As nuances de raízes largas da gramática de cerceamento das diferenças (que gritam na tela, não apenas da homossexualidade do Tio Frank, mas seu parceiro muçulmano, ou a amiga judia), e diante dela, o estranhamento da pequena ~Beth~, trilhando sua saída particular desse lugar de onde se vem (nem sempre do interior, como é o caso), um estranhamento diante da pluralidade, que permite justamente que se reinvente o traço pesado dessa gramática de exclusão, tudo isso atravessado pelo grande corte advindo de um luto familiar - para mostrar que nem sempre a morte traz (ou só traz) acontecimentos ruins. Às vezes há coisas que só se conseguem ser ditas num velório, ou durante um luto familiar, não é?
A parte da formação de Beth me remeteu a outro belo filme, Mulheres do Século XX, que eu deixo indicado para quem ainda não viu. Ademais, Paul Bettany, Peter Macdissi (o Wally) e a pequena e linda Sophia Lillis estão um arraso!
Não é sobre ter o que deseja, né, mas sobre a falta que isso faz. É um filme lento, que gira em torno das frustrações pessoais (e em casal) com o irrealizável dos nossos ideais, os acontecimentos inevitáveis - e como isso se cruza no encontro com pessoas diferentes. Até onde entendi, se passa na Itália, onde eles estão de férias, mas eles são austríacos ou alemães (?). Se estiver na vibe de experimentar tudo isso, é um bom filme. :) Tenho gostado muito das adições estrangeiras na Netflix.
Primeiro, não há nada de comédia. Segundo, o título em português caiu bem melhor do que o inglês (An Easy Girl) e francês (Une Fille Facile). Ao contrário de Call Me By Your Name, é um "desromance" de verão que igualmente impacta a vida da protagonista.
Me surpreendi, cara, com a quantidade de comentários que li dizendo que é um filme sem pé nem cabeça, ou quem sabe sejam mesmo essas quimeras decapitadas, né, que nos façam tentar olhar pra algo que não seja o pé ou a cabeça, rs, pra trocar esse flerte.
Neymar (rs, lapso com a pronúncia de Naima), a protagonista, é filha de uma doméstica, com traços que me lembraram o oriente médio, tem um desejo adolescente (digo adolescente porque escolher arte como profissão tem pra mim um caráter jovial, pueril, de algo que ainda não foi capturado) de ser atriz. A prima lhe presenteia com uma bolsa Chanel original, comparecendo com a sedução do hedonismo e do consumo como caminho, que muito tem a ver com nossos tempos.
E aí essa escolha que a prima Sofia faz do caminho dela vai provocar um grande estranhamento em Naima (momentaneamente marcado pela atração ou curiosidade). Não acho que seria massa ficar aqui estipulando do caminho de uma versus o caminho da outra, porque no fim, se trata do desejo e como bancá-lo, né? Mas penso que talvez o filme estimule esse cálculo, já que está sempre alternando imagens de "quem serve" e de quem "desfruta", mostrando cenas de ricaços e de empregadas domésticas ou garçons, e esvaziando a personagem da Sofia, apesar de que há realmente um preço que ela paga do seu lugar de falante pra estar nesse lugar de ser desejada (e bancada).
Colocaria ainda em questão um outro ponto, o savoire-faire, o saber da atriz, da doméstica, da "alpinista social", da chef, como a cena em que ela mostra que mesmo para sustentar esse lugar de ser objeto do desejo masculino, é necessário um saber, contra a tentativa da cineasta de esvaziar a "Escolha de Sofia" (olha que lapso, rs).
Detalhe que o filme se passa em Cannes, do festival de cinema. E o personagem do Philippe que gostei bastante, me parece ocupar o lugar do contador, como aquele que paga, que sabe o valor das coisas (o custo, do que seu parceiro André se abstém - e Sofia também, por conseguinte).
Legal a ideia de trazer uma menina com a idade que Anne tinha à época da escrita do diário, e fazer pensar à luz de uma nova geração o que fazer com a terrível memória do holocausto 1. para que ela não seja esquecida e 2. para que ela não se repita, o que são coisas diferentes.
Mas com isso trazer essa estética jovem de Instagram e as hashtags, me mataram, rs, meu asco me encheu logo o saco. A cena com o rapaz que tatuou no braço a referência do prisioneiro judeu no campo de concentração me acendeu uma precaução sobre os mecanismos capitalistas de capitalizar símbolos importantes e esvaziá-los de seu significado - à imagem da figura do Che.
E acho que apesar da ideia com que eu iniciei esse comentário, a instagramização desse "roteiro da morte" entre Polônia e Holanda me deixou com um pé atrás.
