Quando Érika se mata, rompem-se todas as relações sociais de dominação e de submissão que ela tinha em relação ao Outro. Em seu ato derradeiro há a extrema materialização dela - como um único objeto autorecíproco - de quem violenta e de quem é violentada.
Uma observação: na carteirinha do branco traidor está "assessor de desembargador do TRF6". É um Tribunal fictício. Os diretores foram inteligentes ao não nomearem um estado específico, pois não existe um Tribunal Regional Federal da 6ª Região. Ironicamente, acabou de sair uma notícia de que será criado no Brasil tal tribunal. A vida imita a arte, e a realidade brasileira desafia a ficção
totalitarismo/fascismo, pois está sempre à espreita, atento, prestes a aparecer. Impõe o silêncio e ataca, dilacera quem ousa falar. Outro ponto interessante: a menina que, a princípio, era a pessoa vulnerável, foi quem salvou a parte remanescente da família justamente em razão de seu déficit de audição, além de também, graças a ela, seus pais e irmão já saberem se comunicar por sinais, o que os tornou mais preparados com o aparecimento dos bichão doido
O filme dá pistas de que Anthony (o ator de terceira, conforme disse a própria mãe do protagonista) e Adam (professor de Historia ) sejam a mesma pessoa.
Anthony, como vimos, é um professor de história, membro de uma família abastada - o que nos dá a entender durante a visita à casa de sua mãe.
Insatisfeito com seus dias tediosos e repetitivos, ele tenta uma carreira alternativa de ator. Embora casado e prestes a ter um filho, passa a se encontrar com Mary. E, para esta, assume uma outra identidade, ao ponto de alugar um apartamento pequeno e velho onde se encontram, como se fosse seu verdadeiro lar.
Até que um dia, na cama, Mary percebe a marca da aliança no dedo de Anthony e questiona quem de fato é ele, qual a sua verdadeira vida.
Mary descobre que seu relacionamento com Anthony é uma farsa, discutem enquanto ela volta furiosa para casa e sofre um acidente com Anthony sob a condução do volante. Ele sobrevive ao acidente, porém desenvolve sequelas mentais, além da cicatriz no peito (o que é fundamental para compreendermos que ambos são apenas um).
Assim, Anthony que até então tinha deliberadamente uma vida dupla - seja com relações amorosas paralelas e a máscara/persona de ator nas horas vagas - com o grave acidente passa ser psicologicamente duplo.
Sua verdadeira mulher descobre que seu marido é infiel, já que estava acompanhado pela amante durante o acidente. No entanto, talvez por estar grávida, não se separa do marido.
Quanto à figura da aranha, vejo com representação da repressão, a moral que impede seu impeto sexual, censurando suas infidelidades. Afinal, Anthony gostaria de ter várias mulheres, frequentar o clube de orgia, mas uma sociedade burguesa pautada na família tradicional obsta sua liberdade sexual.
Logo, toda vez que pensa em trair, aparece a aranha (a moral) reprimindo-o. Ele vai visitar a mãe, durante o diálogo ela diz ser ele seu único filho (o que é uma pista mto importante para nós telespectadores) e oferece blueberry (tal como seu duplo pede para mulher no inicio do filme).
Entretanto, para surpresa da mãe e do telespectador, o protagonista diz não gostar de blueberry (pois naquele momento ele não se vê mais como Anthony, e sim como Adam, seu duplo). A cena imediatamente corta, e somos surpreendidos por uma aranha gigante sob os arranha-céus. Essa aranha gigante pode representar tanto a aranha-mãe, que reprime seus desejos de ator (o filme dá pistas, pelo diálogo entre os dois, que desde criança seu futuro como acadêmico fora traçado, reprimindo sua subjetividade, sua espontânea deliberação), como também uma metáfora simbolizando o superego coletivo, isto é, a moral vigente, responsável por uma sociedade eminentemente repressora (uma possível alusão a Marcuse em "Eros e a Civilizacao" e Freud em "Mal Estar na Civilização").
E vejam só: no final do filme o protagonista recebe uma chave (já que as fechaduras do clube sexual foram trocadas, segundo o porteiro). Anthony pensa numa desculpa para dar à mulher antes de se divertir numa boa suruba. Ao falar com sua esposa, eis que surge uma horrenda aranha. Ora, não seria novamente a repressão e a culpa o censurando?
