num filme dividido em dois assentos do banco da frente de um carro, há uma sororidade tão arrebatadora que a mão da motorista sai de seu plano, atravessa dimensões fílmicas e aterrisa no contraplano, na bochecha da outra, pra limpar uma lágrima que escorre
Dá pra falar muito sobre esse filme, porém vou me ater ao que acho importante e que não vi sendo dito: ele é transfóbico.
Transfobia é a coisa mais normal do mundo (ainda), infelizmente, mas eu realmente esperava que nesse filme o tratamento fosse ser diferente. Não é o caso, já que o que temos é uma cena de tom claramente cômico em que nem vemos o rosto da moça, e que arranca risadas da plateia só por tratar-se de uma mulher com pênis. Se isso já é uma reação comum, do senso comum atual, espera-se que cineastas auto-proclamados tão revolucionários quanto Gaspar Noé façam um mínimo esforço de ao menos evitar o tom pejorativo, ou apresentar visões "revolucionárias", como faz com outros temas. Sobre drogas e aborto, por exemplo, o diretor tem um orgulho gigante de seu discurso, via seu personagem principal sempre autobiográfico. Curioso como ele não tem pudores, no entanto, ao brincar (?) dizendo que espera que o filho não seja gay, ou ao escrever essa cena com a travesti. Não pusesse a cena.
"Não é um filme do Coutinho!". Será? Tenho minhas dúvidas. Agora, que é só dele, também não. No mínimo é Coutinho + João Moreira Salles. Essa coisa de "terminado por" é esquisita, meio torta.
Sobre as intervenções da Jordana Berg e do JMS, fico muito feliz que aconteceram. Parece que desrespeitam uma suposta concepção que Coutinho teria do filme, e isso está sendo criticado.
Primeiramente, como terminar o filme por ele? Isso existe? Dá pra saber o que ele queria? E depois, isso não seria fingimento, falso? Me parece que o filme que o João e a Joana fizeram era o que queriam e podiam fazer, e aí, como querer que fosse diferente?
Pois eu agradeço por essa "desobediência" que os dois cometeram. Foi um filme honesto, uma tentativa sincera de se continuar o trabalho do cineasta. É claro que o tom muda, trazendo inclusive esses flashes do tema da morte, assim como considerações sobre a vida que nos remetem ao fim da do Eduardo, mas ainda assim, não se perde o foco. Que bom que vemos um Coutinho extremo, tanto intransigente, com os adolescentes, quanto doce, com a última menina. É a libertação, a última conversa. Podia ser mais um filme dele (não desmerecendo, absolutamente), mas é, do jeito que é, especial. Uma despedida digna.
Para se criar a Brasília do futuro, não é necessário investir milhões em estética via efeitos visuais. A linguagem cinematográfica se encarrega disso, criando uma mise-en-scène verossímil e fantástica ao mesmo tempo: ficção-científica-documental. É o glorioso limiar entre dois gêneros tão classicamente opostos, tudo com um pesado tom crítico.
A frase do policial tinha um sentido claro em seu grito. Hoje, anos depois, acredito ter muitos. É a tão esperada inversão dos papéis: branco sai, sim, mas porque agora é a vez do preto.
Otimismos a parte, é ao menos uma utopia digna de luta até o fim.
Recentemente tenho me sentido um pouco cansado desses documentários pseudo-investigativos de construção dramática extremamente hollywoodiana. A história é sem dúvidas interessante, mas a linguagem do filme deixa a desejar. Não há nada de errado com isso, é apenas um trabalho muito dentro do óbvio.
Tá autorizado dizer que a Meryl não estava tão bem assim? Que não valeu Oscar? Porque achei o maior exagero da galáxia. Emily Blunt, por exemplo, estava bem melhor. Não que merecesse Oscar, mas, enfim, como se Oscars fossem dados só pra quem merece. Rs
Esse filme é incrível por incorporar a Cássia em sua mais ampla multiplicidade: une o louco, o animal, o explosivo ao sensível, o carinhoso, o respeitoso. Acho que houve muito cuidado ao se fazer esse documentário, muito tato. O resultado é isso o que vimos, um registro da passagem dessa cantora pela Terra digno de toda a sua grandeza.
