Se o primeiro filme de Tonacci - "Olho por Olho" de 1966 - começava a registrar um Brasil tensionado, com nervos a flor da pele e ideias odiosas sendo proclamadas por jovens incomodados com a realidade política e cultural a sua volta, neste "Blablablá", apenas 2 anos depois, o diretor se vê em um país já bem diferente. Ao mesmo tempo que tem sua aura poética, mesclando discursos, trazendo frases de impacto e rupturas na forma, é direto, confronta a opressão e deixa pouco nas entrelinhas.
É dos melhores usos de imagens históricas que já vi, dilui seu filme por toda a História e evidencia a atemporalidade do que retrata. Tudo está na montagem.
Mais um dentre tantos filmes que expõem sua influência de Nouvelle Vague e soam como um Acossado terceiro mundista.
Como o próprio título propõe, Olho por Olho é a resposta de uma geração entediada e confusa de referências culturais a um país que já tinha dado seus primeiros passos rumo a repressão. E a resposta vem em forma de julgamento, de olhar, de tédio e de ódio ("tinha que vir uma peste bubônica e levar um milhão" ou algo assim).
Formalmente emplaca os recursos de Godard e trazem a confusão na forma que desenharia o Marginal. Jump cuts, câmeras nos carros, áudios separados das imagens e muitas informações vindas do rádio para culminar neste recorte bem especial de um Brasil sessentista.
Um humor físico que não existe mais e talvez seja até impossível de ser reproduzido em um tempo no qual a palavra e a agilidade são exigências. Há uma ingenuidade, típica deste período e deste gênero, que por si só nos leva para um universo paralelo, inalcançável, um lugar onde o lógico não existe e a interação megalomaníaca com o cenário gag após gag atinge o ápice que a linguagem cinematográfica pode chegar neste tipo de dinâmica espacial e material.
Keaton é uma aula de mise-en-scene, de transformar o vaudeville e o teatro em Cinema, de Montagem Proibida, de metalinguagem, de 4a parede e das possibilidades que uma câmera permite capturar. É daquelas coisas que revolucionam seu entendimento sobre Cinema.
Basicamente um filme sobre ter várias abas abertas no navegador.
Simplificações a parte, filme que entende bem essa ansiedade - símbolo do pós-moderno e potencializada pela pandemia - representada tanto pelos estímulos visuais das colagens, quanto pelo temático, já que o filme mergulha nesses retalhos de vídeos, discursos e músicas que falam sobre tantos temas, ao mesmo tempo que não traça uma raciocínio completo sobre nenhum. Por isso volto na ideia das múltiplas abas abertas, notável em todos os recortes de imagem do navegador. A ansiedade generalizada que aqui é pensada sob o efeito da pandemia e do isolamento é materializada nesse hábito ansioso de navegar pela Internet trombando em temas tão complexos e variados, mas passando tão rápido por eles que não conseguimos concretizar uma opinião, um ponto de vista. O modo como a direção escolhe os temas que aborda e situa eles pelos registros de mídia são como esse fluxo de temas que consumimos diariamente. Informações, informações e informações que de tão saturadas anulam qualquer chance de absorção e terminam apenas trazendo essa sensação de ansiedade e esgotamento.
"Minha bateria está fraca e está ficando tarde" concretiza este mesmo sentimento, pois parece quase impossível terminar concluindo um pensamento sobre o filme, mas sim sentindo a saturação que a alta quantidade de trechos deslocados e o intenso fluxo de imagens causa em nós.
Vale pelo plano que encontra um formato de cruz nos botões direcionais de um controle de vídeo game no momento em que a narração - majoritariamente péssima - comenta sobre Deus ser falso.
Assim como uma crítica cinematográfica busca tirar a obra de seu lugar convencional, ir além dos impactos mais imediatos que ela proporciona e tentar articular uma visão acerca da relação entre a proposta do autor e seu manuseio da linguagem do Cinema, Resnais faz processo semelhante com as obras de Van Gogh. Retira-as de suas margens, tira até suas cores, recorta seu microcosmo pictórico em planos detalhes que ressignificam cada parte dos quadros e dá vida a uma nova obra partindo da análise de uma anterior, assim como as maiores das críticas.
