Revisto, e é incrível como o roteiro disso daqui dá um olé em todo esse cinema recente de super-heróis que, de uns quinze anos pra cá, só falam e focam em universos ou histórias "sombrias/adultas". A história é muito bem construída, a primeira "parte" do filme, e aqui penso até aquele momento pouco após o surgimento do Coringa propriamente dito, é uma boa trama policial, e não vemos nem de longe a ansiedade que boa parte dos filmes carregam hoje de querer apresentar trocentas coisas em espaços curtíssimos de tempo; os arcos se constroem mutuamente, com o (bom) arco do Knox/Vale, as tensões da comemoração do bicentenário de Gotham, a presença dos mafiosos no departamento de polícia da cidade, etc. O ponto negativo é o escanteamento do Harvey Dent, basicamente sem utilidade alguma na história inteira.
O grande pecado desse Batman são as cenas de ação com o próprio... Batman, mas perfeitamente explicável pelo fato do traje ser basicamente uma armadura: é até fácil encontrar entrevistas do Michael Keaton reclamando de como a roupa o deixava praticamente como um boneco não-articulado. Em compensação, e isso é realmente admirável, o Tim Burton criou uma série de parâmetros que diria que nenhum filme do universo de heróis alcançou depois - com exceção do Dick Tracy, talvez: um visual único que extrapola esse próprio nicho de cinema. Este Batman ainda traz a melhor Gotham, de um passado opulento mas em contínua decadência, o Coringa do Nicholson ainda é o Coringa mais fiel e com a identidade mais "afiada".
Gratíssima surpresa, que não deixa de ser um lembrete a todos aqueles que juram que nada do universo cinematográfico de heróis antes do Homem de Ferro se salva.
É o não-noir com cara de noir, e com um dos protagonistas com síndrome de Super-Homem hollywoodiano, ou "idealista" conforme dito tantas vezes, mais contraventores da história do cinema moderno.
Definitivamente não é um filme ruim. Parece um pouco deslocado pela construção dos personagens, mesmo já sendo um filme dos anos 1990 com toda a carga de violência que o cinema da década recebia herdado dos 80, mas lembrando um daqueles tantos filmes da Era de Ouro do cinema norte-americano. Porque "Firma" empurra, desde os primeiros segundos, o personagem perfeito, com a vida perfeita, construída em cima de suor e muito estudo e trabalho, e até
os segredos que poderiam comprometer a imagem de perfeição do personagem principal parecem, no fim,
não terem importância alguma. O gosto do agridoce, aqui no começo, chega é palatável, mas é um constrangimento que é gostoso de acompanhar. É o clichê bem feito, muitíssimo bem trabalhado.
Mitch é o self-made man perfeito: leal, compromissado, estudioso, batalhador. Impecável em público, domina também as situações no privado do lar. É o planejador perfeito, sempre um passo à frente de todos, sejam da Lei, sejam os sujos. É a cara do começo dos anos 90: não acredita no Estado de forma nenhuma, porque sabe que a justiça, em que pese ser uma das armas, não é o braço mais confiável do Leviatã. É a caricatura ideológica perfeita que cercava o início daquela década.
A história é muito previsível porque já no primeiro episódio conseguimos matar -RÁ!- o mistério, mas, e mesmo por isso, é divertido acompanhar "Undoing": é um longo desmonte das mentes dos dois personagens principais envolvidos.
Nicole Kidman está em atuação espetacular, como de usual, e a sensação que passa é que tudo isso aqui parece, pela proximidade de alguns pontos do roteiro e pela própria estética (os interiores dos grandes apartamentos luxuosos de NY, o luxo e o mistério dos mais abastados), um herdeiro bastardo do "Eyes Wide Shut" do Stanley Kubrick, lá de 1999.
O último episódio, infelizmente, afunda do modo mais previsível possível, e o desfecho em si deixa a impressão de "poxa, só isso?" após toda a construção dos seis episódios.
É um filme estranho: o Gus Van Sant quis tratar do isolamento do Blake-Kurt, mas transformou tudo numa grande sessão de passeio. Não sabemos os porquês: por que o Blake é/está assim? Por que um dos colegas, o Donovan, é evitado? O que "Últimos dias" quer passar, no fim?
Por evitar um lado mais material da coisa, "Últimos" vira um grande recorte de contemplação de ambientes, com a duração de pouco mais de hora e meia, em que Blake mal e mal é parte de uma paisagem, do qual está presente apenas fisicamente, quase como um borrão nas tomadas amplas da natureza, quase como um móvel que calça pantufas e usa óculos escuros coloridos no interior de quartos, cozinha, da estufa. Blake mal fala, e quando se comunica o faz por balbucios, frases incompletas, um abnegado social. Evita contatos pessoais, evita as ligações de telefone, se sente apto para sentar junto -não conversar- com o vendedor das páginas amarelas (interpretado por um vendedor real, diga-se), e o mais próximo que estabelece de comunicação é com uma executiva de gravadoras, aqui interpretada pela Kim Gordon, ex-Sonic Youth e amiga pessoal do Kurt na vida real. Gus parece que escolhe o caminho mais fácil pra contar a história: o dos clichês; não há saída pro Blake porque quem o cerca não liga pra ele, e tudo o mais parece não fazer sentido segundo "Últimos". É o pior dos niilismos, aquele mais barato.
Mas, em parte por escolher este caminho, algumas passagens de "Últimos" são lindíssimas à perspectiva do espectador -em que pese no que a história se baseia, evidentemente: a última jam praticada em estúdio, em que um Blake isolado arranha uns acordes, engana com umas letras mal-arranjadas, dá um pouco do tom daquilo que deve ter sido o último exercício criativo do Kurt. E, claro,
o encontro do jardineiro com o corpo de Blake na estufa, largado no chão ao modo daquelas tantas sonecas do personagem que acompanhamos ao longo do "Últimos", mas que já está morto, em que acompanhamos o espírito/alma ou o diabo que seja fazendo um último esforço para sumir do plano, nu e livre, sem ao menos uma olhada para aquilo que deixou no plano terrestre.
A nota que o filme tem aqui talvez assuste quem queira ver, mas não é pra tanto. Só não iria com tanta sede pra não se decepcionar: porque "Últimos", do mesmo modo que o "Elefante" do mesmo diretor, é uma história visualmente bonita, mas muito mal-contada, de um acontecimento real.