Engraçado como o sentido é retrospectivo. Assisti bem despretensioso e gostei bastante, muito gostoso de assistir, principalmente pela ambientação e os toques de arte da protagonista.
Mas me tocou também com relação ao cuidado, e o valor ao amor e às relações de confiança, apesar de toda brutalidade do parceiro dela, os dois eram outsiders, e construíram a realização de seus desejos à margem dos ideais da opinião pública.
Alguma coisa seguiu me atravessando porque é semelhante ao que se passa com Schindler, que assisti uma semana depois, e o final de Ivan Illitch, do personagem mujique que encarna o lugar do cuidado, em detrimento de todos os outros aristocratas que rejeitam o moribundo.
Alguma coisa aí nesses atravessamentos aponta pra ética.
Quase desisti de ver, pelo começo arrastado, porém necessário (ainda bem que segui adiante, depois que enganchou me prendeu até o fim). Num Brasil onde os crimes da ditadura não tiveram julgamento nenhum e a sociedade segue a política do estupor espelhada pela entrevista de Regina Duarte, e permite a eleição de um presidente que idolatra assassinos do regime, esse filme dói como se não existisse o tempo.
Eu venho há um tempo, acompanhando os últimos acontecimentos no Brasil, me interessando muito por temas relacionados a regimes fascistas e políticas de extermínio. No último dia dos namorados Marcella por acaso me deu uma HQ, Maus, de Art Spiegelman, que retrata o percurso do pai de Artie pelo gueto até os campos de concentração, retratando os judeus como ratos. No filme, senti como se já conhecesse tudo nos mínimos detalhes, o lugar do escambo para a sobrevivência, o passo a passo e a estrutura dos "chuveiros" até apagarem-se as luzes e liberação do Zyklon B, a sedução das cercas elétricas como uma forma breve de encerrar o sofrimento no campo. No filme me deparei com tudo isso com muito realismo, e percebi a potência da HQ enquanto registro - o que eu ainda não tinha me dado conta.
Um texto do Jurandir descreve a dignidade como aquilo que não se pode vender, ou o que não tem preço.
Precisei retratar em palavras o arrebatamento na cena bem próxima ao fim do filme, quando Schindler, recebendo a gratidão dos judeus, ao invés de gozar dela, desmorona. Parece que é ali, cercado por todas as vidas que conseguiu salvar da obliteração nazista, que ele se dá conta do valor da humanidade que lhe foi retornada pelo seu gesto mesmo de salvá-los, de modo que diante do anel com que eles lhe presenteiam, é ele, no fim, que está em dívida, calculando em cada excesso do passado, no carro, no broche, quantas poucas vidas mais poderia ter salvo.
O inestimável valor da vida, ou se não, da humanidade, na falta do que não seríamos nada além de animais devorando uns aos outros. Nos últimos dois anos, com o desmoronamento da fantasia de sociedade eu venho buscando elaborar uma questão que vim encontrar formulada um tempo depois por Primo Levi num livro sobre a sua vivência em Auschwitz: "É isto um homem?".
Tem uma pegada épica que eu gosto muito, e acompanhando temas que têm me interessado nesses tempos de desmonte da democracia: sistemas fascistas, xenofobia, extermínio.
Despedaça é a gente depois de assistir, que filme lindo e de uma linguagem lírica que junto com a trilha sonora carrega de simbologia as cenas que retratam essa ruptura com a repetição, à imagem do gado e da autoridade paterna, que tem pouco mais a perder que não a honra que lhe resta.
Eu entendo por que ele foi aplaudido de pé em Cannes, e principalmente com aquelas cenas pós-filme e o contexto que (ainda) estamos vivendo!
Por outro lado, como primeiro filme que assisto do Spike Lee, eu esperava mais. Acho que é o estilo dele, algumas montagens que (principalmente com o começo do filme) me lembraram alguns filmes que eu via na Sessão da Tarde.
De todo modo me deixou envolvido e tenso boa parte e o fato de ser baseado em fatos reais deixa as coisas mais interessantes.
Como muitos dizem, filme necessário e didático que traz discursos que ainda operam entre nós, agora mais escrachadamente depois de Trump e Bolsonaro autorizarem as pessoas a expressar seus preconceitos de forma mais aberta e despudorada.
