Selma: Uma Luta pela Igualdade corre por fora na disputa do Oscar, tendo sido indicado somente a melhor filme e melhor canção original. É favorito a levar o prêmio de canção, mas é quase nula a chance de conquistar o maior prêmio. No entanto, sua indicação é merecida, bem como merecia mais indicações. E não somente para contemplar a onda do politicamente correto, e incluir negros na premiação, o que foi criticado por muitos ativistas, mas por seus méritos.
A trama envolve um período específico na luta pelos direitos civis nos EUA, durante os anos 60. Martin Luther King Jr. (David Oyelowo) acaba de ganhar o Prêmio Nobel da Paz e se envolve nos preparativos para liderar uma marcha de 80 km pelo Alabama, protestando pelo direito dos negros votarem.
No período, os negros já haviam conquistado o direito ao voto. No entanto, os registradores criavam empecilhos que na prática impossibilitavam o direito da cidadania. Na cidade de Selma, somente 2% dos negros estavam habilitados ao voto.
A trama política é bastante interessante. O Presidente Lyndon Johnson (o sempre competente Tom Wilkinson) busca manter as coisas como estão. Já o governador de Alabama George Wallace (Tim Roth), representa o eleitorado racista de seu estado. Apesar de várias tentativas de King, Johnson mostra-se irredutível, por não querer interferir em uma questão local, já que nos EUA os estados detém grandes poderes legislativos.
Diante do impasse, King e seus companheiros de luta política decidem iniciar a marcha na cidade de Selma, onde o segregacionismo é marcante, rumo à capital do Alabama, Montgomery. Mas a legislação proibia "reuniões não autorizadas", um contrassenso em se tratando do país símbolo da liberdade.
Para a marcha pacífica prosseguir, os manifestantes terão de enfrentar a polícia, que está empenhada em "manter a ordem", espancando a todos (e com prazer). Válido para se fazer uma comparação com as violentas repressões policiais nos protestos recentes no Brasil. A questão que se coloca não é o fato de se concordar ou não com a manifestação, mas que se permita que cada um exerça seu direito de liberdade de expressão.
Muito interessante o papel de Lyndon Johnson. Como dito, ele preferia manter as coisas como estavam, mas não por ter algum preconceito contra os negros, mas era movido pelo cálculo político, e preferia manter as coisas como estavam para não contrariar o eleitorado sulista majoritariamente branco. Mas ao final, percebeu que se seguisse mantendo as coisas em seu lugar perderia o bonde da História, razão pela qual cedeu e determinou o fim de qualquer critério subjetivo para a inscrição eleitoral.
O carisma de Luther King também é bem retratado. Seus discursos com um toque messiânico faz com que as pessoas se sintam parte de algo maior, arriscando sua integridade física em prol do bem maior. Lembra Winston Churchill, outro líder messiânico, que conclamou o povo inglês a não se render aos nazistas.
Também merece destaque a postura do roteiro de fugir de um maniqueísmo infantil do tipo negros bonzinhos x brancos malvados. Claro que há personagens feitas para mostrar o estereótipo, como o rude xerife de Selma, mas o filme mostra que vários brancos se engajaram na luta a favor dos direitos dos negros. E Luther King não é mostrado como um semi-deus, mas como um homem comum, com problemas familiares e falhas de caráter.
A opção do enredo em abordar somente um período específico de um personagem histórico mostra-se acertada. Aliás, quase sempre esta opção é a mais adequada, pois em um filme de duas horas é difícil querer contar toda a vida de uma pessoa, do nascimento à morte. Retratar um momento específico é mais interessante e dinâmico, tal qual feito nos recentes Lincoln e Hannah Arendt.
A fotografia é muito interessante, especialmente nos momentos de conflito entre policiais e manifestantes, assim como nas cenas em que os políticos são mostrados, sempre em cenários com contraluz, com grandes janelas ao fundo, conferindo a eles uma atmosfera mais cinzenta, e, consequentemente, mais ambígua.
A direção é certamente melhor do que a O Jogo da Imitação, o que faria com quem a diretora Ava DuVernay merecesse mais a indicação ao Oscar, indicações que recebeu no Globo de Ouro quanto no Independent Spirit Award. Mas como sempre, há outros interesses que levam às indicações ao Oscar, não somente o mérito.
