A pessoa que cadastrou o filme foi desleixada ao não creditar Emília Vásáryová no elenco, sendo que a personagem dela é uma das principais. Isso acontece aqui muitas vezes por que, ao captar os créditos do IMDB, não percebe que muitas vezes os atores que aparecem em primeiro lugar são aqueles que foram primeiramente contratados (identificado no site como "first billed only"), não exatamente os principais atores da obra.
Um dos filmes mais belos e impactantes que já assisti. Cada cena é cuidadosamente planejada, carregada de conteúdo e simbolismos que dão ao espectador caminhos diversos de entendimento e impacto emocional, a depender de sua sintonia com o que está vendo. Ainda que realista, o filme parece ser tecido em sonho dada a forma como Theo Angelopoulos passeia com a câmera, constrói os planos e planeja as cenas, aliado a fabulosa trilha de Eleni Karaindrou, compositora com quem fez parceria em seus outros filmes. Também faz muito uso do silêncio, centrando a interpretação mais nas ações e reações dos personagens, algumas bem sutis. Carrega em si uma beleza estética e imaterial, mística, amparada por uma paleta de cores predominantemente de cores neutras, brancas ou cinzas. Tudo isso faz de "Paisagem na Neblina" uma obra de contemplação, introspecção, que demanda atenção e interesse do espectador, convidando-o a mergulhar a fundo na trajetória das duas crianças: Alexander, interpretado por Michalis Zeke, e Voula, interpretada por Tania Palaiologou, numa das melhores atuações infantis que já vi (na época com apenas 12 anos). Também tem um discurso metalinguístico, com suas referências ao próprio cinema (o fotograma de uma imagem esmaecida, e a tentativa de percepção visual deste como uma alegoria de entendimento e conexão com a obra cinematográfica). Paisagem na Neblina é a própria tradução da vida humana, fascinante ainda que condenado a um epílogo que sabemos qual seja, ou talvez não realmente. O filme em seu final é belíssimo em traduzir essa dúvida.
Baseado no livro seminal de Kracauer, o documentário faz um retrospecto do cinema alemão produzido na época a fim de traçar um meio de entendimento da história moderna. A produção cinematográfica funcionaria como um veículo de percepção da ascensão nazista, tendo em foco obras que tocam em temas como domínio das massas, pulsão psíquica, sonambulismo, fascínio pelo mundo do crime e sua íntima relação com o poder oficial e delírio coletivo. No mesmo patamar também há menção a obras leves e irônicas que sondam os humores e anseios de um povo que viveu entre duas grandes guerras. Seguindo essa linha de pensamento, o cinema de Weimar, extremamente diversificado de temas e estilos, retrataria em tela o 'zeitgeist' da Alemanha na época. Talvez a teoria de Kracauer, replicada no filme, seja muito mais imaginativa que concreta, uma vez que é baseada em um suposto inconsciente coletivo que, materializado nas obras do cinema, serviriam estes como um oráculo, um aparato imagético premonitório da história. De qualquer forma, ainda que a mim os argumentos possam não ser totalmente convincentes, tem um discurso poético fascinante. O documentário também é válido por estimular um acréscimo de repertório cinematográfico. Dedica atenção a alguns filmes não tão conhecidos da maior parte do público.
Vale assistir nem que seja só por aquela cena com Rudy Giuliani. Jesus, que foi aquilo? Gostei também da menção ao encosto que se encontra na nossa presidência.
É desanimador que mesmo pelo que passaram, e após tanto tempo, alguns ali ainda acham que estavam defendendo a pátria. Uma das vítimas/algozes ainda culpa a guerrilha, e não especificamente os militares, pela morte da mãe. Eu esperava um estudo mais profundo sobre a Guerra do Araguaia, tendo em vista os relatos e discussões relativamente recentes sobre o episódio, mas entendo que a proposta aqui era outra. Algo mais pessoal, direcionado para a visão daqueles que viverem para contar a história.
Em uma das cenas do filme, Stefan leva Lisa a um brinquedo que simula uma viagem por paisagens famosas; uma delas é do Rio de Janeiro. A cena não está presente no conto original, de autoria do escritor austríaco Stefan Zweig, mas certamente é uma homenagem a este que, fugido da Segunda Grande Guerra por sua ascendência judia, tomou o Brasil como sua segunda e derradeira morada. O próprio nome do protagonista da versão filmada, Stefan Brand - que no livro é um romancista nomeado apenas como "R" - é uma outra homenagem ao escritor.
Ainda que não tão conhecido pelo grande público, Zweig foi um daqueles grandes nomes que elevaram o nome do Brasil mundo afora. Uma de suas obras neste sentido é um livro chamado "Brasil, um país de futuro". Zweig, vendo sua Europa descafelar-se em barbárie, perseguição étnica e genocídio, acreditava que o Brasil tinha algo que o elevava a um nível de civilidade além do caráter racial, promovendo a diversidade social, religiosa e o diálogo. Um utópico, que fosse hoje vivo se decepcionaria com o país. Decepcionou-se antes com a Europa e pôs fim a sua vida, juntamente com sua mulher Lotte, em Petrópolis, em 1942.
A história de "Carta de Uma Desconhecida" fez-me criar um paralelo sobre a questão da memória, e como esta define a preservação da humanidade. Lisa precisava lembrar Stefan de algo que nele lhe escapava e o levara a uma vida sem sentido, assim como vivemos hoje em um mundo de ou esquecimento, ou revisionismos históricos, a fim de validar práticas descriminatórias e criminosas. As mesmas práticas que fizeram Zweig fugir da Europa.