O filme abruptamente acaba, mas é na verdade seu inicio. Afinal, Anthony, juntamente com o porteiro, vai ao clube no inicio da projeção, a stripper surge e....pisa na aranha (cena inicial filme, literalmente o desejo vencendo a moral) e, assim, um ciclo de repetição de um roteiro não linear. Basta lembrarmos do protagonista, na situação de professor de história, ministra repetitivamente para sua classe a concepção de Marx : "A história se repete: a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa". Muito adequado, afinal, o filme alia o conteúdo à forma: ciclo repetitivo, tragédia e farsa.
Ao mesmo tempo em que a protagonista possui dentro de si todas dores em plena combustão - tal como as opressoras fábricas ao seu redor - , há também um vazio existencial, que, tal como se estivesse em um arenoso deserto, não via caminhos a escolher ou nem mesmo ecos para retumbar seu grito abafado e engolido.
Se Giuliana não pode mudar o espaço externo, que é cinza (não apenas pela sociedade industrial em que vive, mas também pela visão nebulosa de seres humanos já coisificados e incapazes de enxergar e ouvir a dor do outro), ela tenta em vão mudar sua cor interna. Para isso, deseja abrir uma loja, independente do que irá vender. Essa não é sua preocupação. O que ela quer é abrir suas portas, convidar a entrar, deixar-se habitar, enfeitar seu espaço interior metaforizado pelas cores "verdes ou azuis" esboçadas, para enfim estancar seu vermelho interior sempre prestes à erupção.
Deslocada, encontra um amigo, um possível amor. Mas esse amigo é a vertigem no deserto, a mera ilusão de um oásis, já que ele não chega para criar raízes. Pelo contrário, para se arrancar. Afinal, ele chega já com data de partida, uma vez que foi enviado apenas para recrutar operários que terão que deixar suas esposas e filhos para tentar a improvável sorte em outro continente: isto é, a promessa nunca cumprida pela sociedade do capital, pois nem mesmo a cidade industrial em que vivem foi capaz de proporcionar uma existência digna aos moradores.
Giuliana, se por um lado, não é oprimida pelo baixo salário dos proletários que esvaziaram as fábricas em busca de um melhor reconhecimento, por outro, é oprimida pelo incomunicabilidade de si perante o Outro, o que impede a totalidade da protagonista, já que até o o próprio marido personifica a lógica do capital: frio, repetitivo e impessoal.
Giuliana busca a fertilidade em seu deserto, mas a chuva é ácida. Giuliana está cansada. Sua greve é o suicídio.
seu ato configura um estupro sujo e cruel, tanto na esfera jurídica quanto social. Parece que, para Almodovar, o ato de Benigno Martin foi baseado em amor e devoção. Martin era o único que não considerava a bailarina um vegetal ou um mero morto-vivo à beira da cova. Ele tratava-a com zelo, carinho e respeito. Na cena do sexo, Martin como homem literalmente se apequenou diante da mulher pirâmide: divina, grandiosa e colossal. Concebeu-a como um ideal a ser buscado e desbravado. Almodovar e seu personagem ilustraram, através da gravidez, não apenas que Alícia tem vida, mas que - como todas as mulheres - é fonte de vida. Sim, é uma leitura muito perigosa, pois pode sugerir uma relativização do estupro. Portanto, neste aspecto, que a vida nunca imite a arte!
Interessante o Tarantino ter focalizado os dentes podres dos brancos em situações de desconforto e os límpidos e brilhantes do Samuel L. sempre num sorriso aberto carregado de sadismo e vingança.
Já me decepcionei um pouco logo no início da projeção quando Mersault narra in off o parágrafo inicial do livro: "Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: "Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos", sem, no entanto, continuar "Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem", o que tira todo impacto, estranheza e humor que magistralmente Camus nos apresenta seu "anti-herói". Mesmo que não seja possível passar para o filme todos os pormenores do livro, concordo com o amigo de um dos comentários abaixo, já que a adaptação de Visconti subtrai um pouco da riqueza do personagem ao suprimir seu humor despropositado através da omissão de pensamentos como: "Pedi dois dias de folga ao meu chefe e, com um pretexto destes, ele não podia recusar”. Mastroianni embora seja indubitavelmente um grande ator, infelizmente me pareceu irregular nesta obra, pois se na segunda metade do filme nos brinda com todo seu vigor interpretativo, em muitas outras não transmite a apaixonante indiferença de Mersault, mostrando seu niilismo apenas na pronúncia de frases literalmente extraídas do livro. Entre erros e acertos, destaque positivo não apenas para a sempre bela e expressiva Anna Karina, como também para a fotografia que - assim como os rostos úmidos - nos remete ao clima árido do ambiente, do protagonista, e à presença do Sol, o grande "culpado" ( sim, entre aspas) desse lindo absurdo camusiano.