Ao fazer um filme qualquer, e principalmente um filme documental, acredito ser necessária uma reflexão ética, reflexão essa que envolve pensar criticamente a respeito do que significa 1) captar tais imagens e 2) exibi-las ao público. Sem esse momento reflexivo, isto é, sem a ética, mais fácil seria todos invadirmos as casas das pessoas para filmar seus hábitos grotescos e mostrá-los ao mundo, para todos rirem deles. Me recuso a chamar isso de cinema. De perto, todo mundo é estranho, então material não falta. Pânico na TV que o diga, assim como tantos outros programas debochados das TVs do mundo todo. Que bom que existe bom senso no mundo, para que isso não aconteça tanto. E processos judiciais.
Como estudante de cinema em plena era do iPhone, entendo perfeitamente a necessidade dos dois jovens diretores de documentarem tudo à sua volta com suas câmeras pequenas e portáteis em busca daquela surpresa, daquele achado que simplesmente aparece, e que, quem sabe, vai virar um super filme. Bem, ele realmente apareceu. Essa história que o colega de quarto, Yaniv, começou a viver já era interessante por tratar-se de um relacionamento à distância, e foi ficando cada vez mais intrigante conforme a verdade foi vindo à tona. Entendo o que levou os dois a filmarem tudo até esse ponto, e me identifico.
Acredito, no entanto, que em determinado momento os cineastas perceberam no que estavam se metendo. Ao conhecerem Angela e sua real família, houve um momento de dúvida sobre o que os três faziam ali, e para onde iria o projeto, agora que haviam percebido e reafirmado para si mesmos que toda a mentira que queriam trazer à tona ali não se deu por maldade, e era na realidade uma artimanha de uma mulher desiludida, sonhadora e inconsequente. Um deles diz: não quero machucar ela. Yaniv responde: nós não viemos até aqui pra ajudar. Era esse o momento de abortar a missão, de perceber o poder maléfico do cinema documental enquanto arma, enquanto holofote para expor o outro alimentar o anseio humano natural de denegrir a imagem alheia.
Da confissão de Angela em diante, o filme vira um grande teatro em que Yaniv tenta se portar da forma menos desconfortável o possível, como se estivesse tudo bem, como se realmente não se sentisse mal por ter sido traído, como se tivesse sido uma boa amizade. É óbvio que não. Aparentemente, a reação firme de Angela, que não fugiu em momento algum, deu aos cineastas o sinal verde para continuar. É claro que qualquer ser minimamente sensível entende a complexidade da situação e o constrangimento real que foi toda essa história. Assisti à última meia hora de filme tapando os olhos com os dedos, querendo me enfiar num buraco, já que nem Angela, nem Yaniv, nem os cineastas o fizeram.
Catfish é uma amostra do perigo da imagem. É um verdadeiro Freak Show, como aqueles realities que mostram hábitos esquisitos, como um circo que mostra deficientes para ganhar dinheiro, que explora o outro. Mostra o real no pior sentido da palavra. Um real cruelmente cru, sem filtros morais, sem pudor. Viva a liberdade de expressão.
Achei que o morto fosse o personagem do pesquisador (o próprio Gabriel Mascaro), e isso estava muito claro pra mim. Outro dia, uma pessoa me disse que não, que o morto não é ele. Gostaria de ouvir opiniões!
