O terceiro filme de Hideo Gosha é um neo-noir de trama rocambolesca, onde um presidiário prestes a deixar as grades - nem chega a ser um criminoso pois cumpre pena por dois homicídios culposos de atropelamento - é cooptado por outro presidiário, esse sim um assaltante e fraudador, a assassinar três homens, supostamente criminosos. Desiludido devido a causa da morte de inocentes, e sem nada a perder, o protagonista aceita a proposta. No entanto, ao longo de sua jornada, Oida se envolve num jogo onde ele mais atua como testemunha do que como agente causador.
Hideo Gosha é muito bom diretor. A cena de abertura é estilosa, já adiantando o clima do cinema Yakuza dos anos setenta - O Dinheiro Invoca o Inferno é de 1966 - e a trilha sonora numa pegada ocidental, jazzística, para enfatizar o clima noir. O roteiro se desenvolve bem, causando surpresa em diversos momentos.
O Dinheiro Invoca o Inferno é mais um ótimo exemplar da safra sessentista do cinema nipônico, talvez a década mais proeminente do cinema da Terra do Sol Nascente.
Spaghetti Western mezzo francês, mezzo italiano pois tanto o diretor, que também o estrela, os roteiristas - com exceção de um jovem Dario Argento - e a protagonista feminina são franceses. Totalmente influenciado por Leone, o filme de Robert Hossein, em alguns momentos, é contemplativo, com ótimas tomadas das paisagens e apresenta um roteiro bem interessante. A trilha sonora é muito boa, numa pegada Morricone.
A trama trata de vingança - um homem é assassinado pelos membros da mais poderosa família do local, os Rogers, e a viúva do sujeito contrata um solitário pistoleiro, bom no gatilho, e de poucas palavras, para se vingar. Ambos, ao que parece, tem algum tipo de relação mal resolvida do passado. A princípio, nada de novo em se tratando de spaghetti western, contudo, ao longo da projeção, o plot tem boas viradas culminando num final inesperado.
Verhoeven visita a Segunda Guerra nesse ótimo drama de espionagem de direção inspirada. Mais uma vez, como "muso" do diretor, temos Rutger Hauer, na pele de um estudante e playboy imaturo que acaba por transforma-se num herói de guerra ao atuar na Resistência Holandesa. Aqui o diretor usa a guerra como um rito de passagem tanto de um jovem para a vida adulta quanto de um burguês irresponsável para homem com uma nova visão de mundo depois de testemunhar os horrores do conflito e da perda dos amigos.
Produção de época impecável, com momentos de humor bem peculiares ao estilo do cineasta. Também não poderia faltar violência e sexo, nesse segundo caso, de maneira até que comportada em se tratando de Verhoeven. A trilha sonora também chama a atenção tanto quanto o bom elenco, com destaque, claro, para o protagonista. Décadas depois o cineasta voltaria ao mesmo tema com outro ótimo filme, A Espiã.
Mais um filmaço nipônico lançado no prolífico ano de 1964 onde o cinema japonês nos deu obras do porte de: Onibaba, Flor Seca, Assassinato, Kwaidan, entre outros. Esse longa em especial, a princípio uma aventura de samurais, se destaca pelo roteiro focado na luta de classes em pleno Japão feudal.
Aqui, três camponeses sequestram a filha do magistrado opressor, que os vem deixando a míngua, em busca de uma condição melhor de vida. Em meio ao ambiente tenso, um Ronin se prontifica a ajudar os camponeses na empreitada, dificultando a vida do magistrado e seus asseclas.
Falar sobre a qualidade técnica desse filme é chover no molhado. Hideo Gosha, logo em sua estreia na cadeira de diretor, arrebenta no mise-en-scène, aliado a um bom elenco e trilha sonora de primeira.
Assim como A Negra de..., Mandabi é outro longa critico de Ousmane Sembene, desta vez partindo mais para a sátira. Tonton, do Senegal, pobre e cheio de filhos para dar de comer, além das duas esposas, recebe uma ordem de pagamento do seu sobrinho que vive e trabalha em Paris. Assim que a notícia se espalha pela comunidade, diversos vizinhos o procuram querendo um pouco do quinhão. O problema é que Tonton nem documento tem para poder sacar o dinheiro. Algo a princípio simples - o saque do dinheiro - torna-se uma verdadeira epopeia onde Sembene retrata a miséria do povo senegalês ao mesmo tempo em que é crítico com os espertalhões, que vivem na mesma comunidade, mas se aproveitam da inocência e ignorância de seus semelhantes.
Tecnicamente já vemos um avanço no cinema de Sembene, principalmente nos cortes e na maneira de filmar. O elenco é bom e não há como não simpatizar com Tonton, apesar de seus defeitos. Mandabi é mais um ótimo exemplar do cinema africano dos anos sessenta.
Primeiro filme de Ousmane Sembene que assisto e já sou positivamente surpreendido. Um casal de franceses traz - com promessas de uma vida melhor - uma senegalesa para trabalhar como doméstica em sua casa na França. Contudo ao chegar na Europa, Diouana percebe as reais intenções de seus patrões, que, na verdade, querem explorar sua mão-de-obra, praticamente de maneira escravocrata.
A relação de exploração entre burgueses/empregados domésticos é o grande mote dessa obra. Nesse caso, ela toma proporções trágicas culminando num verdadeiro tapa na cara, principalmente com a emblemática cena final do garotinho com as máscara.
Chaplin foi preciso com o seu O Grande Ditador. Em meio a Segunda Guerra, o cineasta, num ato de tremenda coragem, satirizou não só o conflito como seu principal - e negativo - personagem: Adolph Hitler. Adenoyd Hynkel é a maior personificação do Fuhrer na sétima arte, sem sombra de dúvidas. Chaplin dá um show ao exagerar - ou não - nos trejeitos e vaidade do déspota, desmascarando o facínora através do humor. Também sobra para Benito Mussolini, numa interação engraçadíssima entre o fascista e o nazista "irmãos de guerra".
Em seu primeiro filme falado, Chaplin foi direto ao ponto e não só mostrou o quão ridículo era o conflito, como, no seu final, faz um emocionante e brilhante discurso sobre como o homem, tão brilhante em vários aspectos, volta-se a barbárie por motivos tão torpes. Tecnicamente, fui surpreendido com uma ótima direção: as cenas de batalha no início, do gueto, do palácio do Fuhrer são um primor. A trilha sonora é ótima, principalmente no uso da música clássica numa cena hilariante do barbeiro em meio ao seu ofício.
Talvez o único problema desse filme, infelizmente, é que ele mantenha-se tão atual. Que o discurso de Chaplin ainda emocione e traga reflexão, contudo sem ter sido posto em prática em grande escala. Mas o registro de Carlitos está aí, mais vivo do que nunca, à espera de que mais gente se interesse, que o aprecie e, principalmente, reflita e o coloque em ação.
Cinema nipônico sessentista de primeira, numa mistura de drama e horror nada datado. Apenas diferente. E é justamente por ser diferente - na maioria das vezes bem sutil - é que o horror oriental acaba por se sobressair a sua contra partida do ocidente. Onibaba é de um primor técnico incrível, com sua fotografia em preto e branco a nos sufocar naquele canavial, ótimas atuações e trilha sonora precisa - aqueles tambores em cenas chave do longa são sensacionais.
A trama é até simples, contudo tão bem executada que não há o que queixar. Mostra-se até mesmo ousado, no quesito erotismo, para época com cenas de sexo e nudez em meio ao infernal verão japonês retratado na película. Aliás, Onibaba fala mais sobre desejo sexual do que qualquer outra coisa. O suposto sobrenatural não é nada expositivo, focando-se mais na especulação e imaginação do espectador, sendo, também, um dos grandes trunfos dessa obra de arte quase que irretocável.
