Não caiam na conversa de alguns empolgados mais abaixo. Nicole Kidman não salva esse filme. Ele todo é capenga, arrastado, sem gancho e vida. Artificial, tenta criar um ambiente típico de suspense que não encanta em momento algum. Tramas superficiais (Shelby, o "pai" da Shelby) tomam boa conta de boa parte do "Destroyer", e antes parecem muito mais aqueles parágrafos que você bate o olho e jura que é enrolação da parte do autor. Tomadas clichês de L. A, como skatistas numa ruela debaixo da ponte, dinners imundos, presença latina (mecânicos, traficantes, gângsters) nas ruas imundas da Califórnia, etc.
Mas ele vai ficar marcado pra mim porque é o primeiro filme em muito tempo que me lembro de ter a N. Kidman numa atuação fraquíssima. O que, por si só, é uma façanha da parte da direção.
Decepcionante, e pra dizer o mínimo. E já adianto que, como fã-boy safado dos dois primeiros, nem esperava mais que uma avaliação mediana própria disso aqui. Mas me surpreende como, quando você acha que eles não conseguem, alguém tem a capacidade de enfiar mais uma facada e rodar ela no que restou do "Exterminador". O que é uma pena pra franquia. Sem pensar em comparações, os dois primeiros são fantásticos: uma boa história, um thriller ótimo no primeiro, um clássico monstro do cinema ação-brucutu no segundo, sempre resta algum tico de esperança de que alguém com boas intenções e ideias possa resgatar o fiapo de dignidade e fazer algo nem digno, mas minimamente palatável desse universo. Bizarramente, o "Salvação" pra mim passa na média de final de ano. Todo o restante não, e esse aqui incluso. Na verdade, o "Destino Sombrio" todo é digno de pena. O retorno da Sarah Connor é literalmente triste e não funciona, as protagonistas não tem carisma, o Arnoldão volta parecendo um sapo inchado, o roteiro não tem pé nem cabeça e temos furos a rodo.
Mas deixando de implicar: "Destino Sombrio" é raso - e burro. Como explicar
o surgimento da Legion? Ou como pensar por que AQUELE futuro da Skynet não ocorreu?
E o pior ainda tava por vir: a explicação do porquê o Exterminador "original" virou aquele redneck mequetrefe expõe a preguiça com que os responsáveis pensaram esse filme. É impressionante como isso daqui não agrada nem os fãs ardorosos e nem aqueles que, simplesmente, esperavam um bang-bang pra se divertir à toa. Pouquíssimas cenas empolgam, e aqui fica o registro daquela tomada nas casas de detenção de imigrantes - que em particular lembra, minimamente, os bons momentos shooter do 2 -, e nem as investidas cômicas ou de flashback funcionam.
Pessoalmente, colocaria no mesmo nível (horroroso) do 3. E o pior é imaginar como todos os furos desse aqui provavelmente vão alimentar, por um bom tempo ainda, mais facadas como essa na franquia. Esse Exterminador deveria ser, para o bem de toda a cronologia, o canto - feio e rouco - do cisne. Mas parece que, e me dando a liberdade de fazer um trocadilho tão ruim quanto o filme, um destino muito sombrio ainda nos aguarda.
Que doidera: ele dá uma escalonada bem cedo, constrói uma narrativa clichêzona sob um certo ângulo dá situação até dar um twist inicial e fecha tudo com um TWIST DUPLO CARPADO bem inesperado.
Eu diria que se não fosse uma produção de orçamento mediano aos padrões atuais (5 milhões de Trumps, segundo o Google) e se estivesse em mãos um pouco mais experientes que a do J. Edgerton, poderia dar um caldo até mais grosso. O dedo do Joel parece que caiu melhor no roteiro que na direção e na atuação - esta última bem mediana, pra mim. De todo modo, não deixa de ser uma surpresa.
Não diria que é uma "cinebiografia", como posto na sinopse aqui. O recorte escolhido pelo Stanley Tucci pega, poderíamos dizer, os últimos meses de vida do Alberto Giacometti e, mais em específico, seu processo de criação do retrato de James Lord no ano de 1964 em Paris.
É um bom filme, se pensarmos em termos de duração e roteiro. Aborda muito bem o processo criativo do A. Giacometti - por mais que não pareça, ao fim, tão criativo, bem como alguns aspectos de seu cotidiano nesta fase final de carreira. Pra quem sofre com ansiedades, transtornos e se cobra bastante pelos próprios trabalhos, poderia dizer até que me identifiquei com o artista (mesmo que, infelizmente, me falte os milhões).
Filme muito simpático, no fim das contas. A cena de negociação
Das maiores definições de "enlatado americano" que vi recentemente. Pior é assistir e pensar como isso poderia facilmente ser um episódio daquelas séries que o pessoal curtia tanto há uns 15 anos atrás, como Cold Case, CSI ou NCIS.
"Existem muitas memórias por lá", comenta Dominick Birdsey ao seu padrasto, Ray, em certo momento de "I know this much is true". O "lá" da conversa se refere à casa onde Ray e Dominick partilharam parte de suas vidas com Thomas, gêmeo de Dominick e com sérios problemas mentais, e Connie, a mãe biológica dos irmãos. Períodos de convivências difíceis: relações turbulentas, um machismo incalculável, a falta de amor no seio familiar. O último episódio - e, no fim, a série inteira - poderia ser facilmente deduzida de uma oração emitida pelo Dominick
no velório de seu irmão: "a vida miserável de Thomas Birdsey";
ou, sendo mais justo, poderíamos modificar o sujeito da frase para o plural. O fechamento dessa série maravilhosa é, também, maravilhosa, e só confirma o poder dela como um todo.
recuperar o irmão do hospital psiquiátrico, acompanhamos Dominick com Thomas indo ao espaço que os locais chamam de "Cascata".
Ali, ouvimos de Thomas como alguém disse, para ele, que "este rio é como a vida. Ele flui do passado para o futuro". Este último episódio também apresenta uma cena digna de ser lembrada à posteriori em qualquer manual, lista e porcarias do tipo que busquem eleger grandes momentos de séries e/ou produções televisivas. No
velório, enquanto um sentido Dominick está em forte luto pela morte de Ray - falecido na "Cascata" citada, afogado entre as pedras, um dia após sua saída do hospital -, o sacristão responsável pelas palavras inicia seu falatório afirmando como a "missão" de Ray fora amar e cuidar das crianças de Connie. Uma tarefa mesmo "divina.
E a construção, a partir daqui, é um espetáculo. Enquanto as palavras fluem, temos uma mudança visual na cena. Saímos do espaço
do cemitério, e somos transportados a mais um dos tantos flashbacks que acompanhamos em IKTMIT: agora, e com o áudio ainda reverberando as palavras do padre, na tela acompanhamos saímos do velório e somos transposto a um dos tantos momentos da violência física de Ray nas pequenas crianças - em Thomas, especialmente - e na própria mãe destas.
Uma sacada técnica que ilumina, ao cabo, a sensação de lembranças, no presente, de um momento passado anos (décadas, no caso) antes.
O final da cena/sequência não é menos leve: na casa da família, Dominick
rememora, quase como uma assombração palpável, sua mãe machucada numa das camas do andar de cima.
Olha as fotos do avô, e vem à sua lembrança as palavras que Domenico Tempesta ouvira tantas vezes na casa construída do zero quando de sua imigração: "maldição". Os próximos minutos são, simplesmente, de um show de atuação e do "drama" no sentido próprio da palavra.
"I know this much is true" é certamente uma das surpresas da HBO de uns tempos pra cá. Com os investimentos recentes em minissérie da produtora, certamente torna-se uma das marcas bem-sucedidas desta empreitada. É um show de caracterização, de localização da história, de adaptação do roteiro. É o auge do Mark Ruffalo, aqui no melhor papel de sua carreira. É uma lição sobre o amor fraterno, identidades, família, vida e momentos; relacionamentos, mortes, adeus e reconstruções. É uma obra-prima.
Infelizmente, super rápido. Me surpreende conseguir entrevistas com gente de peso dentro do cenário musical para entregar algo tão raso. Como Lucas disse logo abaixo, falta quase que o básico. Discordo só do material: a equipe do B. Oakes até conseguiu. O que faltou foi literalmente desenvolvimento.
Triste, porque a história do Robert Johnson é espetacular, vista sob quaisquer ângulo: questões de etnia, do Sul violento e racista estadunidense, do blues desenvolvido e da gigantesca influência legada ao soul, ao rock e a tantos outros gêneros musicais. Aqui a Netflix ficou devendo. E muito.
A cena toda é muito simbólica: num bar típico do sudeste asiático, em que mesas longas e tábuas que servem como cadeiras lutam por um espaço próprio e artificial contra rios e árvores da natureza vietnamita, dois estrangeiros conversam e flertam. Ele, negro e estadunidense, e ela loirinha, francesa. Ambos jovens. Ela, Hedy Bouvier, solta uma frase incauta e curta, mas que pode simplesmente ressoar em qualquer recorte, cenário ou época da história humana: "uma guerra nunca acaba para os envolvidos".
"Destacamento Blood" é um filme sobre o Vietnã, é verdade. Mas a sinopse para por aí, e me atrevo em ir mais além: são mais de duas horas e meia não apenas sobre as experiências de uma guerra devastadora a todos os envolvidos, mas que também se voltam ao como memórias sobre esta se transformam. E Spike Lee, numa ascendente de qualidade fodida desde o "Infiltrado na Klan", desenvolve de modo primoroso o jogo que propôs. Se acompanhamos, na maior parte das vezes, os quatro amigos idosos que retornam ao país asiático para buscar os restos de Norm - líder e quinto integrante do esquadrão Blood, falecido em combate -, também somos jogados
flashbacks, me perguntei "mas porra, eles estão reencenando o conflito lá ou algo do tipo?", e só com o decorrer fui me tocar da sacada genial que permeia "Destacamento". Ao vermos Paul, Otis, Eddie e Melvin já velhos e idosos lutando na guerra, o que temos ali não é o factual.
São lembranças. Imponentes e invencíveis, incansáveis e letais, verdadeiras máquinas da morte, estes senhores assim leem sua participação no conflito. Mesmo contra jovens vietnamitas escondidos em escarpas montanhosas ou nas florestas, nada, absolutamente nada pode parar eles. Idade como problema? Não para o Esquadrão Blood.
Mas, ora só, lembranças muitas vezes são criadas, (re)transformadas, embaralham e jogam com a memória - e, por suposto, com aquilo que realmente se passou. Quando
os companheiros (e David) se veem envoltos em dificuldades no interior da floresta - e após acharem os restos de Norm, o ouro, os franceses e vietnamitas malandros, quase que tudo ao mesmo tempo -, vemos a idade voltar a ser descarregada nos ombros de cada um, e a partir daí sim acompanhamos o desenrolar
da construção memoriográfica dessa situação. É uma jogada muito bem sacada, essa de "Destacamento". Um destes senhores, que ainda literalmente se alimenta e vive só por suas lembranças, diz que Deus disse para ele que "fodam-se os filhos da puta". O que
Paul não esperava é que, em seus momentos finais, tudo o que realmente aconteceu naquele campo de batalha nos anos 1970 voltasse com tanta força sobre ele: quando um inimigo vietnamita entra num perímetro aliado, Paul o destroça com uma rajada de metralhadora e atinge, também,o
camarada Norm - o mais politizado, progressista, líder dos Blood. "Nosso Malcom [X] e Martin [Luther King]", conforme um dos velhos veteranos.