Ao final do filme Stefan consegue se lembrar de Lisa, e nos leva a acreditar que passa a encarar o mundo de outra maneira. Neste sentido o filme tem um tom mais definido dessa lembrança, já que no livro o personagem "R" ao final se recorda apenas dos sentimentos relatados na carta, mas não do rosto daquela que o amou.
Há duas cinebiografias sobre Stefan Zweig, um filme brasileiro de 2003 chamado "Os Últimos Dias de Stefan Zweig no Brasil", dirigido por Sylvio Back, e um mais recente, o austríaco "Stefan Zweig: Adeus, Europa", lançado em 2016 e dirigido por Maria Schrader.
Kyara Uchida, que faz o papel de Megumi, a jovem pretendente a atriz, é neta de Kirin Kiki, que neste filme faz o papel de Hideko, a avó dos dois meninos, personagens principais. Kirim fez diversos filmes do Koreeda; seu último trabalho foi justamente um filme dele: o fabuloso "Assunto de Família", indicado ao Oscar de filme estrangeiro em 2019, que, ao meu ver, perdeu injustamente para o "Roma" do Alfonso Cuarón (gosto pessoal). Os dois grandes trabalhos de Kyara foram justamente atuando ao lado da avó, com temas relacionados a família e profundas relações emocionais. Após o falecimento de Kirim em 2018, a jovem atriz parece ter desistido de atuar, pelo menos por enquanto. Pergunto-me se o episódio teve impacto na sua decisão, e se ela, ao contrário da personagem Megumi, preferiu tomar outro rumo profissional.
Colossal. Os quatro filmes (ou quatro partes do filme) estão disponíveis de graça no site oficial da Mosfilm, em uma estupenda versão restaurada de alta resolução, como homenagem ao centenário da morte de Tolstói. Acredito que só até novembro. Usem o título "Война и мир" no espaço de busca do site da Mosfilm.
Controversa adaptação da famosa ópera de Modest Mussorgsky. Puristas acusaram o diretor de desvirtuar a obra original, que, por sinal, tem mais de uma versão no intuito de corrigir "imperfeições", assim consideradas na época - sendo hoje mais aceita a obra tal qual Modest compôs originalmente. Não me incomoda de nenhuma maneira. Essa é a visão do diretor sobre a obra, e ,purismos à parte, é grandiosa e fascinante. Andrzej Zulawski consegue imprimir em tela um espetáculo audiovisual impressionante. As alterações do diretor encurtou a obra, alterou cenas e inclui anacronismos, que poeticamente são válidos e típicos de Zulawski. Em uma cena, por exemplo, é possível ver soldados com armas modernas que remetem aos regimes totalitaristas de nosso tempo. Gostei também como a obra dialoga com o contexto do ato de representação, intimamente ligado ao próprio argumento da ópera, que trata de dissimulações, dualidades, papeis e legitimidade. Pois veja que logo de início nos é apresentado o próprio Mussorgsky como personagem, nervoso na estreia do espetáculo, a sorver sofregamente alguma bebida alcoólica de um cantil. Essa estrutura do teatro é interrompida pela equipe de filmagem, e logo depois a tela do palco é cortada para revelar um cenário grandioso ao ar livre. Essa brincadeira continua durante o filme inteiro, em momentos pontuais, com a equipe de filmagem sendo exposta e pegando o espectador de surpresa. A ideia, ao meu ver, é expor não somente os falsos líderes, mas a própria estrutura político-social como um grande jogo teatral. Acreditar em uma determinada ideologia ou na palavra de um líder é assumir ser um espectador que está pagando por uma representação que pode ser convincente ou não. Uma observação mais atenta e a estrutura por trás de todo o esquema é revelada.
A humanidade vai continuar tomando a pílula azul. Uma das soluções propostas é aquela que favoreceria o mercado, assim como na revolução industrial mudou-se os parâmetros sociais e econômicos, abolindo a escravidão e substituindo-a por um outro tipo de servidão, assalariada, mas menos desumana em geral. Não tenho muita esperança enquanto o sistema capitalista, pelo menos nos moldes nos quais se formatou e se projeta, continuar como titereiro da vida humana.
Um clássico expressivo, mas bastante irregular. O filme não faz muito aprofundamento de personagens, mas uma visão do meio, das relações sociais destes, e claro, o efeito nocivo da guerra nesses terrenos. Apenas ao personagem Karl (Gustav Diessl) é dado uma maior atenção, aqui no sentido de propor um comentário sobre a urbanidade e empatia quando não mais parece possível. A primeira metade do filme é realmente lenta e difícil de acompanhar pelo seu caráter fragmentado e disperso de narrativa. Penso que a intenção do diretor era dar um passeio pelos cenários da guerra, seja entre as quatro paredes do lar, ou as sujas trincheiras do front, como uma visão sem itinerário fixo, como uma testemunha a perceber durante a jornada as cenas que lhe chamam atenção. Na última parte do filme essa visão de uma testemunha da guerra é mais perceptível. A câmera é fixa, e o cenário da guerra passa por ela, não acompanhando o movimento de seus participantes, tal qual um soldado ou paralisado pelo medo, ou a falecer. Vale notar o trabalho de edição som, que proporciona uma tridimensionalidade ao espectador, no primeiro trabalho do diretor com essa tecnologia ainda incipiente. Ao final do filme o som das bombas caindo e granadas explodindo parecem continuar na mente, assim como a sensação de cheiro de pólvora.