E o elenco também é bem competente, sendo que o protagonista, David Oyelowo, merecia uma indicação ao prêmio de melhor ator por conta se sua representação de King. Tal qual a diretora, o ator também foi indicado nas outras premiações supramencionadas. E há até pontas de celebridades, como Cuba Gooding Jr. e Oprah Winfrey.
Em síntese, um bom filme, retratando um período relativamente recente cujo eco se manifesta até hoje, tendo em vista as recentes manifestações contra a violência policial sobre negros nos EUA bem como, indiretamente, as violentas repressões policiais à manifestações pelo Brasil (até mesmo no Carnaval!).
A Teoria de Tudo concorre a 5 prêmios no Oscar: filme, roteiro adaptado, canção, ator (Eddie Redmayne) e atriz (Felicity Jones). Não deve levar o prêmio máximo, mas tem seus méritos, sobretudo nas atuações.
O enredo baseia-se na história da vida de Stephen Hawking, notoriamente conhecido como o maior cientista vivo. E, como é de conhecimento geral, ele sofre de uma séria doença degenerativa, a esclerose natural amiotrófica (a mesma doença que motivou o desafio do balde de gelo, que muita gente deve ter feito só pela farra, sem ter dado a doação para as pesquisas direcionadas à cura), que o mantém quase que inteiramente paralisado, sem que seu raciocínio sofra qualquer dano.
O filme trata superficialmente da ciência e se foca nos desafios pessoais de Hawking, desde pouco antes do diagnóstico, em 1963, que afirmava que ele viveria no máximo por mais dois anos, até sua condecoração como cavaleiro pela rainha Elisabeth II, quase 30 anos depois. Um bom recorte, tendo em vista que atualmente a doença atingiu quase que por completo os músculos da face de Hawking, e ele não consegue mais expressar emoções.
A trama foi baseada na autobiografia de Jane Hawking, ex-mulher de Stephen, que no Brasil recebeu o mesmo título do filme. Portanto, o relacionamento entre eles é o eixo condutor do filme. Por conta disso, muitos podem imaginar que será uma história romântica melodramática. Mas não é o que ocorre. Jane não é mostrada como a guerreira que por conta do amor superou tudo para cuidar de seu amado, mas uma mulher comum, que tentou seguir essa vida de entrega, mas que fraquejava e vacilava, como qualquer pessoa. Humana, demasiado humana.
A vida de Stephen Hawking certamente merece destaque. Já bastaria ser o cientista que ele é para tanto. Ou bastaria ter superado todas as limitações impostas pela doença. E, extraordinariamente, ele une ambas as coisas. Uma vida singular, sem dúvida.
Muito interessante é a abordagem da questão religiosa no filme. Stephen é ateu e Jane cristã fervorosa. Mas isso não impede seu relacionamento, pois ambos sabem que não adianta ficarem tentando converter um ao outro, basta o respeito para que o convívio seja feliz. Bela lição de vida em tempos de tamanho fanatismo e sectarismo.
As atuações são o grande destaque. Eddie Redmayne incorpora Hawking, em uma atuação espantosa. Certamente ele é favorito ao Oscar, considerando que papéis baseados em personagens reais dão prêmios (Ben Kingsley venceu por Gandhi e Meryl Streep como Margaret Thatcher em A Dama de Ferro), assim como interpretar deficientes (Dustin Hoffman por Rain Man e Tom Hanks por Forrest Gump). Felicity Jones, que no começo parece ser somente uma boa samaritana, aos poucos vai mostrando a complexidade dos sentimentos de Jane por Stephen. Não deve ganhar o prêmio, mas mostrou um ótimo trabalho.
O filme também deveria ter sido indicado ao prêmio de melhor direção, pois, como dito, os atores estão espetaculares, e certamente é necessário ter um bom diretor para isso. O roteiro foi muito bem adaptado para as telas e tem boas chances de levar o prêmio. Sua maior qualidade é buscar ser bem humorado com as adversidades, como Hawking, que já fez pontas em Os Simpsons e The Big Bang Theory, costuma ser.
