Assisti Oppenheimer e depois assisti Chuva negra. O inferno descrito cinematograficamente por Imamura após a explosão da bomba nuclear ocorre no momento em que Oppenheimer e os integrantes do Projeto Manhattan explodiam eufóricos com a notícia sinistra vinda de Hiroshima. É verdade que alguns cientistas, como Leo Szilard, lutaram contra a produção e lançamento da bomba em civis. A narrativa de Imamura é serena. Nenhum personagem grita “Malditos americanos”. O Gemini lembra que o diretor japonês “foi um crítico consistente do militarismo no Japão antes, durante e depois da guerra. Sua obra cinematográfica é repleta de exemplos que demonstram sua postura crítica em relação ao militarismo e seus impactos na sociedade japonesa.” Sim, concordo que os maiores culpados pelo holocausto nuclear foram os militares fascistas que fizeram uma intensa lavagem cerebral no povo japonês conduzindo as pessoas, desde o ensino fundamental, a um fanatismo religioso pela guerra. Gostei muito da fotografia em branco e preto em formato WideScreen tríptico de Kazuo Miyagawa. Ele filmou Rashomon, Sete samurais e Trono manchado de sangue.
O filme não tem nada de absurdo e pouco tem a ver com humor negro.
Trata-se de uma parábola sobre a guerra.
O pano de fundo do drama é a Guerra Civil Irlandesa.
Quando o diálogo entre as partes é interrompido e os laços de fraternidade são quebrados tem início o comportamento irracional que conduz ao ódio, à retaliação, à guerra entre antigos amigos.
O filme tem muito a ver com o que está acontecendo no Brasil entre amigos, dentro das famílias, em toda a sociedade.
Mostra como a impossibilidade do diálogo, a incapacidade de suportar a “imbecilidade” do outro, pode nos conduzir para uma guerra civil.
A trilha sonora soberba rechaça a palavra banalidade numa possível interpretação equivocada do espectador sobre o filme.
Filme super interessante. Mostra o conflito no pós-guerra entre o Japão moderno contra o feudal numa pequena cidade rural do país. Uma classe de meninas do 5º ano se rebela contra uma colega que foi vista com um rapaz na rua. Acharam isso uma imoralidade. A moral machista e patriarcal domina a mente de japoneses tradicionais. Até das mulheres. A professora novata que chegou de Tóquio a defende de forma veemente e a briga acaba envolvendo a escola toda e até a cidade. Acabei assistindo a esse belo filme numa tarde de domingo porque o jogo do Corinthians pelo Paulistinha contra a Portuguesa estava chatíssimo.
Assisti a esse filme no começo dos anos 1960. Por conta da boa impressão que ele causou ao olhar de uma criança, procurei muito por uma cópia desse filme desde o surgimento da era do DVD. Sem sucesso. Finalmente, o filme foi postado no You Tube com uma cópia de qualidade razoável para boa graças à generosidade do responsável pela Cultura Popular!. Acabei de assistir de novo, achando que ele poderia me decepcionar. Não foi o que aconteceu, mesmo para o olhar de quem já assistiu milhares de filmes. Achei Cara de fogo muito saboroso porque ele me trouxe boas recordações da minha infância vivida numa pequena cidade do interior paulista, sobretudo na zona rural. Boas lembranças também dos tempos de matinês quando o primeiro filme de uma sessão dupla era, muitas vezes, produto do cinema nacional. Cara de fogo tem a cara do Brasil bucólico e até idílico dos anos 1950. Ele não perdeu o seu encanto. Pena que o cinema nacional não enveredou por produzir filmes simples desse tipo, com roteiros que podiam agradar a maior parte dos brasileiros.
Filme no ritmo que gosto, bem diferente do Everything everywhere all at once, que comecei a assistir e parei porque não suportei acompanhar o ritmo alucinante do filme. Durante o filme, gostoso de assistir, fiquei morrendo de medo que acontecesse uma tragédia ou abuso da menina pelo marido da mulher que a pegou para cuidar durante um tempo. Ou imaginei que fosse um filme de terror e que algo diabólico fosse acontecer a qualquer momento. Mas
felizmente tratava-se de um filme delicado que apenas queria mostrar que crianças precisam de amor, carinho e atenção numa família tranquila e ajustada para se desenvolverem saudavelmente.