Magnífico proto-noir. Um dos últimos filmes do cinema mudo alemão. Tem uma linguagem visual muito moderna, com uma boa montagem, uso de espaçados 'travellings' e 'close-ups' que favorecem tanto a conexão com os personagens como na fluidez narrativa. A direção de Joy May permite que os atores tenham espaço na tela no tempo correto, e a achei a atuação desses em grande parte muito natural, fugindo dos exageros expressivos comuns em muitos filmes da época. Betty Amann, no seu grande papel da carreira, está esplandecente, e a fotografia de Günther Rittau a favorece toda vez que aparece no ecrã. A história é daquelas já levadas ao cinema muitas vezes: homem da lei se apaixona por criminosa e se encontra em um dilema moral. Entretanto, o que cativa é justamente a magistral forma como ela é contada. Há menos camadas interpretativas que outros filmes da República de Weimar, período mais criativo do cinema alemão, mas ainda há espaço para o uso de objetos simbólicos, como o passarinho na gaiola, que tanto evoca o destino daqueles que infringem a lei como a redoma moral na qual vive Albert.
O que me motivou a assistir esse filme foi primeiramente o diretor Tod Browning e a presença do grande Lon Chaney. Mas o que me fascinou mesmo foi Joan Crawford no início de carreira... que deslumbre. O filme é uma bizarrice que transita entre o drama, romance e humor negro. Um tipo inusitado de abordagem que hoje podemos ver como influência no cinema de um Tim Burton ou Álex de la Iglesia, e que o diretor elevaria a uma maior potência em seu trabalho mais polêmico, Freaks, cinco anos depois.
A questão da máscara e todos os seus simbolismos variantes durante o filme dialogam bem com outro importante filme sobre a identidade africana, o curta "As estátuas também morrem", de 1954, dirigido Alain Resnais e Chris Marker.
A figura centrada de Lumumba na parede do quarto do namorado de Diouana tanto explicita ideologicamente o filme como prenuncia a tragédia da personagem principal.
Alguém se confundiu na hora de cadastrar o filme. Essa capa é do anime (OVA) de 1991. As informações do elenco parecem ser dos dubladores do anime na versão norte-americana. Mas o diretor Akio Jissoji dirigiu foi o live-action lançado em 1988. Tanto o animê quanto o filme foram baseados na obra de Hiroshi Aramata, daí a confusão. Os diretores do anime são: ep.1 - Katayama Kazuyoshi, ep.2 - Chigira Koichi, ep.3 - Kume Kazunari, ep.4 - Ikeda Masashi.
Um bom exemplar dos chamados filmes de Montanha, um subgênero muito em voga nos anos 20 e 30. Dirigido por Georg Wilhelm Pabst (do clássico "Caixa de Pandora") e Arnold Fanck, que colaboraria, assim como Leni Riefenstahl, para o futuro regime nazista. Ainda neste tópico, vale notar uma breve cena com o ator e diretor Kurt Geron. Judeu, teve sua participação removida pelo governo nazista em uma versão com som lançada em 1935. Um dos extras do DVD é justamente um trecho desta versão com som, e particularmente não gostei. A versão de '29, só com a trilha sonora fazendo por vezes a diegese da narrativa é bem mais interessante. Geron faria como último trabalho, numa tentativa de salvar sua vida, um filme publicitário chamado "Der Führer schenkt den Juden eine Stadt" ("O Führer oferece uma cidade aos judeus"), onde mascaram as situações destes, incluindo muitas crianças, numa falsa situação idílica de bem estar e lazer. Praticamente todos os participantes do filme morreram nas câmaras de gás após a conclusão desta obra de propaganda, incluindo o próprio diretor Geron, além do compositor checo Hans Krása. Voltando ao "Inferno Branco", há um outra curiosa participação: o ás da Primeira Guerra Mundial (o segundo maior em número de vitórias aéreas, atrás apenas de Manfred von Richthofen, o famoso "Barão Vermelho") e futuro general de Hitler na Segunda Grande Guerra, Ernst Udet. Este também teria um destino trágico, suicidando-em 1941, fato que na época fora abafado pelo regime. Mas antes disso Udet era apenas um "bon vivant", herói de guerra e artista de acrobacias aéreas. Sua participação neste filme, ainda que tenha uma função importante na trama, parece servir mais como veículo de promoção pessoal haja vista a exibição gratuita de acrobacias aéreas.
O que mais se destaca em "O Inferno Branco" é a cinematografia, que dá uma atmosfera etérea e sobrenatural aos cenários montanhosos. Em termos de roteiro, penso que se alonga demais no seu terço final, e a música, ainda que um dos principais elementos do filme, torna-se um tanto maçante. O filme conta com algumas cenas bem engenhosas, planos magníficos, além de belíssimos closes do rosto de Leni. A montanha aqui é praticamente uma personagem, uma entidade que decide o destino daqueles que se aventuram a abraçá-la. Alguns podem enxergar no quase inexorável gelo e no seu branco profundo uma alegoria para a pureza da raça, um dos pilares para a eugenia alemã na Segunda Guerra. Não compactuo dessa ideia, pois denota anacronismo dos sentimentos de superação e provação diante do que aparenta ser intransponível, presentes na época. De qualquer forma, o fato é que hoje a reverência às montanhas, trazendo à baila tanto a disciplina, precisão e coragem dos alpinistas, como no aspecto semiótico de grandeza, altivez e pureza ancestral desses monumentos naturais, transformou-se e um dos aspectos simbólicos do regime nazista, como defendido no famoso documentário "A Arquitetura da Destruição", de Peter Cohen. Segundo ele a paisagem montanhosa era o cenário preferido de Hitler. O Terceiro Reich deveria ser como uma montanha, "uber alles". Após "Inferno Branco" Leni atuaria ainda em outros filmes de montanha, entre eles a sua estreia como diretora em "A Luz Azul", que segundo dizem foi o que despertou o interesse de Hitler na artista (interesses, segundo outros, mais que apenas profissionais). Esteticamente muito bonito, "Inferno Branco" é realmente tão impregnado com a sombra do que viria a ser o terrível regime nazista que, não por acaso, foi usado como uma das muitas referências no filme "Inglorious Barterds", de Quentin Tarantino. É ele que está em cartaz quando o cinema de Shoshanna surge pela primeira vez. Depois, na famosa cena do bar, quando o personagem de Michael Fassbender é meio que inquirido de sua procedência, ele diz que vem das Montanhas de Piz Palü e que chegou a participar deste filme como um dos figurantes.