Em síntese, uma história real sensacional, muito bem roteirizada e conduzida na tela e estrelada por uma dupla de atores extremamente inspirados.
O Jogo da Imitação, concorrendo a 8 categorias na premiação do Oscar 2015, é um dos filmes com maior número de indicações, ficando somente atrás de O Grande Hotel Budapeste e Birdman, com 9. E se destaca nas principais categorias, tendo sido indicado aos prêmios de filme, diretor, roteiro adaptado, ator principal e atriz coadjuvante. Excetuando a de ator principal, não deveria ser indicado a nenhuma outra categoria.
O filme conta a história real do brilhante matemático Alan Turing, pai de um equipamento que já foi chamado de "máquina de Turing", o qual hoje chamamos de computador. Porém, não é diretamente sobre o desenvolvimento da máquina que trata o filme, mas de sua contribuição na quebra do código criptográfico usado pelos alemães na Segunda Guerra Mundial, com as famosas máquinas Enigma.
O enredo é contado através de três narrativas paralelas. Uma que se passa na adolescência de Turing, outra durante a Segunda Guerra e a última alguns anos após a guerra, quando o protagonista é preso suspeito de traição.
Percebe-se assim que a história de Turing é interessante e que merece ser contada. Mas faltaram pessoas competentes para escrevê-la e para dirigi-la.
O roteiro parece ter sido tirado de um exercício de curso de roteiristas. Extremamente previsível, cheio de clichês e com piadinhas manjadas. A frase que diz que às vezes uma pessoa improvável se torna a pessoa a fazer a diferença foi repetida por 3 vezes no filme, inclusive no final, forçando um didatismo irritante. Do mesmo modo a tentativa da construção heróica da figura de Turing, uma pessoa extremamente arrogante e desagradável, que muito lembra a personagem Sheldon da série The Big Bang Theory. Também incomoda um pieguismo exagerado ao mostrar que as decisões tomadas para decifrar os códigos nazistas irão matar pessoas.
Outro destaque negativo é a tentativa de tornar Turing um suposto ativista da luta gay, tendo em vista que ele foi preso sob a acusação de "imoralidade", ou seja, por ter tido relações sexuais com outro homem. Obviamente um processo criminal por conta da orientação sexual de um sujeito é uma aberração, não só hoje, como em qualquer época. Turing foi apenas mais um entre muitos presos por conta dessa legislação vergonhosa. Não se questiona o interesse de tal história, mas a maneira como é inserida no roteiro a faz parecer uma nota de rodapé inserida de última hora por um ativista anti-homofobia que quis destacar o papel do protagonista na luta pela liberdade.
A direção, tal como o roteiro, é bem quadrada, sem nada de criativo em relação à fotografia, efeitos especiais ou direção de atores. Falta ainda alguma tensão que prenda o espectador na poltrona, querendo ver o filme. E a direção conta ainda com mais um amontado de clichês, como as mais que batidas cenas de Londres sendo bombardeada pelos alemães, as ruas destruídas e as pessoas se abrigando nas estações de metrô durante à noite, lugar comum em qualquer produção sobre a cidade durante a Segunda Guerra Mundial.
A atuação do protagonista, Benedict Cumberbatch talvez seja a única coisa digna de registro. Ele está muito bem no papel, tentando mostrar alguma complexidade de sentimentos através de um homem que sempre tinha a mesma expressão de fixação. Keira Knightley é uma grande atriz, mas neste filme entrega um trabalho apenas razoável, inferior a outros anteriores, como Orgulho e Preconceito ou Desejo e Reparação.
De todo modo, não é um filme ruim. Não é bom, mas também não é ruim. O que incomoda é a profunda falta de criatividade. Não que todos os filmes que já concorreram ao Oscar sejam obras primas, mas os indicados deveriam ser produções acima da média, o que, definitivamente, não é o caso de O Jogo da Imitação.