Uma comunidade de caçadores, um rito de passagem que tem na caça o símbolo da transição para o mundo adulto não pode formar outra coisa que não isso: caçadores. "Há maldade no mundo e quando nos unimos ela desaparece", conta um pai em prantos para a sua filha e parece que ele está narrando para si mesmo a mentira desesperada que reveste a sua própria maldade, o seu próprio instinto predador, e o remorso que o acompanha. Mentira, a maldade não desaparece nunca, muito menos por força da união; pelo contrário, às vezes ela advém daí. E o mundo continua, a comunidade segue na sua Santa Ceia depois da missa de Natal, "essas pessoas na sala de jantar", o Natal talvez seja o marco do eterno retorno da maldade humana, a lembrar que a ceia sempre se repetirá após o assassínio do Cristo, a lembrar que sempre assassinaremos o Cristo, de novo e de novo e quem sabe esta seja a sina da humanidade, por detrás dos olhos se esconderá esse instinto predativo, entre o remorso e a vontade de matar, como um segredo compartilhado entre o predador e a caça.
Me faz repensar também com que facilidade se romantiza a solidariedade e cria categorias traiçoeiras como empatia e comunidade, da mesma fonte dúbia de onde nascem os gurus e os mestres e aqueles que com o dedo firme indicarão a proxima presa. Não há escape para a questão humana, já que retornamos sempre à ela: nossa racionalidade faz de nós algo mais que animais? Não. Não deixamos de ser animais. "O homem é o lobo do homem", salta às últimas cenas onde os diálogos dão espaço a silencios e olhares.
Li Safatle mais cedo, ele acentua a diferença entre solidariedade e empatia, que nada há de ter a ver com a primeira. Diz que solidariedade tem mais com atravessar esse abismo que se coloca diante da diferença, e como há aí algum dever implicativo do convívio coletivo. Veja, um dever, uma questão ética, e não um dom divino a que se deva confiar ou exaltar. Muito mais do que um compadecimento sagrado, o que distingue o bicho-homem é a sua capacidade de condenar. Um animal não tem escolha, então, se a escolha é o que define a humanidade, o que fazer diante do que causa estranhamento?
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Tio Frank
3.9 240 Assista AgoraAs nuances de raízes largas da gramática de cerceamento das diferenças (que gritam na tela, não apenas da homossexualidade do Tio Frank, mas seu parceiro muçulmano, ou a amiga judia), e diante dela, o estranhamento da pequena ~Beth~, trilhando sua saída particular desse lugar de onde se vem (nem sempre do interior, como é o caso), um estranhamento diante da pluralidade, que permite justamente que se reinvente o traço pesado dessa gramática de exclusão, tudo isso atravessado pelo grande corte advindo de um luto familiar - para mostrar que nem sempre a morte traz (ou só traz) acontecimentos ruins. Às vezes há coisas que só se conseguem ser ditas num velório, ou durante um luto familiar, não é?
A parte da formação de Beth me remeteu a outro belo filme, Mulheres do Século XX, que eu deixo indicado para quem ainda não viu. Ademais, Paul Bettany, Peter Macdissi (o Wally) e a pequena e linda Sophia Lillis estão um arraso!
Quando a Vida Acontece
2.8 63 Assista AgoraNão é sobre ter o que deseja, né, mas sobre a falta que isso faz. É um filme lento, que gira em torno das frustrações pessoais (e em casal) com o irrealizável dos nossos ideais, os acontecimentos inevitáveis - e como isso se cruza no encontro com pessoas diferentes. Até onde entendi, se passa na Itália, onde eles estão de férias, mas eles são austríacos ou alemães (?). Se estiver na vibe de experimentar tudo isso, é um bom filme. :) Tenho gostado muito das adições estrangeiras na Netflix.
Se vc já assistiu:
Detalhe para o final: "espero que não estraguem nossa vista", mais um inevitável, rs, com o que se enganchar.
A Prima Sofia
2.6 84 Assista AgoraPrimeiro, não há nada de comédia. Segundo, o título em português caiu bem melhor do que o inglês (An Easy Girl) e francês (Une Fille Facile). Ao contrário de Call Me By Your Name, é um "desromance" de verão que igualmente impacta a vida da protagonista.
Me surpreendi, cara, com a quantidade de comentários que li dizendo que é um filme sem pé nem cabeça, ou quem sabe sejam mesmo essas quimeras decapitadas, né, que nos façam tentar olhar pra algo que não seja o pé ou a cabeça, rs, pra trocar esse flerte.
Neymar (rs, lapso com a pronúncia de Naima), a protagonista, é filha de uma doméstica, com traços que me lembraram o oriente médio, tem um desejo adolescente (digo adolescente porque escolher arte como profissão tem pra mim um caráter jovial, pueril, de algo que ainda não foi capturado) de ser atriz. A prima lhe presenteia com uma bolsa Chanel original, comparecendo com a sedução do hedonismo e do consumo como caminho, que muito tem a ver com nossos tempos.
