Durante o filme todo minha mente martelou as semelhanças do cinema de Cocteau com este filme do Epstein (primeiro que vejo dele) e realmente, quanto mais lembro de Orpheus, mais as relações me parecem evidentes. Ambos filmes que tratam o luto e a onipresença da mulher perdida através de planos insert carregados de subjetividades pelo seu interesse em evidenciar o movimento e o místico que habita os objetos daquele cenário majestoso. Epstein alcança muito expressão explorando estas particularidades da casa (as velas balançando, as nuvens cobrindo a casa, o violão rompendo as cordas etcetc.) e dilui o sobrenatural em todos os movimentos que seu filme capta.
Muito delicado em tratar das implicitudes das ações dos 3 protagonistas nesse vai e vem de diálogos afiados que funcionam como flertes, nesse abre e fecha de portas e cortinas que esconde as intenções e nos olhares reflexivos de todos a volta de Gaston que alertam dos perigos do seu joguete. Um teatro de máscaras e imoralidades dirigidos de maneira muito moderna.
Billy Wilder de fato foi um grande aprendiz de Ernst...
É delicado e explora bem a atuação de Abby e McAdams nesse jogo afetivo do coming-of-age e da rima implícita do crescimento da garota com os novos desafios da mãe como dona de casa e mãe de subúrbio. Vemos as mesmas situações que se costuma apresentar em filmes do gênero, com o primeiro dia de aula, o primeiro beijo e as descobertas da puberdade e do início da sexualidade, sem muita diferenciação da abordagem costumeira destes temas.
Mas o pouco que me incomoda neste filme é como todas as decisões estéticas e até temáticas soam meramente como acessórios que acompanham esse desenrolar central do crescimento de Margaret que não tem muito sabor. Refiro-me, sobre essas decisões, a ambientação setentista que pouco agrega, o confronto religioso que adiciona uma ou outra ponta de desenvolvimento deste questionamento juvenil e até o pequenos empecilhos da mãe de Margaret tentando socializar. Tudo soa como um esboço de sátira sobre um período histórico americano e suas questões sociais, mas nada é explorado o suficiente para encontrar bons pontos que dessem a oportunidade do filme se destacar.
É basicamente tudo que o fã de horror, principalmente dos slashers, busca a cada novo filme do gênero que é lançado atualmente. Longe de ser perfeito ou se posicionar como um pretenso novo clássico, mas indiscutivelmente um filme por quem e pra quem é apaixonado pelas possibilidades que o slasher já desbravou.
Eli Roth não só vai na contramão dos terrores enquanto subtexto para problemas psicológicos que domina o mercado de horror hoje, mas finge que essa tendência nem existe. Em um filme consciente do peso do gênero e de suas convenções (força motriz para qualquer slasher pós pânico), seria conveniente e até espertinho algum diálogo, mesmo que para o deboche, com esse tipo de tendência contemporânea. Porém, Roth se concentra totalmente em articular as suas referências oitentistas e criar set pieces de assassinatos que parecem ser a obra da sua vida; tudo dentro de uma lógica de sátira que marca seu cinema. Sátira esta que intervém como meio de reforçar o apreço e a autossuficiência do slasher por si só, um gênero muito bem resolvido e capaz de provocar as diversas sensações que se propõe sem a necessidade em suportar seu peso emocional com outros referenciais.
Nessa lógica, a sequência de abertura é a síntese da tese de Roth, pois conversa com um terror puramente visual, com a força da imagem e escancara suas inspirações em Romero e Craven. Lentamente vai extrapolando a violência gráfica e conduzindo o espectador a este local de deleite e diversão em uma espécie de defesa e carta de amor ao terror. A sátira e o exagero deformam para ressaltar a essência do que é mostrado e sentido, estas criam imagens com personalidade e dão leveza a condução.
Infelizmente Roth não acha uma resolução a altura do seu desenvolvimento e termina com soluções de trama e de imagem que soam genéricas demais para quem enfatizou uma cosmologia tão pessoal durante o filme todo. Mesmo assim, é um ponto fora da curva no cinema de horror recente e uma sempre bem vinda confirmação das possibilidades que podem ser criadas em tela sem falsas pretensões de profundidade emocional.
O mais bonito aqui é como Song cria diversos momentos típicos de um filme de romance que em filmes "convencionais" seriam pontos-chave para o estabelecimento do amor do casal, mas aqui estas mesmas cenas representam a impossibilidade da convergência entre aquelas duas vidas. O passeio no parque, o barquinho na Estátua da Liberdade, a troca de olhares e as mãos próximas no metrô, o semi flerte no bar e a espera final para o uber. Tudo ali remete ao melodrama e ao amor, se não fosse pelas atuações de Greta Lee e Teo Yoo. Sung (Yoo) sofre tudo de maneira internalizada, ele transmite uma incapacidade em superar o amor passado com o discernimento que dificilmente será possível ficarem juntos. São atuações muito maduras e conscientes de seus efeitos guiadas por uma autora muito dominante da linguagem e com decisões certeiras para chegar onde deseja.
P.S.: Celine encontra um plano dentro de um minúsculo banheiro do casal em Nova York, no qual posiciona o marido americano de costas em primeiro plano e Nora em segundo, ao mesmo tempo que temos o reflexo de ambos em cada espelho da cena. Ao todo, vemos um espaço minúsculo apertado, com 4 presenças durante uma leve discussão sobre o que Nora achou de Sung o vendo 20 anos depois. Impressionante.
Dificilmente um filme da franquia Pânico vai ser ruim, pois seu imaginário e suas regras próprias já são capazes de propor um slasher interessante, seja pelas metalinguagens com o gênero, seja pelo caráter nostálgico que os personagens tradicionais trazem a trama. Dito isso, Gillet e Bettinelli fazem um trabalho decente ao respeitar a mitologia original e até avançar barreiras que os anteriores nunca confrontaram, principalmente o gore dentro do universo de ghost face.
É facilmente o filme que mais utiliza das cenas de morte como estímulo visual para alimentar o horror - aproximando-se dos outros trabalhos dos diretores como Ready or Not - porém necessita deste recurso, pois é em termos de inventividade de gênero um dos mais fracos da franquia. O gore substituiu a falta de ideias desta proposta de sequência do "reboot", que nada mais é do que repetir (conscientemente) Pânico 2.
A cada filme que passa a metalinguagem com as regras do gênero vão ficando mais situacionais e menos construtoras do universo do filme, são meras exposições que definem os papéis de cada personagem dentro deste modelo do slasher, mas que pouco interagem com o andamento de seus personagens ao terem essa informação premeditada. É menos autoconsciência e mais sacadinha à lá referências dos filmes de herói que dão alegria ao espectador por terem pego a piada, mas não são as bases que fazem o filme se desenvolver.
A troca que Gillet e Bettinelli fizeram ao assumir Pânico de assumir a metalinguagem por dentro da franquia - ou seja, não mais sustentar sua autoconsciência pelas referência ao terror, mas sim em referências a própria saga - é interessantíssima em momentos como o museu da franquia (ou a releitura da cena do teatro agora em um cinema), mas limitante quando sempre precisa voltar aos personagens tradicionais para uma chama de nostalgia.
"Pânico" é, enquanto franquia, a vítima perfeita de um modelo de produção pautado em se alimentar de referências e piscadinhas espertas pro espectador enquanto cria a demanda de consumir os filmes anteriores, pois em uma primeira leitura ela é exatamente isso, mesmo que nós saibamos que seu sucesso se deve a inteligência e paixão pelo gênero de quem o criou.