Lindo porque expõe como absolutamente tudo numa sociedade, da economia aos planejamentos sociais, das grandes obras arquitetônicas à casa de um contrabandista, de um povo lido majoritariamente (de forma errônea) enquanto homogêneo ao indivíduo - ou três, como aqui mais em específico - à parte dos meios urbanos e aparentemente à distância das decisões centrais de um governo qualquer, pode se transformar de uma forma muito drástica num espaço curto de tempo, para o bem ou para o mal.
É curioso porque um documentário tão majoritariamente good-vibes como este do Jon Alpert deixa algumas reflexões muito interessantes, independentemente de nacionalidade e temporalidades. As lições desse documentário, pelo menos pra mim, evidentemente, são: conseguimos criar consciência dessas transformações cotidianas e imparáveis que também nos atingem? Somos capazes de construir uma consciência minimamente histórica, que explica menos pra onde vamos, mas, e principalmente, como chegamos aonde estamos? E, a exemplo de
Essa é a temporada mais curiosa pra mim: o roteiro de sua primeira metade é, claramente, preguiçoso. The Office parecia abraçar mais e mais a comédia "comum" de sitcoms, mas de algum modo soube, na segunda metade, retornar o humor "sem-vergonha" daquelas duas primeiras - ao menos pra mim, óbvio. Percebi que é, disparada, umas das mais depreciadas pelos fãs, mas essa segunda metade me fez curtir pelo retorno desse humor. Por isso, até a achei melhor que algumas das anteriores, que me pareceram muito presas em narrativas que não me atraíram tanto.
O Robert California, do James Spader, é um dos maiores desperdícios de personagem que já lembro de ter visto numa série; o potencial dele exposto no fim da temporada anterior, com aquela entrevista com Gabe, Jim e Toby, podia ter sido o nascimento de uma luz forte pro resto da série inteira, mas foi (muito) subaproveitado. Nellie, por outro lado, surge como um foguete naqueles episódios na Flórida, lembrando até em partes o Michael das duas primeiras temporadas, mas no decorrer parece virar um fantoche que ninguém sabe ao certo como tratar.
No mais, ao menos fica evidente como os show-runners já se encaminhavam pra finalizar tudo na 9º.
Tem um charme excessivamente brega? Sim, mas até aí tudo normal em um desses filmes recentes do Woody Allen. Mas, por ser justamente um filme recente do Woody Allen, não imaginava encontrar toda a dose de poesia que "Meia-noite em Paris" carrega. Poesia nem pela presença
não-imaginária de todos os grandes personagens das artes
no filme, que fizeram Paris ter o imaginário - artístico/intelectual - que carrega ainda hoje, mas pelas próprias ideias de Gil sobre seu romance e seu personagem principal, o sujeito completamente afundado no pior dos passados: aqueles de nostalgia.
Se pensar direitinho, é a história do V de Vingança na perspectiva de um burocrata incomodado com a condição pobre -moralmente falando, não financeira- dele mesmo.
Talvez seja a melhor produção sobre a escravidão nos Estados Unidos que vi. Os episódios "curtos", como The Great Spirit, funcionam como uma aula de história, e entregam o pano de fundo necessário para se compreender o período, suas mentalidades, contradições, violências.
É uma minissérie crua, como a temática exige. Uma viagem difícil, mas necessária -pra eles lá do Norte e, por que não, também pra gente aqui do Sul.
Fascinante a história, real, do Charles Sobrhaj. Um elemento alienígena, por ser de uma etnia distinta, na Europa, e algo que se torna uma das motivações para o início de uma vida de crimes no Sudeste Asiático. A reconstituição continua primorosa, uma marca da BBC. Penteados, roupas, trejeitos, fidelidade ao visual das pessoas reais, criminosas, cúmplices, vítimas, que cruzaram o caminho de Sobrhaj e construíram esse mito do "Serpente". Detalhe inútil, mas que me chamou a atenção:
por que a mão britânica em carros na França e na Tailândia?
Um aspecto negativo para mim, e que cansou em certos momentos: os cortes temporais constantes, numa passagem de futuro/passado que, algumas vezes, confundiu. Nada que prejudique, claro, a construção da minissérie.
Talvez seja um dos filmes mais melancólicos da última década porque explore o sujeito que tem o talento, o conhecimento do mundo ao redor, os contatos, mas simplesmente parece estar... fora de época, ou fora de moda, e com a cabeça um tanto perturbada.
É um filme tão irônico que percebemos na última cena no Gaslight que
o novato que se apresenta naquele momento é o Bob Dylan,
um sujeito que compartilha, ou compartilhava até aqueles começos de 1960, de muito dos sonhos, trejeitos, e objetivos que o próprio Davis carregava consigo. Mas com um diferencial: irá estourar, enquanto o coitado do descendente de galeses-que-não-parece-galês parece fadado, muito por ações próprias, àquela rotina, tão bem construída e que parece um círculo, mas com diferenças pontuais em certas fases, ao qual somos apresentados.
Não deixa de ter uma certeza beleza poética o "arco" do gato:
me pareceu ali uma representação da turbulência que são os relacionamentos que o Davis cria, e que não consegue manter.
Como é um filme basicamente sobre derrotas, não deixa de ser quase uma terapia. É como se os irmãos Coen tivessem optado por levar ao cinema aquela última estrofe de um dos primeiros sucessos do incipiente "rival" do Davis: "the vagabond who's rapping at your door is standing in the clothes that you once wore/ strike another match, go start anew and it's all over now, Baby Blue"
Por menos que gostemos, por mais que seja difícil, há a necessidade de mudanças. Caso contrário, seremos ressentidos, prisioneiros numa estrada autodestrutiva que nem o Davis, esse Baby Blue.
Fantástico pela remasterização e recuperação das gravações em vídeo da década de 1950 e 1960. Há passagens que parecem, literalmente, gravada por atores, e demorei certo tempo para perceber que era um material digitalizado e totalmente reelaborado. Filmagens do Brasil de fins da década de 1950 são maravilhosas, e esse aspecto técnico é digno de exaltação.
Infelizmente, é um documentário "homenagem". Muito romantismo, pouca crítica. Com exceção de Paulo César Caju, todos os outros convidados passam um pano monstro pro homem Edson Arantes do Nascimento. Claro que, por ser um documentário cujo objeto é uma única pessoa, os holofotes se voltam todos ao Pelé. Porém, senti falta de um pouco de luz aos demais companheiros: em nenhum momento, por exemplo, se cita o nome "Garrincha" no documentário inteiro.