Reparem que a letra da música é escrita de uma forma truncada: "Vai a onda Vem a nuvem Cai a folha Quem sopra meu nome?"
Mas quando cantada, ela faz um movimento de S (assim como a personagem de Leandra Leal escreve na areia da praia para seu amor Saulo, o vento), o que sugere tanto o movimento do vento quanto o vai-e-vem das ondas do mar num lindo simbolismo que sugere o ato sexual de Marcela com Saulo.
"Vai a onda vem a nuvem cai a folha quem sopra meu nome?"
Muito interessante esta ter sido a primeira direção de Kaufman (roteirista de nada mais, nada menos que Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, Quero ser John Malkovich, Adaptação). Tal fato não á toa, pois ao assumir a direção, em vez de delegar a um outro diretor, Kaufman nos sugere que Coden é uma extensão sua, e que sua arte, assim como a do protagonista, não se delimita, isto é, não nasce necessariamente no início do filme/peça e muito menos não se encerra ao final.
Me pareceu que a conversa no café representa uma transposição temporal. Na primeira metade do filme - até a cena no café -, somos remetidos ao início da relação do casal. O filme dá algumas pistas que os dois protagonistas casaram naquela cidadezinha no sul da Itália, com a noite de núpcias no hotel. Já a segunda metade, isto é, a partir do momento em que ele vai atender o celular (possivelmente uma amante), ha uma elipse, um corte que a partir de então representa o casal tal como é hoje, cheio de rusgas e uma nostalgia sentida pela mulher, que busca em vão "copiar" fielmente o romantismo de 15 anos antes, ao passo que o homem, ironicamente contrariando sua tese acadêmica, não dá atenção a essa réplica. Então por que o filho aparece logo no inicio da projeção? Ora, embora "exista", ele ainda não foi "concebido" ( tanto que ele questiona a falta de sobrenome) tal como uma obra de arte: atemporal e metafisica, até mesmo antes de sua materialização.
Entre tantas, me chamou a atenção o simbolismo niilista (ironicamente mítico) da figura do "coelho". Creio que retrate, no contexto do filme, o sadismo de Deus. Afinal, o coelho em nossa indústria cultural representa a páscoa, isto é, a ressurreição, a subida de Cristo ao céu. Vejamos: o menino coelho abre o filme em cima de um viaduto (único personagem que aparece olhando de cima, acima do chão), aparece ora de costas, ora cuspindo, outras mijando em quem esta embaixo dele. Será que não seja isso que o filme nos passa em relação a Deus? de cima mandou um tornado que devastou a cidade, famílias e, assim, criou geracoes amputadas de perspectivas e sonhos. O menino coelho (ou menino Jesus) abre os braços como se numa cruz imaginária, tanto na abertura, em que esta nas grades, quanto depois ao andar de skate em uma das poucas (senão a única) cena que sugere certa liberdade a um personagem. O menino coelho, em certo momento, para o deleite de crianças furiosas, finge morrer, ser assassinado, ao passo que os demais personagens do filme fingem em toda projeção (ou por toda sua errante vida) estarem vivos: uma contradição, como tantas que surgem no filme, que encerra com a musica, ingênua dentro do contexto, que diz "cristo nos olha e isso que importa, jesus me ama" para logo em seguida dar lugar e ser superada por um thrash metal fodido. Interessante que no final, o menino coelho encontra o gatinho sumido. Entretanto, ele o entrega morto, o que representa uma esperança em putrefação, uma felicidade incompleta, castrada. Ele esboça um sorriso, mas não entrega às irmãs (que nao aparecem na cena). Ele entrega para nós, estende o braço com o gato morto para nós espectadores desse American Way realista. O menino coelho esboça um sorriso de recompensa, de um pretenso e irônico dever cumprido (morto, incompleto) para nós telespectadores, que, de uma forma ou de outra, também pertencemos a este mundo sujo, caótico e contingente.