No fim do dia, um filme sobre como a juventude gira em torno de problemas insignificantes. Alavancado por um olhar bem cínico dos Philippou, a primeira metade do filme - mais estimulante, abrangente e exploratória das possibilidades do gênero - caracteriza um olhar sobre essa nova geração que me parece uma certa tendência a se consolidar. O que vemos são personagens que sofrem de ciúmes por um namorado que não a beija ou demonstra afeto, uma mãe paranoica, o medo por sair de casa escondida, a vergonha em ser filmado "chapado" e afins; essa exploração sob um olhar desinteressado pelos problemas destes nativos digitais me faz lembrar de "Bodies Bodies Bodies" e outros filmes de horror que tendem mais a odiar o que pensam entender desta geração do que caracteriza-los de maneira mais honesta. São renovações de estereótipos de colegial oitentista mesclados com aflições modernas.
E é a partir deste panorama que os Philippou chegam em sua melhor cena (justamente pela frontalidade da imagem que abraçam, mas chegaremos lá) que dita a virada narrativa do filme para um estudo de trauma mais individualizado como Marcelo Miranda explorou em seu texto. Esta segunda metade soa como qualquer filme de horror recente impulsionado pelas redes para atrair o público jovem que tende a se esquivar do gênero. A única diferença positiva deste para os demais é a nuance vilã-vítima da protagonista, uma dualidade que sustenta a importância do trauma de Mia para a narrativa e retarda nossos julgamentos até o fim do filme.
Porém, ao final, a sensação é de que explorar um trauma individual e genérico sempre se torna uma posição confortável para fazer um cinema que não agride, não arrisca e gera desconforto na medida certa para ser esquecível. "Men", "Fresh", "The Black Phone" e tantos outros me veem a menta por seguirem esta mesma tendência temática e formal de banalização do trauma pelo seu uso como muleta e pela exploração de seus sintomas sem que isso surja pela imagem, mas sim pelo texto.
A cena da possessão de Riley é a melhor justamente por confiar na frontalidade da imagem para chocar. "Talk to Me" confunde a ideia de personagens se esquivarem de olhar o mundo dos espíritos com a ideia de suas câmeras fugirem destas imagens para os espectadores. O exemplo mais simbólico disto é Mia visualizando o suposto sofrimento de Riley no outro mundo, pois o que parecia ser uma imagem agoniante e potente dura milésimos de segundo em tela pela repulsa em ve-la.
Assim, os autores conseguem mascarar a insegurança em filmar o horror de verdade com a desculpa do quão chocante aquilo é para seus personagens.
O anti-método Shyamalan. Mesmo sendo desnecessário nessa altura do campeonato contextualizar as assinaturas e interesses do diretor já que estes permeiam toda sua filmografia de maneira uniforme, “Knock” nos força a discutir novamente estes temas, pois Shya os inverte continuamente em seu novo filme. Seus conflitos - que sempre jogam no maniqueísmo do cético vs divino - são motifs que visam desencadear a reconciliação familiar, o fortalecimento dos valores sagrados a Shya.
Aqui, porém, nada disso seria preciso, pois seu casal protagonista em nenhum momento é conflituoso, não há rusgas ou mal entendidos e, pelo contrário, seus laços já se iniciam fortalecidos e indestrutíveis. O conflito sobrenatural também pouco é debatido pelos seus personagens como em outros de seus filmes (A Vila e Fim dos tempos, principalmente), há claro um mal estar geral em relação a seriedade dos acontecimentos e seu perfil apocalíptico, mas em nenhum momento o interesse de Shya é se concentrar na veracidade ou não do que apresentam os invasores. Desde Sinais que Shyamalan não fazia um filme tão moral e alegórico (não coincidentemente seus filmes mais bíblicos), sem algumas amarras narrativas que marcaram seu estilo, mas conservando os temas de sua carreira.
Shyamalan manipula estas inversões não apenas nas premissas mais basilares de seu cinema, mas nas próprias expectativas que primeiro ele entrega para depois tirar. A escolha de Bautista como líder do quarteto é a maior das evidências. Um sujeito enorme, intimidador, mas que nunca cumpre esta expectativa vilanesca que temos em um primeiro momento. Não à toa o filme já abre com uma cena tensa que nos leva a crer que o pior acontecerá com a criança, ainda mais filmado de maneira quase onírica com um fundo sempre desfocado, tirando aquela floresta do mundo real e a transformando em um local imaterial e deslocado. Poucos minutos depois o filme traz todas as bases de um Home Invasion que logo se desmonta pela atitude dos invasores, quebrando novamente a nossa expectativa. “Knock” não me soa como mais uma obra previsível na carreira do diretor dado o que já vimos ele fazer, mas sim um segundo ponto de ruptura, assim como Fim dos Tempos, que renuncia parte da bagagem construída em seus últimos 3 ou 4 filmes para, de novo, ir em busca de novas maneiras de recontar sua mesma história.
O problema, para mim, é que “Knock” é o filme do diretor que menos sobrevive para além de seu tema, justamente por M. Night nunca ter sido o tipo de autor que se interessava mais pela alegoria, pela “mensagem”, do que pelas imagens e sensações que poderiam ser evocadas por aquilo que filma. Em “Sinais”, por exemplo, não é possível se desvencilhar do sub texto bíblico - a última ceia, o purgatório, a água benta - mas é ainda mais impossível não se surpreender com o modo como Shyamalan traz a Fé nas imagens que constrói: o radinho sendo erguido aos céus na busca por uma salvação, o colapso familiar à mesa de jantar e a luta no porão que termina com a ascensão aos céus. Já em “Knock” a alegoria já começa não sendo tão poderosa o suficiente, o dilema do casal nunca ganha a seriedade que parece merecer e a ambiguidade das motivações dos invasores (seita vs profetas) perturba o espectador, mas pouco é articulada no filme. Assim, quando se retira a alegoria do seu conforto e se procura o que restou, eu acabo encontrando um filme que apenas existe metaforizando e atualizando peças bíblicas, mas com uma defesa moral pouco efusiva, que não expande a obra para além do que vimos em tela, como em seus melhores filmes.
Melodramatização da miséria e do sofrimento materno.
"Pureza" entra no pacote, cada vez mais cheio por sinal, de filmes cheios de boas intenções em denunciar crimes e realidades muitas vezes colocadas debaixo do tapete, mas que na tentativa de dramatizar o problema acaba o tendo como fetiche, como força motriz para geração das emoções da sua arte. Retratar a miséria brasileira é interesse antigo, cada um com sua forma. Muitos do Cinema Novo rompiam com essa distância dramática entre câmera e cena, de maneira neorrealista conseguiam acessar esta realidade mais crua e diretamente, quase documental, como forma de reproduzir sem manipular. Coutinho, com seu cinema documental, tinha a habilidade de poucos em acessar os miseráveis e jamais usufruir dos seus sofrimentos, pelo contrário, expor da maneira mais humanista e sensível possível a vivência de cada. O resultado era a transformação de anônimos em protagonistas, em seres multifacetados e mais complexos do que qualquer roteirista poderia construir.
Assim, cito Coutinho pois Renato Barbieri também é documentarista; o diretor fez questão de utilizar trabalhadores reais para certos papéis e em uma cena ou outra deixa escapar seu ar documental ao filmar os closes daqueles rostos de maneira que evidencia a naturalidade e a realidade da vivência dos sujeitos. Porém, tirando estas cenas - uma ou duas talvez - seu trabalho é o oposto do que uma sensibilidade coutiniana conseguia. Com um tom bem novelesco - no mal sentido da coisa - "Pureza" usufrui da desgraça, empurra seus sentimentos em nossa cara sem parar, se aproveita do sofrimento alheio e jamais consegue dosar a imagem de Dona Pureza - uma Dira Paes à Montenegro de "Central do Brasil", vivendo nos closes de Renato na tentativa de aproveitar todo o talento da atriz como força condutora do filme.
Por fim, a sensação que fica é similar a afirmação de Renato em seus comentários após a sessão - um "cinema de conteúdo" que traz assuntos importantes, mas que desliza na forma até o último minuto ao recorrer ao sensacionalismo barato como método de impacto sem deixar que a sua própria história o fizesse.