A passagem sobre a ditadura militar, tão comentada pela mídia e crítica especializada, nem acrescenta muita novidade. Antes, o que me chamou a atenção foi como o Pelé
Filmaço. Aponta uma narrativa que desromantiza grande parte do mito das Forças Armadas alemãs, quando da Guerra Mundial, que construía todos os seus soldados como loucos e cegos fanáticos pela fúria nazista.
Essa humanização em "Das boot", somada à qualidade de se contar uma história de mais de três horas sobre um grupo pequeno de pessoas trancafiado num submarino - o que, acho, não é absolutamente nada fácil para um roteirista e diretor com tal responsabilidade -, me conquistaram.
Enfadonho e chato, como qualquer novela aristocrática; curiosamente, e pelos mesmos fatores, também por isso belíssimo.
Me pareceu Scorsese mirando "Barry Lyndon" do Kubrick, em certos momentos. As passagens da "Época da Inocência" em que vemos a transição de pinturas/fotografias à "realidade" são lindas, assim como toda a construção dessa NY que, apesar de em um país abertamente democrático e federal do "we the people", para alguns do além-mar ainda era um reduto nobre tão luxuoso quanto aqueles de Nice, Lausanne ou Londres.
Infelizmente, achei super cansativo em certos momentos. O respiro final, como
quando se aventa até uma possibilidade de assassinato May por Newland
, até dá uma energia, mas nada que me salvou muito numa avaliação geral.
Em certo momento, a narradora do filme informa sobre a casa da vovó (e também de seus cachorrinhos) Manson Mingott que, incrustada numa metrópole cada vez mais de linhas modernas e de massa, ela parecia ter sua mobília e arquitetura retirada dos velhos contos franceses, lidos e verdadeira moda da alta casta da nobreza europeia daqueles momentos. Esse poderia ser, em certas proporções, até o comentário geral sobre "Época".
Cansativo, mas belo; luxuoso, mas também dispensável em grandes partes.
Estava lendo uma crônica escrita pela Rachel de Queiroz, no tempo em que a cearense escrevia para alguns jornais do Rio de Janeiro naqueles anos de pós-guerra. No texto "Viagem à Europa", foi impossível lê-lo e não lembrar de toda a narrativa do "Vá e Veja".
Escreve Rachel, ao refletir sobre toda a destruição do continente, como "ainda há as crianças, Senhor, as crianças, todo o maltratado mundo de crianças nevrosadas pela guerra, tornadas adultas antes do tempo, semifamintas ou totalmente famintas". "Crianças que vagueiam pelos campos escavacados, pelas ruínas povoadas de fantasmas, que não esperam de ninguém nem comida nem carinho, crianças nascidas na guerra e para as quais a paz entre os homens é uma estranha novidade", conforme escreve.
É uma atividade imaginativa estranhíssima - e forte - a de ponderar o que foi a vida dos tantos Floryas, jovens treinados à força pelo instinto mais baixo e bárbaro de sobrevivência pelas circunstâncias criadas pelos nazistas, e mesmo o seu futuro num país -e vida - escorraçado. "Não sei qual a tremenda lição que a nós, de tão longe e relativamente tão bem amparados ainda, nos daria essa visão da Europa. Talvez nos ensinasse um novo heroísmo; e talvez também nos contagiasse do seu desespero", conclui a cearense.
Forma um complemento interessante com o "Da 5 Bloods" do Spike Lee, lançado neste nosso ano. Como alguns comentaram mais abaixo, Oliver Stone aborda como um processo sequencial de mentiras, voltadas ao ao corpo jovem de uma sociedade, comprometeu uma geração inteira numa guerra. Afinal, embebeceu muitos que, embalados por um popular anticomunismo e pela promessa de levar a civilização à Ásia (quase uma repaginação contemporânea estadunidense do famoso "fardo do homem branco"), não hesitaram em atender ao "chamado do dever" ocidental pela "liberdade", e que no fim só seriam encaminhados à morte e mutilação.
Infelizmente, "Nascido..." pra mim se destaca - e muito - por sua primeira parte. Acho que a construção da infância do Ron Kovic certamente mexeu muito, à época, com boa parte dos estadunidenses que o assistiram. Afinal, é a típica imagem vendida da família nuclear norte-americana: brancos, classe média (baixa), casinha de subúrbios, muitas crianças na mesma família, pai veterano, encontro com colegas num dinner e coisas do tipo. Inclusive, logo no início, temos a grande cena que já vale o filme inteiro: naquelas salinhas apertadas, toda uma família reunida assiste, na TV pequenininha, a declaração de guerra lida pelo John Kennedy ao Vietnã do Norte. Vemos, nos olhos da mãe, se atiçarem o desejo de ver seu filho, ainda novo, num lugar importante ao lado do presidente dos EUA; e notamos também a esperança e compreensão de boa parte daqueles que estão ao lado do presidente, como Jackie Kennedy, Nixon e um já idoso Ike Eisenhower, serem recepcionadas muito positivamente, e de forma acrítica, pela família de espectadores do outro lado
Empolgação de uma nação, antes do conflito, que logo se tornará em apreensão, terror e depressão para muitos daqueles convocados pelo draft, que pegarão a longa viagem para os confins asiáticos numa luta contra um inimigo desconhecido em um ambiente igualmente estranho.
No mais, todo o resto me pareceu ter muito potencial não desenvolvido. Por exemplo, o enfermeiro negro Willie, aberto às causas dos direitos civis e anti-guerra, ou mesmo o irmão Tommy, um fã de Bob Dylan que parece sempre acanhado quando ao lado do irmão retornado do conflito, poderiam ter sido muito melhor aproveitados. O que não quer dizer que não exista boas cenas e diálogos, claro.
Fotografia maravilhosa.Por outro lado, chatíssimo. A narrativa é tão confusa quanto o cotidiano daqueles que estão sendo abordados no Tempelhof, o que, no fim, também pode ter sido a intenção.
Num mural de esquina, um grande painel entrega maiores informações sobre a demografia daquele bairro. Grafitados em parte alta do muro estão homens de feições latino-americanas e negros, e bandeiras de diversos países também estão ali representadas na arte: lembro da bandeira da Jamaica, de Porto-Rico e de uma outra nação que, provavelmente, deve ser do Sudeste Asiático. "Do the right thing", entretanto, não se passa em nenhuma dessas nações. Na verdade, o mural se encontra no Brooklyn, dos maiores bairros de Nova Iorque, e mais: não em qualquer localidade dessa Big Apple. É em Bedford-Stuyvesant, ou Bed-Stuy para os mais íntimos, onde a história será contada. Sim, eu sei que você também notou, onde o Chris mora. E, já em seus primeiros minutos de "Faça...", Spike Lee ousa mostrar ao que veio.