Bela visão de um mundo que, embora globalizado e supostamente sem-fronteiras, continua fechado aos clamores minoritários que perduram desde a Antiguidade ( Grécia, Egito, Odessa etc), mantendo-se, assim, muros e "anseios soltos ao vento" ( ou ao mar) entre diversos povos. Um navio, uma arca de noé com sua diversidade. Um navio, uma torre de Babel, com toda sua incomunicabilidade. De qualquer modo, um tanto indigesto de assistir.
Grande Leonardo DiCaprio! mostrou-se sádico, carismático em muitos momentos, fútil, mas extremamente cruel quando quando necessário à trama. Ele construiu um personagem longe de qualquer clichê ou maniqueísmo, o que seria provável com um ator comum.
"Muita mentira foi dista nesta mesa". Candie se referindo às mentiras de Schultz e Django, Tarantino se referindo ao positivismo, ao cientificismo burro de uma nação preconceituosa. Na minha opinião, uma das melhores frases do cinema. Quentin se superou!
A Professora de Piano
4.0 685 Assista AgoraQuando Érika se mata, rompem-se todas as relações sociais de dominação e de submissão que ela tinha em relação ao Outro. Em seu ato derradeiro há a extrema materialização dela - como um único objeto autorecíproco - de quem violenta e de quem é violentada.
Bacurau
4.3 2,7K Assista AgoraUma observação: na carteirinha do branco traidor está "assessor de desembargador do TRF6". É um Tribunal fictício. Os diretores foram inteligentes ao não nomearem um estado específico, pois não existe um Tribunal Regional Federal da 6ª Região. Ironicamente, acabou de sair uma notícia de que será criado no Brasil tal tribunal. A vida imita a arte, e a realidade brasileira desafia a ficção
Um Lugar Silencioso
4.0 3,0K Assista AgoraAcho que o filme pode ser uma bela metáfora para o
totalitarismo/fascismo, pois está sempre à espreita, atento, prestes a aparecer. Impõe o silêncio e ataca, dilacera quem ousa falar.
Outro ponto interessante: a menina que, a princípio, era a pessoa vulnerável, foi quem salvou a parte remanescente da família justamente em razão de seu déficit de audição, além de também, graças a ela, seus pais e irmão já saberem se comunicar por sinais, o que os tornou mais preparados com o aparecimento dos bichão doido
2001: Uma Odisseia no Espaço
4.2 2,4K Assista Agora"nossa, mas que filme demorado". Bicho, 4 milhões de anos resumidos em duas horas e vc acha muito? eu hein...
Valerie e Sua Semana de Deslumbramentos
3.9 191 Assista AgoraQuando Valerie entrou no sombrio sótão, imaginei a cena:
Vampiro: quem está aí?
Valerie: ou-tro ga-to!
O Homem Duplicado
3.7 1,8K Assista AgoraO filme dá pistas de que Anthony (o ator de terceira, conforme disse a própria mãe do protagonista) e Adam (professor de Historia ) sejam a mesma pessoa.
Anthony, como vimos, é um professor de história, membro de uma família abastada - o que nos dá a entender durante a visita à casa de sua mãe.
Insatisfeito com seus dias tediosos e repetitivos, ele tenta uma carreira alternativa de ator. Embora casado e prestes a ter um filho, passa a se encontrar com Mary. E, para esta, assume uma outra identidade, ao ponto de alugar um apartamento pequeno e velho onde se encontram, como se fosse seu verdadeiro lar.
Até que um dia, na cama, Mary percebe a marca da aliança no dedo de Anthony e questiona quem de fato é ele, qual a sua verdadeira vida.
Mary descobre que seu relacionamento com Anthony é uma farsa, discutem enquanto ela volta furiosa para casa e sofre um acidente com Anthony sob a condução do volante.
Ele sobrevive ao acidente, porém desenvolve sequelas mentais, além da cicatriz no peito (o que é fundamental para compreendermos que ambos são apenas um).
Assim, Anthony que até então tinha deliberadamente uma vida dupla - seja com relações amorosas paralelas e a máscara/persona de ator nas horas vagas - com o grave acidente passa ser psicologicamente duplo.