E aí essa escolha que a prima Sofia faz do caminho dela vai provocar um grande estranhamento em Naima (momentaneamente marcado pela atração ou curiosidade). Não acho que seria massa ficar aqui estipulando do caminho de uma versus o caminho da outra, porque no fim, se trata do desejo e como bancá-lo, né? Mas penso que talvez o filme estimule esse cálculo, já que está sempre alternando imagens de "quem serve" e de quem "desfruta", mostrando cenas de ricaços e de empregadas domésticas ou garçons, e esvaziando a personagem da Sofia, apesar de que há realmente um preço que ela paga do seu lugar de falante pra estar nesse lugar de ser desejada (e bancada).
Colocaria ainda em questão um outro ponto, o savoire-faire, o saber da atriz, da doméstica, da "alpinista social", da chef, como a cena em que ela mostra que mesmo para sustentar esse lugar de ser objeto do desejo masculino, é necessário um saber, contra a tentativa da cineasta de esvaziar a "Escolha de Sofia" (olha que lapso, rs).
Detalhe que o filme se passa em Cannes, do festival de cinema. E o personagem do Philippe que gostei bastante, me parece ocupar o lugar do contador, como aquele que paga, que sabe o valor das coisas (o custo, do que seu parceiro André se abstém - e Sofia também, por conseguinte).
Anne Frank: Parallel Stories
4.0 44Legal a ideia de trazer uma menina com a idade que Anne tinha à época da escrita do diário, e fazer pensar à luz de uma nova geração o que fazer com a terrível memória do holocausto 1. para que ela não seja esquecida e 2. para que ela não se repita, o que são coisas diferentes.
Mas com isso trazer essa estética jovem de Instagram e as hashtags, me mataram, rs, meu asco me encheu logo o saco. A cena com o rapaz que tatuou no braço a referência do prisioneiro judeu no campo de concentração me acendeu uma precaução sobre os mecanismos capitalistas de capitalizar símbolos importantes e esvaziá-los de seu significado - à imagem da figura do Che.
E acho que apesar da ideia com que eu iniciei esse comentário, a instagramização desse "roteiro da morte" entre Polônia e Holanda me deixou com um pé atrás.
Maudie: Sua Vida e Sua Arte
4.1 194 Assista AgoraEngraçado como o sentido é retrospectivo. Assisti bem despretensioso e gostei bastante, muito gostoso de assistir, principalmente pela ambientação e os toques de arte da protagonista.
Mas me tocou também com relação ao cuidado, e o valor ao amor e às relações de confiança, apesar de toda brutalidade do parceiro dela, os dois eram outsiders, e construíram a realização de seus desejos à margem dos ideais da opinião pública.
Alguma coisa seguiu me atravessando porque é semelhante ao que se passa com Schindler, que assisti uma semana depois, e o final de Ivan Illitch, do personagem mujique que encarna o lugar do cuidado, em detrimento de todos os outros aristocratas que rejeitam o moribundo.
Alguma coisa aí nesses atravessamentos aponta pra ética.
A História Oficial
4.1 140 Assista AgoraQuase desisti de ver, pelo começo arrastado, porém necessário (ainda bem que segui adiante, depois que enganchou me prendeu até o fim). Num Brasil onde os crimes da ditadura não tiveram julgamento nenhum e a sociedade segue a política do estupor espelhada pela entrevista de Regina Duarte, e permite a eleição de um presidente que idolatra assassinos do regime, esse filme dói como se não existisse o tempo.
A Lista de Schindler
4.6 2,3K Assista AgoraEu venho há um tempo, acompanhando os últimos acontecimentos no Brasil, me interessando muito por temas relacionados a regimes fascistas e políticas de extermínio. No último dia dos namorados Marcella por acaso me deu uma HQ, Maus, de Art Spiegelman, que retrata o percurso do pai de Artie pelo gueto até os campos de concentração, retratando os judeus como ratos. No filme, senti como se já conhecesse tudo nos mínimos detalhes, o lugar do escambo para a sobrevivência, o passo a passo e a estrutura dos "chuveiros" até apagarem-se as luzes e liberação do Zyklon B, a sedução das cercas elétricas como uma forma breve de encerrar o sofrimento no campo. No filme me deparei com tudo isso com muito realismo, e percebi a potência da HQ enquanto registro - o que eu ainda não tinha me dado conta.
Um texto do Jurandir descreve a dignidade como aquilo que não se pode vender, ou o que não tem preço.