Aventura medieval bem ao estilo Verhoeven: Provocador, erótico e violento. Conquista Sangrenta difere-se dos outros filmes que retratam esse período por conta de sua ousadia. Aqui não há heróis nem vilões. Os arquétipos são virados pelo avesso sem dó nem piedade pelo cineasta holandês: o suposto mocinho mostra-se um estuprador amoral. Sua vítima, supostamente a mocinha, em meio ao ato, o provoca ao invés de se desesperar. E por aí vai.
Tecnicamente é muito bom, revelando uma época suja e violenta, dominada pelo caos e doenças como a temida peste. A hipocrisia eclesiástica também se faz presente em alguns momentos. Além disso, Verhoeven cutuca a idade das trevas - para o cineasta, claramente, um período de mil anos de avanço cientifico estagnado em prol do fanatismo religioso e suas sangrias desatadas (a comparação entre a medicina ocidental e oriental é ótima).
O elenco é de primeira, com destaque, claro, para Rutger Hauer - perfeito na pele do mercenário Martin - e Jennifer Jason Leigh como a atrevida Agnes, numa interpretação de uma entrega ímpar, ainda mais se tratando de alguém no começo de carreira.
Conquista Sangrenta é um ótimo filme e só é tão ousado pois tinha grana europeia envolvida no seu financiamento, o que deixou Verhoeven mais a vontade para deitar e rolar. Depois desse, ele então partiu para Hollywood e nos brindou com Robocop. E o resto é história...
A Resistência é um bom filme russo de guerra que narra a defesa da Fortaleza de Brest pelo Exército Vermelho durante as primeiras horas da Operação Barbarossa. Cercados e em desvantagem, os soviéticos, corajosamente, resistem por dias ao avanço nazista, mostrando a Hitler que conquistar a URSS não seria uma tarefa fácil.
A Resistência funciona como filme de guerra e derrapa como drama. Tecnicamente é bom. Boa fotografia e cenas de batalha plasticamente bem planejadas. Pena que o excesso de melodrama acabe por atrapalhar o resultado final.
No mais, é sempre bom ver a Segunda Guerra por uma ótica que não seja somente a do front ocidental. O papel da URSS nesse conflito foi fundamental para a derrota dos nazistas. Se não fossem pelos vermelhos, acredito, a Europa, no final, teria caído de joelhos ao Reich.
Filme seguinte de Verhoeven após Negócio é Negócio cujo salto técnico é enorme. Aqui sim surge de vez o grande cineasta que conhecemos. O que eu gosto do Verhoeven é que ele trata o sexo, a violência e a escatologia de forma extremamente natural, como, de fato, essas coisas o são. Todas inerentes ao ser humano, então porque ficar chocado, né, não?
Aqui temos Eric - Rutger Hauer excelente -, um escultor porra-louca que acaba encontrando em Olga - Monique van de Ven também ótima - uma espécie de alma gêmea amalucada. O casal não está nem aí para as convenções sociais, chocando a todos por onde passam por conta do seu comportamento atrevido e desafiador. A química entre ambos é ótima, tanto nas cenas de sexo, como nas passagens de humor e nas mais dramáticas, ai já bem pelo finalzinho. É uma história de amor transgressora, das que eu gosto, recheadas de cenas de uma ousadia tremenda para a época. Instinto Selvagem, que Verhoeven dirigiu para um grande estúdio dos EUA, vinte anos depois desse, não tem um décimo da verve, nesse sentido, de Louca Paixão.
Negócio é Negócio foi o primeiro longa para o cinema do cineasta holandês Paul Verhoeven. Aqui o cineasta ainda mostra-se verde, todavia encontramos muito do que viria a ser o seu cinema futuramente. O deboche, o sexo desavergonhado (no bom sentido) e a ruptura com as convenções sociais.
Ao tratar sobre prostituição, Verhoeven não cai na armadilha de vitimizar as profissionais, muito pelo contrário. A protagonista, Blonde Greet, apresenta-se como uma mulher muito bem resolvida e esperta, utilizando seu talento no ramo do meretrício para arrancar o máximo de grana possível dos seus clientes e realizar todas - e bizarras - fantasias dos mesmos. Negócio é Negócio tem seus maiores méritos na coragem, sendo perdoáveis seus defeitos técnicos.
Às vezes o cinema precisa deixar o floreio, o lirismo, a metafísica e a alegoria de lado e nos mostrar a realidade nua e crua, quase de forma documental. Esse é o caso de Ladrões de Bicicletas. Um filme simples em sua concepção, mas que tem muito a dizer, tanto na época de seu lançamento, quanto nos dias atuais.
A Itália do pós guerra Vittorio De Sica não é nada romântica. É difícil. Pobre. Dura. Um pai de família consegue, finalmente, um emprego e tem o elemento de seu sustento - a bicicleta - furtado. Desesperado, corre por Roma em busca do ladrão. Nessa jornada, através do seus olhos e do seu filho, o pequeno e carismático Bruno (o menino que deve ter, no máximo, uns oito anos é obrigado pegar no batente para ajudar a família), nos deparamos com o descaso e a falta de empatia com o próximo. Só resta então a Antonio Ricci, o pai, um último e desesperado gesto para que sua família não desmorone de vez. Eu, você, qualquer um no lugar de Antonio faria o mesmo. E a última cena é de um pessimismo quase cruel, contudo necessário para criar reflexão.
Tecnicamente, Ladrões de Bicicleta é muito bom. Ótimas tomadas da cidade de Roma e trilha sonora de primeira. Mas o grande trunfo aqui são as atuações, o roteiro e o realismo.
Zootopia surpreende por ser uma animação do estúdio Disney onde, dificilmente, acredito, uma criança irá encontrar aquela diversão despretensiosa. É muito mais uma fábula adulta com toques de filme policial dos bons onde temas espinhosos vem a tona sem se tornar pedante ou arrastado.
Judy, a coelhinha protagonista, é o nossos olhos nessa viagem a esse grande centro urbano mamífero, onde, num primeiro momento, pensamos em se tratar de uma bem humorada sátira da vida de nós, humanos, na grande cidade. E, de fato, isso ocorre, contudo, aos poucos, as camadas de preconceito e segregação vão surgindo, deixando a animação com um tom mais soturno, principalmente quando Judy se une ao escroque Nick, uma raposa, por conta de uma investigação policial. O mistério é bem montado, com toques de filme noir, onde as pistas do desaparecimento de alguns animais vem através da investigação da obstinada coelhinha. Depois que o mistério é supostamente resolvido, Zootopia entra numa vertente de paranoia e perseguição típicas dos dias atuais - no mundo dos humanos, onde pessoas são acusadas sem ao menos terem cometido qualquer tipo de crime e sim por serem o que são, apenas.
Os aspectos técnicos da animação são muito bons. Boas cenas de ação, humor e o visual colorido de Zootopia também são bastante atrativos. Enfim, mais uma animação de primeira do estúdio do Mickey. E talvez, da Disney, a mais relevante, politicamente falando, dos últimos anos.
Que golaço da Pixar! Acertou em tudo: ambientação, roteiro, direção e emoção. A história do pequeno Miguel, da sua família e tudo que engloba o Dia dos Mortos é o melhor trabalho da produtora desde Wall-E. O cuidado com a retratação do folclore mexicano, sem cair no esteriótipo fácil, a animação impecável - A vovô Coco é de uma perfeição ímpar - , toda questão familiar e o amor pela música dão o tom nessa envolvente aventura pelo "mundo dos mortos".
A trama é muito boa. Logo de cara somos conquistados por Miguel e sua obstinação pela música. Ao mesmo tempo, há o mistério sobre o trauma envolvendo a música e sua família e o filme caminha, deliciosamente, por um caminho óbvio. Contudo, temos uma ótima reviravolta que traz uma emoção singela, genuína, sem apelação. A trilha sonora é ótima e todas as músicas executadas ao longo da animação ficam por dias na cabeça.