No mais, boas sacadas e "citações" muito bem feitas são realizadas aqui. Em uma tomada em um rio caudaloso, numa transição do urbano para o rural, ouvimos a "Cavalgada das Valquírias" tocando. Porém, os estadunidenses que retornam aos rios do Vietnã não buscam e caçam minas marítimas, mas sim afastam fios de eletricidade com tênis presos neles. O barquinho, inclusive, carrega uma bandeira do Estado comunista vietnamita, com sua inconfundível estrela num fundo vermelho em destaque. O que embala o ambiente não é mais um radinho de pilha que toca Marvin Gaye, Aretha ou Rolling Stones. O som ao redor é de comerciantes barulhentos, que insistem na venda de frutas, aves, quinquilharias - e que também não se esquecem do que ocorreu ali pouco mais de quarenta anos atrás.
No fim, e assim como o "Apocalypse Now" de F. F. Coppola que marcou uma geração pelo seu Kurtz balbuciando sobre um certo "horror", "Destacamento Blood" traz sua readaptação quando um Otis, centralizado pela câmera e deitado no chão, fala sobre um tal de "madness". Quase que inerente àquele palco, a "loucura" de Lee se torna tão marcante e presente quanto o "horror" (nunca apresentado, de fato) kurtziano. Puro inferno na Terra, foi o Vietnã. Mas Spike Lee também é muito hábil em mostrar que o inferno não está apenas ali, à distância e num país tropical e fodido qualquer: sem exclusividade territorial, pode mesmo estar "dentro de casa", em próprio território natal, onde eventos e situações deixam marcas tão profundas quanto as feridas de batalha ou os destroços do psicológico acumulados pelo combate. E, mais que isso, são antes sociais e mesmo estruturais. Nesse ponto, a descoberta dos Blood
"São donas-de-casa ricas que têm por única ocupação a busca por culturas esotéricas". Obrigado pela nova definição da minha vida, Woody. Mas sem o "rich", claro.
Nunca uma tradução brasileira foi tão fiel ao que é o filme. Ponto altíssimo pra trilha sonora, que parece daqueles rpgs cyberpunks antigaços de SNES (alô, Shadowrun), e por (alguns) diálogos interessantes, como os do hospital entre um James fodidaço e uma Catherine repentinamente filosófica - e que sempre tirará uma frase de efeito nos cenários mais inimagináveis possíveis a partir daí.
Como não li o livro, acho que me sinto como o pessoal que assistiu o Vício Inerente do Paul Thomas Anderson, baseado no homônimo de Thomas Pynchon, e ficou boiando tanto o quanto eu fiquei após terminar aqui. Curiosamente, em que pese os destaques gráficos pras maquiagens (próteses e cicatrizes à rodo) e pros cenários de batidas e destruição, acho que é o Cronenberg menos Cronenberg que vi até agora.
Fico imaginando a tarefa hercúlea do diretor de elenco aqui, responsável por convencer e juntar essa galera pra um filme com esse roteiro. E destaque, claro, pra um James Spader que ainda surfava no auge da carreira e que parecia destinado a ser um dos grandes em Hollywood pós-Abaixo de Zero e Stargate.
Foi terminar "O homem do prego" e lembrar, quase que automaticamente, de alguns poemas do Jerzy Ficowski. Como Sol, Ficowski foi também um sobrevivente da barbárie nazista nos campos - além de ter sido um resistente polonês, mas não judeu. Também como Sol, enfrentou dificuldade em expor as memórias do que viu sobre o extermínio.
No seu "Epitáfio do morto em vida", Ficowski escreve: "Acossado, temeu mortalmente por longos cinco anos esta lua do fígado que lhe alumiava por dentro com gelo
Este mar morto dos alentos no qual sem afundar se cobria com sal de desesperança
Temia mortalmente o livro de Moisés, a dezena de seus dedos e o crespo Monte Sinai de medo mas sobreviveu
Mas sobreviveu a si mesmo".
Foi como um morto em vida, um "morto-vivo" - como um personagem o troça -, que Sol (e tantos outros) passou o resto de sua vida: a longa espera do desejo de uma morte que virá não quando ele quer, mas que virá quando ele menos esperar.
Um pouquinho confuso por certos cortes e tomadas de cenas, mas que se explica pela pretensão de dar um "punch" diferente dos demais filmes do gênero. "Paraíso" é belíssimo. Pela fotografia em preto-e-branco e pela fidelidade estética naquilo em que fez de tema, já que circula desde delegacias parisienses aos campos de extermínio nazistas, e por aquilo que Bandine comentou mais abaixo e que entendo por "humanização" de uma História, "Paraíso" lhe toca no íntimo pelo não-comum dos filmes sobre o drama da caçada humana perpetrada pelos nazistas.
Como o Bandine fez o comentário definitivo, queria comentar só como dos três arcos narrativos, foi o de Helmut o que mais me surpreendeu. Não pela questão de "jovens com formação acadêmica" que se enfiaram de cabeça nas loucuras do nazismo, e que aqui é tão bem debatido numa de suas ~entrevistas~ no miolo de "Paraíso", nem pela disciplina arraigada no trato com seus pares e prisioneiros no campo. Isso, até em veículos midiáticos mais amplos, já recebiam uma atenção especial. Mas além da prova destas hipocrisias de crença, me pegou pelo contrapé ver num personagem uma assunção do Übermensch pelo pensamento nazista. Distorcido e vilipendiado do significado original, do Nietzsche, vemos aqui no "Paraíso" como na prática esta categoria filosófica foi, por sua adaptação, literalmente transformada numa crença quase utópica na "imortalidade germânica" ou em merdas racistas do tipo.
Não confiem nesta média baixa do Filmow. Isso aqui vale uma chance e, pra professores, é quase uma mina de ouro para usos em sala e debates dos mais diversos tipos, do Fundamental ao meio acadêmico.
Suspensão rápido, direto ao ponto, entupido de furos (como um pessoal aqui até já comentou), cortadas muito rápidas em termos de roteiro/história e uma história-base que no fim nem faz muito sentido.
Mas o que me impressionou mesmo é como o molequinho é A CARA do Jake Gyllenhaal.
Revi, e só reafirmo meu amor por todo o filme. Da introdução de um Johnny maldosamente irônico com a irmã, com a icônica "eles estão vindo te pegar, Bárbara", até ao cabaré improvisado que é um bocado de gente com personalidade diferente aprendendo (ou não) a se lidarem enquanto o mundo lá fora está literalmente virado pelo avesso.
Além, claro, das entradas jornalísticas por rádio e tevê. Minha favorita, inclusive, ainda é a do incrédulo repórter de tevê afirmar como "reports, incredible as they may seem, are not the results of mass hysteria".
Em um dos momentos mais turbulentos que uma pessoa pode passar na vida, em que todos os sintomas de um puta burnout de trabalho, da difícil situação de uma distância afetiva e social com outros sujeitos e em que uma doença carcome, aos poucos, sua mãe, um dos melhores ouvintes de Margherita é um ator falastrão e picareta de quinta categoria trazido Deus sabe de onde do fim dos EUA: "Titus, Lucretius... o que serão de todos eles? De todos aqueles livros?". É o desabafo, aqui sobre o conhecimento e seu aporte material, os livros, que poderão se esvair ou perder significado com a morte de sua mãe, uma idosa professora de latim. Ela é dita em pleno set, pouco antes da filmagem de uma cena. Pá-pum: super rápida, mensagem jogada na cara - como tem de ser, diria.
"Minha mãe" me parece um filme, antes, mais sobre o lidar com as agruras que surgem em uma determinada etapa da vida. E esse é um ponto curioso: apesar de toda a questão envolvendo a mãe presente, é em torno do amplo círculo social de Margherita que ele se desenrola. Como não leio sinopses geralmente antes de ver filmes, por vezes caio totalmente nas mãos da montagem deles. Aqui, demorei a perceber até onde sonhos, realidade, amores e pensamentos distintos surgem, se estabelecem e terminam. De uma
jovem Margherita, que dá de cara com sua "velha eu" abruptamente na fila de um cinema
, até a alguns recortes que perpassam "bem ao lado" dos personagens (para ficarmos na palavra da nossa diretora), como as cenas de seu irmão no escritório de advocacia ou como boa parte das cenas com Vittorio e Lívia, fazem o produto final que "Minha mãe" é um tanto confuso. Além do mais, a construção de alguns destes personagens, no fim, nem chegam perto do impacto que notamos que Nani Moretti queria passar. Ou, caso você queira ser mais poético, podemos interpretar que neste quesito o filme simplesmente traz um pouco desse recorte do que é uma vida para ele: atribulada, à distância, enervante, com pitadas de grosseria, rápidas.
Por outro lado, gostei muito dos recortes sobre as atividades e o dia-a-dia no set com Margherita. Desde a cena inicial, em que acompanhamos as filmagens de um filme no qual operários invadem uma fábrica, passando por policiais violentos (mas sem armas de fogo ou balas de borracha - aprende, Brasil) e jatos d'água, até ao cotidiano estressante do figurino, escolhas de elenco, maquiagem... Por sinal, destaque à cena da coletiva de imprensa: babacão como é, o ator importado direto da América puxa pra si (e à força) todos os holofotes, mente nas suas respostas, faz caras e bocas, se diverte à beça. Margherita, no entanto, está quase que completamente absorta, alheia, distante; todas as perguntas parecem a mesma, todos os jornalistas parecem iguais, todos ao lado dela ali na mesa lembram aquelas pecinhas velhas do Lego: em que pese uns mais cheinhos ou altos, todos e tudo exatamente iguais. E é este o grande destaque aqui, ao menos pra mim: é John Turturro, que parece interpretar este estadunidense típico - galanteador, arrogante, metido a centro do universo e que foi "dispensado por S. Kubrick -, que me roubou as atenções. Alguns episódios, como o da cantina, o citado inicialmente ou o do jantar com a família da diretora, ganham uma pitada maravilhosa "de cores" com a presença do Barry.
Infelizmente, não achei o "Minha mãe" tão bom quanto outros do próprio N. Moretti. O que não significa, é claro, que seja ruim. Apesar de tudo isso que comentei, a sensibilidade dele voa altíssimo, e é isto que me irá fazer recordar dele daqui pra frente.
Super interessante a proposta do "Bom dia, Babilônia": ao mesmo tempo em que é um relato da dura vida dos imigrantes - aqui italianos - nos Estados Unidos de começos do século XX, também funciona como um belo retrato, colorido, alegre e mesmo romântico, da indústria cinematográfica hollywoodiana.
Na vida real encontramos casos semelhantes aos de Nicola e Andrea: como breve exemplo, o pai do quadrinista Will Eisner (o mestre dessa arte, nome do maior prêmio oferecido aos seus profissionais) tem paralelos que bem poderiam ser aos dos irmãos Bonanno; se Shmuel Eisner fora, na sua Áustria natal, um habilidoso pintor, na sua nova vida americana exerceria a mesma profissão... mas com paredes. Afinal, não raro trabalhos degradantes e de péssimas condições são entregues a duras penas, ainda hoje, até mesmo àqueles sujeitos que em sua terra natal destacavam-se pela habilidade na manufatura e no ofício de suas profissões e em outras artes. Se duvida disso, faça um experimento social e converse com um imigrante (ou descendente) na sua cidade: pelo menos um exemplo deste tipo este lhe contará.
Mas o curioso de "Bom dia" é que, até mais ou menos aos 60% de filme, o desenvolvimento da proposta e do roteiro se desenvolve de maneira justa. A narrativa é muitíssimo bem amarrada, temos cenas maravilhosas - como as dos irmãos estupefatos, próximo a uma linha de trem, com o perigo que correram com o avanço deste sob sua carroça enquanto dormiam - e o encontro desta primeira proposta, de uma narrativa sobre a dura vida daqueles que tentaram a sorte na América, com aquela outra sobre o glamour e a crescente opulência do cinema em Hollywood é feita da maneira mais correta possível. Quase como se não sentíssemos, nos damos conta que passamos a acompanhar também a feitura de um clássico do cinema mundial neste mesmo filme: o "Intolerância", do (já) polêmico D. W. Griffith que, anos antes, fizera a Bíblia visual estadunidense: "O nascimento de uma Nação".