Sua verdadeira mulher descobre que seu marido é infiel, já que estava acompanhado pela amante durante o acidente. No entanto, talvez por estar grávida, não se separa do marido.
Quanto à figura da aranha, vejo com representação da repressão, a moral que impede seu impeto sexual, censurando suas infidelidades.
Afinal, Anthony gostaria de ter várias mulheres, frequentar o clube de orgia, mas uma sociedade burguesa pautada na família tradicional obsta sua liberdade sexual.
Logo, toda vez que pensa em trair, aparece a aranha (a moral) reprimindo-o. Ele vai visitar a mãe, durante o diálogo ela diz ser ele seu único filho (o que é uma pista mto importante para nós telespectadores) e oferece blueberry (tal como seu duplo pede para mulher no inicio do filme).
Entretanto, para surpresa da mãe e do telespectador, o protagonista diz não gostar de blueberry (pois naquele momento ele não se vê mais como Anthony, e sim como Adam, seu duplo). A cena imediatamente corta, e somos surpreendidos por uma aranha gigante sob os arranha-céus. Essa aranha gigante pode representar tanto a aranha-mãe, que reprime seus desejos de ator (o filme dá pistas, pelo diálogo entre os dois, que desde criança seu futuro como acadêmico fora traçado, reprimindo sua subjetividade, sua espontânea deliberação), como também uma metáfora simbolizando o superego coletivo, isto é, a moral vigente, responsável por uma sociedade eminentemente repressora (uma possível alusão a Marcuse em "Eros e a Civilizacao" e Freud em "Mal Estar na Civilização").
E vejam só: no final do filme o protagonista recebe uma chave (já que as fechaduras do clube sexual foram trocadas, segundo o porteiro).
Anthony pensa numa desculpa para dar à mulher antes de se divertir numa boa suruba. Ao falar com sua esposa, eis que surge uma horrenda aranha. Ora, não seria novamente a repressão e a culpa o censurando?
O filme abruptamente acaba, mas é na verdade seu inicio. Afinal, Anthony, juntamente com o porteiro, vai ao clube no inicio da projeção, a stripper surge e....pisa na aranha (cena inicial filme, literalmente o desejo vencendo a moral) e, assim, um ciclo de repetição de um roteiro não linear.
Basta lembrarmos do protagonista, na situação de professor de história, ministra repetitivamente para sua classe a concepção de Marx : "A história se repete: a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa".
Muito adequado, afinal, o filme alia o conteúdo à forma: ciclo repetitivo, tragédia e farsa.
O Deserto Vermelho
4.0 95Ao mesmo tempo em que a protagonista possui dentro de si todas dores em plena combustão - tal como as opressoras fábricas ao seu redor - , há também um vazio existencial, que, tal como se estivesse em um arenoso deserto, não via caminhos a escolher ou nem mesmo ecos para retumbar seu grito abafado e engolido.
Se Giuliana não pode mudar o espaço externo, que é cinza (não apenas pela sociedade industrial em que vive, mas também pela visão nebulosa de seres humanos já coisificados e incapazes de enxergar e ouvir a dor do outro), ela tenta em vão mudar sua cor interna. Para isso, deseja abrir uma loja, independente do que irá vender. Essa não é sua preocupação. O que ela quer é abrir suas portas, convidar a entrar, deixar-se habitar, enfeitar seu espaço interior metaforizado pelas cores "verdes ou azuis" esboçadas, para enfim estancar seu vermelho interior sempre prestes à erupção.
Deslocada, encontra um amigo, um possível amor. Mas esse amigo é a vertigem no deserto, a mera ilusão de um oásis, já que ele não chega para criar raízes.
Pelo contrário, para se arrancar.
Afinal, ele chega já com data de partida, uma vez que foi enviado apenas para recrutar operários que terão que deixar suas esposas e filhos para tentar a improvável sorte em outro continente: isto é, a promessa nunca cumprida pela sociedade do capital, pois nem mesmo a cidade industrial em que vivem foi capaz de proporcionar uma existência digna aos moradores.
Giuliana, se por um lado, não é oprimida pelo baixo salário dos proletários que esvaziaram as fábricas em busca de um melhor reconhecimento, por outro, é oprimida pelo incomunicabilidade de si perante o Outro, o que impede a totalidade da protagonista, já que até o o próprio marido personifica a lógica do capital: frio, repetitivo e impessoal.