Coco é um trabalho de extrema sensibilidade, que sabe conquistar tanto crianças quanto adultos (acredito que mais ainda esses) e trata do tema da morte e da perda de forma leve e ao mesmo tempo profunda. Que a Pixar continue assim, nos brindando com animações como essa, irretocáveis.
Enfim, Ladybird é apenas razoável e olhe lá. Só consegue, realmente, gostar desse filme quem tem alguma identificação com a protagonista já que o mesmo, tecnicamente, é apenas ok. Não entendo tamanha badalação, indicações aos principais prêmios e afins.
Depois de um 2017 apenas regular, a Marvel Studios começa 2018 com o pé direito. Pantera Negra é ótimo. Sabia que Ryan Coogler não decepcionaria. O filme é pertinente em dois aspectos, o da representatividade e no da narrativa ao nos apresentar a fascinante Wakanda e toda sua estrutura - mítica e política - antes do país servir de palco para o quebra pau entre heróis e os asseclas de Thanos no vindouro Guerra Infinita. Também traz consigo o melhor vilão do universo Marvel dos cinemas até o momento. Até que enfim!
Erik Killmonger tem motivações críveis para suas ações e, confesso, acabei torcendo por ele. Seu radicalismo, no contexto desse universo - e até mesmo do nosso - é oportuno, já que estamos falando da África, continente que sofre das mais diversas mazelas ininterruptas há séculos. Entrar em mais detalhes sobre isso seria soltar spoilers desnecessários, contudo fica aqui o registro de que Killmonger ganhou minha simpatia. Em tempo: Coogler teve o bom senso de usar o Garra Sônica apenas como alívio cômico e elemento essencial do roteiro para que Killmonger adentre em Wakanda. Se o personagem de Andy Serkis fosse o vilão principal, teríamos mais um embate genérico.
Tecnicamente o filme é bem legal. Assim como o último filme do Thor, a paleta de cores das cenas diurnas são mais vibrantes, principalmente quando as cenas se passam nas movimentas ruas de Wakanda. O elenco é bom, com destaque para as personagens femininas. Coogler, que não é bobo, aproveita que o filme tem muita ação para nos brindar com mais um plano sequência bem executado - lembram-se da luta de Creed? A trilha sonora, que diziam ser badalada, pelo menos para mim, não foi lá grande coisa. Outro ponto negativo é o exagero de CGI nas cenas de perseguição protagonizadas pelo Pantera. Assim como em Capitão América Guerra Civil, fica nítido o bonecão de uniforme negro saltando pra lá e pra cá. Se eles conseguem fazer o Hulk, que é muito mais complexo esteticamente, crível nas lutas porque não acertam com o Pantera? Vai entender...
O roteiro apresenta alguns questionamentos até mesmo inesperados de minha parte. Questões sobre colonialismo, isolamento, o papel da monarquia e revide/revolução permeiam todo o filme. Pena que essa ousadia só vá até certo ponto. E isso eu até entendo. Só não consegui engolir o escorregão justo na última cena, onde o foco geográfico deveria ter sido num outro país(es), muito mais necessitados. Enfim, mesmo com essa pisada de bola nos quarenta e cinco do segundo tempo, ainda assim, Pantera Negra tem saldo mais do que positivo. Que a Marvel nos traga mais filmes assim.
Depois de anos em busca de uma maneira de assistir esse filme - e suas quatro sequências - (torrents são difíceis e legendas em pt inexistentes), a Versátil Filmes finalmente ouviu as minhas preces e lançou no Brasil uma caixa contendo todos os longas da saga do cinema japonês setentista Yakuza Papers. Em média, o box custa umas setenta pratas, mas dei sorte e consegui por trinta e três numa promoção na internet.
O primeiro filme, Luta sem Código de Honra, é bastante diferente dos longas sobre a Yakuza que eu tinha assistido até então. Aqui é mostrado a reformulação da organização criminosa logo após o final da Segunda Guerra. O Japão está um caos e isso é refletido na cadeia de comando. Em busca de poder, os clãs, nessa época, não tinham o código bushido característico das outras encarnações cinematográficas da Yakuza. Nesse filme, a máfia japonesa mais parece a italiana devido a imensa quantidade de traições de todos os lados, deixando nas ruas um tremendo banho de sangue. Aliás, sangue é o que não falta nessa obra. Kinji Fukasaku, o diretor, mostra-se uma espécie de Sam Peckinpah nipônico e não poupa a audiência das mais diversas cenas de violência explícita. Seu estilo de filmagem é frenético, de cortes rápidos e com a apresentação dos personagens através de letreiros. Foi uma tremenda influência para diversos diretores, principalmente Quentin Tarantino, que, com certeza, deve conhecer Yakuza Papers de trás para frente.
O maior problema que encontrei no filme foi o excesso de personagens. Você leva mais de meia-hora para identificar quem é quem na trama. Gostei bastante do protagonista, Shozo Hirono - que é um tipo durão estilo noir. Na última tomada do longa, o personagem rouba a cena num final bem estiloso.
O primeiro longa de Yakuza Papers mostra-se bastante satisfatório. Agora é ver suas sequências o quanto antes!
Terceiro filme do Shinoda que assisto e não me decepciono. Aliás, dos três, esse é o melhor. Longa de samurai de primeira, esteticamente lindo e com um roteiro fragmentado, a frente do seu tempo. Kiyokawa Hachiro - personagem histórico - é um exímio ronin e estrategista. É o final do século XIX e o Xogunato e o Império estão em pé de guerra por conta da invasão estadunidense na ilha que estava há quase trezentos anos isolada do resto do mundo. Hachiro se aproveita do momento para traçar um ambicioso plano de poder e influência, jogando dos dois lados.
O grande trunfo, de fato, é a narrativa fragmentada, onde a personalidade de Hachiro é revelada através de diversos flashbacks do ponto de vista de inúmeros personagens. A fotografia em preto e branco é de cair o queixo e as cenas de luta estão entre as melhores dos filmes de samurai da época. Todas muito bem coreografadas e filmadas. Além de tudo isso, nos últimos minutos de filme, Shinoda saca uma câmera subjetiva e acompanhamos o restante do filme através dos olhos de personagem X. Ousado e perfeccionista, Shinoda cada vez mais vem ganhando meu respeito.
Ótimo filme, apoiado nas atuações de duas excepcionais atrizes. Não só funciona como drama, como também flerta com o suspense graças a direção de Richard Eyre, que monta seu filme num crescendo de fortes emoções. O roteiro também é muito bom e trata de desejo, solidão e obsessão. Outro destaque é a excelente trilha sonora.
Essa semana assisti ao filme Flor Seca, do cineasta Masahiro Shinoda. Achei ótimo. E logo comecei a pesquisar sua filmografia. Assim que descobri que o mesmo tinha uma adaptação do romance Silêncio - cujo remake foi feito recentemente pelo Martin Scorcese - , não pensei duas vezes e corri atrás.
Eu li a obra de Shusaku Endo muitos anos atrás e me lembro de poucos detalhes. Apenas que era uma escrita fluente e bastante crua. Então nem tenho parâmetro para fazer comparações com o longa de 1971. Sei que o roteiro é do próprio autor do romance em quatro mãos com o cineasta.
Silêncio trata da chegada de dois padres portugueses ao Japão em 1630 não só para levar a mensagem da Igreja Católica como para descobrir alguma pista sobre o padre Ferreira, desaparecido na ilha há anos. Acolhidos por uma pequena comunidade cristã, logo são perseguidos, sobrando, claro, para aqueles que o ajudaram.
Silêncio é uma obra complicada. O cristão mais fervoroso vai analisá-la por um viés emocional e logo vai acolher os dois padres como heróis da Palavra. Os mais céticos vão procurar nas entrelinhas alguma crítica ou conceito filosófico. Enfim, posso dizer que me encaixo no segundo grupo e gostei do filme.