O problema é que, nestes 40% restantes, a maionese desanda: além destas duas histórias, temos a inclusão da Primeira Guerra Mundial e da
de Andrea e Nicola a serem contadas nesta mesma produção de duas horas fechadas. Se "Bom dia, Babilônia" era super-coeso, justo e afinado até aqui, agora vira uma correria, desengonçado e apressado. Mas ainda assim bonito; em que pese a pressa e o "fast-foward" apertado na condução da história, a cena final é, também por sua ironia, belíssima.
Ainda assim, prefiro ficar com a proposta das duas primeiras narrativas apresentadas que, por si só, já funcionariam sem estes acréscimos posteriores.
Acho que muito já foi dito sobre o "Bohemian Rhapsody". Fazendo uma analogia com o Queen, se o Freddie Mercury dizia que "minha voz vem da energia da plateia", já que "quanto melhor ela for, melhor eu fico", fica válido pensar como "Bohemian" foi feito pra ser assistido no cinema com todo o canto, choro, emoção e o poder da música que a banda passava. Um filme, antes, feito para a participação ativa de seu público. Foi um método um tanto preguiçoso? Bem, pra mim sim - em partes; afinal, recortar os
trinta minutos finais do filme e compor como sendo a apresentação no Live Aid
foi bem canhestro, apesar de toda a empolgação e emoção que suscita pra qualquer um que assista.
Mas como tudo isso já foi dito pelo público (até nos comentários do Filmow, mais antigos) e pela crítica, queria só levantar como o "Bohemian" poderia ter sido menos "romântico" do que foi. Alguém pode até dizer: "porra bixo, tu jura que a Fox iria jogar 52 milhões de Trumps pro Bryan Singer fazer um puta filme crítico que ousasse arranhar a imagem da banda e dos integrantes, até por contar com dois deles na produção do filme e justo num momento em que a banda havia retomado o mínimo de atividades e buscava um novo espaço pra um novo público num novo século"?
Bem, não diria desconstruir, mas pelo menos apresentar algumas situações próximas do que realmente foram - e aqui penso até como produto, filme pronto mesmo. Por exemplo: é sabido que a aproximação de F. Mercury com B. May e Roger Taylor teve um intermediário; aliás, mais que um intermediário, um amigo mesmo. Tim Staffell foi quem levou o ainda Farrokh Bulsara para conhecer Taylor e May, e a partir daí o processo se deu. O que quero dizer é: apresentar o Staffell como um puta personagem genérico que simplesmente quitou do Smile quando bem quis e como se não tivesse relevância nenhuma no negócio é meio foda. Em termos de drama, um pouquinho poderia ter sido acrescentado na história, e não custa lembrar que este foi apenas um exemplo: ao longo de "Bohemian" várias situações que destoam bastante do que (provavelmente) ocorreu são apresentadas.
Mas em que pese estas distâncias ficcionais da liberdade criativa do roteirista/diretores/produtores, pra mim o "Bohemian" conseguiu passar um pouco da magia que a banda teve. Não achei, como alguns chegaram a comentar na época de lançamento, que o filme desprezava os outros integrantes, por exemplo.
E só pra fechar o comentário e mostrar como a metodologia e escolhas musicais do Queen, que são exemplarmente encontradas na feitura da música homônima ao filme e que mistura ópera, rock e delírios de grandiosidade e mixórdia em pouco mais de 6 minutos, eram recepcionadas à época, cito um trecho de uma reportagem do Mikal Gilmore que, aqui no Brasil, saiu na Rolling Stone n°95 de 2014: "Quando o grupo [Queen] estava gravando em um estúdio ao lado do Sex Pistols, Sid Vicious perguntou a Mercury: 'Então você é o tal de Freddie Platinum [piadinha com o sobrenome 'Mercúrio'] que está levando balé para as massas?' Ao que o vocalista respondeu: 'Ah, senhor Ferocious [outra piadinha com sobrenome, agora do Vicious]. Estamos fazendo nosso melhor, querido'."
Porra, Bryan Singer: se tu meteu um carinha interpretando o Bob Geldof, bem que poderia ter dramatizado essa situação do encontro dos dois aí também.
Numa Sarajevo ainda envolta nos tormentos do conflito civil-militar mais violento em território europeu desde a Segunda Guerra Mundial, em 1992, acompanhamos dois jornalistas italianos em uma cena que se desenrola no ritmo frenético da ação. A bordo de um carro com o "Press" estampado nas laterais, os repórteres do "La Stampa" de Turim, em que pesem compartilhar do mesmo empregador, parecem estar sob emoções diferentes nesta manhã: aquele que acompanha o motorista à frente, o fotógrafo, parece animado com o provável furo de reportagem que irá cobrir, e inclusive pressiona o coitado responsável pelo volante a correr mais que de costume pelas ruas esburacadas por projéteis de artilharia; o outro jornalista,pego incauto pelo anúncio recebido logo cedo, cobra calma, arrisca um inglês macarrônico dentro do carro e pede uma menor velocidade, mas pouco é ouvido pelos outros dois. O que vemos, na sequência, é uma cena que daria orgulho aos estudiosos da fotografia. Nela, acompanhamos os dois jornalistas entrarem numa casa, e se depararem com um
corpo de uma mulher idosa, deitado sob uma poça de sangue, nos fundos da residência.
O primeiro repórter, o animadinho da corrida, como bom fotógrafo já se prepara para bater as imagens que, com certeza, serão de destaque nas páginas internas do Stampa. Enquanto acompanhamos o preparo dos equipamentos, um barulhinho eletrônico ecoa no pequeno imóvel: próximo à porta onde estão, uma criança joga um Game-Boy, sentado, a anos-luz de distância dos estranhos que estão ali. Nosso fotógrafo não hesita:
apanha o menino, focado com o video-game portátil (e provavelmente traumatizado com os eventos), e o põe, com cadeirinha e tudo, próximo ao corpo morto da senhora.
A panorâmica está pronta, e o cenário é impactante: o risonho fotógrafo bate as fotos, enquanto seu ainda aparentemente aturdido companheiro acompanha com o olhar toda a situação. Mesmo na guerra, vemos a oportunidade de crescimento, o cavalo com sela que passa inesperadamente na frente do vaqueiro perdido no sertão. A fotografia tirada, deste jeito, não aparenta mais ir às distantes páginas do meio. Pela felicidade do amigo da câmera, ela será a foto de capa de um dos mais vendidos jornais da Europa. Nesta situação, podíamos até evocar Susan Sontag: ainda nos causa incômodo a "dor dos outros"?
A cena, bastante reveladora, é na verdade quase um spin-off dentro do "Belos Sonhos". Ao contrário de sua composição, acompanhamos como personagem principal não o sujeito cabeludo da câmera fotográfica, mas seu camarada "distante", Massimo. "Belos" não é sobre a guerra, mas funciona na verdade como um filme de formação: é como se pegássemos alguns clássicos desta vertente na literatura europeia do século XIX e XX, como o "Werther" de Goethe e os "Bruddenbook" de Thomas Mann, e os transpuséssemos pro cinema. E o resultado, pra mim, é tão lindo como. É uma narrativa de crescimento, conflitos, amadurecimento, traumas, memórias e silêncios que acompanhamos por pouquinho mais de duas horas. Do surgimento do primeiro grande amor da vida, a mãe, mas principalmente da difícil situação de lidar com a perda abrupta desta.
Se nos primeiros minutos de filme vemos uma mãe e seu filho se divertindo, ouvindo um rockabilly americano, pouco menos de uma hora depois somos jogados para as confusões de uma criança que não aprendeu a lidar com a situação desta perda.
: da procura, ainda na pré-adolescência, pelo aconchego materno nas mais diferentes situações, como no se ceder às carícias da mãe do amigo, até aos primeiros sinais de que o mundo ao seu redor, agora, não será mais o mesmo. Por exemplo, observamos um carente Massimo observar uma mulher contratada pelo seu pai para ajudar em casa, e que em certos pontos lembra mesmo sua mãe assistindo aos filmes de horror da tevê; se aproximando da mulher, devagarinho, Massimo aprende - da forma mais dura possível - que
Pra não alongar tanto, não posso deixar de citar mais três cenas espetaculares: a do jovem Massimo nos bancos escolares de uma escola católica aprendendo o verdadeiro significado de "luz" e de como algumas ideias religiosas não podem ser transpostas ipsis litteris ao mundo secular; a "resposta dos editores", no episódio de uma carta de um filho raivoso enviada ao Stampa, em que sou surpreendido pela leveza de um humor inesperado pelo tema e pela situação; e a descoberta de um escape, da criança Massimo, das agruras da vida pelos ombros de seu pai: a alegria de ir ao estádio e de assistir (e imaginar, quando não o há!) o futebol. Sem esquecer, claro, da belíssima cena derradeira: afinal, se alguns privilegiados ainda podem se dar ao luxo
de chamar pela mãe,seja ao chegar em casa, como aludido exemplarmente por Massimo na resposta à correspondência enviado ao Stampa, ou pelo simples medo de uma brincadeira de esconde-esconde, como acompanhamos agora,
como lidar com isso quando chegar à nossa vez?
"Belos Sonhos" é provocativo, forte, sensível e, principalmente, real nas medidas certas. É a forma de encarar uma dor que nunca chegará ao fim, do aprender a lidar com ela e, como nos ensina o padre/professor, de como "apesar de que" temos de seguir em frente. Nessa quarentena maldita, só tenho a agradecer ao Arte1 pela surpresa de transmitir isso numa tarde que, agora, parece sempre igual às outras.
Juro que cheguei a formular um escrito bem rápido sobre a "Máfia dos Tigres" que buscasse dar conta das situações e cenários quase irreais, pra quem não assistiu, e que também ajudasse a formular uma discussão sobre toda a irracionalidade dessa "indústria animal" e desse lado podre da "America", com quem viu.
Mas aí um sujeito que certamente escreve melhor que todo mundo dessa rede social, o Bret Easton Ellis (autor, dentre outros, do Psicopata Americano e do Abaixo de Zero, ambos adaptados pro cinema), mandou o seguinte no Twitter: "Assistir 'A Máfia dos Tigres' é como embarcar numa cocaína ruim por seis horas: você sabe que é ruim mas não se tem nada melhor pra fazer e aí fica meio 'high' por um tempo mas então começa a se deprimir e a se debater enquanto vai trincando e se dá conta: por quê diabos eu encarei isso?".
Não diria decepcionante, até porque como "série" essa temporada de Westworld foi muito boa. Mas a questão aqui é justamente essa: ela teve de ser a sucessora de duas temporadas espetaculares. E entro não nas questões de expectativas e realidades, mas de literalmente a escolha de uma alternativa: a de seguir uma fórmula que já vinha sendo feita e rendido ótimas críticas e recepções mornas do público, ou aquela de dar um verdadeiro cavalo de pau nas formas de se contar sua história e ser mais palatável ao "mercado" e, consequentemente, tornar a série digna de uma audiência esperada para uma produção HBO.
O passo para fora do mundo do parque, conforme os finais da segunda, certamente chamou muito a atenção de todos os fãs; afinal, como (re)construir a série basicamente do zero? Sairíamos do habitat natural de duas temporadas bem-sucedidas de WW (em que pese a decepção da HBO com a recepção e consumo da série, nem de longe comparada ao que GoT foi, conformes planos iniciais) para o mundo "humano" que, apesar dos robozinhos aqui e acolá, em funções tão díspares como vidência e construção civil, não é afetado pelos raciocínios de um roteiro scriptado pensado para uma atração como no parque Delos.