Whiplash tem direção, montagem e fotografia incríveis. Passado esse ponto, é necessário dizer que trata-se de um roteiro eticamente duvidoso, que pensa rigorosamente de acordo com a velha lógica americanóide da competitividade e de que, sonhando, tudo se consegue, inclusive ser o melhor. Ser o melhor, não apenas bom. Esmagar a concorrência. A ideia de que é necessário ser um gênio não é nem contestada, é assumida como óbvia. As únicas almas sãs da história são a namorada e o pai de Andrew, que questionam as pretensões do garoto, principalmente ao perceber que, ao buscá-las, troca frequentemente os pés pelas mãos. Como um menino mimado, o filme grita a todo pulmão que os fins justificam os meios, terminando com aquela malcriação na cena final. Ao invés de alguém vir dizer àquele menino que se colocar à frente dos colegas músicos daquela forma é muito feio e egocêntrico, o filme o aplaude (e, para meu choque, o público também). Há ainda um descompasso (no pun intended) na representação da genialidade musical, como bem apontado pelo crítico Luiz Fernando Gallego. A ideia de que a música ou qualquer forma de arte pode ser “zerada” apenas com velocidade, força e sangue, é, no mínimo, boçal. Há diversos outros fatores a levar em conta nessa suposta trajetória para ser “o melhor” baterista, a começar por criatividade. Isto é, se é que faz sentido atribuir à arte um sistema hierárquico de primeiro lugar, segundo e terceiro, como em uma grande empresa, ou na Fórmula 1. O cinema popular americano parece insistir em afirmar que lutas corporais podem ser comparadas a todo tipo de atividade exercida pelo ser humano, quando tantas vezes trata-se de uma péssima metáfora. Whiplash não está, portanto, distante desses filmes sessão-da-tarde americanos sobre superação de jovens desencaixados socialmente. Na cena final, todas as expectativas são quebradas, e atinge-se o posto de semi-deus. É tudo muito inverossímil, muito 8 ou 80. Ou se é um nada, ou se cria a Microsoft, o Facebook. Ou é prato na cabeça, ou é fracasso. É realmente necessário tomar atitudes violentas como arremessar objetos nos alunos e traumatiza-los para criar um gênio? Que não haja gênios, então.
Nossa, que filme interessante. Os movimentos extremamente sincronizados dos atores dão um ar estranhamente natural à representação que o filme propõe do que é um sábado normal na casa daquela família. O diálogo é corriqueiro, e parece haver uma harmonia entre todos os parentes. Dificilmente se fala de outra coisa que não os afazeres relacionados ao jantar ou o que cada um tem feito recentemente em sua vida. Assim, não há um conflito claro no filme, o que causa um enorme estranhamento no público. É claro que não se pode pensar um ambiente familiar livre de conflitos, já que certamente existem, pois são inerentes a todas as relações humanas. De forma sutil, o conflito se manifesta, sim, como se tivesse sido jogado debaixo de um tapete e saísse para fora aos poucos. Como as conversas dizem respeito a relações que o público pouco conhece, dado o mínimo plano de fundo de personagem que o filme apresenta, e que são, portanto, muitas vezes irrelevantes, aos poucos é possível perceber que o que o diretor quer dizer não está nas palavras, mas entre elas. Os gestos, os olhares e os tempos de resposta, por exemplo, falam muito por si, e ficam em evidência uma vez que o expectador perde o interesse no que está sendo dito. Ao mesmo tempo, não vemos os rostos das pessoas, ou vemos pouco. Cria-se a ideia de um suspense do cotidiano, de que algo há de estar errado, mas as convenções diplomáticas familiares impedem que transpareça. Os objetos tem papel principal na narrativa. A câmera mostra certos objetos que foram usados pelos personagens na cena anterior, dando espaço para que especulemos o que podem querer dizer. Como traços desses movimentos ultra sincronizados. Pistas do crime que não existe. A câmera nos permite observar tudo, via figura da gatinha de estimação da casa, que ronda pelos cômodos, mas que aparece poucas vezes na tela. Resta pensar que toda essa observação está nos olhos da gatinha, uma terceira pessoa que não participa das relações familiares e pode, portanto, observar esses aspectos entrelinhas que os personagens, por si só, não percebem. Uma gatinha esquisitamente fascinada pelas relações familiares ali expostas, pelo jogo de interações de seus mestres.