Até certo ponto é um anti "Men" do Alex Garland, pois confronta uma mesma ideia central - do trauma, da perturbação, da confusa intersecção entre real e imaginário devido a instabilidade do protagonista e do medo diluído em qualquer pessoa a sua volta - mas utiliza ferramentas do gênero totalmente diferentes para provocar suas emoções e aqui, em "Smile", consegue ir além dos meros artifícios de terror psicológico ao encarar o horror de sua mitologia de maneira muito mais frontal e imaginativa.
Dito isso, é bem óbvia e coerente a comparação com It Follows devido a dinâmica de seu monstro/mito ser muito similar, porém ainda vejo Smile sendo muito mais livre para gerar imagens brutais e jogar menos no subtexto; é menos fruto de um fetiche oitentista do que o filme de 2014 e mais fruto do horror oriental que ditou tendência no início de século.
Inclusive, acho que o Horror hollywoodiano não consegue ser mais frontal e permissivo do que isso aqui. O último ato do filme - centrado na casa abandonada - é dos momentos mais interessantes desse cinema pipoca a partir da tendência do pós-horror. É justamente a superação dos limites "impostos" por essa tendência (a confusão mental, as cenas de alucinação que logo se desmentem, as metáforas, as cenas escuras e sem estímulo pela imagem) encontrando de novo o horror mais visual, de monstro, herdeiro do que veio no começo deste século e, ao meu ver, deveras mais interessante. Smile reencontra o monstro, possibilita o vermos de frente, sem trucagens ou limitações, abraça sua mitologia e se desprende das tendências que permeiam seu gênero hoje. Só por isso já consegue ser relevante o suficiente.
Antes de tudo: primeira exibição do filme em público no Brasil. Obrigado Sesc.
Comédia que me remeteu bastante ao modo Jacques Tati de fazer humor, criando suas situações pela repetição, pelos movimentos corporais caricatos e o pouco interesse da fala para chegar a essa catarse. Com seu texto voltado a crítica do comunismo húngaro, utiliza de algumas esquetes meio óbvias do assunto, como a excessiva burocratização de qualquer ação e processo no país e a desmistificação do líder supremo como alguém destrambelhado.
Porém, funciona bem quando Bacsó se interessa em desmontar a frase marxiana para a realidade de seu país: "De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades." Seu personagem em diversas situações gera o cômico justamente por não estar onde conseguiria ajudar seu povo, enquanto seu aviso sobre o Danúbio era ignorado. A catástrofe era inevitável.
Até certo ponto é um anti "Men" do Alex Garland, pois confronta uma mesma ideia central - do trauma, da perturbação, da confusa intersecção entre real e imaginário devido a instabilidade do protagonista e do medo diluído em qualquer pessoa a sua volta - mas utiliza ferramentas do gênero totalmente diferentes para provocar suas emoções e aqui, em "Smile", consegue ir além dos meros artifícios de terror psicológico ao encarar o horror de sua mitologia de maneira muito mais frontal e imaginativa.
Dito isso, é bem óbvia e coerente a comparação com It Follows devido a dinâmica de seu monstro/mito ser muito similar, porém ainda vejo Smile sendo muito mais livre para gerar imagens brutais e jogar menos no subtexto; é menos fruto de um fetiche oitentista do que o filme de 2014 e mais fruto do horror oriental que ditou tendência no início de século.
Inclusive, acho que o Horror hollywoodiano não consegue ser mais frontal e permissivo do que isso aqui. O último ato do filme - centrado na casa abandonada - é dos momentos mais interessantes desse cinema pipoca a partir da tendência do pós-horror. É justamente a superação dos limites "impostos" por essa tendência (a confusão mental, as cenas de alucinação que logo se desmentem, as metáforas, as cenas escuras e sem estímulo pela imagem) encontrando de novo o horror mais visual, de monstro, herdeiro do que veio no começo deste século e, ao meu ver, deveras mais interessante. Smile reencontra o monstro, possibilita o vermos de frente, sem trucagens ou limitações, abraça sua mitologia e se desprende das tendências que permeiam seu gênero hoje. Só por isso já consegue ser relevante o suficiente.
Gosto muito da cena na qual os detentos estão comendo e comentando a respeito do filme que passarão a eles naquele dia. Um deles cita que será um filme estúpido de cowboy, enquanto a câmera filma um plano detalhe dos olhos de Clint - como Leone fazia com sua widescreen. Aquilo não é uma mera sacadinha com o passado do ator, nem menos uma maneira de mitificar a figura de Clint além de seu personagem, mas uma construção do personagem Morris através da própria metalinguagem com a história do Cinema. Tal qual o cowboy sem nome de Eastwood resolvia tudo com sua inteligência sem conversar ou se expressar muito, Morris ganha mais autoridade aqui do que quando se lê "QI Alto" no relatório do diretor. Morris é como um cowboy de seu ator, silencioso, esperto, a frente de todos seus inimigos e um formidável anti-herói. Pequenos detalhes dessa pérola de Don Siegel.
Daqueles filmes que se eu tivesse entrado sem muitos pré julgamentos negativos talvez tivesse curtido mais, pois a experiência em si enquanto filme de horror foi quase que integralmente satisfatória. Há tempos que não sentia tanta agonia e reagia tão espontaneamente aos momentos de tensão criados por Garland em uma sala de cinema.
É inegável que há uma quantidade excessiva de pontos a serem discutidos sobre as alegorias e o male gaze de um filme estritamente interessado no ponto de vista feminino em uma sociedade ocidental, mas preciso ressaltar a qualidade das construções de cena que Garland propõe na primeira metade de "Men". Para um filme que busca passar por este lugar de vulnerabilidade da mulher, Garland executa de maneira interessantíssima esse perigo constante em sua projeção, seja pela profundidade de campo, seja ao encenar ambientes vazios com potencial de perigo a todo instante. É extremamente desconfortável acompanhar a jornada da protagonista naquele ambiente e se sentir vulnerável mesmo na posição passiva de espectador; tem alguns lampejos do que Mitchell concretizou em It Follows com o mesmo exercício de perigo no cotidiano vindo de todos os cantos possíveis.
Fora isso, é de fato incomodo como nada ali vai além de uma mera alegoria, nenhum personagem, cenário ou momento tem algo a mais que sua fraca simbologia. Tudo ali existe para dizer algo - problemático até, pelo ponto de vista - mas nunca extrapola a sua dimensão de significado aparente. É um pobre exercício de converter ideias em símbolos, quase um ligue os pontos, no qual cada fato ali se conecta com um discurso/tese que nunca, jamais, será o suficiente em uma arte tão permissiva.
Suas imagens de fato assustam, geram reações e emoções, mas seu filme tem um teto muito limitado, pobre, enclausurado em suas próprias limitações enquanto artista que defende um ponto que nem é seu.
Ainda estou um pouco surpreso com o quão fortemente Nope vem sendo relacionado com Shyamalan - e olha que sou fã do homem. Confesso que sai do cinema e Sinais não havia sido uma conexão que fiz com o filme, mas entendo as óbvias relações com alienígenas, a casa no campo e a relação com o mistério. Porém, acho uma certa forçação de barra associar o principal do cinema de Shya que, sem dúvidas, é a fé no poder das histórias e das narrativas com que o Peele faz aqui. Sinais é o filme definitivo do indiano sobre a Fé, no modo mais religioso da palavra. Assim como todas suas histórias, o mistério vem como força motriz para que seus protagonistas entendam um estado de graça que dá uma nova chance a instituição Família. Não há nada disso em Nope, e mesmo associar a crença dos diretores em contar histórias, em narrar também não é algo exclusivo dos dois e, tratando-se de Peele, arrisco dizer que suas referências vem muito mais dos terrores b dos anos 50, à lá Twilight Zone que tanto o interessa, do que nesse ponto de vista mais "contemporâneo" de Shya fanático por Spielberg.