Um jovem professor que mora na capital do Butão, tendo sido colonizado culturalmente pelo Ocidente, sonha em ir viver na Austrália. Transferido pelo governo para dar aulas em uma escola distante, o professor tem um choque cultural quando chega a um vilarejo paupérrimo localizado no sopé das montanhas belíssimas do Himalaia. Apesar de inundado pelo misticismo, pelo sopro sublime da espiritualidade, pela alma delicada dos habitantes da vila, por uma cultura milenar que resiste aos tempos modernos, pelo contato metafísico com uma natureza extasiante, o jovem professor
abandona os seus alunos, a escola, as pessoas que o tratam como um deus para ir morar na supostamente fascinante Austrália. Quando realiza o sonho tão desejado, e passa a viver no mundo civilizado, o professor percebe que é tratado simplesmente como uma coisa mediada pelo dinheiro.
Inadequado para pessoas que gostam de filmes de ação, terror, faroeste, samurai, filmes centrados na vingança e na luta do bem contra o mal.
Filme muito bonito não só visualmente, mas pelo roteiro que mostra relações humanas determinadas por valores da cultura tradicional japonesa mesmo numa época de rápida modernização de um país recém destruído pela guerra.
Final triste. Os espectadores, certamente, torcem por um final hollywoodiano, mas felizmente o diretor não embarca nessa canoa furada.
A tese de Naruse é de que os valores perduram e continuam determinando o comportamento dos indivíduos mesmo quando a sociedade se transforma rapidamente.
É tão grande a pressão dos valores culturais sobre as pessoas que a viúva Reiko demora para descobrir que ama o irmão mais novo de seu falecido marido.
Quando este confessa o seu amor por ela Reiko fica chocadíssima. Ela sabe que a sociedade não admitiria um relacionamento tão escandaloso. Seria como um incesto, uma relação consanguínea, já que, na sociedade tradicional japonesa, a mulher pertence à família do marido mesmo quando ele morre.
Hideko Takamine faz o papel de filha da dona de uma casa de agenciamento de gueixas interpretada por Isuzu Yamada, uma atriz com traços de imperatriz. O filme não narra propriamente uma história, mas descreve uma época onde as tradições artísticas do Japão antigo estão sendo substituídas pelos valores modernos de uma sociedade de mercado onde o dinheiro domina tudo. A filha despreza a profissão da mãe que é gueixa. No fim, vemos a filha praticando costura para conseguir um emprego enquanto a mãe toca um instrumento musical de cordas. A cena resume o filme e revela a intenção do diretor Mikio Naruse. O filme, em branco e preto e tela em formato standard, não tem nada de excepcional, mas conseguiu prender a minha atenção até o fim.
A Organização Mundial de Saúde classifica a pedofilia como um “distúrbio de preferência sexual”. Parece haver um crescente corpo de evidências mostrando que a pedofilia é uma doença. Um Hospital e 11 centros de saúde em toda a Alemanha oferecem tratamento para pedófilos.
No filme de Jennifer Fox, valeria a pena discutir se o pedófilo e a Sra. G não deveriam ter sido julgados criminalmente.
O tema abordado no filme é chocante, mas precisa ser divulgado para alertar os pais. Enquanto produto da arte cinematográfica, em termos estéticos, não vi nada de extraordinário no filme.
Poderíamos discutir também por que a nossa civilização produz pessoas sexualmente doentes. A sexualidade é uma das coisas mais extraordinárias que a natureza criou. Por que ela foi transformada em tabu, pecado, coisa suja, perturbadora e abominável?
A história de Lutero é incrível. Muitos cristãos rebeldes que tinham ousado afrontar os dogmas da Igreja Católica tinham morrido queimados vivos na fogueira, após sofrer torturas horríveis na prisão da Santa Inquisição. Lutero enfrentou as autoridades da Igreja com muita coragem.
Achei que o filme não explica de onde nasceu a coragem desse homem que mudou a história da Igreja Medieval.
Nos tempos de estudante, Lutero passou por uma experiência trágica. Quando passeava com um amigo, foram ambos surpreendidos por uma forte tempestade e um raio atingiu o seu acompanhante. Ele ficou alguns dias com a mente perturbada pela morte horrível do amigo e começou a ler a Bíblia. Lutero descobriu o Deus colérico do Velho Testamento. O Deus furioso que fulminou o seu amigo com um raio. Teve consciência de que seus pecados poderiam levá-lo a uma pena mais terrível que a morte do corpo: a punição eterna da alma. O jovem estudante passou a viver uma profunda crise espiritual. Em 1505, ele decidiu abandonar os estudos para ingressar no mosteiro agostiniano de Erfurt. Se não encontrasse a paz de espírito, poderia enlouquecer. Seus amigos ficaram bastante surpresos. Lutero frustrava o sonho do pai que desejava vê-lo formado em Direito.