Endo era católico, logo seu romance falava de fé. Conceito que o filme também traz, porém de modo espinhoso. Há todo o martírio típico do catolicismo com o padre Rodrigues, o protagonista, claramente assumindo o papel de Cristo em meio a tortura e o sofrimento infligidos pelas autoridades japonesas. Também temos o nosso Judas Iscariotes na figura de um nipônico que entrega a localização do padre em troca de dinheiro e depois se arrepende. Contudo, eu não tive a menor empatia pelo padre Rodrigues e seu martírio. A única coisa a se lamentar são os camponeses torturados e mortos, que estavam sossegados no seu canto, até chegarem esses homens de fora e sua doutrina que, de algum modo, os atraiu. Não há como julgar o inquisidor japonês pelas medidas drásticas que toma para expurgar o cristianismo da ilha já que na Europa, ao mesmo tempo, a Inquisição acusava a torto e a direito - pelos mais esdrúxulos crimes - e matava milhares pessoas em seus altos de fé. A culpa é de quem veio de fora meter o bedelho num país com sua doutrina de fé, política e força muito bem estabelecidas - muito diferente do continente Americano onde os missionários encontraram tribos indígenas, algumas extremamente pacíficas. O ônus das perdas de vidas no Japão é todo da Igreja Católica.
Sobre a qualidade técnica do longa, essa é inquestionável. Shinoda filma muito bem e arranca boas atuações, não só dos atores nativos como também dos gaijins. Seu roteiro do meio para o final deixa de tomar partido a favor dos cristãos e torna-se mais ambíguo ao entregar ótimos diálogos como o do inquisidor japonês com o padre Rodrigues. E um segundo exemplo, quando Rodrigues encontra o padre Ferreira - que deixa claro o porque do título da obra ser Silêncio. A última cena então, é bem polêmica.
Ainda não vi a versão do Scorcese mas ao que parece, ela é emocional e católica (fora que tem quase três horas de duração!) enquanto a de Shinoda busca mais o debate teológico e filosófico. Enfim, quando eu tiver tempo sobrando, verei a versão estadunidense. Enquanto isso, é continuar procurando mais coisas do cinema de Shinoda que, por tudo que apresentou nos dois filmes que vi, é bem rico.
O último filme da Trilogia de Apu inicia-se com o protagonista agora adulto, sozinho no mundo, finalmente formado e em vias de terminar sua primeira novela literária. Todavia, a Índia, infelizmente, é um país pobre, complexo, onde um jovem brilhante como Apu não consegue nenhuma oportunidade - não tão diferente assim de um certo país da America do Sul em seu cenário atual. Aqui, Satyajit Ray, dá uma guinada de 360 graus na vida do personagem pegando a todos de surpresa.
Realmente, eu não esperava que o desfecho da história de Apu fosse acabar, de início, de forma singela e bem humorada seguindo numa espiral de sofrimento - se bem que a perda na vida de Apu é rotineira - culminando numa última cena plasticamente belíssima e emocionalmente acachapante. Satyajit Ray conseguiu com maestria nos entregar três filmes de temáticas diferentes, com o mesmo protagonista, e todos de extrema qualidade estética e narrativa. Um marco do cinema indiano. Um marco do cinema mundial. Sem dúvida uma das melhores trilogias já feitas. Ao seu final, já me bateu uma saudade de Apu, uma saudade da Índia, uma saudade da trilha sonora de Ravi Shankar. Mas o último take sempre estará na memória, impregnado, como só as grandes obras de arte conseguem fazer.
Segundo filme da Trilogia de Apu, vemos nosso pequeno herói, agora com dez anos, vivendo com seus pais noutra localidade, próxima ao Rio Ganges, onde, logo no começo, mais uma tragédia familiar muda novamente o destino do garoto. Apu acaba partindo com sua mãe para outra cidade onde se vê obrigado a seguir um caminho voltado à religião. Porém, o garoto, graças a influência do pai, sempre se interessou pelos estudos e, com o apoio da mãe, ingressa na escola. A aproximação do menino com os grandes escritores e a ciência, desperta mais ainda a paixão pelo saber e Apu torna-se um excelente aluno. Para nós, expectadores, que o acompanhamos desde o nascimento, é meio como sentir orgulho de alguém próximo.
O Invencível, é um filme diferente de A Canção da Estrada, contudo mantém todos os méritos do primeiro, tanto técnicos quanto de enredo. Nesse trabalho, Satyajit Ray apresenta outras localidades indianas que assim como no longa anterior, que se passava num pequeno vilarejo, ainda assim são imersas na pobreza, apesar de serem áreas maiores e mais populosas. Se identificar com Apu é fácil, pois o esforço do garoto em trabalhar e acompanhar os estudos - a ponto de dormir na sala de aula de tão exausto - fez ou faz parte da rotina de milhares de jovens aqui do próprio Brasil oriundos também de lugares pobres, enquanto os privilegiados que só começam de fato a ralar após concluir o ensino superior ainda tem a cara de pau de pregar a tal da "meritocracia".
Enfim, O Invencível, como seu antecessor, também é um filme sobre perda e isso é inerente a Apu desde sempre. Agora é ver como será a vida do nosso herói no derradeiro filme da trilogia. O que te espera, hein, Apu?
Há poucos anos, o cineasta chileno Pedro Larrain nos presenteou com o ótimo No, longa que tratava do fim de anos de opressão do já caquético general Pinochet. Aqui, agora contratado por Hollywood, Larrain nos entrega um filme sobre Jackie Kennedy, a primeira dama de "Camelot", numa bajulação à personalidade que beira o patético.
Larrain é um ótimo diretor. Fato. No e Tony Manero não me deixam mentir. E seu talento também é visto em Jackie. A forma como o filme é construído, com cenas atípicas e muito bem feitas, fugindo do tradicional das biografias de personalidades e arranhando o drama psicológico. O grande problema é a total falta de empatia por Jackie Kennedy - pelo menos no meu caso. O filme tenta nos vender uma imagem de mulher forte, que em meio ao caos do assassinato do esposo e tudo que o fato acarretou, ainda consegue se impor, mesmo com todo o sofrimento.
Por mais que Natalie Portman se esforce, não dá para comprar a história de "pobre menina rica", ainda mais sabendo o quanto Jack Cabeleira era um mulherengo incorrigível que a traia e a humilhava a torto e a direito. Para Kennedy, Jackie não passava de apenas um belo artefato para exibir em suas aparições públicas e alguém para escolher a tapeçaria e o papel de parede do Salão Oval. E ela sabia disso. Então não há nada de empoderamento em Jackie. Temos aqui somente uma mulher que, na verdade, foi submissa até o final.
Um conselho: Larrain, pelos deuses do cinema, volte as suas origens, meu caro. Presenteie o cinema latino americano com grandes obras. Ou então se quiser ficar mesmo em Hollywood, escolha melhor seus futuros projetos, pois esse - apesar do apuro técnico - foi bem indigesto.
O Dinheiro Invoca o Inferno
4.2 4O terceiro filme de Hideo Gosha é um neo-noir de trama rocambolesca, onde um presidiário prestes a deixar as grades - nem chega a ser um criminoso pois cumpre pena por dois homicídios culposos de atropelamento - é cooptado por outro presidiário, esse sim um assaltante e fraudador, a assassinar três homens, supostamente criminosos. Desiludido devido a causa da morte de inocentes, e sem nada a perder, o protagonista aceita a proposta. No entanto, ao longo de sua jornada, Oida se envolve num jogo onde ele mais atua como testemunha do que como agente causador.