Selma: Uma Luta Pela Igualdade
4.2 794http://pitacoscinematograficos.blogspot.com.br/2015/02/selma-uma-luta-pela-igualdade.html
Contra o Sistema
Selma: Uma Luta pela Igualdade corre por fora na disputa do Oscar, tendo sido indicado somente a melhor filme e melhor canção original. É favorito a levar o prêmio de canção, mas é quase nula a chance de conquistar o maior prêmio. No entanto, sua indicação é merecida, bem como merecia mais indicações. E não somente para contemplar a onda do politicamente correto, e incluir negros na premiação, o que foi criticado por muitos ativistas, mas por seus méritos.
A trama envolve um período específico na luta pelos direitos civis nos EUA, durante os anos 60. Martin Luther King Jr. (David Oyelowo) acaba de ganhar o Prêmio Nobel da Paz e se envolve nos preparativos para liderar uma marcha de 80 km pelo Alabama, protestando pelo direito dos negros votarem.
No período, os negros já haviam conquistado o direito ao voto. No entanto, os registradores criavam empecilhos que na prática impossibilitavam o direito da cidadania. Na cidade de Selma, somente 2% dos negros estavam habilitados ao voto.
A trama política é bastante interessante. O Presidente Lyndon Johnson (o sempre competente Tom Wilkinson) busca manter as coisas como estão. Já o governador de Alabama George Wallace (Tim Roth), representa o eleitorado racista de seu estado. Apesar de várias tentativas de King, Johnson mostra-se irredutível, por não querer interferir em uma questão local, já que nos EUA os estados detém grandes poderes legislativos.
Diante do impasse, King e seus companheiros de luta política decidem iniciar a marcha na cidade de Selma, onde o segregacionismo é marcante, rumo à capital do Alabama, Montgomery. Mas a legislação proibia "reuniões não autorizadas", um contrassenso em se tratando do país símbolo da liberdade.
Para a marcha pacífica prosseguir, os manifestantes terão de enfrentar a polícia, que está empenhada em "manter a ordem", espancando a todos (e com prazer). Válido para se fazer uma comparação com as violentas repressões policiais nos protestos recentes no Brasil. A questão que se coloca não é o fato de se concordar ou não com a manifestação, mas que se permita que cada um exerça seu direito de liberdade de expressão.
Muito interessante o papel de Lyndon Johnson. Como dito, ele preferia manter as coisas como estavam, mas não por ter algum preconceito contra os negros, mas era movido pelo cálculo político, e preferia manter as coisas como estavam para não contrariar o eleitorado sulista majoritariamente branco. Mas ao final, percebeu que se seguisse mantendo as coisas em seu lugar perderia o bonde da História, razão pela qual cedeu e determinou o fim de qualquer critério subjetivo para a inscrição eleitoral.
O carisma de Luther King também é bem retratado. Seus discursos com um toque messiânico faz com que as pessoas se sintam parte de algo maior, arriscando sua integridade física em prol do bem maior. Lembra Winston Churchill, outro líder messiânico, que conclamou o povo inglês a não se render aos nazistas.
Também merece destaque a postura do roteiro de fugir de um maniqueísmo infantil do tipo negros bonzinhos x brancos malvados. Claro que há personagens feitas para mostrar o estereótipo, como o rude xerife de Selma, mas o filme mostra que vários brancos se engajaram na luta a favor dos direitos dos negros. E Luther King não é mostrado como um semi-deus, mas como um homem comum, com problemas familiares e falhas de caráter.
A opção do enredo em abordar somente um período específico de um personagem histórico mostra-se acertada. Aliás, quase sempre esta opção é a mais adequada, pois em um filme de duas horas é difícil querer contar toda a vida de uma pessoa, do nascimento à morte. Retratar um momento específico é mais interessante e dinâmico, tal qual feito nos recentes Lincoln e Hannah Arendt.
A fotografia é muito interessante, especialmente nos momentos de conflito entre policiais e manifestantes, assim como nas cenas em que os políticos são mostrados, sempre em cenários com contraluz, com grandes janelas ao fundo, conferindo a eles uma atmosfera mais cinzenta, e, consequentemente, mais ambígua.
A direção é certamente melhor do que a O Jogo da Imitação, o que faria com quem a diretora Ava DuVernay merecesse mais a indicação ao Oscar, indicações que recebeu no Globo de Ouro quanto no Independent Spirit Award. Mas como sempre, há outros interesses que levam às indicações ao Oscar, não somente o mérito.