Peele finalmente fez um filme no qual primeiro busca ser blockbuster e narrativa antes de ser pano de fundo para algum comentário social e político. O diretor utiliza menos da palavra e mais da imagem, confia em suas habilidades de filmar e, até por isso, faz seu filme mais abstrato na questão de interpretações. Diferente de seus temas que ganham novas visões a cada bom review postado, suas referências de gênero estão postas na mesa para qualquer um captar. O horror de monstros dos anos 50, a estética de filme B e a estreita e recorrente relação com o gênero fundamental do país que o autor estuda - o faroeste - são repensados plano após plano. Justamente por isso, se eu precisasse relacionar o filme de Peele com algum autor, minha escolha seria John Carpenter.
Carpenter é entusiasta de Hawks, cria do cinema de monstros e sempre sonhou em dirigir um faroeste - e por isso sempre fez questão de flertar com o gênero durante toda sua filmografia. Peele é em parte isso e se relaciona com o diretor no modo como pensa o discurso político dentro do cinema blockbuster, explora a história dos EUA por meio da história do próprio Cinema, e encontra no revisionismo das heranças do faroeste o meio de impor suas visões de mundo aqui.
Almodóvar é, desde que comecei a me interessar por Cinema, o diretor que está em minha categoria de favoritos sem que eu tenha visto muitos de seus filmes ou estudado sobre sua filmografia. Lembro de ter visto Julieta e Dor y Glória no momento de suas estreias, Pele que Habito no começo da cinefilia e mais um ou outro de seus filmes distribuídos nestes quase 10 anos.
Nele está tudo que minha cinefilia foi filtrando como paixão. Almodóvar tem o farsesco que o Cinema permite, a herança maneirista e um absurdo possibilitador de histórias frenéticas; tem traços facilmente reconhecidos com o tal do "autoral" e ainda uma influência latina notável, com encenações que muitas vezes me lembram novelas - é o tato de criar personagem com cargas emocionais muito fortes devido a problemas de emoções bem primitivas, mas ao mesmo tempo nunca deixar de esticar aquilo até que se torne burlesco.
Enfim, tudo isso pra dizer que "Mulheres..." é meu filme favorito de sua filmografia. Se me arrisquei a descrever algumas das características dele que me fazem tão animados com seus filmes, é pra dizer que aqui eu encontrei tudo isso em perfeita sincronia. Obrigado.
Estou longe de ser um fã do humor de Tati, mas como é hipnótico seus trejeitos físicos e o modo como seus movimentos fluem no imaginário de suas cenas. Se seu cinema sempre foi o do básico, sem nem usar da fala para criar suas histórias e esquetes, aqui a abstração é ainda maior. Não há cenários, poucas falas e plateia e atores se misturam em um indesvendável ato de comédias. Tudo flui na mais pura imaginação de Tati e na comédia que ele dilui entre todos os presentes, entre todas as gerações.
Daqueles filmes tão grandiosos que você termina com a sensação de que não consegue elaborar uma linha de raciocínio sem parecer um idiota. Obras que vão muito além da nossa capacidade de racionalização.
Lembro que quando assisti a Circle of Danger do Tourneur sai melancólico e cabisbaixo, disse que era o filme definitivo desse sentimento de mal estar e impotência da guerra - lá relacionado a 2ª WW. Porém, The Deer Hunter é tão massacrante quanto. Ainda estou engatinhando na filmografia de Cimino, mas já é perceptível seu interesse pelo proletário e pelo marginal desse Estados Unidos ainda ressacado das turbulências dos anos 60 e que encara um caminhão de perturbações políticas que implodiram na virada de década.
Seus 3 protagonistas são a cara da Nova Hollywood, com complexidades que desafiam qualquer arquétipo e provocam desconforto a cada decisão tomada. A volta ao Vietnã por Michael é perturbadora, mas ao mesmo tempo necessária para enfrentar seus demônios, atravessar a barca do inferno e revisitar seus traumas. É difícil até pensar outro filme que crie um gatilho tão poderoso e simbólico em um ato repetitivo ao longo da obra como a roleta russa aqui. A cada clique na arma, uma tonelada de traumas é liberada e sentimos o peso daquilo.
É difícil dizer que é um filme SOBRE a guerra, quando Cimino faz questão de reforçar as semelhanças entre todos os espaços que seus personagens interagem. O fogo da indústria e o fogo do Vietnã, as fumaças das montanhas e as que pairam sobre a guerra, o mal-estar indigesto dos ambientes e das relações e tudo mais. Um país que gera a guerra e convive com ela por toda uma eternidade. Fora ou dentro de seus territórios.
O companheirismo como forma de sobreviver a um Estados Unidos que não permite a glória e o sucesso para a contracultura. Um filme que exala um pessimismo pós hippie, um descontentamento com o sonho americano e a busca por novas maneiras de se sentir livre e pleno em sua capacidade.
Eastwood em seu arquétipo mais típico sendo um homem de poucas palavras, mas muito a entregar; enquanto Bridges transcende o espírito da época, a juventude quase suicida que só busca "vencer na vida" frustrado com o que o país o possibilita. É nesse encontro entre o antigo e o novo que o caos pode eclodir para medo dos americanos "típicos" e para a libertação dos marginais.
Filme que cruza em tantos entendimentos com Easy Rider, Two Lane Blacktop e Bonnie and Clyde que é difícil para mim até diferenciar a sensação que vem de cada um deles. Como um todo é a fissão entre o clássico e o moderno, entre a boom libertário sessentista e o descontentamento dos EUA de Nixon. Uma singularidade do cinema americano por excelência.
Longe de ser um dos melhores Argento pós-Opera e ressoa ainda pior quando pensado como parte da trilogia das bruxas, mas isso todo mundo já sabe. O que mais me interessou aqui é o fetiche do diretor pela cidade de Roma e como o seu peso histórico e suas ruínas milenares repercutem a cultura local até os dias de hoje. Roma é a cidade interesse de Argento por toda sua obra e seu olhar sobre a arquitetura e a escultura que permeiam a cidade é sempre muito mais do que um mero detalhe. "Mothers of Tears" acaba sendo bem mais sobre trazer de volta influências da arte do passado sobre o contemporâneo - a peça do museu como uma Caixa de Pandora - do que sobre a eterna relação materna de seus filmes.
Também é lindo como Argento consegue transcrever a estética de arte medieval que tanto o filme auto referencia para imagens cinematográficas de horror. O "inferno" filmado nos minutos finais é o máximo que o gore pode nos fazer desfrutar.
Noto como o Cinema do Argento de Opera até os dias de hoje sempre foi um exercício de manter o que é mais primordial pro diretor, enquanto absorvia tendências que vieram depois do seu auge - muitas vezes até como fruto do que ele fez no passado.
Seria difícil mensurar o quanto disso é por consciência e interesse do diretor em explorar o gênero e o quanto vem das imposições crescentes dos estúdios, mas em "Giallo" é até óbvio como Argento volta ao seu lugar comum junto de um flerte com o torture porn. Em cada filme seu pós Opera, a morte vem menos como uma exploração das possibilidades da imagem do que como um evento frontal, sem muitos maneirismos e sensações.
Dentre os giallos de Argento, este é o que funciona mais como filme policial de fato do que como horror. É aceitável.
Os Olhos da Cidade são Meus
3.6 73Umas das homenagens mais bonitas a experiência cinematográfica que já vi.
O voyeurismo do espectador posto em crise nessa meta repercussão da experiência coletiva do cinema.
A Queda da Casa de Usher
3.7 55Durante o filme todo minha mente martelou as semelhanças do cinema de Cocteau com este filme do Epstein (primeiro que vejo dele) e realmente, quanto mais lembro de Orpheus, mais as relações me parecem evidentes. Ambos filmes que tratam o luto e a onipresença da mulher perdida através de planos insert carregados de subjetividades pelo seu interesse em evidenciar o movimento e o místico que habita os objetos daquele cenário majestoso. Epstein alcança muito expressão explorando estas particularidades da casa (as velas balançando, as nuvens cobrindo a casa, o violão rompendo as cordas etcetc.) e dilui o sobrenatural em todos os movimentos que seu filme capta.
