos tempos da ditadura argentina, assim como existem citações breves, mas valiosas à Teologia da Libertação e à atuação de membros do clero brasileiro que atuaram na defesa dos direitos humanos e no combate à ditadura brasileira, como Dom Hélder Câmara.
Eu poderia comentar ainda sobre questões mais estéticas e sobre a coerência interna do filme, que não deixa um elemento solto sequer. Pelo contrário, há sempre uma retomada muito bem colocada de figuras como a chuva e o guarda-chuva; a bagagem que o Bergoglio carrega e suas diferentes atitudes em relação às situações em que tentam fazer o favor de carregá-la para lhe poupar o esforço; o tango; o futebol... Mas o que chama mais atenção é mesmo a visão político-religiosa sobre o filme.
Ri, chorei (aqui já foi exagero da minha parte hahaha), fiquei desconfiado da narrativa e senti raiva, tudo ao mesmo tempo. Incrível!
Como filme, não é tão bom, mas cumpriu o papel de despertar o interesse pela vida e trabalho do Sérgio. Me senti obrigado a assistir o documentário logo em seguida - que infelizmente também não é uma boa produção, mas continuo muito interessado por esse diplomata e seu legado. Foi bom conhecer um pouco do Sérgio nessa tarde e lembrar de uma época em que o Brasil era respeitado internacionalmente.
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Amateur
3.5 18Assisti a esse filme com mais quatro pessoas. Ninguém gostou. Três dormiram (uma delas roncou) e uma ficou parte dele mexendo no celular. Enquanto isso, eu lá, gostando sozinho, ainda sem perceber esse novo tipo de solidão.
Dramático, eu sei. Mas "solidão" é uma palavra importante para esse filme. Os acontecimentos se desenrolam e, em vez de os personagens se entrelaçarem nesse mundo em comum e, com isso, desenvolverem suas relações, olho no olho, parece que há sempre uma ausência desse olhar e talvez uma ausência de comunicação afetiva entre os mundos dos personagens, embora exista uma intersubjetividade muito direta entre eles.
Essa ausência metafórica do "olho no olho" que acompanha todo o filme pode ser percebida na primeira cena em que Sofia e Edward conversam. Eles estavam sentados aparentemente juntos, à mesma mesma da lanchonete, mas Edward, estava de costas para Sofia, que também não olhava em sua direção. Suas palavras eram endereçadas à mesa (ou à lanchonete), não diretamente ao outro, apesar da semelhança e de muitas características em comum entre a atriz pornô de "sucesso" e o contador descabelado. Mesmo quando há uma forma de amor entre os dois, vemos a permanência dessa não-comunicação direta e dessa solidão, que acaba sendo banalizada e negligenciada. Talvez seja essa uma das visões de Hal Hartley sobre a vida.
No entanto, a comunicação sempre existe, ainda que os personagens tenham dificuldade em demonstrá-la. Isso me faz lembrar algo que li recentemente em "Pedagogia do Oprimido": "As consciências não são comunicantes porque se comunicam; mas comunicam-se porque comunicantes" (do prefácio, de Ernani Friori). Logo, vejo que, paradoxalmente, o filme ressalta a força da comunicação humana, que acontece à revelia das nossas barreiras individuais, criadas como resposta aos traumas e violências da vida.
Além da solidão e da comunicação, outro tema central para o filme é o da relação entre a memória e a identidade. Essa relação aparece não só em Thomas, mas também em Isabelle. Há muito o que poderia ser dito sobre isso, mas para mim existem duas cenas centrais e que se comunicam entre si em torno desse tema. Elas aparecem distantes inclusive cronologicamente - uma no início e outra no final do filme - e, ainda assim, se comunicam muito diretamente e aprofundam a estranha troca entre Thomas e Isabelle.
Na primeira, ela, saindo da lanchonete onde (não) se alimenta, pede desculpas e depois diz não saber o motivo. Thomas faz a mesma coisa no final, quando descobre que ela o conheceu antes de ele mesmo ter o direito de saber quem é, seja pela boca de Sofia, agora falecida, seja pela de Isabelle, para quem Thomas não deixa de ser quem era na primeira vez que o viu (sangrando) na lanchonete. Sangrando e sem memória, mas aparentemente ainda não preocupado com a sua identidade. É o encontro que faz ambos se preocuparem consigo mesmos e a enxergarem novamente sinais divinos - de forma literal para ela e simbólica para ele. Fica nítida, então, a íntima relação existente entre as consciências desses personagens.
Os quatro são amadores no crime (não conseguem finalizar um suicídio), na contabilidade (deixam rastros de crimes cometidos), na indústria pornográfica (são "sucesso de bilheteria", mas passam por dificuldades financeiras). Como todos nós, são amadores da comunicação, da memória e da narrativa de si. Como todos nós, amam, mesmo que esse amor seja baleado pelas diferentes forças de opressão e repressão do nosso mundo, mesmo que não saibam dizê-lo. Amam, mesmo em contextos absurdos. Porque, afinal, toda a vida é um absurdo. E o amor faz parte dela, assim como a comunicação: nós não somos amadores porque amamos; mas amamo-nos porque amadores.