E o elenco também é bem competente, sendo que o protagonista, David Oyelowo, merecia uma indicação ao prêmio de melhor ator por conta se sua representação de King. Tal qual a diretora, o ator também foi indicado nas outras premiações supramencionadas. E há até pontas de celebridades, como Cuba Gooding Jr. e Oprah Winfrey.
Em síntese, um bom filme, retratando um período relativamente recente cujo eco se manifesta até hoje, tendo em vista as recentes manifestações contra a violência policial sobre negros nos EUA bem como, indiretamente, as violentas repressões policiais à manifestações pelo Brasil (até mesmo no Carnaval!).
Nota: 7
A Teoria de Tudo
4.1 3,4K Assista Agorahttp://pitacoscinematograficos.blogspot.com.br/2015/02/a-teoria-de-tudo.html
Doutor Fantástico
A Teoria de Tudo concorre a 5 prêmios no Oscar: filme, roteiro adaptado, canção, ator (Eddie Redmayne) e atriz (Felicity Jones). Não deve levar o prêmio máximo, mas tem seus méritos, sobretudo nas atuações.
O enredo baseia-se na história da vida de Stephen Hawking, notoriamente conhecido como o maior cientista vivo. E, como é de conhecimento geral, ele sofre de uma séria doença degenerativa, a esclerose natural amiotrófica (a mesma doença que motivou o desafio do balde de gelo, que muita gente deve ter feito só pela farra, sem ter dado a doação para as pesquisas direcionadas à cura), que o mantém quase que inteiramente paralisado, sem que seu raciocínio sofra qualquer dano.
O filme trata superficialmente da ciência e se foca nos desafios pessoais de Hawking, desde pouco antes do diagnóstico, em 1963, que afirmava que ele viveria no máximo por mais dois anos, até sua condecoração como cavaleiro pela rainha Elisabeth II, quase 30 anos depois. Um bom recorte, tendo em vista que atualmente a doença atingiu quase que por completo os músculos da face de Hawking, e ele não consegue mais expressar emoções.
A trama foi baseada na autobiografia de Jane Hawking, ex-mulher de Stephen, que no Brasil recebeu o mesmo título do filme. Portanto, o relacionamento entre eles é o eixo condutor do filme. Por conta disso, muitos podem imaginar que será uma história romântica melodramática. Mas não é o que ocorre. Jane não é mostrada como a guerreira que por conta do amor superou tudo para cuidar de seu amado, mas uma mulher comum, que tentou seguir essa vida de entrega, mas que fraquejava e vacilava, como qualquer pessoa. Humana, demasiado humana.
A vida de Stephen Hawking certamente merece destaque. Já bastaria ser o cientista que ele é para tanto. Ou bastaria ter superado todas as limitações impostas pela doença. E, extraordinariamente, ele une ambas as coisas. Uma vida singular, sem dúvida.
Muito interessante é a abordagem da questão religiosa no filme. Stephen é ateu e Jane cristã fervorosa. Mas isso não impede seu relacionamento, pois ambos sabem que não adianta ficarem tentando converter um ao outro, basta o respeito para que o convívio seja feliz. Bela lição de vida em tempos de tamanho fanatismo e sectarismo.
As atuações são o grande destaque. Eddie Redmayne incorpora Hawking, em uma atuação espantosa. Certamente ele é favorito ao Oscar, considerando que papéis baseados em personagens reais dão prêmios (Ben Kingsley venceu por Gandhi e Meryl Streep como Margaret Thatcher em A Dama de Ferro), assim como interpretar deficientes (Dustin Hoffman por Rain Man e Tom Hanks por Forrest Gump). Felicity Jones, que no começo parece ser somente uma boa samaritana, aos poucos vai mostrando a complexidade dos sentimentos de Jane por Stephen. Não deve ganhar o prêmio, mas mostrou um ótimo trabalho.
O filme também deveria ter sido indicado ao prêmio de melhor direção, pois, como dito, os atores estão espetaculares, e certamente é necessário ter um bom diretor para isso. O roteiro foi muito bem adaptado para as telas e tem boas chances de levar o prêmio. Sua maior qualidade é buscar ser bem humorado com as adversidades, como Hawking, que já fez pontas em Os Simpsons e The Big Bang Theory, costuma ser.