Hideo Gosha é muito bom diretor. A cena de abertura é estilosa, já adiantando o clima do cinema Yakuza dos anos setenta - O Dinheiro Invoca o Inferno é de 1966 - e a trilha sonora numa pegada ocidental, jazzística, para enfatizar o clima noir. O roteiro se desenvolve bem, causando surpresa em diversos momentos.
O Dinheiro Invoca o Inferno é mais um ótimo exemplar da safra sessentista do cinema nipônico, talvez a década mais proeminente do cinema da Terra do Sol Nascente.
Cemitério sem Cruzes
3.5 20 Assista AgoraSpaghetti Western mezzo francês, mezzo italiano pois tanto o diretor, que também o estrela, os roteiristas - com exceção de um jovem Dario Argento - e a protagonista feminina são franceses. Totalmente influenciado por Leone, o filme de Robert Hossein, em alguns momentos, é contemplativo, com ótimas tomadas das paisagens e apresenta um roteiro bem interessante. A trilha sonora é muito boa, numa pegada Morricone.
A trama trata de vingança - um homem é assassinado pelos membros da mais poderosa família do local, os Rogers, e a viúva do sujeito contrata um solitário pistoleiro, bom no gatilho, e de poucas palavras, para se vingar. Ambos, ao que parece, tem algum tipo de relação mal resolvida do passado. A princípio, nada de novo em se tratando de spaghetti western, contudo, ao longo da projeção, o plot tem boas viradas culminando num final inesperado.
Soldado de Laranja
3.4 17Verhoeven visita a Segunda Guerra nesse ótimo drama de espionagem de direção inspirada. Mais uma vez, como "muso" do diretor, temos Rutger Hauer, na pele de um estudante e playboy imaturo que acaba por transforma-se num herói de guerra ao atuar na Resistência Holandesa. Aqui o diretor usa a guerra como um rito de passagem tanto de um jovem para a vida adulta quanto de um burguês irresponsável para homem com uma nova visão de mundo depois de testemunhar os horrores do conflito e da perda dos amigos.
Produção de época impecável, com momentos de humor bem peculiares ao estilo do cineasta. Também não poderia faltar violência e sexo, nesse segundo caso, de maneira até que comportada em se tratando de Verhoeven. A trilha sonora também chama a atenção tanto quanto o bom elenco, com destaque, claro, para o protagonista. Décadas depois o cineasta voltaria ao mesmo tema com outro ótimo filme, A Espiã.
Três Samurais Fora da Lei
4.4 19Mais um filmaço nipônico lançado no prolífico ano de 1964 onde o cinema japonês nos deu obras do porte de: Onibaba, Flor Seca, Assassinato, Kwaidan, entre outros. Esse longa em especial, a princípio uma aventura de samurais, se destaca pelo roteiro focado na luta de classes em pleno Japão feudal.
Aqui, três camponeses sequestram a filha do magistrado opressor, que os vem deixando a míngua, em busca de uma condição melhor de vida. Em meio ao ambiente tenso, um Ronin se prontifica a ajudar os camponeses na empreitada, dificultando a vida do magistrado e seus asseclas.
Falar sobre a qualidade técnica desse filme é chover no molhado. Hideo Gosha, logo em sua estreia na cadeira de diretor, arrebenta no mise-en-scène, aliado a um bom elenco e trilha sonora de primeira.
A Ordem de Pagamento
3.8 7Assim como A Negra de..., Mandabi é outro longa critico de Ousmane Sembene, desta vez partindo mais para a sátira. Tonton, do Senegal, pobre e cheio de filhos para dar de comer, além das duas esposas, recebe uma ordem de pagamento do seu sobrinho que vive e trabalha em Paris. Assim que a notícia se espalha pela comunidade, diversos vizinhos o procuram querendo um pouco do quinhão. O problema é que Tonton nem documento tem para poder sacar o dinheiro. Algo a princípio simples - o saque do dinheiro - torna-se uma verdadeira epopeia onde Sembene retrata a miséria do povo senegalês ao mesmo tempo em que é crítico com os espertalhões, que vivem na mesma comunidade, mas se aproveitam da inocência e ignorância de seus semelhantes.
Tecnicamente já vemos um avanço no cinema de Sembene, principalmente nos cortes e na maneira de filmar. O elenco é bom e não há como não simpatizar com Tonton, apesar de seus defeitos. Mandabi é mais um ótimo exemplar do cinema africano dos anos sessenta.
A Negra de...
4.4 71Primeiro filme de Ousmane Sembene que assisto e já sou positivamente surpreendido. Um casal de franceses traz - com promessas de uma vida melhor - uma senegalesa para trabalhar como doméstica em sua casa na França. Contudo ao chegar na Europa, Diouana percebe as reais intenções de seus patrões, que, na verdade, querem explorar sua mão-de-obra, praticamente de maneira escravocrata.
A relação de exploração entre burgueses/empregados domésticos é o grande mote dessa obra. Nesse caso, ela toma proporções trágicas culminando num verdadeiro tapa na cara, principalmente com a emblemática cena final do garotinho com as máscara.
O Grande Ditador
4.6 803 Assista AgoraChaplin foi preciso com o seu O Grande Ditador. Em meio a Segunda Guerra, o cineasta, num ato de tremenda coragem, satirizou não só o conflito como seu principal -
e negativo - personagem: Adolph Hitler. Adenoyd Hynkel é a maior personificação do Fuhrer na sétima arte, sem sombra de dúvidas. Chaplin dá um show ao exagerar - ou não - nos trejeitos e vaidade do déspota, desmascarando o facínora através do humor. Também sobra para Benito Mussolini, numa interação engraçadíssima entre o fascista e o nazista "irmãos de guerra".
Em seu primeiro filme falado, Chaplin foi direto ao ponto e não só mostrou o quão ridículo era o conflito, como, no seu final, faz um emocionante e brilhante discurso sobre como o homem, tão brilhante em vários aspectos, volta-se a barbárie por motivos tão torpes. Tecnicamente, fui surpreendido com uma ótima direção: as cenas de batalha no início, do gueto, do palácio do Fuhrer são um primor. A trilha sonora é ótima, principalmente no uso da música clássica numa cena hilariante do barbeiro em meio ao seu ofício.
Talvez o único problema desse filme, infelizmente, é que ele mantenha-se tão atual. Que o discurso de Chaplin ainda emocione e traga reflexão, contudo sem ter sido posto em prática em grande escala. Mas o registro de Carlitos está aí, mais vivo do que nunca, à espera de que mais gente se interesse, que o aprecie e, principalmente, reflita e o coloque em ação.
Onibaba: A Mulher Demônio
4.1 117Cinema nipônico sessentista de primeira, numa mistura de drama e horror nada datado. Apenas diferente. E é justamente por ser diferente - na maioria das vezes bem sutil - é que o horror oriental acaba por se sobressair a sua contra partida do ocidente. Onibaba é de um primor técnico incrível, com sua fotografia em preto e branco a nos sufocar naquele canavial, ótimas atuações e trilha sonora precisa - aqueles tambores em cenas chave do longa são sensacionais.
A trama é até simples, contudo tão bem executada que não há o que queixar. Mostra-se até mesmo ousado, no quesito erotismo, para época com cenas de sexo e nudez em meio ao infernal verão japonês retratado na película. Aliás, Onibaba fala mais sobre desejo sexual do que qualquer outra coisa. O suposto sobrenatural não é nada expositivo, focando-se mais na especulação e imaginação do espectador, sendo, também, um dos grandes trunfos dessa obra de arte quase que irretocável.
Conquista Sangrenta
3.7 62Aventura medieval bem ao estilo Verhoeven: Provocador, erótico e violento. Conquista Sangrenta difere-se dos outros filmes que retratam esse período por conta de sua ousadia. Aqui não há heróis nem vilões. Os arquétipos são virados pelo avesso sem dó nem piedade pelo cineasta holandês: o suposto mocinho mostra-se um estuprador amoral. Sua vítima, supostamente a mocinha, em meio ao ato, o provoca ao invés de se desesperar. E por aí vai.