Um filme importante sobre uma causa importante. É incrível como, tomando como referência a realidade brasileira, os esquemas sujos que conhecemos tomam escalas grotescamente grandes nos Estados Unidos. Moore faz um trabalho louvável ao apontar o dedo na fuça de quem se aproveita do povo tão descaradamente, e trazer à tona tudo o que é tão bem acobertado pela complexa "democracia madura" norte-americana. Ainda assim, é necessário pensar que o filme abusa demais de recursos maniqueístas que, tantas vezes, fogem do ponto principal. Os depoimentos pessoais são importantíssimos, mas inúmeras conclusões nos são apresentadas com base em apenas um depoimento necessariamente comovente, por exemplo. Mesmo acreditando e concordando com toda a crítica do documentário, isso me faz pensar que se ater aos fatos não é exatamente uma prioridade, o que me parece extremamente problemático em um filme que tenta provar um ponto objetivamente. O quadro da saúde nos EUA é seríssimo, e Michael busca a todo custo, com o filme, convencer o povo de seu ponto. Bem, acredito que há formas menos apelativas de se fazer isso. Michael Moore não precisa disso para provar seu ponto. Eu, por exemplo, estaria mais convencido com menos drama. Talvez, investindo menos no drama, e forçando menos a barra, não fosse tantas vezes corrigido e criticado por apresentar dados e fatos de maneira equivocada em seus filmes.
Dez
4.1 54 Assista Agoranum filme dividido em dois assentos do banco da frente de um carro, há uma sororidade tão arrebatadora que a mão da motorista sai de seu plano, atravessa dimensões fílmicas e aterrisa no contraplano, na bochecha da outra, pra limpar uma lágrima que escorre
O Beijo da Mulher-Aranha
3.9 256 Assista Agoraum filme sobre gêneros e gêneros, né?
Perdido em Marte
4.0 2,3K Assista AgoraMais um science porn pra coleção.
Love
3.5 882 Assista AgoraDá pra falar muito sobre esse filme, porém vou me ater ao que acho importante e que não vi sendo dito: ele é transfóbico.
Transfobia é a coisa mais normal do mundo (ainda), infelizmente, mas eu realmente esperava que nesse filme o tratamento fosse ser diferente. Não é o caso, já que o que temos é uma cena de tom claramente cômico em que nem vemos o rosto da moça, e que arranca risadas da plateia só por tratar-se de uma mulher com pênis. Se isso já é uma reação comum, do senso comum atual, espera-se que cineastas auto-proclamados tão revolucionários quanto Gaspar Noé façam um mínimo esforço de ao menos evitar o tom pejorativo, ou apresentar visões "revolucionárias", como faz com outros temas. Sobre drogas e aborto, por exemplo, o diretor tem um orgulho gigante de seu discurso, via seu personagem principal sempre autobiográfico. Curioso como ele não tem pudores, no entanto, ao brincar (?) dizendo que espera que o filho não seja gay, ou ao escrever essa cena com a travesti. Não pusesse a cena.
Últimas Conversas
4.2 108"Não é um filme do Coutinho!". Será? Tenho minhas dúvidas. Agora, que é só dele, também não. No mínimo é Coutinho + João Moreira Salles. Essa coisa de "terminado por" é esquisita, meio torta.
Sobre as intervenções da Jordana Berg e do JMS, fico muito feliz que aconteceram. Parece que desrespeitam uma suposta concepção que Coutinho teria do filme, e isso está sendo criticado.
Primeiramente, como terminar o filme por ele? Isso existe? Dá pra saber o que ele queria? E depois, isso não seria fingimento, falso? Me parece que o filme que o João e a Joana fizeram era o que queriam e podiam fazer, e aí, como querer que fosse diferente?
Pois eu agradeço por essa "desobediência" que os dois cometeram. Foi um filme honesto, uma tentativa sincera de se continuar o trabalho do cineasta. É claro que o tom muda, trazendo inclusive esses flashes do tema da morte, assim como considerações sobre a vida que nos remetem ao fim da do Eduardo, mas ainda assim, não se perde o foco. Que bom que vemos um Coutinho extremo, tanto intransigente, com os adolescentes, quanto doce, com a última menina. É a libertação, a última conversa. Podia ser mais um filme dele (não desmerecendo, absolutamente), mas é, do jeito que é, especial. Uma despedida digna.
Era uma Vez na América
4.4 529 Assista AgoraAlguém me explica como que a Ana Paula Arósio não ganhou Oscar? Ela tá ótima no filme, gente!