A sacada de fazer os hosts aportarem nesse mundo de tonalidades cyberpunk foi, na realidade, um movimento excelente: me agradou muito a construção de cenários, de um mundo verdadeiramente high-tech/low-fife. WW surpreendia ao abraçar, de forma tão correta, um dos melhores ramos do sci-fi. O trailer inicial, nesse sentido, foi maravilhoso: fechadinho, expunha todo esse admirável mundo novo aos fãs, com poucas reminiscências dos velhos moradores da Delos por ali e a introdução de uma série de novas situações. Entretanto, e aqui está o início do pecado de toda a produção desta temporada, além desse "novo" mundo, algumas mudanças estruturais também foram propostas e levadas à cabo. Para os produtores, a terceira temporada deveria ser mais "direta", não sendo tão "subjetiva", como a segunda fora, ou "arrastada" como (em partes) a primeira havia sido. E é aqui, na minha opinião, que a maionese desandou.
Pra não me estender muito, e sem entrar nos méritos e debates do roteiro: esta terceira temporada foi muito, mas MUITO corrida, apressada mesmo. WW, que se construiu pautada num desenvolvimento mais moroso mas também muito mais "rico" em termos de profundidade de história, cenários e contextos, transformou-se quase num "shooter", numa série de ação genérica de ficção científica. Em detrimento da "construção" que era característica até então na série, vimos esta terceira temporada ser preenchida por longas cenas de tiroteios super-corridos, além daquelas claramente feitas para ocupar tempo e espaço - vide
. As tentativas de criar um "gancho" pra história em certos episódios também não surtiram efeito, já que pouco tempo após sua aparição tínhamos uma explicação fornecida pelas situações dos próprios personagens ou, como em alguns casos, saídos diretamente de suas bocas, conforme
O resgate de antigos sujeitos também nem comoveram e nem acrescentaram tanto ao "novo mundo". Um indício logo no início da temporada, portanto, que as coisas seriam um pouquinho diferentes do que costumava ser até então.
Esta pressa, partida da escolha deliberada dos produtores de fazer esta temporada com mais "ação" e recortes "chamativos", acabaria interferindo no desenvolvimento da maioria dos personagens também. Temos um William, por exemplo,
em boa parte da temporada, ao mesmo tempo em que as situações do personagem Caleb, essencial para esta recorte e para a sequência da série, parecem ser quase sempre
insuficientes pela importância que este acaba ganhando no decorrer da história.
No mais, acho que para quem curtiu as duas primeiras temporadas, estas mudanças se fazem bem visíveis logo nos três primeiros episódios desta terceira. A mudança na condução do que WW vinha sendo passou não por uma mudança sutil, mas para uma virada muito brusca. Em que pese tudo que comentei, gostei desta 3º: apesar de muito abaixo do que a série vinha sendo, conseguiram manter a peteca em quadra.
Agora é aguardar para ver como, na quarta temporada, ela será reposta ao jogo. E para quem tem curiosidade em ir além das temporadas: ao longo destas três, várias referências (nem tão sutis) foram feitas ao filme original de 1973; nesta última temporada, tivemos por exemplo
a cena de um host (Dolores) se recompondo fisicamente a partir do rosto no último episódio,
em clara "citação" de uma das cenas mais famosas do original. Não diria que vai ser cânon, mas assistir a sequência do Westworld de 1973, o "Futureworld", acredito que ajude a ter uma ideia do que virá por aí.
No mais, só nos resta sobreviver a esta pandemia - que acredito que nem o Rehoboam poderia prever - para observarmos como tudo isso se dará. Ou esta, no fim,
Como diriam alguns estadunidenses: esta adaptação, assim como o conto original da Shirley Jackson - que foi publicado originalmente na revista "New Yorker" na década de 1940 e causou nas semanas seguintes uma revogação em massa das assinaturas da revista -, assusta porque é "so likely" em termos de alguns cotidianos e hábitos dos nossos irmãos do Norte.
"Uma vida nova teve início para mim. Eu vira meu pai se descontrolar, e minha infância jamais voltaria a ser como antes. Aquela mãe que sempre estava em casa agora passava o dia trabalhando na Hahne's; o irmão sempre disponível ia trabalhar para Lindbergh depois da escola; e o pai que havia desafiado uma lanchonete cheia de antissemitas em Washington agora chorava alto e de boca aberta - como um bebê abandonado e também como um homem torturado - por se sentir impotente diante daqueles eventos imprevistos. E, como a eleição de Lindbergh me ensinara muito bem, o desenrolar de um imprevisto era tudo. Visto de trás para frente, o imprevisto implacável era o que estudávamos na escola sob o nome de 'História', uma matéria inofensiva em que todo o inesperado no momento em que ocorrera surge estampado nas páginas como inevitável. É o terror imprevisível que a ciência da história encobre, transformando desastre em epopeia".
Esta passagem, maravilhosa, é retirada do "Complô contra a América", o romance contra-factual do Philip Roth lançado em 2004 e que inspira esta série homônima da HBO. Como fã da obra, e também das produções anteriores do idealizador desta série, o David Simon - que criou "The Wire", uma das grandes produções desta mesma casa e uma das melhores séries de todos os tempos -, confesso que pessoalmente esperei muito do "Plot". Para minha infelicidade (e não que eu tenha ido com muita fome ao produto final), percebi que a série não corresponde nem aos fãs do livro e, muito menos, aos viajantes de primeira viagem neste universo Rothiano que parte de um "e se" imaginado ali em um ponto crucial na história dos Estados Unidos.
Afinal, e se as eleições estadunidenses de 1940, que coincidiram com o estouro da Segunda Guerra Mundial, fossem vencidas não pelo Franklin Delano Roosevelt, como na "nossa realidade", mas por um sujeito simpático à Alemanha nazista? Essa é a premissa do "Plot": se no romance acompanhamos a infância do próprio autor, Philip, da construção de um martírio a todas as minorias em território estadunidense com a eleição do popularíssimo - e condecorado na vida real pelos nazistas - Charles Lindbergh, na série temos uma perspectiva repartida; e é aqui o início dos problemas.
Adaptar um romance para uma minissérie é, verdade, tarefa das mais difíceis. Além da mudança de meios, já que falamos de transpor uma narrativa originalmente literária à tevê, o "contar-a-história" também não será o mesmo. Se no romance acompanhamos o desgraçamento dos EUA pela ótica de uma criança, na série percebemos o entrelaçar das situações a partir de diferentes pontos-de-vista. Quero chegar no fato que, em que pese a fidelidade para a maior parte de todas as situações adaptadas, tudo em "Plot" acontece muito rápido e sem muito tempo para pensar: personagens se erguem em cima de outros personagens, não fica bem explícito ao espectador quem são aqueles envoltos em todas as situações, a correria é escolhida em detrimento do "flow" narrativo.
E aqui chego naquilo que considero como o grande erro desta adaptação do Plot: àqueles que não leram o romance, leia-se a maioria, é complicadíssima a tarefa de se situar no desenrolar dos acontecimentos. Não há o cimento que conecte a tomada "A" com a tomada "B", e muito do pano de fundo - que enriquece a escrita do Roth - não transparece no seriado. Infelizmente, esta é a tônica de todos os episódios: mesmo ao sujeito mais atento, nada de muita conexão parece surgir dali. É, por isto, uma falha que compromete toda a produção: afinal, não se pode cobrar a leitura prévia de algo do espectador para aquilo que este mesmo espectador está ali assistindo. Por isso mesmo, muitas das situações mais tensas e angustiantes do livro, como
esta notícia da eleição do Lindbergh, as tensões com a lei marcial nas ruas, mesmo a diversão bem infantil de duas crianças andando sozinhas de ônibus por Nova York
, acabam se perdendo. Com uma exceção, em minha opinião: em que pese ter sido uma cena muito rápida,
a angústia de Bess com Seldon, ao telefone, quando este literalmente sente a morte de sua mãe
é das poucas que fizeram jus e que conseguiram levar, à tevê, um pouco dessa sensação que passamos quando lemos esta exata situação no romance.
Em que pese este (grave) erro, o "Plot" também compartilha de todos os bônus de algo da marca HBO: a caracterização de época é espetacular, e ouso dizer que muito daquilo que imaginei ao ler a obra do Roth se assemelhou em muito à forma como foi visualmente transposta. Torço para que, futuramente, alguém com mais paciência - mas também com tanto poder de investimento quanto a HBO - tenha coragem de retomar e pensar um "remake".
E, para aqueles que assistiram e amaram: leiam o livro. Para os que acharam a série uma merda, e dormiram em boa parte dos episódios, só tenho a dizer que: também procurem ler o livro. É simplesmente espetacular e explica muito, mas muito mesmo, da fragilidade institucional e política de certos Estados americanos, ao Norte ou ao Sul, que existem por aí.
"É de todos conhecido, porém, que a enorme carga de tradição, hábitos e costumes que ocupa a maior parte do nosso cérebro lastra sem piedade as ideias mais brilhantes e inovadoras de que a parte restante ainda é capaz".
A citação é retirada do "Homem Duplicado", livro lançado em 2002 pelo português José Saramago, e conveniência maior pra usá-la não há: ao contrário do que o Jim Carrey afirma ao longo de todo o documentário, me parece que não foi ele e Andy que se tornaram "um"
enquanto trinta golfinhos pulavam num oceano qualquer
. Antes foram duas partes separadas no qual uma, temporalmente mais tardia, por sua genialidade se reconheceu ali na outra e, tal como aquela primeira, quebrou uma "carga" das estruturas da comédia e da arte dramática que ali se colocavam. A transformação - ou o reconhecimento - do J. C em Andy Kaufman foi algo de outro mundo.
Há um viés interessante nisso tudo: o Kaufman sempre leu-se mais como um "ator performático" do que propriamente um comediante. Fico feliz, e muito surpreso, que um interruptor no cérebro do J. C, erguido e alçado às glórias como um comediante no miolo dos anos 1990, tenha sido acionado: é perceptível, a contar desde "O mundo de Andy", a transformação dele - não só como ator, mas principalmente como pessoa. A carreira "filmográfica" do Jim ou sua metamorfose como comediante pouco me importa aqui; é notável, e fantástico, a transformação do seu ser.
Não foi Jim Carrey que emulou e virou Andy Kaufman. Foi Andy Kaufman que, de alguma maneira, foi duplicado ali, quase à perfeição, naquele sujeito que é o Jim Carrey que, como antítese do pensamento desse personagem do Saramago, não hesitou em ir fundo nestas ideias tão brilhantes e inovadoras (mas sufocadas!), tanto à sua profissão quanto à vida, do qual nos fala o português.
Foi uma metamorfose surpreendente, em termos de roteiro: como não sabia que "Outsider" originalmente carrega a marca do Stephen King, me pegou incauto ver uma série com todas as características de uma produção detetivesca, que por vezes lembrou muito no início a primeira temporada do True Detective, se desenrolar numa miríade de fantasias e superstições à primeira vista irracionais que, em que pese parecerem implausíveis, também se fazem presentes no "real".
O desenvolvimento de história/roteiro é muito interessante, se adotarmos a perspectiva do espectador incauto e ignorante sobre a origem da obra - como eu fui: vemos germinar, aos pouquinhos, o pólen de uma fantasia do terror em uma produção que, até aos três primeiros episódios, ainda mantinha os pés no campo do verossímil e do racional. A adição da Holly Gibney, uma detetive sensitiva, é especial e coroa esse rito de passagem (de gênero da história?) de Outsider, e True Detective vai abraçando, em câmera lenta, Twin Peaks.