Tecnicamente é muito bom, revelando uma época suja e violenta, dominada pelo caos e doenças como a temida peste. A hipocrisia eclesiástica também se faz presente em alguns momentos. Além disso, Verhoeven cutuca a idade das trevas - para o cineasta, claramente, um período de mil anos de avanço cientifico estagnado em prol do fanatismo religioso e suas sangrias desatadas (a comparação entre a medicina ocidental e oriental é ótima).
O elenco é de primeira, com destaque, claro, para Rutger Hauer - perfeito na pele do mercenário Martin - e Jennifer Jason Leigh como a atrevida Agnes, numa interpretação de uma entrega ímpar, ainda mais se tratando de alguém no começo de carreira.
Conquista Sangrenta é um ótimo filme e só é tão ousado pois tinha grana europeia envolvida no seu financiamento, o que deixou Verhoeven mais a vontade para deitar e rolar. Depois desse, ele então partiu para Hollywood e nos brindou com Robocop. E o resto é história...
A Resistência
4.0 94 Assista AgoraÁLAMO SOVIÉTICO
A Resistência é um bom filme russo de guerra que narra a defesa da Fortaleza de Brest pelo Exército Vermelho durante as primeiras horas da Operação Barbarossa. Cercados e em desvantagem, os soviéticos, corajosamente, resistem por dias ao avanço nazista, mostrando a Hitler que conquistar a URSS não seria uma tarefa fácil.
A Resistência funciona como filme de guerra e derrapa como drama. Tecnicamente é bom. Boa fotografia e cenas de batalha plasticamente bem planejadas. Pena que o excesso de melodrama acabe por atrapalhar o resultado final.
No mais, é sempre bom ver a Segunda Guerra por uma ótica que não seja somente a do front ocidental. O papel da URSS nesse conflito foi fundamental para a derrota dos nazistas. Se não fossem pelos vermelhos, acredito, a Europa, no final, teria caído de joelhos ao Reich.
Louca Paixão
3.9 66Filme seguinte de Verhoeven após Negócio é Negócio cujo salto técnico é enorme. Aqui sim surge de vez o grande cineasta que conhecemos. O que eu gosto do Verhoeven é que ele trata o sexo, a violência e a escatologia de forma extremamente natural, como, de fato, essas coisas o são. Todas inerentes ao ser humano, então porque ficar chocado, né, não?
Aqui temos Eric - Rutger Hauer excelente -, um escultor porra-louca que acaba encontrando em Olga - Monique van de Ven também ótima - uma espécie de alma gêmea amalucada. O casal não está nem aí para as convenções sociais, chocando a todos por onde passam por conta do seu comportamento atrevido e desafiador. A química entre ambos é ótima, tanto nas cenas de sexo, como nas passagens de humor e nas mais dramáticas, ai já bem pelo finalzinho. É uma história de amor transgressora, das que eu gosto, recheadas de cenas de uma ousadia tremenda para a época. Instinto Selvagem, que Verhoeven dirigiu para um grande estúdio dos EUA, vinte anos depois desse, não tem um décimo da verve, nesse sentido, de Louca Paixão.
Negócio é Negócio
3.2 6 Assista AgoraNegócio é Negócio foi o primeiro longa para o cinema do cineasta holandês Paul Verhoeven. Aqui o cineasta ainda mostra-se verde, todavia encontramos muito do que viria a ser o seu cinema futuramente. O deboche, o sexo desavergonhado (no bom sentido) e a ruptura com as convenções sociais.
Ao tratar sobre prostituição, Verhoeven não cai na armadilha de vitimizar as profissionais, muito pelo contrário. A protagonista, Blonde Greet, apresenta-se como uma mulher muito bem resolvida e esperta, utilizando seu talento no ramo do meretrício para arrancar o máximo de grana possível dos seus clientes e realizar todas - e bizarras - fantasias dos mesmos. Negócio é Negócio tem seus maiores méritos na coragem, sendo perdoáveis seus defeitos técnicos.
Ladrões de Bicicleta
4.4 533 Assista AgoraÀs vezes o cinema precisa deixar o floreio, o lirismo, a metafísica e a alegoria de lado e nos mostrar a realidade nua e crua, quase de forma documental. Esse é o caso de Ladrões de Bicicletas. Um filme simples em sua concepção, mas que tem muito a dizer, tanto na época de seu lançamento, quanto nos dias atuais.
A Itália do pós guerra Vittorio De Sica não é nada romântica. É difícil. Pobre. Dura. Um pai de família consegue, finalmente, um emprego e tem o elemento de seu sustento - a bicicleta - furtado. Desesperado, corre por Roma em busca do ladrão. Nessa jornada, através do seus olhos e do seu filho, o pequeno e carismático Bruno (o menino que deve ter, no máximo, uns oito anos é obrigado pegar no batente para ajudar a família), nos deparamos com o descaso e a falta de empatia com o próximo. Só resta então a Antonio Ricci, o pai, um último e desesperado gesto para que sua família não desmorone de vez. Eu, você, qualquer um no lugar de Antonio faria o mesmo. E a última cena é de um pessimismo quase cruel, contudo necessário para criar reflexão.
Tecnicamente, Ladrões de Bicicleta é muito bom. Ótimas tomadas da cidade de Roma e trilha sonora de primeira. Mas o grande trunfo aqui são as atuações, o roteiro e o realismo.
Zootopia: Essa Cidade é o Bicho
4.2 1,5KZootopia surpreende por ser uma animação do estúdio Disney onde, dificilmente, acredito, uma criança irá encontrar aquela diversão despretensiosa. É muito mais uma fábula adulta com toques de filme policial dos bons onde temas espinhosos vem a tona sem se tornar pedante ou arrastado.
Judy, a coelhinha protagonista, é o nossos olhos nessa viagem a esse grande centro urbano mamífero, onde, num primeiro momento, pensamos em se tratar de uma bem humorada sátira da vida de nós, humanos, na grande cidade. E, de fato, isso ocorre, contudo, aos poucos, as camadas de preconceito e segregação vão surgindo, deixando a animação com um tom mais soturno, principalmente quando Judy se une ao escroque Nick, uma raposa, por conta de uma investigação policial. O mistério é bem montado, com toques de filme noir, onde as pistas do desaparecimento de alguns animais vem através da investigação da obstinada coelhinha. Depois que o mistério é supostamente resolvido, Zootopia entra numa vertente de paranoia e perseguição típicas dos dias atuais - no mundo dos humanos, onde pessoas são acusadas sem ao menos terem cometido qualquer tipo de crime e sim por serem o que são, apenas.
Os aspectos técnicos da animação são muito bons. Boas cenas de ação, humor e o visual colorido de Zootopia também são bastante atrativos. Enfim, mais uma animação de primeira do estúdio do Mickey. E talvez, da Disney, a mais relevante, politicamente falando, dos últimos anos.
Viva: A Vida é Uma Festa
4.5 2,5KQue golaço da Pixar! Acertou em tudo: ambientação, roteiro, direção e emoção. A história do pequeno Miguel, da sua família e tudo que engloba o Dia dos Mortos é o melhor trabalho da produtora desde Wall-E. O cuidado com a retratação do folclore mexicano, sem cair no esteriótipo fácil, a animação impecável - A vovô Coco é de uma perfeição ímpar - , toda questão familiar e o amor pela música dão o tom nessa envolvente aventura pelo "mundo dos mortos".
A trama é muito boa. Logo de cara somos conquistados por Miguel e sua obstinação pela música. Ao mesmo tempo, há o mistério sobre o trauma envolvendo a música e sua família e o filme caminha, deliciosamente, por um caminho óbvio. Contudo, temos uma ótima reviravolta que traz uma emoção singela, genuína, sem apelação. A trilha sonora é ótima e todas as músicas executadas ao longo da animação ficam por dias na cabeça.