Ladrão de Alcova
4.0 34Muito delicado em tratar das implicitudes das ações dos 3 protagonistas nesse vai e vem de diálogos afiados que funcionam como flertes, nesse abre e fecha de portas e cortinas que esconde as intenções e nos olhares reflexivos de todos a volta de Gaston que alertam dos perigos do seu joguete. Um teatro de máscaras e imoralidades dirigidos de maneira muito moderna.
Billy Wilder de fato foi um grande aprendiz de Ernst...
Crescendo Juntas
3.8 96É delicado e explora bem a atuação de Abby e McAdams nesse jogo afetivo do coming-of-age e da rima implícita do crescimento da garota com os novos desafios da mãe como dona de casa e mãe de subúrbio. Vemos as mesmas situações que se costuma apresentar em filmes do gênero, com o primeiro dia de aula, o primeiro beijo e as descobertas da puberdade e do início da sexualidade, sem muita diferenciação da abordagem costumeira destes temas.
Mas o pouco que me incomoda neste filme é como todas as decisões estéticas e até temáticas soam meramente como acessórios que acompanham esse desenrolar central do crescimento de Margaret que não tem muito sabor. Refiro-me, sobre essas decisões, a ambientação setentista que pouco agrega, o confronto religioso que adiciona uma ou outra ponta de desenvolvimento deste questionamento juvenil e até o pequenos empecilhos da mãe de Margaret tentando socializar. Tudo soa como um esboço de sátira sobre um período histórico americano e suas questões sociais, mas nada é explorado o suficiente para encontrar bons pontos que dessem a oportunidade do filme se destacar.
Feriado Sangrento
3.1 402É basicamente tudo que o fã de horror, principalmente dos slashers, busca a cada novo filme do gênero que é lançado atualmente. Longe de ser perfeito ou se posicionar como um pretenso novo clássico, mas indiscutivelmente um filme por quem e pra quem é apaixonado pelas possibilidades que o slasher já desbravou.
Eli Roth não só vai na contramão dos terrores enquanto subtexto para problemas psicológicos que domina o mercado de horror hoje, mas finge que essa tendência nem existe. Em um filme consciente do peso do gênero e de suas convenções (força motriz para qualquer slasher pós pânico), seria conveniente e até espertinho algum diálogo, mesmo que para o deboche, com esse tipo de tendência contemporânea. Porém, Roth se concentra totalmente em articular as suas referências oitentistas e criar set pieces de assassinatos que parecem ser a obra da sua vida; tudo dentro de uma lógica de sátira que marca seu cinema. Sátira esta que intervém como meio de reforçar o apreço e a autossuficiência do slasher por si só, um gênero muito bem resolvido e capaz de provocar as diversas sensações que se propõe sem a necessidade em suportar seu peso emocional com outros referenciais.
Nessa lógica, a sequência de abertura é a síntese da tese de Roth, pois conversa com um terror puramente visual, com a força da imagem e escancara suas inspirações em Romero e Craven. Lentamente vai extrapolando a violência gráfica e conduzindo o espectador a este local de deleite e diversão em uma espécie de defesa e carta de amor ao terror. A sátira e o exagero deformam para ressaltar a essência do que é mostrado e sentido, estas criam imagens com personalidade e dão leveza a condução.
Infelizmente Roth não acha uma resolução a altura do seu desenvolvimento e termina com soluções de trama e de imagem que soam genéricas demais para quem enfatizou uma cosmologia tão pessoal durante o filme todo. Mesmo assim, é um ponto fora da curva no cinema de horror recente e uma sempre bem vinda confirmação das possibilidades que podem ser criadas em tela sem falsas pretensões de profundidade emocional.
Anatomia de uma Queda
4.0 807 Assista AgoraAnatomia da narrativa, da imagem e de sua capacidade em definir verdades.
Sutilmente metalinguístico, explorando o peso e os efeitos do mostrar e do não mostrar.
Vidas Passadas
4.2 748 Assista AgoraO mais bonito aqui é como Song cria diversos momentos típicos de um filme de romance que em filmes "convencionais" seriam pontos-chave para o estabelecimento do amor do casal, mas aqui estas mesmas cenas representam a impossibilidade da convergência entre aquelas duas vidas. O passeio no parque, o barquinho na Estátua da Liberdade, a troca de olhares e as mãos próximas no metrô, o semi flerte no bar e a espera final para o uber. Tudo ali remete ao melodrama e ao amor, se não fosse pelas atuações de Greta Lee e Teo Yoo. Sung (Yoo) sofre tudo de maneira internalizada, ele transmite uma incapacidade em superar o amor passado com o discernimento que dificilmente será possível ficarem juntos. São atuações muito maduras e conscientes de seus efeitos guiadas por uma autora muito dominante da linguagem e com decisões certeiras para chegar onde deseja.
P.S.: Celine encontra um plano dentro de um minúsculo banheiro do casal em Nova York, no qual posiciona o marido americano de costas em primeiro plano e Nora em segundo, ao mesmo tempo que temos o reflexo de ambos em cada espelho da cena. Ao todo, vemos um espaço minúsculo apertado, com 4 presenças durante uma leve discussão sobre o que Nora achou de Sung o vendo 20 anos depois. Impressionante.
Pânico VI
3.5 798 Assista AgoraDificilmente um filme da franquia Pânico vai ser ruim, pois seu imaginário e suas regras próprias já são capazes de propor um slasher interessante, seja pelas metalinguagens com o gênero, seja pelo caráter nostálgico que os personagens tradicionais trazem a trama. Dito isso, Gillet e Bettinelli fazem um trabalho decente ao respeitar a mitologia original e até avançar barreiras que os anteriores nunca confrontaram, principalmente o gore dentro do universo de ghost face.
É facilmente o filme que mais utiliza das cenas de morte como estímulo visual para alimentar o horror - aproximando-se dos outros trabalhos dos diretores como Ready or Not - porém necessita deste recurso, pois é em termos de inventividade de gênero um dos mais fracos da franquia. O gore substituiu a falta de ideias desta proposta de sequência do "reboot", que nada mais é do que repetir (conscientemente) Pânico 2.
A cada filme que passa a metalinguagem com as regras do gênero vão ficando mais situacionais e menos construtoras do universo do filme, são meras exposições que definem os papéis de cada personagem dentro deste modelo do slasher, mas que pouco interagem com o andamento de seus personagens ao terem essa informação premeditada. É menos autoconsciência e mais sacadinha à lá referências dos filmes de herói que dão alegria ao espectador por terem pego a piada, mas não são as bases que fazem o filme se desenvolver.
A troca que Gillet e Bettinelli fizeram ao assumir Pânico de assumir a metalinguagem por dentro da franquia - ou seja, não mais sustentar sua autoconsciência pelas referência ao terror, mas sim em referências a própria saga - é interessantíssima em momentos como o museu da franquia (ou a releitura da cena do teatro agora em um cinema), mas limitante quando sempre precisa voltar aos personagens tradicionais para uma chama de nostalgia.
"Pânico" é, enquanto franquia, a vítima perfeita de um modelo de produção pautado em se alimentar de referências e piscadinhas espertas pro espectador enquanto cria a demanda de consumir os filmes anteriores, pois em uma primeira leitura ela é exatamente isso, mesmo que nós saibamos que seu sucesso se deve a inteligência e paixão pelo gênero de quem o criou.
Morte Morte Morte
3.1 639 Assista AgoraO pesadelo da Gen Z é ter seus consensos confrontados para além do discurso ensaiado.