Em síntese, uma história real sensacional, muito bem roteirizada e conduzida na tela e estrelada por uma dupla de atores extremamente inspirados.
Nota:8
O Jogo da Imitação
4.3 3,0K Assista Agorahttp://pitacoscinematograficos.blogspot.com.br/2015/02/o-jogo-da-imitacao.html
Imitando os clichês
O Jogo da Imitação, concorrendo a 8 categorias na premiação do Oscar 2015, é um dos filmes com maior número de indicações, ficando somente atrás de O Grande Hotel Budapeste e Birdman, com 9. E se destaca nas principais categorias, tendo sido indicado aos prêmios de filme, diretor, roteiro adaptado, ator principal e atriz coadjuvante. Excetuando a de ator principal, não deveria ser indicado a nenhuma outra categoria.
O filme conta a história real do brilhante matemático Alan Turing, pai de um equipamento que já foi chamado de "máquina de Turing", o qual hoje chamamos de computador. Porém, não é diretamente sobre o desenvolvimento da máquina que trata o filme, mas de sua contribuição na quebra do código criptográfico usado pelos alemães na Segunda Guerra Mundial, com as famosas máquinas Enigma.
O enredo é contado através de três narrativas paralelas. Uma que se passa na adolescência de Turing, outra durante a Segunda Guerra e a última alguns anos após a guerra, quando o protagonista é preso suspeito de traição.
Percebe-se assim que a história de Turing é interessante e que merece ser contada. Mas faltaram pessoas competentes para escrevê-la e para dirigi-la.
O roteiro parece ter sido tirado de um exercício de curso de roteiristas. Extremamente previsível, cheio de clichês e com piadinhas manjadas. A frase que diz que às vezes uma pessoa improvável se torna a pessoa a fazer a diferença foi repetida por 3 vezes no filme, inclusive no final, forçando um didatismo irritante. Do mesmo modo a tentativa da construção heróica da figura de Turing, uma pessoa extremamente arrogante e desagradável, que muito lembra a personagem Sheldon da série The Big Bang Theory. Também incomoda um pieguismo exagerado ao mostrar que as decisões tomadas para decifrar os códigos nazistas irão matar pessoas.
Outro destaque negativo é a tentativa de tornar Turing um suposto ativista da luta gay, tendo em vista que ele foi preso sob a acusação de "imoralidade", ou seja, por ter tido relações sexuais com outro homem. Obviamente um processo criminal por conta da orientação sexual de um sujeito é uma aberração, não só hoje, como em qualquer época. Turing foi apenas mais um entre muitos presos por conta dessa legislação vergonhosa. Não se questiona o interesse de tal história, mas a maneira como é inserida no roteiro a faz parecer uma nota de rodapé inserida de última hora por um ativista anti-homofobia que quis destacar o papel do protagonista na luta pela liberdade.
A direção, tal como o roteiro, é bem quadrada, sem nada de criativo em relação à fotografia, efeitos especiais ou direção de atores. Falta ainda alguma tensão que prenda o espectador na poltrona, querendo ver o filme. E a direção conta ainda com mais um amontado de clichês, como as mais que batidas cenas de Londres sendo bombardeada pelos alemães, as ruas destruídas e as pessoas se abrigando nas estações de metrô durante à noite, lugar comum em qualquer produção sobre a cidade durante a Segunda Guerra Mundial.
A atuação do protagonista, Benedict Cumberbatch talvez seja a única coisa digna de registro. Ele está muito bem no papel, tentando mostrar alguma complexidade de sentimentos através de um homem que sempre tinha a mesma expressão de fixação. Keira Knightley é uma grande atriz, mas neste filme entrega um trabalho apenas razoável, inferior a outros anteriores, como Orgulho e Preconceito ou Desejo e Reparação.
De todo modo, não é um filme ruim. Não é bom, mas também não é ruim. O que incomoda é a profunda falta de criatividade. Não que todos os filmes que já concorreram ao Oscar sejam obras primas, mas os indicados deveriam ser produções acima da média, o que, definitivamente, não é o caso de O Jogo da Imitação.
Nota: 5