Branco Sai, Preto Fica
3.5 173Para se criar a Brasília do futuro, não é necessário investir milhões em estética via efeitos visuais. A linguagem cinematográfica se encarrega disso, criando uma mise-en-scène verossímil e fantástica ao mesmo tempo: ficção-científica-documental. É o glorioso limiar entre dois gêneros tão classicamente opostos, tudo com um pesado tom crítico.
A frase do policial tinha um sentido claro em seu grito. Hoje, anos depois, acredito ter muitos. É a tão esperada inversão dos papéis: branco sai, sim, mas porque agora é a vez do preto.
Otimismos a parte, é ao menos uma utopia digna de luta até o fim.
E o congresso que se exploda.
Lixo Extraordinário
4.3 655Muito legal o link criado entre o início e o fim do filme no programa do Jô!
Agora, não aceitei os diálogos em inglês, inclusive entre brasileiros. Que coisa mais tosca, de mal gosto. Não entendi.
A História da Eternidade
4.3 448Eu só não estou sem palavras porque até aqui já escrevi doze. Mas não sei o que dizer. Quer dizer, sei dizer que esse filme é maravilhoso.
Paixão
2.7 333Vi o filme por causa da cena do split screen, que é, de fato, maravilhosa. O resto, no entanto..........
A Fotografia Oculta de Vivian Maier
4.4 106Recentemente tenho me sentido um pouco cansado desses documentários pseudo-investigativos de construção dramática extremamente hollywoodiana. A história é sem dúvidas interessante, mas a linguagem do filme deixa a desejar.
Não há nada de errado com isso, é apenas um trabalho muito dentro do óbvio.
Cinquenta Tons de Cinza
2.2 3,3K Assista AgoraNem um piruzinho?
A Criança
3.8 91 Assista AgoraNeo-realismo italiano mandou um beijo.
Caminhos da Floresta
2.9 1,7K Assista AgoraTá autorizado dizer que a Meryl não estava tão bem assim? Que não valeu Oscar? Porque achei o maior exagero da galáxia. Emily Blunt, por exemplo, estava bem melhor. Não que merecesse Oscar, mas, enfim, como se Oscars fossem dados só pra quem merece. Rs
O Homem Elefante
4.4 1,0K Assista AgoraAlguém tinha que ter me filmado aos prantos na cena do teatro. Haha
Cássia Eller
4.5 307Esse filme é incrível por incorporar a Cássia em sua mais ampla multiplicidade: une o louco, o animal, o explosivo ao sensível, o carinhoso, o respeitoso. Acho que houve muito cuidado ao se fazer esse documentário, muito tato. O resultado é isso o que vimos, um registro da passagem dessa cantora pela Terra digno de toda a sua grandeza.
Grandes Olhos
3.8 1,1K Assista grátisSocorro, que roteiro horrendo!!!
Irreversível
4.0 1,8K Assista AgoraAi, que nervoso do Vincent Cassel dizendo que o nome dele é Vincent e corrigindo logo depois.
Catfish
4.0 345Ao fazer um filme qualquer, e principalmente um filme documental, acredito ser necessária uma reflexão ética, reflexão essa que envolve pensar criticamente a respeito do que significa 1) captar tais imagens e 2) exibi-las ao público. Sem esse momento reflexivo, isto é, sem a ética, mais fácil seria todos invadirmos as casas das pessoas para filmar seus hábitos grotescos e mostrá-los ao mundo, para todos rirem deles. Me recuso a chamar isso de cinema. De perto, todo mundo é estranho, então material não falta. Pânico na TV que o diga, assim como tantos outros programas debochados das TVs do mundo todo. Que bom que existe bom senso no mundo, para que isso não aconteça tanto. E processos judiciais.
Como estudante de cinema em plena era do iPhone, entendo perfeitamente a necessidade dos dois jovens diretores de documentarem tudo à sua volta com suas câmeras pequenas e portáteis em busca daquela surpresa, daquele achado que simplesmente aparece, e que, quem sabe, vai virar um super filme. Bem, ele realmente apareceu. Essa história que o colega de quarto, Yaniv, começou a viver já era interessante por tratar-se de um relacionamento à distância, e foi ficando cada vez mais intrigante conforme a verdade foi vindo à tona. Entendo o que levou os dois a filmarem tudo até esse ponto, e me identifico.