Tesla é um filme interessante, ao passo que também estranho e irregular. A narrativa abusa da quebra da quarta parede, por vezes de maneira jocosa, destoando da atmosfera reverente e monótona do resto do filme, destacada na interpretação de Ethan Hawke como Nikola Tesla. O ator consegue transmitir toda a solidão, obstinação e utopia do inventor croata em relação ao uso da eletricidade. Já Kyle MacLachlan, no papel de seu rival Thomas Alva Edison, permite uma visão menos estereotipada do controverso inventor norte-americano. A rivalidade na chamada Guerra das Correntes é mostrada de maneira comedida ou contida, concentrando-se em certas ações, e na sutileza de reações das personagens. Entretanto, Michael Almereyda, diretor e também roteirista do filme, ao mesmo tempo que quis dar esse ar sublime e austero a maior parte da obra, também aproveitou para agraciar ou brincar com uma plateia que conheceu Tesla pelo seu status de ícone moderno na era da internet (há menções ao Google algumas vezes e uma cena inusitada com, pasmem, um smartphone). Neste sentido, o filme parece querer ser um amálgama de drama e documentário, com algum toque de humor, mas o resultado é uma obra em grande parte insípida, que não consegue equilibrar essas linguagens e estéticas de maneira satisfatória. Terreno onde, por exemplo, Martin Scorsese obteve mais logro com seu Lobo de Wall Street. Por fim, como de praxe em praticamente toda cinebiografia, há algumas liberdades poéticas. Mas o tom do filme já deixa claro que aqui há mais interpretações dos fatos históricos e da psique dos personagens em uma abordagem pós-moderna que apenas representações da realidade.
Além de mostrar um retrato (ou um rosto) do mal, ou de como a perversidade pode florescer no homem comum, abandonado pelos seus pares - não à toa Malle preferiu que a personagem principal fosse interpretada por um campesino, o até então lenhador Pierre Blaise, estreando em sua curta carreira cinematográfica, pois viria a falecer pouco tempo depois -, gosto como o filme faz pequenas homenagens a heróis improváveis e até certo ponto desconhecidos da resistência durante a Segunda Grande Guerra (na boca de fictícios companheiros de profissão vendidos ao Governo de Vichy). Há menção a Leslie Howard, ator de "E O Vento Levou", que atuou como agente do Reino Unido e acabou morrendo quando o avião no qual viajava foi abatido pela Luftwaffe; como também a Gino Bartali, ciclista italiano que durante a guerra, enquanto treinava, transportou documentos falsos para que judeus pudessem escapar da morte. A obra remete a "Experiência de Milgram" e ao conceito de banalidade do mal de Hannah Arendt. Percebe-se que para Lucien o aparato nazista é apenas uma forma de trabalho encontrada, e a violência inerente deste sistema meio que para ele é uma continuação da violência contra pequenos animais como já praticava anteriormente. Não há empatia fora do círculo pessoal, nem racionalização política. Como já aludido neste fórum, o filme infelizmente dialoga bem com o presente estado político do Brasil e do mundo, tendo em vista a ascensão de vozes e forças reacionárias cooptando homens e mulheres sem um bom ou nenhum embasamento político. A gráfica violência contra animais pode ser um empecilho para melhor apreciação desta obra, a despeito das intenções simbólicas, mas infelizmente era algo bastante comum em filmes antigos.
Interessante horror. Daqueles filmes que transitam muito bem entre o psicológico e sobrenatural. Não chega a ser assustador, mas mantém bem o clima de tensão. A narrativa, centrada basicamente em uma personagem, e um pouco fragmentada, ajuda na temática proposta (isolamento, transtorno psiquiátrico de gestação). O problema é que tudo se torna meio previsível, as cartas já estavam lançadas na mesa desde o princípio a um espectador minimamente atento. A tensão, bem construída, não chega a fazer muito efeito em sua conclusão. O filme parece fazer uma referência visual a um clássico filme mudo de 1928, de mesmo título.
Um Dia, Um Gato
4.0 80 Assista AgoraA pessoa que cadastrou o filme foi desleixada ao não creditar Emília Vásáryová no elenco, sendo que a personagem dela é uma das principais. Isso acontece aqui muitas vezes por que, ao captar os créditos do IMDB, não percebe que muitas vezes os atores que aparecem em primeiro lugar são aqueles que foram primeiramente contratados (identificado no site como "first billed only"), não exatamente os principais atores da obra.
Chuva de Julho
3.2 2Tá disponibilizado de graça no canal oficial da Mosfilm no Youtube. Legendas em inglês, francês e italiano.