Giuliana busca a fertilidade em seu deserto, mas a chuva é ácida. Giuliana está cansada. Sua greve é o suicídio.
Fale com Ela
4.2 1,0K Assista AgoraSe olharmos friamente para Martin, o enfermeiro,
seu ato configura um estupro sujo e cruel, tanto na esfera jurídica quanto social.
Parece que, para Almodovar, o ato de Benigno Martin foi baseado em amor e devoção.
Martin era o único que não considerava a bailarina um vegetal ou um mero morto-vivo à beira da cova. Ele tratava-a com zelo, carinho e respeito.
Na cena do sexo, Martin como homem literalmente se apequenou diante da mulher pirâmide: divina, grandiosa e colossal.
Concebeu-a como um ideal a ser buscado e desbravado.
Almodovar e seu personagem ilustraram, através da gravidez, não apenas que Alícia tem vida, mas que - como todas as mulheres - é fonte de vida.
Sim, é uma leitura muito perigosa, pois pode sugerir uma relativização do estupro.
Portanto, neste aspecto, que a vida nunca imite a arte!
Os Oito Odiados
4.1 2,4K Assista AgoraInteressante o Tarantino ter focalizado os dentes podres dos brancos em situações de desconforto e os límpidos e brilhantes do Samuel L. sempre num sorriso aberto carregado de sadismo e vingança.
A Vida dos Outros
4.3 645Afinal, que remédio a protagonista tomava?
O Estrangeiro
3.8 49Já me decepcionei um pouco logo no início da projeção quando Mersault narra in off o parágrafo inicial do livro: "Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: "Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos", sem, no entanto, continuar "Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem", o que tira todo impacto, estranheza e humor que magistralmente Camus nos apresenta seu "anti-herói".
Mesmo que não seja possível passar para o filme todos os pormenores do livro, concordo com o amigo de um dos comentários abaixo, já que a adaptação de Visconti subtrai um pouco da riqueza do personagem ao suprimir seu humor despropositado através da omissão de pensamentos como: "Pedi dois dias de folga ao meu chefe e, com um pretexto destes, ele não podia recusar”.
Mastroianni embora seja indubitavelmente um grande ator, infelizmente me pareceu irregular nesta obra, pois se na segunda metade do filme nos brinda com todo seu vigor interpretativo, em muitas outras não transmite a apaixonante indiferença de Mersault, mostrando seu niilismo apenas na pronúncia de frases literalmente extraídas do livro.
Entre erros e acertos, destaque positivo não apenas para a sempre bela e expressiva Anna Karina, como também para a fotografia que - assim como os rostos úmidos - nos remete ao clima árido do ambiente, do protagonista, e à presença do Sol, o grande "culpado" ( sim, entre aspas) desse lindo absurdo camusiano.
A Ostra e o Vento
3.6 70Reparem que a letra da música é escrita de uma forma truncada:
"Vai a onda
Vem a nuvem
Cai a folha
Quem sopra meu nome?"
Mas quando cantada, ela faz um movimento de S (assim como a personagem de Leandra Leal escreve na areia da praia para seu amor Saulo, o vento), o que sugere tanto o movimento do vento quanto o vai-e-vem das ondas do mar num lindo simbolismo que sugere o ato sexual de Marcela com Saulo.
"Vai
a onda vem
a nuvem cai
a folha quem
sopra meu nome?"
Um Assaltante Bem Trapalhão
3.7 93Senti falta dos famosos créditos iniciais.
Sacro Gra
2.6 7Além de besta é xenófobo.
Sinédoque, Nova York
4.0 477Muito interessante esta ter sido a primeira direção de Kaufman (roteirista de nada mais, nada menos que Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, Quero ser John Malkovich, Adaptação). Tal fato não á toa, pois ao assumir a direção, em vez de delegar a um outro diretor, Kaufman nos sugere que Coden é uma extensão sua, e que sua arte, assim como a do protagonista, não se delimita, isto é, não nasce necessariamente no início do filme/peça e muito menos não se encerra ao final.
Cópia Fiel
3.9 452 Assista AgoraMe pareceu que a conversa no café representa uma transposição temporal.
Na primeira metade do filme - até a cena no café -, somos remetidos ao início da relação do casal. O filme dá algumas pistas que os dois protagonistas casaram naquela cidadezinha no sul da Itália, com a noite de núpcias no hotel.