Entretanto, não sei se por mal planejamento dos produtores ou pela famosa situação do cotidiano a que estamos tantas vezes presos e exprimidos no deboche do "sem tempo irmão", Outsider descamba num dos ápices mais apressados que me recordo numa produção desse porte: o último episódio, que deveria ser uma "celebração" da série e de sua marca, o grande ato pra fechar um ótimo trabalho que até então vinha sendo feito antes das cortinas serem derrubadas em definitivo no palco, me pareceu preguiçosíssimo. E aqui nem entro no campo do roteiro: falo de efeitos técnicos ruins, escolhas de câmera mal feitas, cenas apressadas; tudo aquilo (de ruim) que nunca antes fora feito na série é apresentado em sua conclusão.
Uma péssima conclusão técnica para uma série que se mostrava promissora.
O Peso do Passado
3.0 140Não caiam na conversa de alguns empolgados mais abaixo. Nicole Kidman não salva esse filme. Ele todo é capenga, arrastado, sem gancho e vida.
Artificial, tenta criar um ambiente típico de suspense que não encanta em momento algum. Tramas superficiais (Shelby, o "pai" da Shelby) tomam boa conta de boa parte do "Destroyer", e antes parecem muito mais aqueles parágrafos que você bate o olho e jura que é enrolação da parte do autor. Tomadas clichês de L. A, como skatistas numa ruela debaixo da ponte, dinners imundos, presença latina (mecânicos, traficantes, gângsters) nas ruas imundas da Califórnia, etc.
Mas ele vai ficar marcado pra mim porque é o primeiro filme em muito tempo que me lembro de ter a N. Kidman numa atuação fraquíssima. O que, por si só, é uma façanha da parte da direção.
O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio
3.1 725 Assista AgoraDecepcionante, e pra dizer o mínimo. E já adianto que, como fã-boy safado dos dois primeiros, nem esperava mais que uma avaliação mediana própria disso aqui. Mas me surpreende como, quando você acha que eles não conseguem, alguém tem a capacidade de enfiar mais uma facada e rodar ela no que restou do "Exterminador".
O que é uma pena pra franquia. Sem pensar em comparações, os dois primeiros são fantásticos: uma boa história, um thriller ótimo no primeiro, um clássico monstro do cinema ação-brucutu no segundo, sempre resta algum tico de esperança de que alguém com boas intenções e ideias possa resgatar o fiapo de dignidade e fazer algo nem digno, mas minimamente palatável desse universo. Bizarramente, o "Salvação" pra mim passa na média de final de ano. Todo o restante não, e esse aqui incluso.
Na verdade, o "Destino Sombrio" todo é digno de pena. O retorno da Sarah Connor é literalmente triste e não funciona, as protagonistas não tem carisma, o Arnoldão volta parecendo um sapo inchado, o roteiro não tem pé nem cabeça e temos furos a rodo.
Mas deixando de implicar: "Destino Sombrio" é raso - e burro. Como explicar
o surgimento da Legion? Ou como pensar por que AQUELE futuro da Skynet não ocorreu?
É impressionante como isso daqui não agrada nem os fãs ardorosos e nem aqueles que, simplesmente, esperavam um bang-bang pra se divertir à toa. Pouquíssimas cenas empolgam, e aqui fica o registro daquela tomada nas casas de detenção de imigrantes - que em particular lembra, minimamente, os bons momentos shooter do 2 -, e nem as investidas cômicas ou de flashback funcionam.
Pessoalmente, colocaria no mesmo nível (horroroso) do 3. E o pior é imaginar como todos os furos desse aqui provavelmente vão alimentar, por um bom tempo ainda, mais facadas como essa na franquia. Esse Exterminador deveria ser, para o bem de toda a cronologia, o canto - feio e rouco - do cisne.
Mas parece que, e me dando a liberdade de fazer um trocadilho tão ruim quanto o filme, um destino muito sombrio ainda nos aguarda.
O Presente
3.4 832 Assista AgoraQue doidera: ele dá uma escalonada bem cedo, constrói uma narrativa clichêzona sob um certo ângulo dá situação até dar um twist inicial e fecha tudo com um TWIST DUPLO CARPADO bem inesperado.
Eu diria que se não fosse uma produção de orçamento mediano aos padrões atuais (5 milhões de Trumps, segundo o Google) e se estivesse em mãos um pouco mais experientes que a do J. Edgerton, poderia dar um caldo até mais grosso.
O dedo do Joel parece que caiu melhor no roteiro que na direção e na atuação - esta última bem mediana, pra mim. De todo modo, não deixa de ser uma surpresa.
O Último Retrato
3.1 19 Assista AgoraNão diria que é uma "cinebiografia", como posto na sinopse aqui.
O recorte escolhido pelo Stanley Tucci pega, poderíamos dizer, os últimos meses de vida do Alberto Giacometti e, mais em específico, seu processo de criação do retrato de James Lord no ano de 1964 em Paris.
É um bom filme, se pensarmos em termos de duração e roteiro. Aborda muito bem o processo criativo do A. Giacometti - por mais que não pareça, ao fim, tão criativo, bem como alguns aspectos de seu cotidiano nesta fase final de carreira.
Pra quem sofre com ansiedades, transtornos e se cobra bastante pelos próprios trabalhos, poderia dizer até que me identifiquei com o artista (mesmo que, infelizmente, me falte os milhões).
Filme muito simpático, no fim das contas. A cena de negociação
com o cafetão de Caroline
Terror na Antártida
2.6 338 Assista AgoraDas maiores definições de "enlatado americano" que vi recentemente.
Pior é assistir e pensar como isso poderia facilmente ser um episódio daquelas séries que o pessoal curtia tanto há uns 15 anos atrás, como Cold Case, CSI ou NCIS.
I Know This Much Is True
4.3 105 Assista Agora"Existem muitas memórias por lá", comenta Dominick Birdsey ao seu padrasto, Ray, em certo momento de "I know this much is true". O "lá" da conversa se refere à casa onde Ray e Dominick partilharam parte de suas vidas com Thomas, gêmeo de Dominick e com sérios problemas mentais, e Connie, a mãe biológica dos irmãos. Períodos de convivências difíceis: relações turbulentas, um machismo incalculável, a falta de amor no seio familiar.
O último episódio - e, no fim, a série inteira - poderia ser facilmente deduzida de uma oração emitida pelo Dominick
no velório de seu irmão: "a vida miserável de Thomas Birdsey";
Após
recuperar o irmão do hospital psiquiátrico, acompanhamos Dominick com Thomas indo ao espaço que os locais chamam de "Cascata".
Este último episódio também apresenta uma cena digna de ser lembrada à posteriori em qualquer manual, lista e porcarias do tipo que busquem eleger grandes momentos de séries e/ou produções televisivas. No
velório, enquanto um sentido Dominick está em forte luto pela morte de Ray - falecido na "Cascata" citada, afogado entre as pedras, um dia após sua saída do hospital -, o sacristão responsável pelas palavras inicia seu falatório afirmando como a "missão" de Ray fora amar e cuidar das crianças de Connie. Uma tarefa mesmo "divina.
E a construção, a partir daqui, é um espetáculo.
Enquanto as palavras fluem, temos uma mudança visual na cena. Saímos do espaço
do cemitério, e somos transportados a mais um dos tantos flashbacks que acompanhamos em IKTMIT: agora, e com o áudio ainda reverberando as palavras do padre, na tela acompanhamos saímos do velório e somos transposto a um dos tantos momentos da violência física de Ray nas pequenas crianças - em Thomas, especialmente - e na própria mãe destas.
Uma sacada técnica que ilumina, ao cabo, a sensação de lembranças, no presente, de um momento passado anos (décadas, no caso) antes.
O final da cena/sequência não é menos leve: na casa da família, Dominick
rememora, quase como uma assombração palpável, sua mãe machucada numa das camas do andar de cima.
"I know this much is true" é certamente uma das surpresas da HBO de uns tempos pra cá. Com os investimentos recentes em minissérie da produtora, certamente torna-se uma das marcas bem-sucedidas desta empreitada.
É um show de caracterização, de localização da história, de adaptação do roteiro.
É o auge do Mark Ruffalo, aqui no melhor papel de sua carreira.
É uma lição sobre o amor fraterno, identidades, família, vida e momentos; relacionamentos, mortes, adeus e reconstruções.
É uma obra-prima.
ReMastered: O Diabo na Encruzilhada
3.8 54 Assista AgoraInfelizmente, super rápido.
Me surpreende conseguir entrevistas com gente de peso dentro do cenário musical para entregar algo tão raso.
Como Lucas disse logo abaixo, falta quase que o básico. Discordo só do material: a equipe do B. Oakes até conseguiu.
O que faltou foi literalmente desenvolvimento.
Triste, porque a história do Robert Johnson é espetacular, vista sob quaisquer ângulo: questões de etnia, do Sul violento e racista estadunidense, do blues desenvolvido e da gigantesca influência legada ao soul, ao rock e a tantos outros gêneros musicais.
Aqui a Netflix ficou devendo. E muito.
Destacamento Blood
3.8 448 Assista AgoraA cena toda é muito simbólica: num bar típico do sudeste asiático, em que mesas longas e tábuas que servem como cadeiras lutam por um espaço próprio e artificial contra rios e árvores da natureza vietnamita, dois estrangeiros conversam e flertam.
Ele, negro e estadunidense, e ela loirinha, francesa. Ambos jovens. Ela, Hedy Bouvier, solta uma frase incauta e curta, mas que pode simplesmente ressoar em qualquer recorte, cenário ou época da história humana: "uma guerra nunca acaba para os envolvidos".
"Destacamento Blood" é um filme sobre o Vietnã, é verdade. Mas a sinopse para por aí, e me atrevo em ir mais além: são mais de duas horas e meia não apenas sobre as experiências de uma guerra devastadora a todos os envolvidos, mas que também se voltam ao como memórias sobre esta se transformam. E Spike Lee, numa ascendente de qualidade fodida desde o "Infiltrado na Klan", desenvolve de modo primoroso o jogo que propôs.
Se acompanhamos, na maior parte das vezes, os quatro amigos idosos que retornam ao país asiático para buscar os restos de Norm - líder e quinto integrante do esquadrão Blood, falecido em combate -, também somos jogados
(e de forma desprevenida) nas lembranças de cada um desses sujeitos.
flashbacks, me perguntei "mas porra, eles estão reencenando o conflito lá ou algo do tipo?", e só com o decorrer fui me tocar da sacada genial que permeia "Destacamento".
Ao vermos Paul, Otis, Eddie e Melvin já velhos e idosos lutando na guerra, o que temos ali não é o factual.
Mas, ora só, lembranças muitas vezes são criadas, (re)transformadas, embaralham e jogam com a memória - e, por suposto, com aquilo que realmente se passou. Quando
os companheiros (e David) se veem envoltos em dificuldades no interior da floresta - e após acharem os restos de Norm, o ouro, os franceses e vietnamitas malandros, quase que tudo ao mesmo tempo -, vemos a idade voltar a ser descarregada nos ombros de cada um, e a partir daí sim acompanhamos o desenrolar
É uma jogada muito bem sacada, essa de "Destacamento". Um destes senhores, que ainda literalmente se alimenta e vive só por suas lembranças, diz que Deus disse para ele que "fodam-se os filhos da puta". O que
Paul não esperava é que, em seus momentos finais, tudo o que realmente aconteceu naquele campo de batalha nos anos 1970 voltasse com tanta força sobre ele: quando um inimigo vietnamita entra num perímetro aliado, Paul o destroça com uma rajada de metralhadora e atinge, também,o
"Nosso Malcom [X] e Martin [Luther King]", conforme um dos velhos veteranos.
No mais, boas sacadas e "citações" muito bem feitas são realizadas aqui.