Paisagem na Neblina
4.3 129Um dos filmes mais belos e impactantes que já assisti. Cada cena é cuidadosamente planejada, carregada de conteúdo e simbolismos que dão ao espectador caminhos diversos de entendimento e impacto emocional, a depender de sua sintonia com o que está vendo. Ainda que realista, o filme parece ser tecido em sonho dada a forma como Theo Angelopoulos passeia com a câmera, constrói os planos e planeja as cenas, aliado a fabulosa trilha de Eleni Karaindrou, compositora com quem fez parceria em seus outros filmes. Também faz muito uso do silêncio, centrando a interpretação mais nas ações e reações dos personagens, algumas bem sutis. Carrega em si uma beleza estética e imaterial, mística, amparada por uma paleta de cores predominantemente de cores neutras, brancas ou cinzas. Tudo isso faz de "Paisagem na Neblina" uma obra de contemplação, introspecção, que demanda atenção e interesse do espectador, convidando-o a mergulhar a fundo na trajetória das duas crianças: Alexander, interpretado por Michalis Zeke, e Voula, interpretada por Tania Palaiologou, numa das melhores atuações infantis que já vi (na época com apenas 12 anos). Também tem um discurso metalinguístico, com suas referências ao próprio cinema (o fotograma de uma imagem esmaecida, e a tentativa de percepção visual deste como uma alegoria de entendimento e conexão com a obra cinematográfica). Paisagem na Neblina é a própria tradução da vida humana, fascinante ainda que condenado a um epílogo que sabemos qual seja, ou talvez não realmente. O filme em seu final é belíssimo em traduzir essa dúvida.
De Caligari a Hitler
4.0 4Baseado no livro seminal de Kracauer, o documentário faz um retrospecto do cinema alemão produzido na época a fim de traçar um meio de entendimento da história moderna. A produção cinematográfica funcionaria como um veículo de percepção da ascensão nazista, tendo em foco obras que tocam em temas como domínio das massas, pulsão psíquica, sonambulismo, fascínio pelo mundo do crime e sua íntima relação com o poder oficial e delírio coletivo. No mesmo patamar também há menção a obras leves e irônicas que sondam os humores e anseios de um povo que viveu entre duas grandes guerras. Seguindo essa linha de pensamento, o cinema de Weimar, extremamente diversificado de temas e estilos, retrataria em tela o 'zeitgeist' da Alemanha na época. Talvez a teoria de Kracauer, replicada no filme, seja muito mais imaginativa que concreta, uma vez que é baseada em um suposto inconsciente coletivo que, materializado nas obras do cinema, serviriam estes como um oráculo, um aparato imagético premonitório da história. De qualquer forma, ainda que a mim os argumentos possam não ser totalmente convincentes, tem um discurso poético fascinante. O documentário também é válido por estimular um acréscimo de repertório cinematográfico. Dedica atenção a alguns filmes não tão conhecidos da maior parte do público.
Borat: Fita de Cinema Seguinte
3.6 551 Assista AgoraVale assistir nem que seja só por aquela cena com Rudy Giuliani. Jesus, que foi aquilo? Gostei também da menção ao encosto que se encontra na nossa presidência.
Soldados do Araguaia
4.1 22 Assista AgoraÉ desanimador que mesmo pelo que passaram, e após tanto tempo, alguns ali ainda acham que estavam defendendo a pátria. Uma das vítimas/algozes ainda culpa a guerrilha, e não especificamente os militares, pela morte da mãe. Eu esperava um estudo mais profundo sobre a Guerra do Araguaia, tendo em vista os relatos e discussões relativamente recentes sobre o episódio, mas entendo que a proposta aqui era outra. Algo mais pessoal, direcionado para a visão daqueles que viverem para contar a história.
Tenet
3.4 1,3K Assista AgoraMe recuso a assistir camrip. É a última instância do cinéfilo Jack Sparrow.
Carta de uma Desconhecida
4.2 59 Assista AgoraEm uma das cenas do filme, Stefan leva Lisa a um brinquedo que simula uma viagem por paisagens famosas; uma delas é do Rio de Janeiro. A cena não está presente no conto original, de autoria do escritor austríaco Stefan Zweig, mas certamente é uma homenagem a este que, fugido da Segunda Grande Guerra por sua ascendência judia, tomou o Brasil como sua segunda e derradeira morada. O próprio nome do protagonista da versão filmada, Stefan Brand - que no livro é um romancista nomeado apenas como "R" - é uma outra homenagem ao escritor.
Ainda que não tão conhecido pelo grande público, Zweig foi um daqueles grandes nomes que elevaram o nome do Brasil mundo afora. Uma de suas obras neste sentido é um livro chamado "Brasil, um país de futuro". Zweig, vendo sua Europa descafelar-se em barbárie, perseguição étnica e genocídio, acreditava que o Brasil tinha algo que o elevava a um nível de civilidade além do caráter racial, promovendo a diversidade social, religiosa e o diálogo. Um utópico, que fosse hoje vivo se decepcionaria com o país. Decepcionou-se antes com a Europa e pôs fim a sua vida, juntamente com sua mulher Lotte, em Petrópolis, em 1942.
A história de "Carta de Uma Desconhecida" fez-me criar um paralelo sobre a questão da memória, e como esta define a preservação da humanidade. Lisa precisava lembrar Stefan de algo que nele lhe escapava e o levara a uma vida sem sentido, assim como vivemos hoje em um mundo de ou esquecimento, ou revisionismos históricos, a fim de validar práticas descriminatórias e criminosas. As mesmas práticas que fizeram Zweig fugir da Europa.
Ao final do filme Stefan consegue se lembrar de Lisa, e nos leva a acreditar que passa a encarar o mundo de outra maneira. Neste sentido o filme tem um tom mais definido dessa lembrança, já que no livro o personagem "R" ao final se recorda apenas dos sentimentos relatados na carta, mas não do rosto daquela que o amou.