A cena inicial, que poderíamos chamar de abertura, já expõe o recado de que o que estamos pra ver aqui não é lá muito convencional. Ao som de Fight the power, do Public Enemy, escutamos que "Elvis was a hero to most, but he never meant shit to me [...], straight up racist that sucker was, simple and plain. mother fuck him and John Wayne", enquanto uma mulher, de feições "sudacas", enfia punchs e jabs e, também, se traveste nas roupas do Rei do Rock enquanto executa passos de dança na frente daqueles típicos apartamentos nova-iorquinos de classes baixas. Não é só um filme sobre identidade ou resistência que teremos, é o aviso passado. É sobre uma convivência étnica que, se tem tons pacíficos e amenos em certos pontos dentro daqueles elementos ali presentes, até com pitadas de comédia e do bonachão cotidiano, também pode explodir de modo incontrolável quando o peso daquilo que alguns chamam de "estruturas-de-poder" literalmente baixa nessa área, ganhando tons cada vez mais descontroláveis justamente por um elemento: o racismo.
Curiosamente, o S. Lee opta pelo não-convencional pra contar, em boa parte das duas horas, um dia na vida daqueles sujeitos. É meio que a proposta de Ulisses, do James Joyce, transportada pro cinema. Só que, se na proposta joyciana a odisseia do Leopold Bloom nos parece um tanto distantes (me refiro, nesse ponto, ao narrar da história), em "Faça..." sentimos uma aproximação quase que natural das situações apresentadas. Por exemplo, não me diga que na sua rua não há velhos como ML ou Sweetie Dick Willie, ou mesmo aquele "sujeito lerdo", para ficarmos numa expressão usada aqui, como o Smile, ou até aqueles que, por andarem em grupo constantemente, lembram mais integrantes de uma gangue, como a frequentada por um jovem Martin Lawrence aqui?
É a riqueza social trabalhada num recorte espacial extremamente curto. Nesse bairro de maioria negra, ouvimos o radialista gritar "wake up!", lemos jornais (até em espanhol!) vendidos, observamos Mookie se arrastar pra mais um dia de trabalho na pizzaria do Sal, e porto-riquenhos realizarem batalhas de som com um sujeito negro de quase dois metros de altura. Mas nos é jogado a parte suja desse convívio. Piadas com os donos orientais da mercearia, que têm dificuldade ainda na língua anglófona, mas que "ou são geniais" por terem feito um comércio dar muito certo ali - ou "os negões" de Bed-Stuy que são muito burros, conforme alentado - estão presentes. Assim como a desconfiança de um sujeito de ascendência italiana, filho do proprietário da pizzaria local. E, aqui, temos uma das melhores cenas da vida:
centralizados, fundo parado, e cada escolhido de uma etnia desse bolo nova-iorquina que tá ali escorraça, sem papas na língua, "o outro". São os policiais detonando aqueles pobres da área, Mookie xingando os italianos, e um revoltado Pino despejando todo o seu ódio racial.
Uma conversa franca mesmo, pra mostrar que nem Spike Lee está à distância do que (infelizmente, ainda) é dito, e nem que "Faça..." se encontra num pedestal que não traga como a coisa é, em termos linguísticos, na nossa vida real de todo dia.
O personagem de J. Turturro, Pino, pra mim acaba sendo uma das figuras essenciais pro filme. Não só pelo roteiro que o Lee o entregou, mas pela atuação que faz lembrar sempre aquele sujeito que todo mundo conhece. "Olha, não é que não goste de negro", como chega a afirmar, ou, quando confrontado com aquelas figuras negras de sucesso, que se sae com um "they aren't really black". A resposta de Mookie, inclusive, parece válida até hoje: "nós começamos a civilização".
E é espantoso como a cena derradeira é, literalmente, quase um retrato do que ainda presenciamos. Numa escalonada de situações, um negro,
aquele lá gigante, o Raheem, é sufocado por policiais. Erguido pelo pescoço com um cassetete, em meio a gritos do bairro inteiro que via, sem acreditar, no que estava se desenrolando, o cara do som stereo perde a vida e, como um saco de batatas, é arremessado - morto - na calçada.
o garoto, chegam a gritar. Pelo despreparo policial e sua inconsequência desastrosa, Bed-Stuy estoura em revolta, e o peso todo da já comentada "estrutura-de-poder" vem, magistralmente, à tona. Quase uma aula de sociologia.
"Burn it down" vira o grito de guerra. Você com certeza viu coisa semelhante mês atrás, naquela reta final de Maio. Nesse momento, inclusive, várias insurreições populares, como essa do Brooklyn, vêm correndo soltas por aí, talvez na sua cidade até. Naquele mural étnico, que comentei no início, uma frase acima das artes do grafite: "Bed-Stuy - do or die". Um chamado, mais que um lema, dos nossos tempos.
Confesso que me irritou, como filme, por alguns escapes clichês em certos pontos. Temos o casal que vive da literatura, de passado acadêmico e presente novelista, com o filho turbulento, os questionamentos da atividade; temos também o indivíduo externo a isso tudo que vem e, como uma cobrinha, solta umas peçonhas aqui e acolá que causam um terremoto nessa pequena pirâmide familiar.Temos flashbacks que se sobrepõe a algumas atividades do "presente", um joguinho porco de câmeras às vezes - Estocolmo vista de cima, como enchimento de linguiça - e coisinhas do tipo.
Mas tem diálogos memoráveis. Sobre família, atividade profissional, relações, traições,
Diria que "Esposa" quase tocou aquele potencial pra ser um clássico, daqueles que marcam época mesmo. Como não é, fica como uma excelente pedida, um tremendo alerta sobre o mercado editorial e o meio universitário e um retrato que nem é tão estranho àqueles que, de um modo ou de outro, escolhem e vivem de escrever. Afinal o mundo não tá cheio só de gente chata e sem criatividade, como diria C. Bukowski. Tá entupido de ghostwriters também.