Em uma tomada em um rio caudaloso, numa transição do urbano para o rural, ouvimos a "Cavalgada das Valquírias" tocando. Porém, os estadunidenses que retornam aos rios do Vietnã não buscam e caçam minas marítimas, mas sim afastam fios de eletricidade com tênis presos neles. O barquinho, inclusive, carrega uma bandeira do Estado comunista vietnamita, com sua inconfundível estrela num fundo vermelho em destaque. O que embala o ambiente não é mais um radinho de pilha que toca Marvin Gaye, Aretha ou Rolling Stones. O som ao redor é de comerciantes barulhentos, que insistem na venda de frutas, aves, quinquilharias - e que também não se esquecem do que ocorreu ali pouco mais de quarenta anos atrás.
No fim, e assim como o "Apocalypse Now" de F. F. Coppola que marcou uma geração pelo seu Kurtz balbuciando sobre um certo "horror", "Destacamento Blood" traz sua readaptação quando um Otis, centralizado pela câmera e deitado no chão, fala sobre um tal de "madness". Quase que inerente àquele palco, a "loucura" de Lee se torna tão marcante e presente quanto o "horror" (nunca apresentado, de fato) kurtziano.
Puro inferno na Terra, foi o Vietnã.
Mas Spike Lee também é muito hábil em mostrar que o inferno não está apenas ali, à distância e num país tropical e fodido qualquer: sem exclusividade territorial, pode mesmo estar "dentro de casa", em próprio território natal, onde eventos e situações deixam marcas tão profundas quanto as feridas de batalha ou os destroços do psicológico acumulados pelo combate. E, mais que isso, são antes sociais e mesmo estruturais. Nesse ponto, a descoberta dos Blood
do assassinato de Luther King
Uma boa pedida. Grandíssima fase a do Spike Lee.
Um Dia de Chuva em Nova York
3.2 295 Assista Agora"São donas-de-casa ricas que têm por única ocupação a busca por culturas esotéricas".
Obrigado pela nova definição da minha vida, Woody. Mas sem o "rich", claro.
Crash: Estranhos Prazeres
3.6 330 Assista AgoraNunca uma tradução brasileira foi tão fiel ao que é o filme.
Ponto altíssimo pra trilha sonora, que parece daqueles rpgs cyberpunks antigaços de SNES (alô, Shadowrun), e por (alguns) diálogos interessantes, como os do hospital entre um James fodidaço e uma Catherine repentinamente filosófica - e que sempre tirará uma frase de efeito nos cenários mais inimagináveis possíveis a partir daí.
Como não li o livro, acho que me sinto como o pessoal que assistiu o Vício Inerente do Paul Thomas Anderson, baseado no homônimo de Thomas Pynchon, e ficou boiando tanto o quanto eu fiquei após terminar aqui.
Curiosamente, em que pese os destaques gráficos pras maquiagens (próteses e cicatrizes à rodo) e pros cenários de batidas e destruição, acho que é o Cronenberg menos Cronenberg que vi até agora.
Fico imaginando a tarefa hercúlea do diretor de elenco aqui, responsável por convencer e juntar essa galera pra um filme com esse roteiro.
E destaque, claro, pra um James Spader que ainda surfava no auge da carreira e que parecia destinado a ser um dos grandes em Hollywood pós-Abaixo de Zero e Stargate.
O Homem do Prego
4.1 47Foi terminar "O homem do prego" e lembrar, quase que automaticamente, de alguns poemas do Jerzy Ficowski. Como Sol, Ficowski foi também um sobrevivente da barbárie nazista nos campos - além de ter sido um resistente polonês, mas não judeu.
Também como Sol, enfrentou dificuldade em expor as memórias do que viu sobre o extermínio.
No seu "Epitáfio do morto em vida", Ficowski escreve:
"Acossado, temeu mortalmente por longos cinco anos
esta lua do fígado que lhe alumiava por dentro com gelo
Este mar morto dos alentos no qual sem afundar
se cobria com sal de desesperança
Temia mortalmente o livro de Moisés, a dezena de seus dedos
e o crespo Monte Sinai de medo
mas sobreviveu
Mas sobreviveu
a si mesmo".
Foi como um morto em vida, um "morto-vivo" - como um personagem o troça -, que Sol (e tantos outros) passou o resto de sua vida: a longa espera do desejo de uma morte que virá não quando ele quer, mas que virá quando ele menos esperar.
Paraíso
3.8 20 Assista AgoraUm pouquinho confuso por certos cortes e tomadas de cenas, mas que se explica pela pretensão de dar um "punch" diferente dos demais filmes do gênero.
"Paraíso" é belíssimo. Pela fotografia em preto-e-branco e pela fidelidade estética naquilo em que fez de tema, já que circula desde delegacias parisienses aos campos de extermínio nazistas, e por aquilo que Bandine comentou mais abaixo e que entendo por "humanização" de uma História, "Paraíso" lhe toca no íntimo pelo não-comum dos filmes sobre o drama da caçada humana perpetrada pelos nazistas.
Como o Bandine fez o comentário definitivo, queria comentar só como dos três arcos narrativos, foi o de Helmut o que mais me surpreendeu. Não pela questão de "jovens com formação acadêmica" que se enfiaram de cabeça nas loucuras do nazismo, e que aqui é tão bem debatido numa de suas ~entrevistas~ no miolo de "Paraíso", nem pela disciplina arraigada no trato com seus pares e prisioneiros no campo. Isso, até em veículos midiáticos mais amplos, já recebiam uma atenção especial.
Mas além da prova destas hipocrisias de crença, me pegou pelo contrapé ver num personagem uma assunção do Übermensch pelo pensamento nazista. Distorcido e vilipendiado do significado original, do Nietzsche, vemos aqui no "Paraíso" como na prática esta categoria filosófica foi, por sua adaptação, literalmente transformada numa crença quase utópica na "imortalidade germânica" ou em merdas racistas do tipo.
Não confiem nesta média baixa do Filmow. Isso aqui vale uma chance e, pra professores, é quase uma mina de ouro para usos em sala e debates dos mais diversos tipos, do Fundamental ao meio acadêmico.
Refém do Medo
2.6 320 Assista AgoraSuspensão rápido, direto ao ponto, entupido de furos (como um pessoal aqui até já comentou), cortadas muito rápidas em termos de roteiro/história e uma história-base que no fim nem faz muito sentido.
Mas o que me impressionou mesmo é como o molequinho é A CARA do Jake Gyllenhaal.
A Noite dos Mortos-Vivos
4.0 549 Assista AgoraRevi, e só reafirmo meu amor por todo o filme.
Da introdução de um Johnny maldosamente irônico com a irmã, com a icônica "eles estão vindo te pegar, Bárbara", até ao cabaré improvisado que é um bocado de gente com personalidade diferente aprendendo (ou não) a se lidarem enquanto o mundo lá fora está literalmente virado pelo avesso.
Além, claro, das entradas jornalísticas por rádio e tevê. Minha favorita, inclusive, ainda é a do incrédulo repórter de tevê afirmar como "reports, incredible as they may seem, are not the results of mass hysteria".
Classicaço.
Minha Mãe
3.7 61 Assista AgoraEm um dos momentos mais turbulentos que uma pessoa pode passar na vida, em que todos os sintomas de um puta burnout de trabalho, da difícil situação de uma distância afetiva e social com outros sujeitos e em que uma doença carcome, aos poucos, sua mãe, um dos melhores ouvintes de Margherita é um ator falastrão e picareta de quinta categoria trazido Deus sabe de onde do fim dos EUA: "Titus, Lucretius... o que serão de todos eles? De todos aqueles livros?".
É o desabafo, aqui sobre o conhecimento e seu aporte material, os livros, que poderão se esvair ou perder significado com a morte de sua mãe, uma idosa professora de latim. Ela é dita em pleno set, pouco antes da filmagem de uma cena.
Pá-pum: super rápida, mensagem jogada na cara - como tem de ser, diria.
"Minha mãe" me parece um filme, antes, mais sobre o lidar com as agruras que surgem em uma determinada etapa da vida. E esse é um ponto curioso: apesar de toda a questão envolvendo a mãe presente, é em torno do amplo círculo social de Margherita que ele se desenrola.
Como não leio sinopses geralmente antes de ver filmes, por vezes caio totalmente nas mãos da montagem deles. Aqui, demorei a perceber até onde sonhos, realidade, amores e pensamentos distintos surgem, se estabelecem e terminam.
De uma
jovem Margherita, que dá de cara com sua "velha eu" abruptamente na fila de um cinema
Ou, caso você queira ser mais poético, podemos interpretar que neste quesito o filme simplesmente traz um pouco desse recorte do que é uma vida para ele: atribulada, à distância, enervante, com pitadas de grosseria, rápidas.
Por outro lado, gostei muito dos recortes sobre as atividades e o dia-a-dia no set com Margherita. Desde a cena inicial, em que acompanhamos as filmagens de um filme no qual operários invadem uma fábrica, passando por policiais violentos (mas sem armas de fogo ou balas de borracha - aprende, Brasil) e jatos d'água, até ao cotidiano estressante do figurino, escolhas de elenco, maquiagem...
Por sinal, destaque à cena da coletiva de imprensa: babacão como é, o ator importado direto da América puxa pra si (e à força) todos os holofotes, mente nas suas respostas, faz caras e bocas, se diverte à beça. Margherita, no entanto, está quase que completamente absorta, alheia, distante; todas as perguntas parecem a mesma, todos os jornalistas parecem iguais, todos ao lado dela ali na mesa lembram aquelas pecinhas velhas do Lego: em que pese uns mais cheinhos ou altos, todos e tudo exatamente iguais.
E é este o grande destaque aqui, ao menos pra mim: é John Turturro, que parece interpretar este estadunidense típico - galanteador, arrogante, metido a centro do universo e que foi "dispensado por S. Kubrick -, que me roubou as atenções. Alguns episódios, como o da cantina, o citado inicialmente ou o do jantar com a família da diretora, ganham uma pitada maravilhosa "de cores" com a presença do Barry.
Infelizmente, não achei o "Minha mãe" tão bom quanto outros do próprio N. Moretti. O que não significa, é claro, que seja ruim.
Apesar de tudo isso que comentei, a sensibilidade dele voa altíssimo, e é isto que me irá fazer recordar dele daqui pra frente.
Bom dia, Babilônia
3.6 11Super interessante a proposta do "Bom dia, Babilônia": ao mesmo tempo em que é um relato da dura vida dos imigrantes - aqui italianos - nos Estados Unidos de começos do século XX, também funciona como um belo retrato, colorido, alegre e mesmo romântico, da indústria cinematográfica hollywoodiana.
Na vida real encontramos casos semelhantes aos de Nicola e Andrea: como breve exemplo, o pai do quadrinista Will Eisner (o mestre dessa arte, nome do maior prêmio oferecido aos seus profissionais) tem paralelos que bem poderiam ser aos dos irmãos Bonanno; se Shmuel Eisner fora, na sua Áustria natal, um habilidoso pintor, na sua nova vida americana exerceria a mesma profissão... mas com paredes.
Afinal, não raro trabalhos degradantes e de péssimas condições são entregues a duras penas, ainda hoje, até mesmo àqueles sujeitos que em sua terra natal destacavam-se pela habilidade na manufatura e no ofício de suas profissões e em outras artes. Se duvida disso, faça um experimento social e converse com um imigrante (ou descendente) na sua cidade: pelo menos um exemplo deste tipo este lhe contará.
Mas o curioso de "Bom dia" é que, até mais ou menos aos 60% de filme, o desenvolvimento da proposta e do roteiro se desenvolve de maneira justa.