Acredito, no entanto, que em determinado momento os cineastas perceberam no que estavam se metendo. Ao conhecerem Angela e sua real família, houve um momento de dúvida sobre o que os três faziam ali, e para onde iria o projeto, agora que haviam percebido e reafirmado para si mesmos que toda a mentira que queriam trazer à tona ali não se deu por maldade, e era na realidade uma artimanha de uma mulher desiludida, sonhadora e inconsequente. Um deles diz: não quero machucar ela. Yaniv responde: nós não viemos até aqui pra ajudar. Era esse o momento de abortar a missão, de perceber o poder maléfico do cinema documental enquanto arma, enquanto holofote para expor o outro alimentar o anseio humano natural de denegrir a imagem alheia.
Da confissão de Angela em diante, o filme vira um grande teatro em que Yaniv tenta se portar da forma menos desconfortável o possível, como se estivesse tudo bem, como se realmente não se sentisse mal por ter sido traído, como se tivesse sido uma boa amizade. É óbvio que não. Aparentemente, a reação firme de Angela, que não fugiu em momento algum, deu aos cineastas o sinal verde para continuar. É claro que qualquer ser minimamente sensível entende a complexidade da situação e o constrangimento real que foi toda essa história. Assisti à última meia hora de filme tapando os olhos com os dedos, querendo me enfiar num buraco, já que nem Angela, nem Yaniv, nem os cineastas o fizeram.
Catfish é uma amostra do perigo da imagem. É um verdadeiro Freak Show, como aqueles realities que mostram hábitos esquisitos, como um circo que mostra deficientes para ganhar dinheiro, que explora o outro. Mostra o real no pior sentido da palavra. Um real cruelmente cru, sem filtros morais, sem pudor. Viva a liberdade de expressão.
Ventos de Agosto
3.3 73 Assista AgoraSobre o morto:
Achei que o morto fosse o personagem do pesquisador (o próprio Gabriel Mascaro), e isso estava muito claro pra mim. Outro dia, uma pessoa me disse que não, que o morto não é ele. Gostaria de ouvir opiniões!
Whiplash: Em Busca da Perfeição
4.4 4,1K Assista AgoraWhiplash tem direção, montagem e fotografia incríveis. Passado esse ponto, é necessário dizer que trata-se de um roteiro eticamente duvidoso, que pensa rigorosamente de acordo com a velha lógica americanóide da competitividade e de que, sonhando, tudo se consegue, inclusive ser o melhor. Ser o melhor, não apenas bom. Esmagar a concorrência. A ideia de que é necessário ser um gênio não é nem contestada, é assumida como óbvia.
As únicas almas sãs da história são a namorada e o pai de Andrew, que questionam as pretensões do garoto, principalmente ao perceber que, ao buscá-las, troca frequentemente os pés pelas mãos.
Como um menino mimado, o filme grita a todo pulmão que os fins justificam os meios, terminando com aquela malcriação na cena final. Ao invés de alguém vir dizer àquele menino que se colocar à frente dos colegas músicos daquela forma é muito feio e egocêntrico, o filme o aplaude (e, para meu choque, o público também).
Há ainda um descompasso (no pun intended) na representação da genialidade musical, como bem apontado pelo crítico Luiz Fernando Gallego. A ideia de que a música ou qualquer forma de arte pode ser “zerada” apenas com velocidade, força e sangue, é, no mínimo, boçal. Há diversos outros fatores a levar em conta nessa suposta trajetória para ser “o melhor” baterista, a começar por criatividade. Isto é, se é que faz sentido atribuir à arte um sistema hierárquico de primeiro lugar, segundo e terceiro, como em uma grande empresa, ou na Fórmula 1.
O cinema popular americano parece insistir em afirmar que lutas corporais podem ser comparadas a todo tipo de atividade exercida pelo ser humano, quando tantas vezes trata-se de uma péssima metáfora. Whiplash não está, portanto, distante desses filmes sessão-da-tarde americanos sobre superação de jovens desencaixados socialmente. Na cena final, todas as expectativas são quebradas, e atinge-se o posto de semi-deus. É tudo muito inverossímil, muito 8 ou 80. Ou se é um nada, ou se cria a Microsoft, o Facebook. Ou é prato na cabeça, ou é fracasso.