Iniciando no cinema de Adirley Queirós e me é inevitável algumas lembranças de Leon Hirszman, pois é o cinema brasileiro, político, transiente entre o documental e o ficcional, que ocupa suas lentes com trabalhadores e que enxerga na consciência de classe o estopim para o que veio mostrar. Pensar na rima temática e visual entre "Dias de Greve" com "ABC da greve" é interessantíssimo e a elipse histórica e cinematográfica presente entre o filme de 1990 e esse de 2009 diz muito por si só. O filme de Hirszman mitifica o movimento do proletariado e encontra em Lula a força motriz das suas imagens, líder do movimento e do otimismo que poderia sair daquilo. O de Queirós, quase 20 anos depois, é o inverso, curiosamente (ou não) na periferia da Brasília comandada pelo mesmo Lula. A Ceilândia do diretor não tem um líder tão icônico quanto os trabalhadores do ABC, é mesquinho e falho em conseguir a união do sindicato, o grupo parece despreparado e sem uma aliança consistente para levar a greve adiante. Não há expectativa de melhora nem inflamação de luta ao final. Queirós capta a tomada de consciência e o ódio de classe - me lembro de "Arábia" -, e capta o Carnaval de maneira ambígua. É ao mesmo tempo a alforria daquela gente, assim como "Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar", como também outro motivo de ódio; chefe e operário na mesma avenida, a falsa noção de igualdade e a visão da festa como mais um anestésico mediante a rotina angustiante.
O ambiente noturno, o isolamento, uma ameaça irracional que vai se aproximando dos protagonistas e essa atmosfera de um terror muito fantasioso me remeteu muito a The Fog do Carpenter, pois a construção do vilão não investe em uma ameaça de fato, mas em um senso de descrença, em algo imaginativo e despretensioso.
O parto me parece uma rima bem potente com Children of Men do Cuarón, se lá o nascimento de uma criança em um barco afastado era apoteótico, a volta da espécie humana; aqui, é o oposto, o nascimento de um fim que toma conta do planeta. Lá vamos da catástrofe a esperança, aqui, o inverso.
Comprar Ingressos
Este site usa cookies para oferecer a melhor experiência possível. Ao navegar em nosso site, você concorda com o uso de cookies.
Se você precisar de mais informações e / ou não quiser que os cookies sejam colocados ao usar o site, visite a página da Política de Privacidade.
Blá Blá Blá
4.1 20Se o primeiro filme de Tonacci - "Olho por Olho" de 1966 - começava a registrar um Brasil tensionado, com nervos a flor da pele e ideias odiosas sendo proclamadas por jovens incomodados com a realidade política e cultural a sua volta, neste "Blablablá", apenas 2 anos depois, o diretor se vê em um país já bem diferente. Ao mesmo tempo que tem sua aura poética, mesclando discursos, trazendo frases de impacto e rupturas na forma, é direto, confronta a opressão e deixa pouco nas entrelinhas.
É dos melhores usos de imagens históricas que já vi, dilui seu filme por toda a História e evidencia a atemporalidade do que retrata. Tudo está na montagem.
Olho por Olho
3.7 7Mais um dentre tantos filmes que expõem sua influência de Nouvelle Vague e soam como um Acossado terceiro mundista.
Como o próprio título propõe, Olho por Olho é a resposta de uma geração entediada e confusa de referências culturais a um país que já tinha dado seus primeiros passos rumo a repressão. E a resposta vem em forma de julgamento, de olhar, de tédio e de ódio ("tinha que vir uma peste bubônica e levar um milhão" ou algo assim).
Formalmente emplaca os recursos de Godard e trazem a confusão na forma que desenharia o Marginal. Jump cuts, câmeras nos carros, áudios separados das imagens e muitas informações vindas do rádio para culminar neste recorte bem especial de um Brasil sessentista.
Uma Semana
4.4 46Um humor físico que não existe mais e talvez seja até impossível de ser reproduzido em um tempo no qual a palavra e a agilidade são exigências. Há uma ingenuidade, típica deste período e deste gênero, que por si só nos leva para um universo paralelo, inalcançável, um lugar onde o lógico não existe e a interação megalomaníaca com o cenário gag após gag atinge o ápice que a linguagem cinematográfica pode chegar neste tipo de dinâmica espacial e material.
Keaton é uma aula de mise-en-scene, de transformar o vaudeville e o teatro em Cinema, de Montagem Proibida, de metalinguagem, de 4a parede e das possibilidades que uma câmera permite capturar. É daquelas coisas que revolucionam seu entendimento sobre Cinema.
Sans Titre
3.4 2A mesma câmera que filma sonhos, filma pesadelos.