Coco é um trabalho de extrema sensibilidade, que sabe conquistar tanto crianças quanto adultos (acredito que mais ainda esses) e trata do tema da morte e da perda de forma leve e ao mesmo tempo profunda. Que a Pixar continue assim, nos brindando com animações como essa, irretocáveis.
Lady Bird: A Hora de Voar
3.8 2,1KEu achava que seria bem pior.
Enfim, Ladybird é apenas razoável e olhe lá. Só consegue, realmente, gostar desse filme quem tem alguma identificação com a protagonista já que o mesmo, tecnicamente, é apenas ok. Não entendo tamanha badalação, indicações aos principais prêmios e afins.
Pantera Negra
4.2 2,3K Assista AgoraDepois de um 2017 apenas regular, a Marvel Studios começa 2018 com o pé direito. Pantera Negra é ótimo. Sabia que Ryan Coogler não decepcionaria. O filme é pertinente em dois aspectos, o da representatividade e no da narrativa ao nos apresentar a fascinante Wakanda e toda sua estrutura - mítica e política - antes do país servir de palco para o quebra pau entre heróis e os asseclas de Thanos no vindouro Guerra Infinita. Também traz consigo o melhor vilão do universo Marvel dos cinemas até o momento. Até que enfim!
Erik Killmonger tem motivações críveis para suas ações e, confesso, acabei torcendo por ele. Seu radicalismo, no contexto desse universo - e até mesmo do nosso - é oportuno, já que estamos falando da África, continente que sofre das mais diversas mazelas ininterruptas há séculos. Entrar em mais detalhes sobre isso seria soltar spoilers desnecessários, contudo fica aqui o registro de que Killmonger ganhou minha simpatia. Em tempo: Coogler teve o bom senso de usar o Garra Sônica apenas como alívio cômico e elemento essencial do roteiro para que Killmonger adentre em Wakanda. Se o personagem de Andy Serkis fosse o vilão principal, teríamos mais um embate genérico.
Tecnicamente o filme é bem legal. Assim como o último filme do Thor, a paleta de cores das cenas diurnas são mais vibrantes, principalmente quando as cenas se passam nas movimentas ruas de Wakanda. O elenco é bom, com destaque para as personagens femininas. Coogler, que não é bobo, aproveita que o filme tem muita ação para nos brindar com mais um plano sequência bem executado - lembram-se da luta de Creed? A trilha sonora, que diziam ser badalada, pelo menos para mim, não foi lá grande coisa. Outro ponto negativo é o exagero de CGI nas cenas de perseguição protagonizadas pelo Pantera. Assim como em Capitão América Guerra Civil, fica nítido o bonecão de uniforme negro saltando pra lá e pra cá. Se eles conseguem fazer o Hulk, que é muito mais complexo esteticamente, crível nas lutas porque não acertam com o Pantera? Vai entender...
O roteiro apresenta alguns questionamentos até mesmo inesperados de minha parte. Questões sobre colonialismo, isolamento, o papel da monarquia e revide/revolução permeiam todo o filme. Pena que essa ousadia só vá até certo ponto. E isso eu até entendo. Só não consegui engolir o escorregão justo na última cena, onde o foco geográfico deveria ter sido num outro país(es), muito mais necessitados. Enfim, mesmo com essa pisada de bola nos quarenta e cinco do segundo tempo, ainda assim, Pantera Negra tem saldo mais do que positivo. Que a Marvel nos traga mais filmes assim.
Luta sem Código de Honra
3.9 7FINALMENTE!
Depois de anos em busca de uma maneira de assistir esse filme - e suas quatro sequências - (torrents são difíceis e legendas em pt inexistentes), a Versátil Filmes finalmente ouviu as minhas preces e lançou no Brasil uma caixa contendo todos os longas da saga do cinema japonês setentista Yakuza Papers. Em média, o box custa umas setenta pratas, mas dei sorte e consegui por trinta e três numa promoção na internet.
O primeiro filme, Luta sem Código de Honra, é bastante diferente dos longas sobre a Yakuza que eu tinha assistido até então. Aqui é mostrado a reformulação da organização criminosa logo após o final da Segunda Guerra. O Japão está um caos e isso é refletido na cadeia de comando. Em busca de poder, os clãs, nessa época, não tinham o código bushido característico das outras encarnações cinematográficas da Yakuza. Nesse filme, a máfia japonesa mais parece a italiana devido a imensa quantidade de traições de todos os lados, deixando nas ruas um tremendo banho de sangue. Aliás, sangue é o que não falta nessa obra. Kinji Fukasaku, o diretor, mostra-se uma espécie de Sam Peckinpah nipônico e não poupa a audiência das mais diversas cenas de violência explícita. Seu estilo de filmagem é frenético, de cortes rápidos e com a apresentação dos personagens através de letreiros. Foi uma tremenda influência para diversos diretores, principalmente Quentin Tarantino, que, com certeza, deve conhecer Yakuza Papers de trás para frente.
O maior problema que encontrei no filme foi o excesso de personagens. Você leva mais de meia-hora para identificar quem é quem na trama. Gostei bastante do protagonista, Shozo Hirono - que é um tipo durão estilo noir. Na última tomada do longa, o personagem rouba a cena num final bem estiloso.
O primeiro longa de Yakuza Papers mostra-se bastante satisfatório. Agora é ver suas sequências o quanto antes!
Assassinato
3.9 9Terceiro filme do Shinoda que assisto e não me decepciono. Aliás, dos três, esse é o melhor. Longa de samurai de primeira, esteticamente lindo e com um roteiro fragmentado, a frente do seu tempo. Kiyokawa Hachiro - personagem histórico - é um exímio ronin e estrategista. É o final do século XIX e o Xogunato e o Império estão em pé de guerra por conta da invasão estadunidense na ilha que estava há quase trezentos anos isolada do resto do mundo. Hachiro se aproveita do momento para traçar um ambicioso plano de poder e influência, jogando dos dois lados.
O grande trunfo, de fato, é a narrativa fragmentada, onde a personalidade de Hachiro é revelada através de diversos flashbacks do ponto de vista de inúmeros personagens. A fotografia em preto e branco é de cair o queixo e as cenas de luta estão entre as melhores dos filmes de samurai da época. Todas muito bem coreografadas e filmadas. Além de tudo isso, nos últimos minutos de filme, Shinoda saca uma câmera subjetiva e acompanhamos o restante do filme através dos olhos de personagem X. Ousado e perfeccionista, Shinoda cada vez mais vem ganhando meu respeito.
Notas Sobre um Escândalo
4.0 538 Assista AgoraÓtimo filme, apoiado nas atuações de duas excepcionais atrizes. Não só funciona como drama, como também flerta com o suspense graças a direção de Richard Eyre, que monta seu filme num crescendo de fortes emoções. O roteiro também é muito bom e trata de desejo, solidão e obsessão. Outro destaque é a excelente trilha sonora.
Silêncio
4.0 11Silêncio (1971)
JAPÃO E O CRISTIANISMO
Essa semana assisti ao filme Flor Seca, do cineasta Masahiro Shinoda. Achei ótimo. E logo comecei a pesquisar sua filmografia. Assim que descobri que o mesmo tinha uma adaptação do romance Silêncio - cujo remake foi feito recentemente pelo Martin Scorcese - , não pensei duas vezes e corri atrás.
Eu li a obra de Shusaku Endo muitos anos atrás e me lembro de poucos detalhes. Apenas que era uma escrita fluente e bastante crua. Então nem tenho parâmetro para fazer comparações com o longa de 1971. Sei que o roteiro é do próprio autor do romance em quatro mãos com o cineasta.