A narrativa é muitíssimo bem amarrada, temos cenas maravilhosas - como as dos irmãos estupefatos, próximo a uma linha de trem, com o perigo que correram com o avanço deste sob sua carroça enquanto dormiam - e o encontro desta primeira proposta, de uma narrativa sobre a dura vida daqueles que tentaram a sorte na América, com aquela outra sobre o glamour e a crescente opulência do cinema em Hollywood é feita da maneira mais correta possível.
Quase como se não sentíssemos, nos damos conta que passamos a acompanhar também a feitura de um clássico do cinema mundial neste mesmo filme: o "Intolerância", do (já) polêmico D. W. Griffith que, anos antes, fizera a Bíblia visual estadunidense: "O nascimento de uma Nação".
O problema é que, nestes 40% restantes, a maionese desanda: além destas duas histórias, temos a inclusão da Primeira Guerra Mundial e da
maternidade das esposas
Se "Bom dia, Babilônia" era super-coeso, justo e afinado até aqui, agora vira uma correria, desengonçado e apressado. Mas ainda assim bonito; em que pese a pressa e o "fast-foward" apertado na condução da história, a cena final é, também por sua ironia, belíssima.
Ainda assim, prefiro ficar com a proposta das duas primeiras narrativas apresentadas que, por si só, já funcionariam sem estes acréscimos posteriores.
Bohemian Rhapsody
4.1 2,2K Assista AgoraAcho que muito já foi dito sobre o "Bohemian Rhapsody". Fazendo uma analogia com o Queen, se o Freddie Mercury dizia que "minha voz vem da energia da plateia", já que "quanto melhor ela for, melhor eu fico", fica válido pensar como "Bohemian" foi feito pra ser assistido no cinema com todo o canto, choro, emoção e o poder da música que a banda passava. Um filme, antes, feito para a participação ativa de seu público.
Foi um método um tanto preguiçoso? Bem, pra mim sim - em partes; afinal, recortar os
trinta minutos finais do filme e compor como sendo a apresentação no Live Aid
Mas como tudo isso já foi dito pelo público (até nos comentários do Filmow, mais antigos) e pela crítica, queria só levantar como o "Bohemian" poderia ter sido menos "romântico" do que foi.
Alguém pode até dizer: "porra bixo, tu jura que a Fox iria jogar 52 milhões de Trumps pro Bryan Singer fazer um puta filme crítico que ousasse arranhar a imagem da banda e dos integrantes, até por contar com dois deles na produção do filme e justo num momento em que a banda havia retomado o mínimo de atividades e buscava um novo espaço pra um novo público num novo século"?
Bem, não diria desconstruir, mas pelo menos apresentar algumas situações próximas do que realmente foram - e aqui penso até como produto, filme pronto mesmo. Por exemplo: é sabido que a aproximação de F. Mercury com B. May e Roger Taylor teve um intermediário; aliás, mais que um intermediário, um amigo mesmo.
Tim Staffell foi quem levou o ainda Farrokh Bulsara para conhecer Taylor e May, e a partir daí o processo se deu. O que quero dizer é: apresentar o Staffell como um puta personagem genérico que simplesmente quitou do Smile quando bem quis e como se não tivesse relevância nenhuma no negócio é meio foda. Em termos de drama, um pouquinho poderia ter sido acrescentado na história, e não custa lembrar que este foi apenas um exemplo: ao longo de "Bohemian" várias situações que destoam bastante do que (provavelmente) ocorreu são apresentadas.
Mas em que pese estas distâncias ficcionais da liberdade criativa do roteirista/diretores/produtores, pra mim o "Bohemian" conseguiu passar um pouco da magia que a banda teve. Não achei, como alguns chegaram a comentar na época de lançamento, que o filme desprezava os outros integrantes, por exemplo.
E só pra fechar o comentário e mostrar como a metodologia e escolhas musicais do Queen, que são exemplarmente encontradas na feitura da música homônima ao filme e que mistura ópera, rock e delírios de grandiosidade e mixórdia em pouco mais de 6 minutos, eram recepcionadas à época, cito um trecho de uma reportagem do Mikal Gilmore que, aqui no Brasil, saiu na Rolling Stone n°95 de 2014:
"Quando o grupo [Queen] estava gravando em um estúdio ao lado do Sex Pistols, Sid Vicious perguntou a Mercury: 'Então você é o tal de Freddie Platinum [piadinha com o sobrenome 'Mercúrio'] que está levando balé para as massas?' Ao que o vocalista respondeu: 'Ah, senhor Ferocious [outra piadinha com sobrenome, agora do Vicious]. Estamos fazendo nosso melhor, querido'."
Porra, Bryan Singer: se tu meteu um carinha interpretando o Bob Geldof, bem que poderia ter dramatizado essa situação do encontro dos dois aí também.
Belos Sonhos
3.6 14 Assista AgoraNuma Sarajevo ainda envolta nos tormentos do conflito civil-militar mais violento em território europeu desde a Segunda Guerra Mundial, em 1992, acompanhamos dois jornalistas italianos em uma cena que se desenrola no ritmo frenético da ação. A bordo de um carro com o "Press" estampado nas laterais, os repórteres do "La Stampa" de Turim, em que pesem compartilhar do mesmo empregador, parecem estar sob emoções diferentes nesta manhã: aquele que acompanha o motorista à frente, o fotógrafo, parece animado com o provável furo de reportagem que irá cobrir, e inclusive pressiona o coitado responsável pelo volante a correr mais que de costume pelas ruas esburacadas por projéteis de artilharia; o outro jornalista,pego incauto pelo anúncio recebido logo cedo, cobra calma, arrisca um inglês macarrônico dentro do carro e pede uma menor velocidade, mas pouco é ouvido pelos outros dois.
O que vemos, na sequência, é uma cena que daria orgulho aos estudiosos da fotografia. Nela, acompanhamos os dois jornalistas entrarem numa casa, e se depararem com um
corpo de uma mulher idosa, deitado sob uma poça de sangue, nos fundos da residência.
apanha o menino, focado com o video-game portátil (e provavelmente traumatizado com os eventos), e o põe, com cadeirinha e tudo, próximo ao corpo morto da senhora.
A panorâmica está pronta, e o cenário é impactante: o risonho fotógrafo bate as fotos, enquanto seu ainda aparentemente aturdido companheiro acompanha com o olhar toda a situação. Mesmo na guerra, vemos a oportunidade de crescimento, o cavalo com sela que passa inesperadamente na frente do vaqueiro perdido no sertão. A fotografia tirada, deste jeito, não aparenta mais ir às distantes páginas do meio. Pela felicidade do amigo da câmera, ela será a foto de capa de um dos mais vendidos jornais da Europa. Nesta situação, podíamos até evocar Susan Sontag: ainda nos causa incômodo a "dor dos outros"?
A cena, bastante reveladora, é na verdade quase um spin-off dentro do "Belos Sonhos". Ao contrário de sua composição, acompanhamos como personagem principal não o sujeito cabeludo da câmera fotográfica, mas seu camarada "distante", Massimo.
"Belos" não é sobre a guerra, mas funciona na verdade como um filme de formação: é como se pegássemos alguns clássicos desta vertente na literatura europeia do século XIX e XX, como o "Werther" de Goethe e os "Bruddenbook" de Thomas Mann, e os transpuséssemos pro cinema.
E o resultado, pra mim, é tão lindo como. É uma narrativa de crescimento, conflitos, amadurecimento, traumas, memórias e silêncios que acompanhamos por pouquinho mais de duas horas. Do surgimento do primeiro grande amor da vida, a mãe, mas principalmente da difícil situação de lidar com a perda abrupta desta.
Se nos primeiros minutos de filme vemos uma mãe e seu filho se divertindo, ouvindo um rockabilly americano, pouco menos de uma hora depois somos jogados para as confusões de uma criança que não aprendeu a lidar com a situação desta perda.
E que nem irá
"não, eu não posso ser sua mãe.
Pra não alongar tanto, não posso deixar de citar mais três cenas espetaculares: a do jovem Massimo nos bancos escolares de uma escola católica aprendendo o verdadeiro significado de "luz" e de como algumas ideias religiosas não podem ser transpostas ipsis litteris ao mundo secular; a "resposta dos editores", no episódio de uma carta de um filho raivoso enviada ao Stampa, em que sou surpreendido pela leveza de um humor inesperado pelo tema e pela situação; e a descoberta de um escape, da criança Massimo, das agruras da vida pelos ombros de seu pai: a alegria de ir ao estádio e de assistir (e imaginar, quando não o há!) o futebol.
Sem esquecer, claro, da belíssima cena derradeira: afinal, se alguns privilegiados ainda podem se dar ao luxo
de chamar pela mãe,seja ao chegar em casa, como aludido exemplarmente por Massimo na resposta à correspondência enviado ao Stampa, ou pelo simples medo de uma brincadeira de esconde-esconde, como acompanhamos agora,
"Belos Sonhos" é provocativo, forte, sensível e, principalmente, real nas medidas certas.
É a forma de encarar uma dor que nunca chegará ao fim, do aprender a lidar com ela e, como nos ensina o padre/professor, de como "apesar de que" temos de seguir em frente. Nessa quarentena maldita, só tenho a agradecer ao Arte1 pela surpresa de transmitir isso numa tarde que, agora, parece sempre igual às outras.
A Máfia dos Tigres (1ª Temporada)
4.0 218Juro que cheguei a formular um escrito bem rápido sobre a "Máfia dos Tigres" que buscasse dar conta das situações e cenários quase irreais, pra quem não assistiu, e que também ajudasse a formular uma discussão sobre toda a irracionalidade dessa "indústria animal" e desse lado podre da "America", com quem viu.
Mas aí um sujeito que certamente escreve melhor que todo mundo dessa rede social, o Bret Easton Ellis (autor, dentre outros, do Psicopata Americano e do Abaixo de Zero, ambos adaptados pro cinema), mandou o seguinte no Twitter:
"Assistir 'A Máfia dos Tigres' é como embarcar numa cocaína ruim por seis horas: você sabe que é ruim mas não se tem nada melhor pra fazer e aí fica meio 'high' por um tempo mas então começa a se deprimir e a se debater enquanto vai trincando e se dá conta: por quê diabos eu encarei isso?".
Acho que não se tem muito mais a adicionar.
Westworld (3ª Temporada)
3.6 322Não diria decepcionante, até porque como "série" essa temporada de Westworld foi muito boa. Mas a questão aqui é justamente essa: ela teve de ser a sucessora de duas temporadas espetaculares.
E entro não nas questões de expectativas e realidades, mas de literalmente a escolha de uma alternativa: a de seguir uma fórmula que já vinha sendo feita e rendido ótimas críticas e recepções mornas do público, ou aquela de dar um verdadeiro cavalo de pau nas formas de se contar sua história e ser mais palatável ao "mercado" e, consequentemente, tornar a série digna de uma audiência esperada para uma produção HBO.
O passo para fora do mundo do parque, conforme os finais da segunda, certamente chamou muito a atenção de todos os fãs; afinal, como (re)construir a série basicamente do zero? Sairíamos do habitat natural de duas temporadas bem-sucedidas de WW (em que pese a decepção da HBO com a recepção e consumo da série, nem de longe comparada ao que GoT foi, conformes planos iniciais) para o mundo "humano" que, apesar dos robozinhos aqui e acolá, em funções tão díspares como vidência e construção civil, não é afetado pelos raciocínios de um roteiro scriptado pensado para uma atração como no parque Delos.
A sacada de fazer os hosts aportarem nesse mundo de tonalidades cyberpunk foi, na realidade, um movimento excelente: me agradou muito a construção de cenários, de um mundo verdadeiramente high-tech/low-fife. WW surpreendia ao abraçar, de forma tão correta, um dos melhores ramos do sci-fi. O trailer inicial, nesse sentido, foi maravilhoso: fechadinho, expunha todo esse admirável mundo novo aos fãs, com poucas reminiscências dos velhos moradores da Delos por ali e a introdução de uma série de novas situações.