Fale Comigo
3.6 965 Assista AgoraNo fim do dia, um filme sobre como a juventude gira em torno de problemas insignificantes. Alavancado por um olhar bem cínico dos Philippou, a primeira metade do filme - mais estimulante, abrangente e exploratória das possibilidades do gênero - caracteriza um olhar sobre essa nova geração que me parece uma certa tendência a se consolidar. O que vemos são personagens que sofrem de ciúmes por um namorado que não a beija ou demonstra afeto, uma mãe paranoica, o medo por sair de casa escondida, a vergonha em ser filmado "chapado" e afins; essa exploração sob um olhar desinteressado pelos problemas destes nativos digitais me faz lembrar de "Bodies Bodies Bodies" e outros filmes de horror que tendem mais a odiar o que pensam entender desta geração do que caracteriza-los de maneira mais honesta. São renovações de estereótipos de colegial oitentista mesclados com aflições modernas.
E é a partir deste panorama que os Philippou chegam em sua melhor cena (justamente pela frontalidade da imagem que abraçam, mas chegaremos lá) que dita a virada narrativa do filme para um estudo de trauma mais individualizado como Marcelo Miranda explorou em seu texto. Esta segunda metade soa como qualquer filme de horror recente impulsionado pelas redes para atrair o público jovem que tende a se esquivar do gênero. A única diferença positiva deste para os demais é a nuance vilã-vítima da protagonista, uma dualidade que sustenta a importância do trauma de Mia para a narrativa e retarda nossos julgamentos até o fim do filme.
Porém, ao final, a sensação é de que explorar um trauma individual e genérico sempre se torna uma posição confortável para fazer um cinema que não agride, não arrisca e gera desconforto na medida certa para ser esquecível. "Men", "Fresh", "The Black Phone" e tantos outros me veem a menta por seguirem esta mesma tendência temática e formal de banalização do trauma pelo seu uso como muleta e pela exploração de seus sintomas sem que isso surja pela imagem, mas sim pelo texto.
A cena da possessão de Riley é a melhor justamente por confiar na frontalidade da imagem para chocar. "Talk to Me" confunde a ideia de personagens se esquivarem de olhar o mundo dos espíritos com a ideia de suas câmeras fugirem destas imagens para os espectadores. O exemplo mais simbólico disto é Mia visualizando o suposto sofrimento de Riley no outro mundo, pois o que parecia ser uma imagem agoniante e potente dura milésimos de segundo em tela pela repulsa em ve-la.
Assim, os autores conseguem mascarar a insegurança em filmar o horror de verdade com a desculpa do quão chocante aquilo é para seus personagens.
Batem à Porta
3.1 563 Assista AgoraO anti-método Shyamalan. Mesmo sendo desnecessário nessa altura do campeonato contextualizar as assinaturas e interesses do diretor já que estes permeiam toda sua filmografia de maneira uniforme, “Knock” nos força a discutir novamente estes temas, pois Shya os inverte continuamente em seu novo filme. Seus conflitos - que sempre jogam no maniqueísmo do cético vs divino - são motifs que visam desencadear a reconciliação familiar, o fortalecimento dos valores sagrados a Shya.
Aqui, porém, nada disso seria preciso, pois seu casal protagonista em nenhum momento é conflituoso, não há rusgas ou mal entendidos e, pelo contrário, seus laços já se iniciam fortalecidos e indestrutíveis. O conflito sobrenatural também pouco é debatido pelos seus personagens como em outros de seus filmes (A Vila e Fim dos tempos, principalmente), há claro um mal estar geral em relação a seriedade dos acontecimentos e seu perfil apocalíptico, mas em nenhum momento o interesse de Shya é se concentrar na veracidade ou não do que apresentam os invasores. Desde Sinais que Shyamalan não fazia um filme tão moral e alegórico (não coincidentemente seus filmes mais bíblicos), sem algumas amarras narrativas que marcaram seu estilo, mas conservando os temas de sua carreira.
Shyamalan manipula estas inversões não apenas nas premissas mais basilares de seu cinema, mas nas próprias expectativas que primeiro ele entrega para depois tirar. A escolha de Bautista como líder do quarteto é a maior das evidências. Um sujeito enorme, intimidador, mas que nunca cumpre esta expectativa vilanesca que temos em um primeiro momento. Não à toa o filme já abre com uma cena tensa que nos leva a crer que o pior acontecerá com a criança, ainda mais filmado de maneira quase onírica com um fundo sempre desfocado, tirando aquela floresta do mundo real e a transformando em um local imaterial e deslocado. Poucos minutos depois o filme traz todas as bases de um Home Invasion que logo se desmonta pela atitude dos invasores, quebrando novamente a nossa expectativa. “Knock” não me soa como mais uma obra previsível na carreira do diretor dado o que já vimos ele fazer, mas sim um segundo ponto de ruptura, assim como Fim dos Tempos, que renuncia parte da bagagem construída em seus últimos 3 ou 4 filmes para, de novo, ir em busca de novas maneiras de recontar sua mesma história.
O problema, para mim, é que “Knock” é o filme do diretor que menos sobrevive para além de seu tema, justamente por M. Night nunca ter sido o tipo de autor que se interessava mais pela alegoria, pela “mensagem”, do que pelas imagens e sensações que poderiam ser evocadas por aquilo que filma. Em “Sinais”, por exemplo, não é possível se desvencilhar do sub texto bíblico - a última ceia, o purgatório, a água benta - mas é ainda mais impossível não se surpreender com o modo como Shyamalan traz a Fé nas imagens que constrói: o radinho sendo erguido aos céus na busca por uma salvação, o colapso familiar à mesa de jantar e a luta no porão que termina com a ascensão aos céus. Já em “Knock” a alegoria já começa não sendo tão poderosa o suficiente, o dilema do casal nunca ganha a seriedade que parece merecer e a ambiguidade das motivações dos invasores (seita vs profetas) perturba o espectador, mas pouco é articulada no filme. Assim, quando se retira a alegoria do seu conforto e se procura o que restou, eu acabo encontrando um filme que apenas existe metaforizando e atualizando peças bíblicas, mas com uma defesa moral pouco efusiva, que não expande a obra para além do que vimos em tela, como em seus melhores filmes.
Pureza
4.0 94 Assista AgoraMelodramatização da miséria e do sofrimento materno.
"Pureza" entra no pacote, cada vez mais cheio por sinal, de filmes cheios de boas intenções em denunciar crimes e realidades muitas vezes colocadas debaixo do tapete, mas que na tentativa de dramatizar o problema acaba o tendo como fetiche, como força motriz para geração das emoções da sua arte. Retratar a miséria brasileira é interesse antigo, cada um com sua forma. Muitos do Cinema Novo rompiam com essa distância dramática entre câmera e cena, de maneira neorrealista conseguiam acessar esta realidade mais crua e diretamente, quase documental, como forma de reproduzir sem manipular. Coutinho, com seu cinema documental, tinha a habilidade de poucos em acessar os miseráveis e jamais usufruir dos seus sofrimentos, pelo contrário, expor da maneira mais humanista e sensível possível a vivência de cada. O resultado era a transformação de anônimos em protagonistas, em seres multifacetados e mais complexos do que qualquer roteirista poderia construir.
Assim, cito Coutinho pois Renato Barbieri também é documentarista; o diretor fez questão de utilizar trabalhadores reais para certos papéis e em uma cena ou outra deixa escapar seu ar documental ao filmar os closes daqueles rostos de maneira que evidencia a naturalidade e a realidade da vivência dos sujeitos. Porém, tirando estas cenas - uma ou duas talvez - seu trabalho é o oposto do que uma sensibilidade coutiniana conseguia. Com um tom bem novelesco - no mal sentido da coisa - "Pureza" usufrui da desgraça, empurra seus sentimentos em nossa cara sem parar, se aproveita do sofrimento alheio e jamais consegue dosar a imagem de Dona Pureza - uma Dira Paes à Montenegro de "Central do Brasil", vivendo nos closes de Renato na tentativa de aproveitar todo o talento da atriz como força condutora do filme.
Por fim, a sensação que fica é similar a afirmação de Renato em seus comentários após a sessão - um "cinema de conteúdo" que traz assuntos importantes, mas que desliza na forma até o último minuto ao recorrer ao sensacionalismo barato como método de impacto sem deixar que a sua própria história o fizesse.