Silêncio trata da chegada de dois padres portugueses ao Japão em 1630 não só para levar a mensagem da Igreja Católica como para descobrir alguma pista sobre o padre Ferreira, desaparecido na ilha há anos. Acolhidos por uma pequena comunidade cristã, logo são perseguidos, sobrando, claro, para aqueles que o ajudaram.
Silêncio é uma obra complicada. O cristão mais fervoroso vai analisá-la por um viés emocional e logo vai acolher os dois padres como heróis da Palavra. Os mais céticos vão procurar nas entrelinhas alguma crítica ou conceito filosófico. Enfim, posso dizer que me encaixo no segundo grupo e gostei do filme.
Endo era católico, logo seu romance falava de fé. Conceito que o filme também traz, porém de modo espinhoso. Há todo o martírio típico do catolicismo com o padre Rodrigues, o protagonista, claramente assumindo o papel de Cristo em meio a tortura e o sofrimento infligidos pelas autoridades japonesas. Também temos o nosso Judas Iscariotes na figura de um nipônico que entrega a localização do padre em troca de dinheiro e depois se arrepende. Contudo, eu não tive a menor empatia pelo padre Rodrigues e seu martírio. A única coisa a se lamentar são os camponeses torturados e mortos, que estavam sossegados no seu canto, até chegarem esses homens de fora e sua doutrina que, de algum modo, os atraiu. Não há como julgar o inquisidor japonês pelas medidas drásticas que toma para expurgar o cristianismo da ilha já que na Europa, ao mesmo tempo, a Inquisição acusava a torto e a direito - pelos mais esdrúxulos crimes - e matava milhares pessoas em seus altos de fé. A culpa é de quem veio de fora meter o bedelho num país com sua doutrina de fé, política e força muito bem estabelecidas - muito diferente do continente Americano onde os missionários encontraram tribos indígenas, algumas extremamente pacíficas. O ônus das perdas de vidas no Japão é todo da Igreja Católica.
Sobre a qualidade técnica do longa, essa é inquestionável. Shinoda filma muito bem e arranca boas atuações, não só dos atores nativos como também dos gaijins. Seu roteiro do meio para o final deixa de tomar partido a favor dos cristãos e torna-se mais ambíguo ao entregar ótimos diálogos como o do inquisidor japonês com o padre Rodrigues. E um segundo exemplo, quando Rodrigues encontra o padre Ferreira - que deixa claro o porque do título da obra ser Silêncio. A última cena então, é bem polêmica.
Ainda não vi a versão do Scorcese mas ao que parece, ela é emocional e católica (fora que tem quase três horas de duração!) enquanto a de Shinoda busca mais o debate teológico e filosófico. Enfim, quando eu tiver tempo sobrando, verei a versão estadunidense. Enquanto isso, é continuar procurando mais coisas do cinema de Shinoda que, por tudo que apresentou nos dois filmes que vi, é bem rico.
O Mundo de Apu
4.3 31SENSACIONAL E INESPERADO FINAL DA TRILOGIA DE APU
O último filme da Trilogia de Apu inicia-se com o protagonista agora adulto, sozinho no mundo, finalmente formado e em vias de terminar sua primeira novela literária. Todavia, a Índia, infelizmente, é um país pobre, complexo, onde um jovem brilhante como Apu não consegue nenhuma oportunidade - não tão diferente assim de um certo país da America do Sul em seu cenário atual. Aqui, Satyajit Ray, dá uma guinada de 360 graus na vida do personagem pegando a todos de surpresa.
Realmente, eu não esperava que o desfecho da história de Apu fosse acabar, de início, de forma singela e bem humorada seguindo numa espiral de sofrimento - se bem que a perda na vida de Apu é rotineira - culminando numa última cena plasticamente belíssima e emocionalmente acachapante. Satyajit Ray conseguiu com maestria nos entregar três filmes de temáticas diferentes, com o mesmo protagonista, e todos de extrema qualidade estética e narrativa. Um marco do cinema indiano. Um marco do cinema mundial. Sem dúvida uma das melhores trilogias já feitas. Ao seu final, já me bateu uma saudade de Apu, uma saudade da Índia, uma saudade da trilha sonora de Ravi Shankar. Mas o último take sempre estará na memória, impregnado, como só as grandes obras de arte conseguem fazer.
O Invencível
4.2 35 Assista AgoraAPU EM BUSCA DA SABEDORIA
Segundo filme da Trilogia de Apu, vemos nosso pequeno herói, agora com dez anos, vivendo com seus pais noutra localidade, próxima ao Rio Ganges, onde, logo no começo, mais uma tragédia familiar muda novamente o destino do garoto. Apu acaba partindo com sua mãe para outra cidade onde se vê obrigado a seguir um caminho voltado à religião. Porém, o garoto, graças a influência do pai, sempre se interessou pelos estudos e, com o apoio da mãe, ingressa na escola. A aproximação do menino com os grandes escritores e a ciência, desperta mais ainda a paixão pelo saber e Apu torna-se um excelente aluno. Para nós, expectadores, que o acompanhamos desde o nascimento, é meio como sentir orgulho de alguém próximo.
O Invencível, é um filme diferente de A Canção da Estrada, contudo mantém todos os méritos do primeiro, tanto técnicos quanto de enredo. Nesse trabalho, Satyajit Ray apresenta outras localidades indianas que assim como no longa anterior, que se passava num pequeno vilarejo, ainda assim são imersas na pobreza, apesar de serem áreas maiores e mais populosas. Se identificar com Apu é fácil, pois o esforço do garoto em trabalhar e acompanhar os estudos - a ponto de dormir na sala de aula de tão exausto - fez ou faz parte da rotina de milhares de jovens aqui do próprio Brasil oriundos também de lugares pobres, enquanto os privilegiados que só começam de fato a ralar após concluir o ensino superior ainda tem a cara de pau de pregar a tal da "meritocracia".
Enfim, O Invencível, como seu antecessor, também é um filme sobre perda e isso é inerente a Apu desde sempre. Agora é ver como será a vida do nosso herói no derradeiro filme da trilogia. O que te espera, hein, Apu?
Jackie
3.4 740Há poucos anos, o cineasta chileno Pedro Larrain nos presenteou com o ótimo No, longa que tratava do fim de anos de opressão do já caquético general Pinochet. Aqui, agora contratado por Hollywood, Larrain nos entrega um filme sobre Jackie Kennedy, a primeira dama de "Camelot", numa bajulação à personalidade que beira o patético.
Larrain é um ótimo diretor. Fato. No e Tony Manero não me deixam mentir. E seu talento também é visto em Jackie. A forma como o filme é construído, com cenas atípicas e muito bem feitas, fugindo do tradicional das biografias de personalidades e arranhando o drama psicológico. O grande problema é a total falta de empatia por Jackie Kennedy - pelo menos no meu caso. O filme tenta nos vender uma imagem de mulher forte, que em meio ao caos do assassinato do esposo e tudo que o fato acarretou, ainda consegue se impor, mesmo com todo o sofrimento.
Por mais que Natalie Portman se esforce, não dá para comprar a história de "pobre menina rica", ainda mais sabendo o quanto Jack Cabeleira era um mulherengo incorrigível que a traia e a humilhava a torto e a direito. Para Kennedy, Jackie não passava de apenas um belo artefato para exibir em suas aparições públicas e alguém para escolher a tapeçaria e o papel de parede do Salão Oval. E ela sabia disso. Então não há nada de empoderamento em Jackie. Temos aqui somente uma mulher que, na verdade, foi submissa até o final.
Um conselho: Larrain, pelos deuses do cinema, volte as suas origens, meu caro. Presenteie o cinema latino americano com grandes obras. Ou então se quiser ficar mesmo em Hollywood, escolha melhor seus futuros projetos, pois esse - apesar do apuro técnico - foi bem indigesto.