Há duas cinebiografias sobre Stefan Zweig, um filme brasileiro de 2003 chamado "Os Últimos Dias de Stefan Zweig no Brasil", dirigido por Sylvio Back, e um mais recente, o austríaco "Stefan Zweig: Adeus, Europa", lançado em 2016 e dirigido por Maria Schrader.
O Que Eu Mais Desejo
4.0 126 Assista AgoraKyara Uchida, que faz o papel de Megumi, a jovem pretendente a atriz, é neta de Kirin Kiki, que neste filme faz o papel de Hideko, a avó dos dois meninos, personagens principais. Kirim fez diversos filmes do Koreeda; seu último trabalho foi justamente um filme dele: o fabuloso "Assunto de Família", indicado ao Oscar de filme estrangeiro em 2019, que, ao meu ver, perdeu injustamente para o "Roma" do Alfonso Cuarón (gosto pessoal). Os dois grandes trabalhos de Kyara foram justamente atuando ao lado da avó, com temas relacionados a família e profundas relações emocionais. Após o falecimento de Kirim em 2018, a jovem atriz parece ter desistido de atuar, pelo menos por enquanto. Pergunto-me se o episódio teve impacto na sua decisão, e se ela, ao contrário da personagem Megumi, preferiu tomar outro rumo profissional.
Os 7 de Chicago
4.0 581 Assista AgoraQuando a realidade é maior que a ficção. Filme insípido, formulaico, para um tema tão importante.
Guerra e Paz
4.4 34Colossal. Os quatro filmes (ou quatro partes do filme) estão disponíveis de graça no site oficial da Mosfilm, em uma estupenda versão restaurada de alta resolução, como homenagem ao centenário da morte de Tolstói. Acredito que só até novembro. Usem o título "Война и мир" no espaço de busca do site da Mosfilm.
Boris Godounov
3.9 2Controversa adaptação da famosa ópera de Modest Mussorgsky. Puristas acusaram o diretor de desvirtuar a obra original, que, por sinal, tem mais de uma versão no intuito de corrigir "imperfeições", assim consideradas na época - sendo hoje mais aceita a obra tal qual Modest compôs originalmente. Não me incomoda de nenhuma maneira. Essa é a visão do diretor sobre a obra, e ,purismos à parte, é grandiosa e fascinante. Andrzej Zulawski consegue imprimir em tela um espetáculo audiovisual impressionante. As alterações do diretor encurtou a obra, alterou cenas e inclui anacronismos, que poeticamente são válidos e típicos de Zulawski. Em uma cena, por exemplo, é possível ver soldados com armas modernas que remetem aos regimes totalitaristas de nosso tempo. Gostei também como a obra dialoga com o contexto do ato de representação, intimamente ligado ao próprio argumento da ópera, que trata de dissimulações, dualidades, papeis e legitimidade. Pois veja que logo de início nos é apresentado o próprio Mussorgsky como personagem, nervoso na estreia do espetáculo, a sorver sofregamente alguma bebida alcoólica de um cantil. Essa estrutura do teatro é interrompida pela equipe de filmagem, e logo depois a tela do palco é cortada para revelar um cenário grandioso ao ar livre. Essa brincadeira continua durante o filme inteiro, em momentos pontuais, com a equipe de filmagem sendo exposta e pegando o espectador de surpresa. A ideia, ao meu ver, é expor não somente os falsos líderes, mas a própria estrutura político-social como um grande jogo teatral. Acreditar em uma determinada ideologia ou na palavra de um líder é assumir ser um espectador que está pagando por uma representação que pode ser convincente ou não. Uma observação mais atenta e a estrutura por trás de todo o esquema é revelada.
Exilados do Vulcão
2.5 17 Assista Agoraex-pectador?
O Dilema das Redes
4.0 594 Assista AgoraA humanidade vai continuar tomando a pílula azul. Uma das soluções propostas é aquela que favoreceria o mercado, assim como na revolução industrial mudou-se os parâmetros sociais e econômicos, abolindo a escravidão e substituindo-a por um outro tipo de servidão, assalariada, mas menos desumana em geral. Não tenho muita esperança enquanto o sistema capitalista, pelo menos nos moldes nos quais se formatou e se projeta, continuar como titereiro da vida humana.
Guerra, Flagelo de Deus
4.0 6Um clássico expressivo, mas bastante irregular. O filme não faz muito aprofundamento de personagens, mas uma visão do meio, das relações sociais destes, e claro, o efeito nocivo da guerra nesses terrenos. Apenas ao personagem Karl (Gustav Diessl) é dado uma maior atenção, aqui no sentido de propor um comentário sobre a urbanidade e empatia quando não mais parece possível. A primeira metade do filme é realmente lenta e difícil de acompanhar pelo seu caráter fragmentado e disperso de narrativa. Penso que a intenção do diretor era dar um passeio pelos cenários da guerra, seja entre as quatro paredes do lar, ou as sujas trincheiras do front, como uma visão sem itinerário fixo, como uma testemunha a perceber durante a jornada as cenas que lhe chamam atenção. Na última parte do filme essa visão de uma testemunha da guerra é mais perceptível. A câmera é fixa, e o cenário da guerra passa por ela, não acompanhando o movimento de seus participantes, tal qual um soldado ou paralisado pelo medo, ou a falecer. Vale notar o trabalho de edição som, que proporciona uma tridimensionalidade ao espectador, no primeiro trabalho do diretor com essa tecnologia ainda incipiente. Ao final do filme o som das bombas caindo e granadas explodindo parecem continuar na mente, assim como a sensação de cheiro de pólvora.