Sorria
3.1 845 Assista AgoraAté certo ponto é um anti "Men" do Alex Garland, pois confronta uma mesma ideia central - do trauma, da perturbação, da confusa intersecção entre real e imaginário devido a instabilidade do protagonista e do medo diluído em qualquer pessoa a sua volta - mas utiliza ferramentas do gênero totalmente diferentes para provocar suas emoções e aqui, em "Smile", consegue ir além dos meros artifícios de terror psicológico ao encarar o horror de sua mitologia de maneira muito mais frontal e imaginativa.
Dito isso, é bem óbvia e coerente a comparação com It Follows devido a dinâmica de seu monstro/mito ser muito similar, porém ainda vejo Smile sendo muito mais livre para gerar imagens brutais e jogar menos no subtexto; é menos fruto de um fetiche oitentista do que o filme de 2014 e mais fruto do horror oriental que ditou tendência no início de século.
Inclusive, acho que o Horror hollywoodiano não consegue ser mais frontal e permissivo do que isso aqui. O último ato do filme - centrado na casa abandonada - é dos momentos mais interessantes desse cinema pipoca a partir da tendência do pós-horror. É justamente a superação dos limites "impostos" por essa tendência (a confusão mental, as cenas de alucinação que logo se desmentem, as metáforas, as cenas escuras e sem estímulo pela imagem) encontrando de novo o horror mais visual, de monstro, herdeiro do que veio no começo deste século e, ao meu ver, deveras mais interessante. Smile reencontra o monstro, possibilita o vermos de frente, sem trucagens ou limitações, abraça sua mitologia e se desprende das tendências que permeiam seu gênero hoje. Só por isso já consegue ser relevante o suficiente.
A Testemunha
4.2 5Antes de tudo: primeira exibição do filme em público no Brasil. Obrigado Sesc.
Comédia que me remeteu bastante ao modo Jacques Tati de fazer humor, criando suas situações pela repetição, pelos movimentos corporais caricatos e o pouco interesse da fala para chegar a essa catarse. Com seu texto voltado a crítica do comunismo húngaro, utiliza de algumas esquetes meio óbvias do assunto, como a excessiva burocratização de qualquer ação e processo no país e a desmistificação do líder supremo como alguém destrambelhado.
Porém, funciona bem quando Bacsó se interessa em desmontar a frase marxiana para a realidade de seu país: "De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades." Seu personagem em diversas situações gera o cômico justamente por não estar onde conseguiria ajudar seu povo, enquanto seu aviso sobre o Danúbio era ignorado. A catástrofe era inevitável.
Sorria
3.1 845 Assista AgoraAté certo ponto é um anti "Men" do Alex Garland, pois confronta uma mesma ideia central - do trauma, da perturbação, da confusa intersecção entre real e imaginário devido a instabilidade do protagonista e do medo diluído em qualquer pessoa a sua volta - mas utiliza ferramentas do gênero totalmente diferentes para provocar suas emoções e aqui, em "Smile", consegue ir além dos meros artifícios de terror psicológico ao encarar o horror de sua mitologia de maneira muito mais frontal e imaginativa.
Dito isso, é bem óbvia e coerente a comparação com It Follows devido a dinâmica de seu monstro/mito ser muito similar, porém ainda vejo Smile sendo muito mais livre para gerar imagens brutais e jogar menos no subtexto; é menos fruto de um fetiche oitentista do que o filme de 2014 e mais fruto do horror oriental que ditou tendência no início de século.
Inclusive, acho que o Horror hollywoodiano não consegue ser mais frontal e permissivo do que isso aqui. O último ato do filme - centrado na casa abandonada - é dos momentos mais interessantes desse cinema pipoca a partir da tendência do pós-horror. É justamente a superação dos limites "impostos" por essa tendência (a confusão mental, as cenas de alucinação que logo se desmentem, as metáforas, as cenas escuras e sem estímulo pela imagem) encontrando de novo o horror mais visual, de monstro, herdeiro do que veio no começo deste século e, ao meu ver, deveras mais interessante. Smile reencontra o monstro, possibilita o vermos de frente, sem trucagens ou limitações, abraça sua mitologia e se desprende das tendências que permeiam seu gênero hoje. Só por isso já consegue ser relevante o suficiente.
Alcatraz: Fuga Impossível
4.0 526 Assista AgoraGosto muito da cena na qual os detentos estão comendo e comentando a respeito do filme que passarão a eles naquele dia. Um deles cita que será um filme estúpido de cowboy, enquanto a câmera filma um plano detalhe dos olhos de Clint - como Leone fazia com sua widescreen. Aquilo não é uma mera sacadinha com o passado do ator, nem menos uma maneira de mitificar a figura de Clint além de seu personagem, mas uma construção do personagem Morris através da própria metalinguagem com a história do Cinema. Tal qual o cowboy sem nome de Eastwood resolvia tudo com sua inteligência sem conversar ou se expressar muito, Morris ganha mais autoridade aqui do que quando se lê "QI Alto" no relatório do diretor. Morris é como um cowboy de seu ator, silencioso, esperto, a frente de todos seus inimigos e um formidável anti-herói. Pequenos detalhes dessa pérola de Don Siegel.
Men: Faces do Medo
3.2 401 Assista AgoraDaqueles filmes que se eu tivesse entrado sem muitos pré julgamentos negativos talvez tivesse curtido mais, pois a experiência em si enquanto filme de horror foi quase que integralmente satisfatória. Há tempos que não sentia tanta agonia e reagia tão espontaneamente aos momentos de tensão criados por Garland em uma sala de cinema.
É inegável que há uma quantidade excessiva de pontos a serem discutidos sobre as alegorias e o male gaze de um filme estritamente interessado no ponto de vista feminino em uma sociedade ocidental, mas preciso ressaltar a qualidade das construções de cena que Garland propõe na primeira metade de "Men". Para um filme que busca passar por este lugar de vulnerabilidade da mulher, Garland executa de maneira interessantíssima esse perigo constante em sua projeção, seja pela profundidade de campo, seja ao encenar ambientes vazios com potencial de perigo a todo instante. É extremamente desconfortável acompanhar a jornada da protagonista naquele ambiente e se sentir vulnerável mesmo na posição passiva de espectador; tem alguns lampejos do que Mitchell concretizou em It Follows com o mesmo exercício de perigo no cotidiano vindo de todos os cantos possíveis.
Fora isso, é de fato incomodo como nada ali vai além de uma mera alegoria, nenhum personagem, cenário ou momento tem algo a mais que sua fraca simbologia. Tudo ali existe para dizer algo - problemático até, pelo ponto de vista - mas nunca extrapola a sua dimensão de significado aparente. É um pobre exercício de converter ideias em símbolos, quase um ligue os pontos, no qual cada fato ali se conecta com um discurso/tese que nunca, jamais, será o suficiente em uma arte tão permissiva.
Suas imagens de fato assustam, geram reações e emoções, mas seu filme tem um teto muito limitado, pobre, enclausurado em suas próprias limitações enquanto artista que defende um ponto que nem é seu.
Não! Não Olhe!
3.5 1,3K Assista AgoraAinda estou um pouco surpreso com o quão fortemente Nope vem sendo relacionado com Shyamalan - e olha que sou fã do homem. Confesso que sai do cinema e Sinais não havia sido uma conexão que fiz com o filme, mas entendo as óbvias relações com alienígenas, a casa no campo e a relação com o mistério. Porém, acho uma certa forçação de barra associar o principal do cinema de Shya que, sem dúvidas, é a fé no poder das histórias e das narrativas com que o Peele faz aqui. Sinais é o filme definitivo do indiano sobre a Fé, no modo mais religioso da palavra. Assim como todas suas histórias, o mistério vem como força motriz para que seus protagonistas entendam um estado de graça que dá uma nova chance a instituição Família. Não há nada disso em Nope, e mesmo associar a crença dos diretores em contar histórias, em narrar também não é algo exclusivo dos dois e, tratando-se de Peele, arrisco dizer que suas referências vem muito mais dos terrores b dos anos 50, à lá Twilight Zone que tanto o interessa, do que nesse ponto de vista mais "contemporâneo" de Shya fanático por Spielberg.