Precisei retratar em palavras o arrebatamento na cena bem próxima ao fim do filme, quando Schindler, recebendo a gratidão dos judeus, ao invés de gozar dela, desmorona. Parece que é ali, cercado por todas as vidas que conseguiu salvar da obliteração nazista, que ele se dá conta do valor da humanidade que lhe foi retornada pelo seu gesto mesmo de salvá-los, de modo que diante do anel com que eles lhe presenteiam, é ele, no fim, que está em dívida, calculando em cada excesso do passado, no carro, no broche, quantas poucas vidas mais poderia ter salvo.
O inestimável valor da vida, ou se não, da humanidade, na falta do que não seríamos nada além de animais devorando uns aos outros. Nos últimos dois anos, com o desmoronamento da fantasia de sociedade eu venho buscando elaborar uma questão que vim encontrar formulada um tempo depois por Primo Levi num livro sobre a sua vivência em Auschwitz: "É isto um homem?".
A Promessa
3.7 112 Assista AgoraTem uma pegada épica que eu gosto muito, e acompanhando temas que têm me interessado nesses tempos de desmonte da democracia: sistemas fascistas, xenofobia, extermínio.
Pago pau pra Oscar Isaac e Christian Bale.
Abril Despedaçado
4.2 673Despedaça é a gente depois de assistir, que filme lindo e de uma linguagem lírica que junto com a trilha sonora carrega de simbologia as cenas que retratam essa ruptura com a repetição, à imagem do gado e da autoridade paterna, que tem pouco mais a perder que não a honra que lhe resta.
Infiltrado na Klan
4.3 1,9K Assista AgoraEu entendo por que ele foi aplaudido de pé em Cannes, e principalmente com aquelas cenas pós-filme e o contexto que (ainda) estamos vivendo!
Por outro lado, como primeiro filme que assisto do Spike Lee, eu esperava mais. Acho que é o estilo dele, algumas montagens que (principalmente com o começo do filme) me lembraram alguns filmes que eu via na Sessão da Tarde.
De todo modo me deixou envolvido e tenso boa parte e o fato de ser baseado em fatos reais deixa as coisas mais interessantes.
Como muitos dizem, filme necessário e didático que traz discursos que ainda operam entre nós, agora mais escrachadamente depois de Trump e Bolsonaro autorizarem as pessoas a expressar seus preconceitos de forma mais aberta e despudorada.
A Caça
4.2 2,0K Assista AgoraUma comunidade de caçadores, um rito de passagem que tem na caça o símbolo da transição para o mundo adulto não pode formar outra coisa que não isso: caçadores. "Há maldade no mundo e quando nos unimos ela desaparece", conta um pai em prantos para a sua filha e parece que ele está narrando para si mesmo a mentira desesperada que reveste a sua própria maldade, o seu próprio instinto predador, e o remorso que o acompanha. Mentira, a maldade não desaparece nunca, muito menos por força da união; pelo contrário, às vezes ela advém daí. E o mundo continua, a comunidade segue na sua Santa Ceia depois da missa de Natal, "essas pessoas na sala de jantar", o Natal talvez seja o marco do eterno retorno da maldade humana, a lembrar que a ceia sempre se repetirá após o assassínio do Cristo, a lembrar que sempre assassinaremos o Cristo, de novo e de novo e quem sabe esta seja a sina da humanidade, por detrás dos olhos se esconderá esse instinto predativo, entre o remorso e a vontade de matar, como um segredo compartilhado entre o predador e a caça.
Me faz repensar também com que facilidade se romantiza a solidariedade e cria categorias traiçoeiras como empatia e comunidade, da mesma fonte dúbia de onde nascem os gurus e os mestres e aqueles que com o dedo firme indicarão a proxima presa. Não há escape para a questão humana, já que retornamos sempre à ela: nossa racionalidade faz de nós algo mais que animais? Não. Não deixamos de ser animais. "O homem é o lobo do homem", salta às últimas cenas onde os diálogos dão espaço a silencios e olhares.
Li Safatle mais cedo, ele acentua a diferença entre solidariedade e empatia, que nada há de ter a ver com a primeira. Diz que solidariedade tem mais com atravessar esse abismo que se coloca diante da diferença, e como há aí algum dever implicativo do convívio coletivo. Veja, um dever, uma questão ética, e não um dom divino a que se deva confiar ou exaltar. Muito mais do que um compadecimento sagrado, o que distingue o bicho-homem é a sua capacidade de condenar. Um animal não tem escolha, então, se a escolha é o que define a humanidade, o que fazer diante do que causa estranhamento?