Asfalto
4.0 9Magnífico proto-noir. Um dos últimos filmes do cinema mudo alemão. Tem uma linguagem visual muito moderna, com uma boa montagem, uso de espaçados 'travellings' e 'close-ups' que favorecem tanto a conexão com os personagens como na fluidez narrativa. A direção de Joy May permite que os atores tenham espaço na tela no tempo correto, e a achei a atuação desses em grande parte muito natural, fugindo dos exageros expressivos comuns em muitos filmes da época. Betty Amann, no seu grande papel da carreira, está esplandecente, e a fotografia de Günther Rittau a favorece toda vez que aparece no ecrã. A história é daquelas já levadas ao cinema muitas vezes: homem da lei se apaixona por criminosa e se encontra em um dilema moral. Entretanto, o que cativa é justamente a magistral forma como ela é contada. Há menos camadas interpretativas que outros filmes da República de Weimar, período mais criativo do cinema alemão, mas ainda há espaço para o uso de objetos simbólicos, como o passarinho na gaiola, que tanto evoca o destino daqueles que infringem a lei como a redoma moral na qual vive Albert.
O Monstro do Circo
4.0 52 Assista AgoraO que me motivou a assistir esse filme foi primeiramente o diretor Tod Browning e a presença do grande Lon Chaney. Mas o que me fascinou mesmo foi Joan Crawford no início de carreira... que deslumbre. O filme é uma bizarrice que transita entre o drama, romance e humor negro. Um tipo inusitado de abordagem que hoje podemos ver como influência no cinema de um Tim Burton ou Álex de la Iglesia, e que o diretor elevaria a uma maior potência em seu trabalho mais polêmico, Freaks, cinco anos depois.
A Negra de...
4.4 71A questão da máscara e todos os seus simbolismos variantes durante o filme dialogam bem com outro importante filme sobre a identidade africana, o curta "As estátuas também morrem", de 1954, dirigido Alain Resnais e Chris Marker.
A figura centrada de Lumumba na parede do quarto do namorado de Diouana tanto explicita ideologicamente o filme como prenuncia a tragédia da personagem principal.
A Megalópolis Condenada
3.9 5Alguém se confundiu na hora de cadastrar o filme. Essa capa é do anime (OVA) de 1991. As informações do elenco parecem ser dos dubladores do anime na versão norte-americana. Mas o diretor Akio Jissoji dirigiu foi o live-action lançado em 1988. Tanto o animê quanto o filme foram baseados na obra de Hiroshi Aramata, daí a confusão. Os diretores do anime são: ep.1 - Katayama Kazuyoshi, ep.2 - Chigira Koichi, ep.3 - Kume Kazunari, ep.4 - Ikeda Masashi.
O Inferno Branco do Piz Palü
3.0 2Um bom exemplar dos chamados filmes de Montanha, um subgênero muito em voga nos anos 20 e 30. Dirigido por Georg Wilhelm Pabst (do clássico "Caixa de Pandora") e Arnold Fanck, que colaboraria, assim como Leni Riefenstahl, para o futuro regime nazista. Ainda neste tópico, vale notar uma breve cena com o ator e diretor Kurt Geron. Judeu, teve sua participação removida pelo governo nazista em uma versão com som lançada em 1935. Um dos extras do DVD é justamente um trecho desta versão com som, e particularmente não gostei. A versão de '29, só com a trilha sonora fazendo por vezes a diegese da narrativa é bem mais interessante. Geron faria como último trabalho, numa tentativa de salvar sua vida, um filme publicitário chamado "Der Führer schenkt den Juden eine Stadt" ("O Führer oferece uma cidade aos judeus"), onde mascaram as situações destes, incluindo muitas crianças, numa falsa situação idílica de bem estar e lazer. Praticamente todos os participantes do filme morreram nas câmaras de gás após a conclusão desta obra de propaganda, incluindo o próprio diretor Geron, além do compositor checo Hans Krása. Voltando ao "Inferno Branco", há um outra curiosa participação: o ás da Primeira Guerra Mundial (o segundo maior em número de vitórias aéreas, atrás apenas de Manfred von Richthofen, o famoso "Barão Vermelho") e futuro general de Hitler na Segunda Grande Guerra, Ernst Udet. Este também teria um destino trágico, suicidando-em 1941, fato que na época fora abafado pelo regime. Mas antes disso Udet era apenas um "bon vivant", herói de guerra e artista de acrobacias aéreas. Sua participação neste filme, ainda que tenha uma função importante na trama, parece servir mais como veículo de promoção pessoal haja vista a exibição gratuita de acrobacias aéreas.