Minha bateria está fraca e está ficando tarde
2.0 2Basicamente um filme sobre ter várias abas abertas no navegador.
Simplificações a parte, filme que entende bem essa ansiedade - símbolo do pós-moderno e potencializada pela pandemia - representada tanto pelos estímulos visuais das colagens, quanto pelo temático, já que o filme mergulha nesses retalhos de vídeos, discursos e músicas que falam sobre tantos temas, ao mesmo tempo que não traça uma raciocínio completo sobre nenhum. Por isso volto na ideia das múltiplas abas abertas, notável em todos os recortes de imagem do navegador. A ansiedade generalizada que aqui é pensada sob o efeito da pandemia e do isolamento é materializada nesse hábito ansioso de navegar pela Internet trombando em temas tão complexos e variados, mas passando tão rápido por eles que não conseguimos concretizar uma opinião, um ponto de vista. O modo como a direção escolhe os temas que aborda e situa eles pelos registros de mídia são como esse fluxo de temas que consumimos diariamente. Informações, informações e informações que de tão saturadas anulam qualquer chance de absorção e terminam apenas trazendo essa sensação de ansiedade e esgotamento.
"Minha bateria está fraca e está ficando tarde" concretiza este mesmo sentimento, pois parece quase impossível terminar concluindo um pensamento sobre o filme, mas sim sentindo a saturação que a alta quantidade de trechos deslocados e o intenso fluxo de imagens causa em nós.
Babelon
2.2 2Vale pelo plano que encontra um formato de cruz nos botões direcionais de um controle de vídeo game no momento em que a narração - majoritariamente péssima - comenta sobre Deus ser falso.
Van Gogh
4.0 7Assim como uma crítica cinematográfica busca tirar a obra de seu lugar convencional, ir além dos impactos mais imediatos que ela proporciona e tentar articular uma visão acerca da relação entre a proposta do autor e seu manuseio da linguagem do Cinema, Resnais faz processo semelhante com as obras de Van Gogh. Retira-as de suas margens, tira até suas cores, recorta seu microcosmo pictórico em planos detalhes que ressignificam cada parte dos quadros e dá vida a uma nova obra partindo da análise de uma anterior, assim como as maiores das críticas.
Dias de Greve
3.8 5Iniciando no cinema de Adirley Queirós e me é inevitável algumas lembranças de Leon Hirszman, pois é o cinema brasileiro, político, transiente entre o documental e o ficcional, que ocupa suas lentes com trabalhadores e que enxerga na consciência de classe o estopim para o que veio mostrar. Pensar na rima temática e visual entre "Dias de Greve" com "ABC da greve" é interessantíssimo e a elipse histórica e cinematográfica presente entre o filme de 1990 e esse de 2009 diz muito por si só. O filme de Hirszman mitifica o movimento do proletariado e encontra em Lula a força motriz das suas imagens, líder do movimento e do otimismo que poderia sair daquilo. O de Queirós, quase 20 anos depois, é o inverso, curiosamente (ou não) na periferia da Brasília comandada pelo mesmo Lula. A Ceilândia do diretor não tem um líder tão icônico quanto os trabalhadores do ABC, é mesquinho e falho em conseguir a união do sindicato, o grupo parece despreparado e sem uma aliança consistente para levar a greve adiante. Não há expectativa de melhora nem inflamação de luta ao final. Queirós capta a tomada de consciência e o ódio de classe - me lembro de "Arábia" -, e capta o Carnaval de maneira ambígua. É ao mesmo tempo a alforria daquela gente, assim como "Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar", como também outro motivo de ódio; chefe e operário na mesma avenida, a falsa noção de igualdade e a visão da festa como mais um anestésico mediante a rotina angustiante.
A Noite dos Sacos Plásticos
3.4 10O ambiente noturno, o isolamento, uma ameaça irracional que vai se aproximando dos protagonistas e essa atmosfera de um terror muito fantasioso me remeteu muito a The Fog do Carpenter, pois a construção do vilão não investe em uma ameaça de fato, mas em um senso de descrença, em algo imaginativo e despretensioso.
O parto me parece uma rima bem potente com Children of Men do Cuarón, se lá o nascimento de uma criança em um barco afastado era apoteótico, a volta da espécie humana; aqui, é o oposto, o nascimento de um fim que toma conta do planeta. Lá vamos da catástrofe a esperança, aqui, o inverso.