Batman
3.5 831 Assista AgoraRevisto, e é incrível como o roteiro disso daqui dá um olé em todo esse cinema recente de super-heróis que, de uns quinze anos pra cá, só falam e focam em universos ou histórias "sombrias/adultas". A história é muito bem construída, a primeira "parte" do filme, e aqui penso até aquele momento pouco após o surgimento do Coringa propriamente dito, é uma boa trama policial, e não vemos nem de longe a ansiedade que boa parte dos filmes carregam hoje de querer apresentar trocentas coisas em espaços curtíssimos de tempo; os arcos se constroem mutuamente, com o (bom) arco do Knox/Vale, as tensões da comemoração do bicentenário de Gotham, a presença dos mafiosos no departamento de polícia da cidade, etc. O ponto negativo é o escanteamento do Harvey Dent, basicamente sem utilidade alguma na história inteira.
O grande pecado desse Batman são as cenas de ação com o próprio... Batman, mas perfeitamente explicável pelo fato do traje ser basicamente uma armadura: é até fácil encontrar entrevistas do Michael Keaton reclamando de como a roupa o deixava praticamente como um boneco não-articulado.
Em compensação, e isso é realmente admirável, o Tim Burton criou uma série de parâmetros que diria que nenhum filme do universo de heróis alcançou depois - com exceção do Dick Tracy, talvez: um visual único que extrapola esse próprio nicho de cinema. Este Batman ainda traz a melhor Gotham, de um passado opulento mas em contínua decadência, o Coringa do Nicholson ainda é o Coringa mais fiel e com a identidade mais "afiada".
Gratíssima surpresa, que não deixa de ser um lembrete a todos aqueles que juram que nada do universo cinematográfico de heróis antes do Homem de Ferro se salva.
A Firma
3.4 179 Assista AgoraÉ o não-noir com cara de noir, e com um dos protagonistas com síndrome de Super-Homem hollywoodiano, ou "idealista" conforme dito tantas vezes, mais contraventores da história do cinema moderno.
Definitivamente não é um filme ruim. Parece um pouco deslocado pela construção dos personagens, mesmo já sendo um filme dos anos 1990 com toda a carga de violência que o cinema da década recebia herdado dos 80, mas lembrando um daqueles tantos filmes da Era de Ouro do cinema norte-americano. Porque "Firma" empurra, desde os primeiros segundos, o personagem perfeito, com a vida perfeita, construída em cima de suor e muito estudo e trabalho, e até
os segredos que poderiam comprometer a imagem de perfeição do personagem principal parecem, no fim,
É o clichê bem feito, muitíssimo bem trabalhado.
Mitch é o self-made man perfeito: leal, compromissado, estudioso, batalhador. Impecável em público, domina também as situações no privado do lar. É o planejador perfeito, sempre um passo à frente de todos, sejam da Lei, sejam os sujos. É a cara do começo dos anos 90: não acredita no Estado de forma nenhuma, porque sabe que a justiça, em que pese ser uma das armas, não é o braço mais confiável do Leviatã.
É a caricatura ideológica perfeita que cercava o início daquela década.
The Undoing
3.7 255 Assista AgoraA história é muito previsível porque já no primeiro episódio conseguimos matar -RÁ!- o mistério, mas, e mesmo por isso, é divertido acompanhar "Undoing": é um longo desmonte das mentes dos dois personagens principais envolvidos.
Nicole Kidman está em atuação espetacular, como de usual, e a sensação que passa é que tudo isso aqui parece, pela proximidade de alguns pontos do roteiro e pela própria estética (os interiores dos grandes apartamentos luxuosos de NY, o luxo e o mistério dos mais abastados), um herdeiro bastardo do "Eyes Wide Shut" do Stanley Kubrick, lá de 1999.
O último episódio, infelizmente, afunda do modo mais previsível possível, e o desfecho em si deixa a impressão de "poxa, só isso?" após toda a construção dos seis episódios.
Sobre a abertura: mais alguém acha que
a criança que aparece é a irmã do Joanthan?
Últimos Dias
2.9 348 Assista AgoraÉ um filme estranho: o Gus Van Sant quis tratar do isolamento do Blake-Kurt, mas transformou tudo numa grande sessão de passeio. Não sabemos os porquês: por que o Blake é/está assim? Por que um dos colegas, o Donovan, é evitado? O que "Últimos dias" quer passar, no fim?
Por evitar um lado mais material da coisa, "Últimos" vira um grande recorte de contemplação de ambientes, com a duração de pouco mais de hora e meia, em que Blake mal e mal é parte de uma paisagem, do qual está presente apenas fisicamente, quase como um borrão nas tomadas amplas da natureza, quase como um móvel que calça pantufas e usa óculos escuros coloridos no interior de quartos, cozinha, da estufa.
Blake mal fala, e quando se comunica o faz por balbucios, frases incompletas, um abnegado social. Evita contatos pessoais, evita as ligações de telefone, se sente apto para sentar junto -não conversar- com o vendedor das páginas amarelas (interpretado por um vendedor real, diga-se), e o mais próximo que estabelece de comunicação é com uma executiva de gravadoras, aqui interpretada pela Kim Gordon, ex-Sonic Youth e amiga pessoal do Kurt na vida real.
Gus parece que escolhe o caminho mais fácil pra contar a história: o dos clichês; não há saída pro Blake porque quem o cerca não liga pra ele, e tudo o mais parece não fazer sentido segundo "Últimos". É o pior dos niilismos, aquele mais barato.
Mas, em parte por escolher este caminho, algumas passagens de "Últimos" são lindíssimas à perspectiva do espectador -em que pese no que a história se baseia, evidentemente: a última jam praticada em estúdio, em que um Blake isolado arranha uns acordes, engana com umas letras mal-arranjadas, dá um pouco do tom daquilo que deve ter sido o último exercício criativo do Kurt. E, claro,
o encontro do jardineiro com o corpo de Blake na estufa, largado no chão ao modo daquelas tantas sonecas do personagem que acompanhamos ao longo do "Últimos", mas que já está morto, em que acompanhamos o espírito/alma ou o diabo que seja fazendo um último esforço para sumir do plano, nu e livre, sem ao menos uma olhada para aquilo que deixou no plano terrestre.
A nota que o filme tem aqui talvez assuste quem queira ver, mas não é pra tanto. Só não iria com tanta sede pra não se decepcionar: porque "Últimos", do mesmo modo que o "Elefante" do mesmo diretor, é uma história visualmente bonita, mas muito mal-contada, de um acontecimento real.
Cuba e o Cameraman
4.4 107 Assista AgoraLindo porque expõe como absolutamente tudo numa sociedade, da economia aos planejamentos sociais, das grandes obras arquitetônicas à casa de um contrabandista, de um povo lido majoritariamente (de forma errônea) enquanto homogêneo ao indivíduo - ou três, como aqui mais em específico - à parte dos meios urbanos e aparentemente à distância das decisões centrais de um governo qualquer, pode se transformar de uma forma muito drástica num espaço curto de tempo, para o bem ou para o mal.