Já a segunda metade, isto é, a partir do momento em que ele vai atender o celular (possivelmente uma amante), ha uma elipse, um corte que a partir de então representa o casal tal como é hoje, cheio de rusgas e uma nostalgia sentida pela mulher, que busca em vão "copiar" fielmente o romantismo de 15 anos antes, ao passo que o homem, ironicamente contrariando sua tese acadêmica, não dá atenção a essa réplica.
Então por que o filho aparece logo no inicio da projeção? Ora, embora "exista", ele ainda não foi "concebido" ( tanto que ele questiona a falta de sobrenome) tal como uma obra de arte: atemporal e metafisica, até mesmo antes de sua materialização.
Gosto de Cereja
4.0 224 Assista AgoraMeu Deus, que obra linda
Vidas sem Destino
3.7 657Entre tantas, me chamou a atenção o simbolismo niilista (ironicamente mítico) da figura do "coelho". Creio que retrate, no contexto do filme, o sadismo de Deus.
Afinal, o coelho em nossa indústria cultural representa a páscoa, isto é, a ressurreição, a subida de Cristo ao céu.
Vejamos: o menino coelho abre o filme em cima de um viaduto (único personagem que aparece olhando de cima, acima do chão), aparece ora de costas, ora cuspindo, outras mijando em quem esta embaixo dele.
Será que não seja isso que o filme nos passa em relação a Deus? de cima mandou um tornado que devastou a cidade, famílias e, assim, criou geracoes amputadas de perspectivas e sonhos.
O menino coelho (ou menino Jesus) abre os braços como se numa cruz imaginária, tanto na abertura, em que esta nas grades, quanto depois ao andar de skate em uma das poucas (senão a única) cena que sugere certa liberdade a um personagem.
O menino coelho, em certo momento, para o deleite de crianças furiosas, finge morrer, ser assassinado, ao passo que os demais personagens do filme fingem em toda projeção (ou por toda sua errante vida) estarem vivos: uma contradição, como tantas que surgem no filme, que encerra com a musica, ingênua dentro do contexto, que diz "cristo nos olha e isso que importa, jesus me ama" para logo em seguida dar lugar e ser superada por um thrash metal fodido.
Interessante que no final, o menino coelho encontra o gatinho sumido.
Entretanto, ele o entrega morto, o que representa uma esperança em putrefação, uma felicidade incompleta, castrada. Ele esboça um sorriso, mas não entrega às irmãs (que nao aparecem na cena).
Ele entrega para nós, estende o braço com o gato morto para nós espectadores desse American Way realista. O menino coelho esboça um sorriso de recompensa, de um pretenso e irônico dever cumprido (morto, incompleto) para nós telespectadores, que, de uma forma ou de outra, também pertencemos a este mundo sujo, caótico e contingente.
O Rito
4.0 46Acabei de ver, estou sem rumo.
Através de um Espelho
4.3 249Bergman nos ilustra o áspero silêncio de um grito que não se liberta da garganta, mas que corrói tanto a alma dos personagens como a nossa.
Film Socialisme
3.2 128Bela visão de um mundo que, embora globalizado e supostamente sem-fronteiras, continua fechado aos clamores minoritários que perduram desde a Antiguidade ( Grécia, Egito, Odessa etc), mantendo-se, assim, muros e "anseios soltos ao vento" ( ou ao mar) entre diversos povos. Um navio, uma arca de noé com sua diversidade. Um navio, uma torre de Babel, com toda sua incomunicabilidade.
De qualquer modo, um tanto indigesto de assistir.
Django Livre
4.4 5,8K Assista AgoraGrande Leonardo DiCaprio! mostrou-se sádico, carismático em muitos momentos, fútil, mas extremamente cruel quando quando necessário à trama. Ele construiu um personagem longe de qualquer clichê ou maniqueísmo, o que seria provável com um ator comum.
Django Livre
4.4 5,8K Assista Agora"Muita mentira foi dista nesta mesa".
Candie se referindo às mentiras de Schultz e Django, Tarantino se referindo ao positivismo, ao cientificismo burro de uma nação preconceituosa.
Na minha opinião, uma das melhores frases do cinema. Quentin se superou!
Em Paris
3.7 252Como não se apaixonar pelo diálogo-canção ao telefone?