Peele finalmente fez um filme no qual primeiro busca ser blockbuster e narrativa antes de ser pano de fundo para algum comentário social e político. O diretor utiliza menos da palavra e mais da imagem, confia em suas habilidades de filmar e, até por isso, faz seu filme mais abstrato na questão de interpretações. Diferente de seus temas que ganham novas visões a cada bom review postado, suas referências de gênero estão postas na mesa para qualquer um captar. O horror de monstros dos anos 50, a estética de filme B e a estreita e recorrente relação com o gênero fundamental do país que o autor estuda - o faroeste - são repensados plano após plano. Justamente por isso, se eu precisasse relacionar o filme de Peele com algum autor, minha escolha seria John Carpenter.
Carpenter é entusiasta de Hawks, cria do cinema de monstros e sempre sonhou em dirigir um faroeste - e por isso sempre fez questão de flertar com o gênero durante toda sua filmografia. Peele é em parte isso e se relaciona com o diretor no modo como pensa o discurso político dentro do cinema blockbuster, explora a história dos EUA por meio da história do próprio Cinema, e encontra no revisionismo das heranças do faroeste o meio de impor suas visões de mundo aqui.
Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
4.0 550 Assista AgoraAlmodóvar é, desde que comecei a me interessar por Cinema, o diretor que está em minha categoria de favoritos sem que eu tenha visto muitos de seus filmes ou estudado sobre sua filmografia. Lembro de ter visto Julieta e Dor y Glória no momento de suas estreias, Pele que Habito no começo da cinefilia e mais um ou outro de seus filmes distribuídos nestes quase 10 anos.
Nele está tudo que minha cinefilia foi filtrando como paixão. Almodóvar tem o farsesco que o Cinema permite, a herança maneirista e um absurdo possibilitador de histórias frenéticas; tem traços facilmente reconhecidos com o tal do "autoral" e ainda uma influência latina notável, com encenações que muitas vezes me lembram novelas - é o tato de criar personagem com cargas emocionais muito fortes devido a problemas de emoções bem primitivas, mas ao mesmo tempo nunca deixar de esticar aquilo até que se torne burlesco.
Enfim, tudo isso pra dizer que "Mulheres..." é meu filme favorito de sua filmografia. Se me arrisquei a descrever algumas das características dele que me fazem tão animados com seus filmes, é pra dizer que aqui eu encontrei tudo isso em perfeita sincronia. Obrigado.
Parada
3.5 7Estou longe de ser um fã do humor de Tati, mas como é hipnótico seus trejeitos físicos e o modo como seus movimentos fluem no imaginário de suas cenas. Se seu cinema sempre foi o do básico, sem nem usar da fala para criar suas histórias e esquetes, aqui a abstração é ainda maior. Não há cenários, poucas falas e plateia e atores se misturam em um indesvendável ato de comédias. Tudo flui na mais pura imaginação de Tati e na comédia que ele dilui entre todos os presentes, entre todas as gerações.
O Franco Atirador
4.0 356 Assista AgoraDaqueles filmes tão grandiosos que você termina com a sensação de que não consegue elaborar uma linha de raciocínio sem parecer um idiota. Obras que vão muito além da nossa capacidade de racionalização.
Lembro que quando assisti a Circle of Danger do Tourneur sai melancólico e cabisbaixo, disse que era o filme definitivo desse sentimento de mal estar e impotência da guerra - lá relacionado a 2ª WW. Porém, The Deer Hunter é tão massacrante quanto. Ainda estou engatinhando na filmografia de Cimino, mas já é perceptível seu interesse pelo proletário e pelo marginal desse Estados Unidos ainda ressacado das turbulências dos anos 60 e que encara um caminhão de perturbações políticas que implodiram na virada de década.
Seus 3 protagonistas são a cara da Nova Hollywood, com complexidades que desafiam qualquer arquétipo e provocam desconforto a cada decisão tomada. A volta ao Vietnã por Michael é perturbadora, mas ao mesmo tempo necessária para enfrentar seus demônios, atravessar a barca do inferno e revisitar seus traumas. É difícil até pensar outro filme que crie um gatilho tão poderoso e simbólico em um ato repetitivo ao longo da obra como a roleta russa aqui. A cada clique na arma, uma tonelada de traumas é liberada e sentimos o peso daquilo.
É difícil dizer que é um filme SOBRE a guerra, quando Cimino faz questão de reforçar as semelhanças entre todos os espaços que seus personagens interagem. O fogo da indústria e o fogo do Vietnã, as fumaças das montanhas e as que pairam sobre a guerra, o mal-estar indigesto dos ambientes e das relações e tudo mais. Um país que gera a guerra e convive com ela por toda uma eternidade. Fora ou dentro de seus territórios.
O Último Golpe
3.5 39 Assista AgoraNova Hollywood efervescente por Cimino.
O companheirismo como forma de sobreviver a um Estados Unidos que não permite a glória e o sucesso para a contracultura. Um filme que exala um pessimismo pós hippie, um descontentamento com o sonho americano e a busca por novas maneiras de se sentir livre e pleno em sua capacidade.
Eastwood em seu arquétipo mais típico sendo um homem de poucas palavras, mas muito a entregar; enquanto Bridges transcende o espírito da época, a juventude quase suicida que só busca "vencer na vida" frustrado com o que o país o possibilita. É nesse encontro entre o antigo e o novo que o caos pode eclodir para medo dos americanos "típicos" e para a libertação dos marginais.
Filme que cruza em tantos entendimentos com Easy Rider, Two Lane Blacktop e Bonnie and Clyde que é difícil para mim até diferenciar a sensação que vem de cada um deles. Como um todo é a fissão entre o clássico e o moderno, entre a boom libertário sessentista e o descontentamento dos EUA de Nixon. Uma singularidade do cinema americano por excelência.
O Retorno da Maldição - A Mãe das Lágrimas
2.5 102Longe de ser um dos melhores Argento pós-Opera e ressoa ainda pior quando pensado como parte da trilogia das bruxas, mas isso todo mundo já sabe. O que mais me interessou aqui é o fetiche do diretor pela cidade de Roma e como o seu peso histórico e suas ruínas milenares repercutem a cultura local até os dias de hoje. Roma é a cidade interesse de Argento por toda sua obra e seu olhar sobre a arquitetura e a escultura que permeiam a cidade é sempre muito mais do que um mero detalhe. "Mothers of Tears" acaba sendo bem mais sobre trazer de volta influências da arte do passado sobre o contemporâneo - a peça do museu como uma Caixa de Pandora - do que sobre a eterna relação materna de seus filmes.
Também é lindo como Argento consegue transcrever a estética de arte medieval que tanto o filme auto referencia para imagens cinematográficas de horror. O "inferno" filmado nos minutos finais é o máximo que o gore pode nos fazer desfrutar.
Giallo - Reféns do Medo
2.4 86 Assista AgoraNoto como o Cinema do Argento de Opera até os dias de hoje sempre foi um exercício de manter o que é mais primordial pro diretor, enquanto absorvia tendências que vieram depois do seu auge - muitas vezes até como fruto do que ele fez no passado.
Seria difícil mensurar o quanto disso é por consciência e interesse do diretor em explorar o gênero e o quanto vem das imposições crescentes dos estúdios, mas em "Giallo" é até óbvio como Argento volta ao seu lugar comum junto de um flerte com o torture porn. Em cada filme seu pós Opera, a morte vem menos como uma exploração das possibilidades da imagem do que como um evento frontal, sem muitos maneirismos e sensações.
Dentre os giallos de Argento, este é o que funciona mais como filme policial de fato do que como horror. É aceitável.