É curioso porque um documentário tão majoritariamente good-vibes como este do Jon Alpert deixa algumas reflexões muito interessantes, independentemente de nacionalidade e temporalidades.
As lições desse documentário, pelo menos pra mim, evidentemente, são: conseguimos criar consciência dessas transformações cotidianas e imparáveis que também nos atingem? Somos capazes de construir uma consciência minimamente histórica, que explica menos pra onde vamos, mas, e principalmente, como chegamos aonde estamos? E, a exemplo de
Lilo,
The Office (8ª Temporada)
4.0 302Essa é a temporada mais curiosa pra mim: o roteiro de sua primeira metade é, claramente, preguiçoso. The Office parecia abraçar mais e mais a comédia "comum" de sitcoms, mas de algum modo soube, na segunda metade, retornar o humor "sem-vergonha" daquelas duas primeiras - ao menos pra mim, óbvio.
Percebi que é, disparada, umas das mais depreciadas pelos fãs, mas essa segunda metade me fez curtir pelo retorno desse humor. Por isso, até a achei melhor que algumas das anteriores, que me pareceram muito presas em narrativas que não me atraíram tanto.
O Robert California, do James Spader, é um dos maiores desperdícios de personagem que já lembro de ter visto numa série; o potencial dele exposto no fim da temporada anterior, com aquela entrevista com Gabe, Jim e Toby, podia ter sido o nascimento de uma luz forte pro resto da série inteira, mas foi (muito) subaproveitado. Nellie, por outro lado, surge como um foguete naqueles episódios na Flórida, lembrando até em partes o Michael das duas primeiras temporadas, mas no decorrer parece virar um fantoche que ninguém sabe ao certo como tratar.
No mais, ao menos fica evidente como os show-runners já se encaminhavam pra finalizar tudo na 9º.
Meia-Noite em Paris
4.0 3,8K Assista AgoraTem um charme excessivamente brega? Sim, mas até aí tudo normal em um desses filmes recentes do Woody Allen.
Mas, por ser justamente um filme recente do Woody Allen, não imaginava encontrar toda a dose de poesia que "Meia-noite em Paris" carrega. Poesia nem pela presença
não-imaginária de todos os grandes personagens das artes
Brazil, o Filme
3.8 404 Assista AgoraSe pensar direitinho, é a história do V de Vingança na perspectiva de um burocrata incomodado com a condição pobre -moralmente falando, não financeira- dele mesmo.
Animais Noturnos
4.0 2,2K Assista AgoraÉ quase como o Augusto dos Anjos escreveu no Cismas do Destino: "a noite fecundava o ovo dos vícios animais".
The Underground Railroad: Os Caminhos Para a Liberdade (1ª Temporada)
4.4 58 Assista AgoraTalvez seja a melhor produção sobre a escravidão nos Estados Unidos que vi. Os episódios "curtos", como The Great Spirit, funcionam como uma aula de história, e entregam o pano de fundo necessário para se compreender o período, suas mentalidades, contradições, violências.
É uma minissérie crua, como a temática exige. Uma viagem difícil, mas necessária -pra eles lá do Norte e, por que não, também pra gente aqui do Sul.
O Paraíso e a Serpente
4.0 124Fascinante a história, real, do Charles Sobrhaj. Um elemento alienígena, por ser de uma etnia distinta, na Europa, e algo que se torna uma das motivações para o início de uma vida de crimes no Sudeste Asiático.
A reconstituição continua primorosa, uma marca da BBC. Penteados, roupas, trejeitos, fidelidade ao visual das pessoas reais, criminosas, cúmplices, vítimas, que cruzaram o caminho de Sobrhaj e construíram esse mito do "Serpente". Detalhe inútil, mas que me chamou a atenção:
por que a mão britânica em carros na França e na Tailândia?
Um aspecto negativo para mim, e que cansou em certos momentos: os cortes temporais constantes, numa passagem de futuro/passado que, algumas vezes, confundiu. Nada que prejudique, claro, a construção da minissérie.
Vamos Falar do Brasil: Tortura
4.1 6"Diferentemente de outros períodos históricos, ninguém poderá dizer, a esta altura, que não sabe de nada"
Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum
3.8 529 Assista AgoraTalvez seja um dos filmes mais melancólicos da última década porque explore o sujeito que tem o talento, o conhecimento do mundo ao redor, os contatos, mas simplesmente parece estar... fora de época, ou fora de moda, e com a cabeça um tanto perturbada.
É um filme tão irônico que percebemos na última cena no Gaslight que
o novato que se apresenta naquele momento é o Bob Dylan,
Mas com um diferencial: irá estourar, enquanto o coitado do descendente de galeses-que-não-parece-galês parece fadado, muito por ações próprias, àquela rotina, tão bem construída e que parece um círculo, mas com diferenças pontuais em certas fases, ao qual somos apresentados.
Não deixa de ter uma certeza beleza poética o "arco" do gato:
me pareceu ali uma representação da turbulência que são os relacionamentos que o Davis cria, e que não consegue manter.
Como é um filme basicamente sobre derrotas, não deixa de ser quase uma terapia. É como se os irmãos Coen tivessem optado por levar ao cinema aquela última estrofe de um dos primeiros sucessos do incipiente "rival" do Davis:
"the vagabond who's rapping at your door
is standing in the clothes that you once wore/
strike another match, go start anew
and it's all over now, Baby Blue"
Por menos que gostemos, por mais que seja difícil, há a necessidade de mudanças. Caso contrário, seremos ressentidos, prisioneiros numa estrada autodestrutiva que nem o Davis, esse Baby Blue.
Munchausen
3.6 17O silêncio como uma estratégia do diretor para trabalhar o
"egoísmo" constante, como disseram mais abaixo, da mãe para com o filho
Espetáculo.
Burroughs
3.9 2Burroughs ri, em certos momentos do documentário. E isso já basta.
Deus da Carnificina
3.8 1,4KO véio Polanski realmente curte um teatrão em tela grande, né
Pelé
3.6 77Fantástico pela remasterização e recuperação das gravações em vídeo da década de 1950 e 1960. Há passagens que parecem, literalmente, gravada por atores, e demorei certo tempo para perceber que era um material digitalizado e totalmente reelaborado. Filmagens do Brasil de fins da década de 1950 são maravilhosas, e esse aspecto técnico é digno de exaltação.