No mosteiro, Lutero continuava perturbado pela consciência de seus pecados e pelo fato de não saber se conseguiria aplacar a fúria divina. Temia morrer sem ter recebido o perdão de Deus. Sentia pavor ao pensar na sentença de sua condenação no dia do juízo final. Lutero entregou-se a penitências, vigílias e jejuns rigorosos que quase o conduziram à morte. Nada conseguia eliminar as incertezas em relação à graça de Deus. Chegou a desconfiar que Deus poderia ter predestinado alguns homens à salvação, e outros à condenação eterna antes mesmo do nascimento de cada um. Estudando a Bíblia veio a dúvida: a salvação dependia mesmo de seus atos? Por mais que fizesse penitências não conseguia obter a certeza do perdão de Deus. As obras podiam apaziguar a implacável justiça divina como estipulavam os dogmas católicos? Lutero não desejava correr o risco de morrer sem ter sido perdoado. Não podia viver com essa dúvida angustiante. Precisava ter a certeza de ter recebido a graça de Deus antes de morrer.
No mosteiro, reconhecendo as habilidades acadêmicas de Lutero, seus superiores o encaminharam à Universidade de Wittenberg. Em 1512, após obter o diploma em Teologia, o monge agostiniano tornou-se professor dessa Universidade para ministrar cursos relacionados ao estudo de textos sagrados. Precisando dedicar-se ao estudo da Bíblia para preparar seus cursos, o jovem professor de Teologia começou a desenvolver certas percepções que iriam proporcionar-lhe paz de espírito e, também, iriam conduzi-lo por caminhos muito perigosos.
Nos estudos bíblicos, a principal clarividência Lutero obteve ao fixar-se na frase bíblica: O justo viverá da fé. Ao refletir seguidamente sobre o significado desse preceito, ele sentiu aos poucos a luz inundando a sua consciência atormentada. Prosseguindo o estudo do Novo Testamento, o professor de Teologia compreendeu que Deus não desejava vingar-se dos pecadores com uma justiça implacável. Ele tinha enviado o seu Filho ao mundo por amor à humanidade. Jesus Cristo tinha suportado a crucificação para redimir o pecado dos homens. Quem tivesse fé nas promessas de Cristo não precisava temer mais nada porque encontraria a salvação eterna.
Pela graça divina, por um dom de Deus, por meio da fé, os pecadores poderiam encontrar a salvação. Bastava crer cegamente na bondade de um Deus que enviou o seu filho ao mundo para ser crucificado para pagar pelos pecados dos homens. As boas obras serviriam apenas para os vaidosos se vangloriarem.
Liberto de suas angústias dilacerantes, Lutero sentia-se um novo homem como se tivesse ingressado no paraíso. Ele compreendeu que o Velho Testamento tinha sido superado com a vinda de Cristo ao mundo. O Novo Testamento trazia a esperança de que todos podem obter a salvação de suas almas por meio da fé na infinita misericórdia do Redentor.
Lutero compreendeu assim que a salvação não dependia de nada que fosse exterior ao indivíduo: Igreja, papa, padres, santos, Virgem Maria, boas obras. Se o cristão não tivesse fé no perdão de seus próprios pecados, tudo o mais seria inútil. A Bíblia deveria ser o verdadeiro alimento e amparo para a alma dos fiéis. Ele sentiu-se investido pela tarefa de disseminar essa revelação a todos os homens que vinham comprando indulgências vendidas pela Igreja com a finalidade de obter o perdão para os seus pecados e salvar suas almas.
Foi assim que Lutero desenvolveu uma coragem descomunal para enfrentar a instituição mais rica, poderosa e temível da sociedade feudal. Instituição que tinha exterminado milhares de cristãos taxados de hereges, como nas guerras contra os cátaros e hussitas, para citar apenas os dois genocídios mais célebres.
Achei o roteiro magnífico. Tadashi Imai consegue associar 300 anos de história do Japão com a história de uma família. E mais importante que isso consegue mostrar de forma incisiva o sofrimento dos súditos, dos samurais e dos camponeses que ficavam submetidos aos caprichos mais escabrosos dos senhores feudais sem se rebelar.