É realmente necessário tomar atitudes violentas como arremessar objetos nos alunos e traumatiza-los para criar um gênio? Que não haja gênios, então.
A Gatinha Esquisita
3.2 6Nossa, que filme interessante. Os movimentos extremamente sincronizados dos atores dão um ar estranhamente natural à representação que o filme propõe do que é um sábado normal na casa daquela família. O diálogo é corriqueiro, e parece haver uma harmonia entre todos os parentes. Dificilmente se fala de outra coisa que não os afazeres relacionados ao jantar ou o que cada um tem feito recentemente em sua vida. Assim, não há um conflito claro no filme, o que causa um enorme estranhamento no público.
É claro que não se pode pensar um ambiente familiar livre de conflitos, já que certamente existem, pois são inerentes a todas as relações humanas. De forma sutil, o conflito se manifesta, sim, como se tivesse sido jogado debaixo de um tapete e saísse para fora aos poucos. Como as conversas dizem respeito a relações que o público pouco conhece, dado o mínimo plano de fundo de personagem que o filme apresenta, e que são, portanto, muitas vezes irrelevantes, aos poucos é possível perceber que o que o diretor quer dizer não está nas palavras, mas entre elas. Os gestos, os olhares e os tempos de resposta, por exemplo, falam muito por si, e ficam em evidência uma vez que o expectador perde o interesse no que está sendo dito. Ao mesmo tempo, não vemos os rostos das pessoas, ou vemos pouco. Cria-se a ideia de um suspense do cotidiano, de que algo há de estar errado, mas as convenções diplomáticas familiares impedem que transpareça.
Os objetos tem papel principal na narrativa. A câmera mostra certos objetos que foram usados pelos personagens na cena anterior, dando espaço para que especulemos o que podem querer dizer. Como traços desses movimentos ultra sincronizados. Pistas do crime que não existe.
A câmera nos permite observar tudo, via figura da gatinha de estimação da casa, que ronda pelos cômodos, mas que aparece poucas vezes na tela. Resta pensar que toda essa observação está nos olhos da gatinha, uma terceira pessoa que não participa das relações familiares e pode, portanto, observar esses aspectos entrelinhas que os personagens, por si só, não percebem. Uma gatinha esquisitamente fascinada pelas relações familiares ali expostas, pelo jogo de interações de seus mestres.
Sicko - S.O.S. Saúde
4.2 301Um filme importante sobre uma causa importante. É incrível como, tomando como referência a realidade brasileira, os esquemas sujos que conhecemos tomam escalas grotescamente grandes nos Estados Unidos. Moore faz um trabalho louvável ao apontar o dedo na fuça de quem se aproveita do povo tão descaradamente, e trazer à tona tudo o que é tão bem acobertado pela complexa "democracia madura" norte-americana.
Ainda assim, é necessário pensar que o filme abusa demais de recursos maniqueístas que, tantas vezes, fogem do ponto principal. Os depoimentos pessoais são importantíssimos, mas inúmeras conclusões nos são apresentadas com base em apenas um depoimento necessariamente comovente, por exemplo. Mesmo acreditando e concordando com toda a crítica do documentário, isso me faz pensar que se ater aos fatos não é exatamente uma prioridade, o que me parece extremamente problemático em um filme que tenta provar um ponto objetivamente. O quadro da saúde nos EUA é seríssimo, e Michael busca a todo custo, com o filme, convencer o povo de seu ponto. Bem, acredito que há formas menos apelativas de se fazer isso. Michael Moore não precisa disso para provar seu ponto. Eu, por exemplo, estaria mais convencido com menos drama. Talvez, investindo menos no drama, e forçando menos a barra, não fosse tantas vezes corrigido e criticado por apresentar dados e fatos de maneira equivocada em seus filmes.
14 Estações de Maria
4.0 78Olha, o plano final devia constar em todo top 10 de momentos na história do cinema.