Infelizmente, é um documentário "homenagem". Muito romantismo, pouca crítica. Com exceção de Paulo César Caju, todos os outros convidados passam um pano monstro pro homem Edson Arantes do Nascimento.
Claro que, por ser um documentário cujo objeto é uma única pessoa, os holofotes se voltam todos ao Pelé. Porém, senti falta de um pouco de luz aos demais companheiros: em nenhum momento, por exemplo, se cita o nome "Garrincha" no documentário inteiro.
A passagem sobre a ditadura militar, tão comentada pela mídia e crítica especializada, nem acrescenta muita novidade. Antes, o que me chamou a atenção foi como o Pelé
não queria disputar a Copa de 1970, e foi objeto de uma intervenção direta do próprio governo ditatorial à disputa da competição.
O Barco: Inferno no Mar
4.2 175 Assista AgoraFilmaço. Aponta uma narrativa que desromantiza grande parte do mito das Forças Armadas alemãs, quando da Guerra Mundial, que construía todos os seus soldados como loucos e cegos fanáticos pela fúria nazista.
Essa humanização em "Das boot", somada à qualidade de se contar uma história de mais de três horas sobre um grupo pequeno de pessoas trancafiado num submarino - o que, acho, não é absolutamente nada fácil para um roteirista e diretor com tal responsabilidade -, me conquistaram.
A Época da Inocência
3.5 249 Assista AgoraEnfadonho e chato, como qualquer novela aristocrática; curiosamente, e pelos mesmos fatores, também por isso belíssimo.
Me pareceu Scorsese mirando "Barry Lyndon" do Kubrick, em certos momentos.
As passagens da "Época da Inocência" em que vemos a transição de pinturas/fotografias à "realidade" são lindas, assim como toda a construção dessa NY que, apesar de em um país abertamente democrático e federal do "we the people", para alguns do além-mar ainda era um reduto nobre tão luxuoso quanto aqueles de Nice, Lausanne ou Londres.
Infelizmente, achei super cansativo em certos momentos. O respiro final, como
quando se aventa até uma possibilidade de assassinato May por Newland
Em certo momento, a narradora do filme informa sobre a casa da vovó (e também de seus cachorrinhos) Manson Mingott que, incrustada numa metrópole cada vez mais de linhas modernas e de massa, ela parecia ter sua mobília e arquitetura retirada dos velhos contos franceses, lidos e verdadeira moda da alta casta da nobreza europeia daqueles momentos.
Esse poderia ser, em certas proporções, até o comentário geral sobre "Época".
Cansativo, mas belo; luxuoso, mas também dispensável em grandes partes.
Vá e Veja
4.5 756 Assista AgoraEstava lendo uma crônica escrita pela Rachel de Queiroz, no tempo em que a cearense escrevia para alguns jornais do Rio de Janeiro naqueles anos de pós-guerra. No texto "Viagem à Europa", foi impossível lê-lo e não lembrar de toda a narrativa do "Vá e Veja".
Escreve Rachel, ao refletir sobre toda a destruição do continente, como "ainda há as crianças, Senhor, as crianças, todo o maltratado mundo de crianças nevrosadas pela guerra, tornadas adultas antes do tempo, semifamintas ou totalmente famintas".
"Crianças que vagueiam pelos campos escavacados, pelas ruínas povoadas de fantasmas, que não esperam de ninguém nem comida nem carinho, crianças nascidas na guerra e para as quais a paz entre os homens é uma estranha novidade", conforme escreve.
É uma atividade imaginativa estranhíssima - e forte - a de ponderar o que foi a vida dos tantos Floryas, jovens treinados à força pelo instinto mais baixo e bárbaro de sobrevivência pelas circunstâncias criadas pelos nazistas, e mesmo o seu futuro num país -e vida - escorraçado.
"Não sei qual a tremenda lição que a nós, de tão longe e relativamente tão bem amparados ainda, nos daria essa visão da Europa. Talvez nos ensinasse um novo heroísmo; e talvez também nos contagiasse do seu desespero", conclui a cearense.
Nascido em 4 de Julho
3.7 242 Assista AgoraForma um complemento interessante com o "Da 5 Bloods" do Spike Lee, lançado neste nosso ano. Como alguns comentaram mais abaixo, Oliver Stone aborda como um processo sequencial de mentiras, voltadas ao ao corpo jovem de uma sociedade, comprometeu uma geração inteira numa guerra.
Afinal, embebeceu muitos que, embalados por um popular anticomunismo e pela promessa de levar a civilização à Ásia (quase uma repaginação contemporânea estadunidense do famoso "fardo do homem branco"), não hesitaram em atender ao "chamado do dever" ocidental pela "liberdade", e que no fim só seriam encaminhados à morte e mutilação.
Infelizmente, "Nascido..." pra mim se destaca - e muito - por sua primeira parte. Acho que a construção da infância do Ron Kovic certamente mexeu muito, à época, com boa parte dos estadunidenses que o assistiram. Afinal, é a típica imagem vendida da família nuclear norte-americana: brancos, classe média (baixa), casinha de subúrbios, muitas crianças na mesma família, pai veterano, encontro com colegas num dinner e coisas do tipo.
Inclusive, logo no início, temos a grande cena que já vale o filme inteiro: naquelas salinhas apertadas, toda uma família reunida assiste, na TV pequenininha, a declaração de guerra lida pelo John Kennedy ao Vietnã do Norte. Vemos, nos olhos da mãe, se atiçarem o desejo de ver seu filho, ainda novo, num lugar importante ao lado do presidente dos EUA; e notamos também a esperança e compreensão de boa parte daqueles que estão ao lado do presidente, como Jackie Kennedy, Nixon e um já idoso Ike Eisenhower, serem recepcionadas muito positivamente, e de forma acrítica, pela família de espectadores do outro lado
Empolgação de uma nação, antes do conflito, que logo se tornará em apreensão, terror e depressão para muitos daqueles convocados pelo draft, que pegarão a longa viagem para os confins asiáticos numa luta contra um inimigo desconhecido em um ambiente igualmente estranho.
No mais, todo o resto me pareceu ter muito potencial não desenvolvido. Por exemplo, o enfermeiro negro Willie, aberto às causas dos direitos civis e anti-guerra, ou mesmo o irmão Tommy, um fã de Bob Dylan que parece sempre acanhado quando ao lado do irmão retornado do conflito, poderiam ter sido muito melhor aproveitados.