Loucuras de uma primavera
3.8 10Comédia sutil que me fez rir muito em vários momentos. Lembra "O Discreto Charme da Burguesia" (1972), do Buñuel, clara influência para Louis Malle e Jean-Claude Carrière, cineasta que participou do roteiro dos dois filmes.
Faz tempo que assisti o filme de Buñuel, então é difícil fazer qualquer comparação, mas vou fazer mesmo assim e dizer que o de Malle é mais amplo e certeiro. Segue a sua principal referência, um clássico, mas inclui outros elementos em torno da vida burguesa e dos seus medos, discursos e hipocrisias.
Existem discussões sobre a percepção e os jogos de poder em torno do Maio de 68 na França e uma relação disso com a ausência da figura da mãe de Milou e dos pais de Claire, que assume, a partir daí, um papel de "igualdade" com seus tios e de disputa com sua prima Camille. É possível pensar o tema das autoridades nesse filme a partir do contextos da família e da política nacional.
Para além disso, achei muito bonitas as passagens de um cenário para outro e bastante significativas cenas como a de Grimaldi acendendo as luzes do caminhão e, assim, colocando sob os holofotes do mundo do trabalho a burguesia e seu deslocamento da realidade social, que se expressa muito bem na relação desse núcleo burguês com o faz-tudo Leonce.
O Irlandês
4.0 1,5K Assista AgoraTrês horas e meia não é nada fácil, mas o ritmo é muito bom e as atuações são geniais. Da última vez que vi Al Pacino e De Niro juntos, eu adorei e até hoje é o melhor filme de ação pra mim, que é o Heat, do Michael Mann. Outro filme bem longo, mas que nem parece demorado com esses dois. No Irishman, ainda tem o Joe Pesci como bônus.
O tempo e a forma como ele influencia as ações dos personagens nesse filme é incrível. Eles parecem desacelerar o tempo em meio a tantas negociações, traições e violência. É algo bem sutil. Scorsese foi um dos primeiros cineastas que aprendi a acompanhar e até hoje continua muito bom!
E a quem Sheeran ainda estava oferecendo a sua lealdade e proteção? Talvez dizer que a ele mesmo seja central, mas muito óbvio. Imagino que tenha a ver com a defesa de um mundo que era a sua verdadeira família e com a proteção da figura do conciliador que não pertence a nenhum dos grupos em disputa. Se for isso, é algo que vai muito além da história da máfia.
Dois Papas
4.1 962 Assista AgoraEsse filme me causou embates com alguns amigos. Só um deles havia gostado; as outras acharam romantizado. Uma delas, a mais crítica, ainda não viu, mas leu péssimos comentários, assim como eu também antes de assistir, o que me provocou um verdadeiro desinteresse por essa história que achava que seria muito água com açúcar. Mas não.
Reconheço que o filme tem uma estética romantizada, um visual excessivamente sutil - não sei se é bem isso o que quero dizer. No entanto, enxerguei um debate bastante produtivo e bem construído entre o esforço de manutenção das tradições católicas e o movimento reformista dentro da Igreja, posições que são personificadas, respectivamente, na figura do Ratzinger e do Bergoglio. E isso não é feito de uma maneira maniqueísta, por um lado, nem relativista, por outro. Esse conflito é tratado a partir de uma visão humanista e complexa, sem perder de vista que a aparente vitória da reforma que representaria a ascensão do papa Francisco está maculada por uma força estrutural que mantém o que nas célebres palavras de Giuseppe Tomasi di Lampedusa é dito da seguinte forma, em "O Leopardo": "Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude". Não à toa, Meirelles destaca a viagem do papa recém empossado para a ilha de Lampedusa.
Além disso, o filme procura sair da dicotomia Ratzinger x Bergoglio o quanto pode, ainda que esse seja obviamente o centro do roteiro. Há referências importantes aos padres jesuítas que se opuseram ao posicionamento covarde e colaboracionista de Bergoglio nos tempos da ditadura argentina, assim como existem citações breves, mas valiosas à Teologia da Libertação e à atuação de membros do clero brasileiro que atuaram na defesa dos direitos humanos e no combate à ditadura brasileira, como Dom Hélder Câmara.
Eu poderia comentar ainda sobre questões mais estéticas e sobre a coerência interna do filme, que não deixa um elemento solto sequer. Pelo contrário, há sempre uma retomada muito bem colocada de figuras como a chuva e o guarda-chuva; a bagagem que o Bergoglio carrega e suas diferentes atitudes em relação às situações em que tentam fazer o favor de carregá-la para lhe poupar o esforço; o tango; o futebol... Mas o que chama mais atenção é mesmo a visão político-religiosa sobre o filme.
Ri, chorei (aqui já foi exagero da minha parte hahaha), fiquei desconfiado da narrativa e senti raiva, tudo ao mesmo tempo. Incrível!
Sérgio
3.2 222Como filme, não é tão bom, mas cumpriu o papel de despertar o interesse pela vida e trabalho do Sérgio. Me senti obrigado a assistir o documentário logo em seguida - que infelizmente também não é uma boa produção, mas continuo muito interessado por esse diplomata e seu legado. Foi bom conhecer um pouco do Sérgio nessa tarde e lembrar de uma época em que o Brasil era respeitado internacionalmente.