O que mais se destaca em "O Inferno Branco" é a cinematografia, que dá uma atmosfera etérea e sobrenatural aos cenários montanhosos. Em termos de roteiro, penso que se alonga demais no seu terço final, e a música, ainda que um dos principais elementos do filme, torna-se um tanto maçante. O filme conta com algumas cenas bem engenhosas, planos magníficos, além de belíssimos closes do rosto de Leni. A montanha aqui é praticamente uma personagem, uma entidade que decide o destino daqueles que se aventuram a abraçá-la. Alguns podem enxergar no quase inexorável gelo e no seu branco profundo uma alegoria para a pureza da raça, um dos pilares para a eugenia alemã na Segunda Guerra. Não compactuo dessa ideia, pois denota anacronismo dos sentimentos de superação e provação diante do que aparenta ser intransponível, presentes na época. De qualquer forma, o fato é que hoje a reverência às montanhas, trazendo à baila tanto a disciplina, precisão e coragem dos alpinistas, como no aspecto semiótico de grandeza, altivez e pureza ancestral desses monumentos naturais, transformou-se e um dos aspectos simbólicos do regime nazista, como defendido no famoso documentário "A Arquitetura da Destruição", de Peter Cohen. Segundo ele a paisagem montanhosa era o cenário preferido de Hitler. O Terceiro Reich deveria ser como uma montanha, "uber alles". Após "Inferno Branco" Leni atuaria ainda em outros filmes de montanha, entre eles a sua estreia como diretora em "A Luz Azul", que segundo dizem foi o que despertou o interesse de Hitler na artista (interesses, segundo outros, mais que apenas profissionais). Esteticamente muito bonito, "Inferno Branco" é realmente tão impregnado com a sombra do que viria a ser o terrível regime nazista que, não por acaso, foi usado como uma das muitas referências no filme "Inglorious Barterds", de Quentin Tarantino. É ele que está em cartaz quando o cinema de Shoshanna surge pela primeira vez. Depois, na famosa cena do bar, quando o personagem de Michael Fassbender é meio que inquirido de sua procedência, ele diz que vem das Montanhas de Piz Palü e que chegou a participar deste filme como um dos figurantes.
Tesla: O Homem Elétrico
2.6 30 Assista AgoraTesla é um filme interessante, ao passo que também estranho e irregular. A narrativa abusa da quebra da quarta parede, por vezes de maneira jocosa, destoando da atmosfera reverente e monótona do resto do filme, destacada na interpretação de Ethan Hawke como Nikola Tesla. O ator consegue transmitir toda a solidão, obstinação e utopia do inventor croata em relação ao uso da eletricidade. Já Kyle MacLachlan, no papel de seu rival Thomas Alva Edison, permite uma visão menos estereotipada do controverso inventor norte-americano. A rivalidade na chamada Guerra das Correntes é mostrada de maneira comedida ou contida, concentrando-se em certas ações, e na sutileza de reações das personagens. Entretanto, Michael Almereyda, diretor e também roteirista do filme, ao mesmo tempo que quis dar esse ar sublime e austero a maior parte da obra, também aproveitou para agraciar ou brincar com uma plateia que conheceu Tesla pelo seu status de ícone moderno na era da internet (há menções ao Google algumas vezes e uma cena inusitada com, pasmem, um smartphone). Neste sentido, o filme parece querer ser um amálgama de drama e documentário, com algum toque de humor, mas o resultado é uma obra em grande parte insípida, que não consegue equilibrar essas linguagens e estéticas de maneira satisfatória. Terreno onde, por exemplo, Martin Scorsese obteve mais logro com seu Lobo de Wall Street. Por fim, como de praxe em praticamente toda cinebiografia, há algumas liberdades poéticas. Mas o tom do filme já deixa claro que aqui há mais interpretações dos fatos históricos e da psique dos personagens em uma abordagem pós-moderna que apenas representações da realidade.
Lacombe Lucien
3.8 36Além de mostrar um retrato (ou um rosto) do mal, ou de como a perversidade pode florescer no homem comum, abandonado pelos seus pares - não à toa Malle preferiu que a personagem principal fosse interpretada por um campesino, o até então lenhador Pierre Blaise, estreando em sua curta carreira cinematográfica, pois viria a falecer pouco tempo depois -, gosto como o filme faz pequenas homenagens a heróis improváveis e até certo ponto desconhecidos da resistência durante a Segunda Grande Guerra (na boca de fictícios companheiros de profissão vendidos ao Governo de Vichy). Há menção a Leslie Howard, ator de "E O Vento Levou", que atuou como agente do Reino Unido e acabou morrendo quando o avião no qual viajava foi abatido pela Luftwaffe; como também a Gino Bartali, ciclista italiano que durante a guerra, enquanto treinava, transportou documentos falsos para que judeus pudessem escapar da morte. A obra remete a "Experiência de Milgram" e ao conceito de banalidade do mal de Hannah Arendt. Percebe-se que para Lucien o aparato nazista é apenas uma forma de trabalho encontrada, e a violência inerente deste sistema meio que para ele é uma continuação da violência contra pequenos animais como já praticava anteriormente. Não há empatia fora do círculo pessoal, nem racionalização política. Como já aludido neste fórum, o filme infelizmente dialoga bem com o presente estado político do Brasil e do mundo, tendo em vista a ascensão de vozes e forças reacionárias cooptando homens e mulheres sem um bom ou nenhum embasamento político. A gráfica violência contra animais pode ser um empecilho para melhor apreciação desta obra, a despeito das intenções simbólicas, mas infelizmente era algo bastante comum em filmes antigos.
Terra Assombrada
3.0 74 Assista AgoraInteressante horror. Daqueles filmes que transitam muito bem entre o psicológico e sobrenatural. Não chega a ser assustador, mas mantém bem o clima de tensão. A narrativa, centrada basicamente em uma personagem, e um pouco fragmentada, ajuda na temática proposta (isolamento, transtorno psiquiátrico de gestação). O problema é que tudo se torna meio previsível, as cartas já estavam lançadas na mesa desde o princípio a um espectador minimamente atento. A tensão, bem construída, não chega a fazer muito efeito em sua conclusão. O filme parece fazer uma referência visual a um clássico filme mudo de 1928, de mesmo título.
Tenet
3.4 1,3K Assista AgoraLegal, mas queria mesmo uma versão cinematográfica de Avalovara do Osman Lins. Não que eu ache que seja possível.