O que não quer dizer que não exista boas cenas e diálogos, claro.
"Deus está tão morto quanto minhas pernas"
Aeroporto Central
3.4 7 Assista AgoraFotografia maravilhosa.Por outro lado, chatíssimo.
A narrativa é tão confusa quanto o cotidiano daqueles que estão sendo abordados no Tempelhof, o que, no fim, também pode ter sido a intenção.
Faça a Coisa Certa
4.2 398Num mural de esquina, um grande painel entrega maiores informações sobre a demografia daquele bairro. Grafitados em parte alta do muro estão homens de feições latino-americanas e negros, e bandeiras de diversos países também estão ali representadas na arte: lembro da bandeira da Jamaica, de Porto-Rico e de uma outra nação que, provavelmente, deve ser do Sudeste Asiático.
"Do the right thing", entretanto, não se passa em nenhuma dessas nações. Na verdade, o mural se encontra no Brooklyn, dos maiores bairros de Nova Iorque, e mais: não em qualquer localidade dessa Big Apple. É em Bedford-Stuyvesant, ou Bed-Stuy para os mais íntimos, onde a história será contada. Sim, eu sei que você também notou, onde o Chris mora.
E, já em seus primeiros minutos de "Faça...", Spike Lee ousa mostrar ao que veio.
A cena inicial, que poderíamos chamar de abertura, já expõe o recado de que o que estamos pra ver aqui não é lá muito convencional. Ao som de Fight the power, do Public Enemy, escutamos que "Elvis was a hero to most, but he never meant shit to me [...], straight up racist that sucker was, simple and plain. mother fuck him and John Wayne", enquanto uma mulher, de feições "sudacas", enfia punchs e jabs e, também, se traveste nas roupas do Rei do Rock enquanto executa passos de dança na frente daqueles típicos apartamentos nova-iorquinos de classes baixas.
Não é só um filme sobre identidade ou resistência que teremos, é o aviso passado. É sobre uma convivência étnica que, se tem tons pacíficos e amenos em certos pontos dentro daqueles elementos ali presentes, até com pitadas de comédia e do bonachão cotidiano, também pode explodir de modo incontrolável quando o peso daquilo que alguns chamam de "estruturas-de-poder" literalmente baixa nessa área, ganhando tons cada vez mais descontroláveis justamente por um elemento: o racismo.
Curiosamente, o S. Lee opta pelo não-convencional pra contar, em boa parte das duas horas, um dia na vida daqueles sujeitos. É meio que a proposta de Ulisses, do James Joyce, transportada pro cinema. Só que, se na proposta joyciana a odisseia do Leopold Bloom nos parece um tanto distantes (me refiro, nesse ponto, ao narrar da história), em "Faça..." sentimos uma aproximação quase que natural das situações apresentadas.
Por exemplo, não me diga que na sua rua não há velhos como ML ou Sweetie Dick Willie, ou mesmo aquele "sujeito lerdo", para ficarmos numa expressão usada aqui, como o Smile, ou até aqueles que, por andarem em grupo constantemente, lembram mais integrantes de uma gangue, como a frequentada por um jovem Martin Lawrence aqui?
É a riqueza social trabalhada num recorte espacial extremamente curto. Nesse bairro de maioria negra, ouvimos o radialista gritar "wake up!", lemos jornais (até em espanhol!) vendidos, observamos Mookie se arrastar pra mais um dia de trabalho na pizzaria do Sal, e porto-riquenhos realizarem batalhas de som com um sujeito negro de quase dois metros de altura.
Mas nos é jogado a parte suja desse convívio. Piadas com os donos orientais da mercearia, que têm dificuldade ainda na língua anglófona, mas que "ou são geniais" por terem feito um comércio dar muito certo ali - ou "os negões" de Bed-Stuy que são muito burros, conforme alentado - estão presentes. Assim como a desconfiança de um sujeito de ascendência italiana, filho do proprietário da pizzaria local.
E, aqui, temos uma das melhores cenas da vida:
centralizados, fundo parado, e cada escolhido de uma etnia desse bolo nova-iorquina que tá ali escorraça, sem papas na língua, "o outro". São os policiais detonando aqueles pobres da área, Mookie xingando os italianos, e um revoltado Pino despejando todo o seu ódio racial.
O personagem de J. Turturro, Pino, pra mim acaba sendo uma das figuras essenciais pro filme. Não só pelo roteiro que o Lee o entregou, mas pela atuação que faz lembrar sempre aquele sujeito que todo mundo conhece. "Olha, não é que não goste de negro", como chega a afirmar, ou, quando confrontado com aquelas figuras negras de sucesso, que se sae com um "they aren't really black". A resposta de Mookie, inclusive, parece válida até hoje: "nós começamos a civilização".
E é espantoso como a cena derradeira é, literalmente, quase um retrato do que ainda presenciamos. Numa escalonada de situações, um negro,
aquele lá gigante, o Raheem, é sufocado por policiais. Erguido pelo pescoço com um cassetete, em meio a gritos do bairro inteiro que via, sem acreditar, no que estava se desenrolando, o cara do som stereo perde a vida e, como um saco de batatas, é arremessado - morto - na calçada.
"Não precisavam
matar
"Burn it down" vira o grito de guerra. Você com certeza viu coisa semelhante mês atrás, naquela reta final de Maio. Nesse momento, inclusive, várias insurreições populares, como essa do Brooklyn, vêm correndo soltas por aí, talvez na sua cidade até.
Naquele mural étnico, que comentei no início, uma frase acima das artes do grafite: "Bed-Stuy - do or die".
Um chamado, mais que um lema, dos nossos tempos.
A Esposa
3.8 557 Assista Agora"I am a kingmaker".
Confesso que me irritou, como filme, por alguns escapes clichês em certos pontos. Temos o casal que vive da literatura, de passado acadêmico e presente novelista, com o filho turbulento, os questionamentos da atividade; temos também o indivíduo externo a isso tudo que vem e, como uma cobrinha, solta umas peçonhas aqui e acolá que causam um terremoto nessa pequena pirâmide familiar.Temos flashbacks que se sobrepõe a algumas atividades do "presente", um joguinho porco de câmeras às vezes - Estocolmo vista de cima, como enchimento de linguiça - e coisinhas do tipo.
Mas tem diálogos memoráveis. Sobre família, atividade profissional, relações, traições,
perdão (?).
Afinal o mundo não tá cheio só de gente chata e sem criatividade, como diria C. Bukowski. Tá entupido de ghostwriters também.