Entretanto, e aqui está o início do pecado de toda a produção desta temporada, além desse "novo" mundo, algumas mudanças estruturais também foram propostas e levadas à cabo. Para os produtores, a terceira temporada deveria ser mais "direta", não sendo tão "subjetiva", como a segunda fora, ou "arrastada" como (em partes) a primeira havia sido.
E é aqui, na minha opinião, que a maionese desandou.
Pra não me estender muito, e sem entrar nos méritos e debates do roteiro: esta terceira temporada foi muito, mas MUITO corrida, apressada mesmo. WW, que se construiu pautada num desenvolvimento mais moroso mas também muito mais "rico" em termos de profundidade de história, cenários e contextos, transformou-se quase num "shooter", numa série de ação genérica de ficção científica.
Em detrimento da "construção" que era característica até então na série, vimos esta terceira temporada ser preenchida por longas cenas de tiroteios super-corridos, além daquelas claramente feitas para ocupar tempo e espaço - vide
boa parte do "mundo" nazista
a apresentação de Bernard nessa temporada.
Um indício logo no início da temporada, portanto, que as coisas seriam um pouquinho diferentes do que costumava ser até então.
Esta pressa, partida da escolha deliberada dos produtores de fazer esta temporada com mais "ação" e recortes "chamativos", acabaria interferindo no desenvolvimento da maioria dos personagens também. Temos um William, por exemplo,
quase como um peão no tabuleiro do xadrez
insuficientes pela importância que este acaba ganhando no decorrer da história.
No mais, acho que para quem curtiu as duas primeiras temporadas, estas mudanças se fazem bem visíveis logo nos três primeiros episódios desta terceira. A mudança na condução do que WW vinha sendo passou não por uma mudança sutil, mas para uma virada muito brusca.
Em que pese tudo que comentei, gostei desta 3º: apesar de muito abaixo do que a série vinha sendo, conseguiram manter a peteca em quadra.
Agora é aguardar para ver como, na quarta temporada, ela será reposta ao jogo.
E para quem tem curiosidade em ir além das temporadas: ao longo destas três, várias referências (nem tão sutis) foram feitas ao filme original de 1973; nesta última temporada, tivemos por exemplo
a cena de um host (Dolores) se recompondo fisicamente a partir do rosto no último episódio,
Não diria que vai ser cânon, mas assistir a sequência do Westworld de 1973, o "Futureworld", acredito que ajude a ter uma ideia do que virá por aí.
No mais, só nos resta sobreviver a esta pandemia - que acredito que nem o Rehoboam poderia prever - para observarmos como tudo isso se dará.
Ou esta, no fim,
também seria apenas mais uma divergência planejada para manter o controle?
The Lottery
4.1 1Como diriam alguns estadunidenses: esta adaptação, assim como o conto original da Shirley Jackson - que foi publicado originalmente na revista "New Yorker" na década de 1940 e causou nas semanas seguintes uma revogação em massa das assinaturas da revista -, assusta porque é "so likely" em termos de alguns cotidianos e hábitos dos nossos irmãos do Norte.
The Plot Against America
4.1 22"Uma vida nova teve início para mim. Eu vira meu pai se descontrolar, e minha infância jamais voltaria a ser como antes. Aquela mãe que sempre estava em casa agora passava o dia trabalhando na Hahne's; o irmão sempre disponível ia trabalhar para Lindbergh depois da escola; e o pai que havia desafiado uma lanchonete cheia de antissemitas em Washington agora chorava alto e de boca aberta - como um bebê abandonado e também como um homem torturado - por se sentir impotente diante daqueles eventos imprevistos.
E, como a eleição de Lindbergh me ensinara muito bem, o desenrolar de um imprevisto era tudo. Visto de trás para frente, o imprevisto implacável era o que estudávamos na escola sob o nome de 'História', uma matéria inofensiva em que todo o inesperado no momento em que ocorrera surge estampado nas páginas como inevitável. É o terror imprevisível que a ciência da história encobre, transformando desastre em epopeia".
Esta passagem, maravilhosa, é retirada do "Complô contra a América", o romance contra-factual do Philip Roth lançado em 2004 e que inspira esta série homônima da HBO.
Como fã da obra, e também das produções anteriores do idealizador desta série, o David Simon - que criou "The Wire", uma das grandes produções desta mesma casa e uma das melhores séries de todos os tempos -, confesso que pessoalmente esperei muito do "Plot". Para minha infelicidade (e não que eu tenha ido com muita fome ao produto final), percebi que a série não corresponde nem aos fãs do livro e, muito menos, aos viajantes de primeira viagem neste universo Rothiano que parte de um "e se" imaginado ali em um ponto crucial na história dos Estados Unidos.
Afinal, e se as eleições estadunidenses de 1940, que coincidiram com o estouro da Segunda Guerra Mundial, fossem vencidas não pelo Franklin Delano Roosevelt, como na "nossa realidade", mas por um sujeito simpático à Alemanha nazista? Essa é a premissa do "Plot": se no romance acompanhamos a infância do próprio autor, Philip, da construção de um martírio a todas as minorias em território estadunidense com a eleição do popularíssimo - e condecorado na vida real pelos nazistas - Charles Lindbergh, na série temos uma perspectiva repartida; e é aqui o início dos problemas.
Adaptar um romance para uma minissérie é, verdade, tarefa das mais difíceis. Além da mudança de meios, já que falamos de transpor uma narrativa originalmente literária à tevê, o "contar-a-história" também não será o mesmo.
Se no romance acompanhamos o desgraçamento dos EUA pela ótica de uma criança, na série percebemos o entrelaçar das situações a partir de diferentes pontos-de-vista. Quero chegar no fato que, em que pese a fidelidade para a maior parte de todas as situações adaptadas, tudo em "Plot" acontece muito rápido e sem muito tempo para pensar: personagens se erguem em cima de outros personagens, não fica bem explícito ao espectador quem são aqueles envoltos em todas as situações, a correria é escolhida em detrimento do "flow" narrativo.
E aqui chego naquilo que considero como o grande erro desta adaptação do Plot: àqueles que não leram o romance, leia-se a maioria, é complicadíssima a tarefa de se situar no desenrolar dos acontecimentos. Não há o cimento que conecte a tomada "A" com a tomada "B", e muito do pano de fundo - que enriquece a escrita do Roth - não transparece no seriado. Infelizmente, esta é a tônica de todos os episódios: mesmo ao sujeito mais atento, nada de muita conexão parece surgir dali.
É, por isto, uma falha que compromete toda a produção: afinal, não se pode cobrar a leitura prévia de algo do espectador para aquilo que este mesmo espectador está ali assistindo. Por isso mesmo, muitas das situações mais tensas e angustiantes do livro, como
esta notícia da eleição do Lindbergh, as tensões com a lei marcial nas ruas, mesmo a diversão bem infantil de duas crianças andando sozinhas de ônibus por Nova York
Com uma exceção, em minha opinião: em que pese ter sido uma cena muito rápida,
a angústia de Bess com Seldon, ao telefone, quando este literalmente sente a morte de sua mãe
Em que pese este (grave) erro, o "Plot" também compartilha de todos os bônus de algo da marca HBO: a caracterização de época é espetacular, e ouso dizer que muito daquilo que imaginei ao ler a obra do Roth se assemelhou em muito à forma como foi visualmente transposta.
Torço para que, futuramente, alguém com mais paciência - mas também com tanto poder de investimento quanto a HBO - tenha coragem de retomar e pensar um "remake".
E, para aqueles que assistiram e amaram: leiam o livro. Para os que acharam a série uma merda, e dormiram em boa parte dos episódios, só tenho a dizer que: também procurem ler o livro. É simplesmente espetacular e explica muito, mas muito mesmo, da fragilidade institucional e política de certos Estados americanos, ao Norte ou ao Sul, que existem por aí.
Jim & Andy: The Great Beyond
4.2 162 Assista Agora"É de todos conhecido, porém, que a enorme carga de tradição, hábitos e costumes que ocupa a maior parte do nosso cérebro lastra sem piedade as ideias mais brilhantes e inovadoras de que a parte restante ainda é capaz".
A citação é retirada do "Homem Duplicado", livro lançado em 2002 pelo português José Saramago, e conveniência maior pra usá-la não há: ao contrário do que o Jim Carrey afirma ao longo de todo o documentário, me parece que não foi ele e Andy que se tornaram "um"
enquanto trinta golfinhos pulavam num oceano qualquer
Antes foram duas partes separadas no qual uma, temporalmente mais tardia, por sua genialidade se reconheceu ali na outra e, tal como aquela primeira, quebrou uma "carga" das estruturas da comédia e da arte dramática que ali se colocavam.
A transformação - ou o reconhecimento - do J. C em Andy Kaufman foi algo de outro mundo.
Há um viés interessante nisso tudo: o Kaufman sempre leu-se mais como um "ator performático" do que propriamente um comediante. Fico feliz, e muito surpreso, que um interruptor no cérebro do J. C, erguido e alçado às glórias como um comediante no miolo dos anos 1990, tenha sido acionado: é perceptível, a contar desde "O mundo de Andy", a transformação dele - não só como ator, mas principalmente como pessoa.
A carreira "filmográfica" do Jim ou sua metamorfose como comediante pouco me importa aqui; é notável, e fantástico, a transformação do seu ser.
Não foi Jim Carrey que emulou e virou Andy Kaufman. Foi Andy Kaufman que, de alguma maneira, foi duplicado ali, quase à perfeição, naquele sujeito que é o Jim Carrey que, como antítese do pensamento desse personagem do Saramago, não hesitou em ir fundo nestas ideias tão brilhantes e inovadoras (mas sufocadas!), tanto à sua profissão quanto à vida, do qual nos fala o português.
The Outsider
3.7 234 Assista AgoraFoi uma metamorfose surpreendente, em termos de roteiro: como não sabia que "Outsider" originalmente carrega a marca do Stephen King, me pegou incauto ver uma série com todas as características de uma produção detetivesca, que por vezes lembrou muito no início a primeira temporada do True Detective, se desenrolar numa miríade de fantasias e superstições à primeira vista irracionais que, em que pese parecerem implausíveis, também se fazem presentes no "real".
O desenvolvimento de história/roteiro é muito interessante, se adotarmos a perspectiva do espectador incauto e ignorante sobre a origem da obra - como eu fui: vemos germinar, aos pouquinhos, o pólen de uma fantasia do terror em uma produção que, até aos três primeiros episódios, ainda mantinha os pés no campo do verossímil e do racional.
A adição da Holly Gibney, uma detetive sensitiva, é especial e coroa esse rito de passagem (de gênero da história?) de Outsider, e True Detective vai abraçando, em câmera lenta, Twin Peaks.
Entretanto, não sei se por mal planejamento dos produtores ou pela famosa situação do cotidiano a que estamos tantas vezes presos e exprimidos no deboche do "sem tempo irmão", Outsider descamba num dos ápices mais apressados que me recordo numa produção desse porte: o último episódio, que deveria ser uma "celebração" da série e de sua marca, o grande ato pra fechar um ótimo trabalho que até então vinha sendo feito antes das cortinas serem derrubadas em definitivo no palco, me pareceu preguiçosíssimo.
E aqui nem entro no campo do roteiro: falo de efeitos técnicos ruins, escolhas de câmera mal feitas, cenas apressadas; tudo aquilo (de ruim) que nunca antes fora feito na série é apresentado em sua conclusão.
Uma péssima conclusão técnica para uma série que se mostrava promissora.