Foi doloroso ver o que os camponeses suportaram naqueles tempos sombrios. Por que não fizeram uma revolução? Os samurais tinham não só condições mas motivos para liderar essa revolução. Mas a sua lealdade aos xóguns era religiosa e inabalável.
Na parte final, o filme defende uma tese que me deixou boquiaberto. O Japão se modernizou, mas conserva o mesmo sistema de poder da era feudal baseado na lealdade canina dos subalternos em relação aos seus superiores. Nas grandes corporações do Japão moderno impera ainda o mesmo sistema de dominação da era feudal.
O filme mostra a transição da era feudal para a era moderna no Japão. O parto ocorreu com muita dor, embora não tanto quanto na França.
Os samurais tornavam-se inúteis na sociedade moderna que nascia. Muitos morriam de fome por falta de trabalho. Kanichiro Yoshimura é um samurai que vive esse momento crítico. Em alguns momentos, ele é forçado a deixar de lado os valores como honra e lealdade ao clã para privilegiar os interesses individuais relacionados à sobrevivência de sua família. Ou seja, o seu comportamento exprime a passagem do mundo feudal para o mundo moderno.
Os irmãos Dardenne mostram com muita competência o sentimento de uma criança abandonada pelo pai. Já vi como gatos e cachorros se sentem ao serem abandonados pelos donos. Deve ser uma dor angustiante, amarga, martirizante. Nada preenche o vazio de afeto que fica para sempre.
Mas, na maioria das vezes, as consequências são terríveis não só para as crianças mas também para a sociedade.
Milhões de crianças são abandonadas pelo pai por várias razões. A violência social é uma das consequências da desagregação da família. Os irmãos Dardenne sugerem que a situação de abandono é muito favorável para a delinquência infantil. Após ser abandonado, Cyril tornou-se uma presa fácil para um traficante de drogas. A violência contra a sociedade seria uma forma de o menino expressar o seu sentimento de revolta explosivo.
Em 2014, o crime custou ao Brasil R$ 386 bilhões. Se essa montanha de dinheiro fosse gasta na geração de empregos, os pais não abandonariam suas famílias. As crianças poderiam receber atenção, carinho e afeto. Não cairiam na marginalidade. Mas a lógica do capitalismo é outra.
O Brasil, por ter sido colonizado e ter optado por um desenvolvimento econômico atrelado às nações imperialistas, tem um capitalismo mais predatório do que das nações que colonizaram a África, a América e a Ásia.
Tirando a bela Gene Tierney e a referência à cultura gaúcha que imperava nos pampas argentinos, o filme não me agradou. Talvez por adulterar alguns elementos do gênero faroeste clássico. Quem, como eu, aprendeu a gostar da paisagem cenográfica dos filmes de John Ford, não consegue admitir outros tipos de paisagens. Nem engole os pampas argentinos, e nem o Deserto de Tabernas, em Almeria, no sudoeste da Espanha onde eram filmados os spaguetti westerns.
Todos sabem que existia um código de ética no cinema de Hollywood. Por exemplo, era proibido filmar um casal dormindo na mesma cama mesmo que unidos legalmente pelo matrimônio. Um outro preceito era punir obrigatoriamente os transgressores da lei e da ordem no final do filme. As crianças precisariam ser ensinadas que o crime jamais compensa.
Em O gaúcho, o mocinho do filme assassinou um homem, feriu uma autoridade militar, era desertor. Precisava ser condenado pela Justiça ou morto pelos defensores da Lei e da Ordem. Porém, se isso acontecesse, o filme seria um desastre de bilheteria. Por isso, a história fica sem conclusão. No fim, nem o mocinho foi punido clara e explicitamente pela Lei, e nem o código de ética de Hollywood foi transgredido. Detesto tudo e todos que ficam em cima do muro.
Os movimentos heréticos que ocorreram na Idade Média denunciaram a Igreja Católica por ter deixado de lado as questões espirituais e ter se dedicado à acumulação de riqueza, além de lutar de forma obsessiva pela conquista de poder terreno. Durante a Idade Média, a Igreja tornou-se riquíssima e tão poderosa que era capaz de destituir imperadores. Os hereges desejavam que a Igreja resgatasse os princípios do cristianismo primitivo: a vida comunitária, a renúncia aos bens terrenos, nenhuma concessão aos detentores do poder, mesmo que isso significasse uma perseguição implacável e até o extermínio.
Lutero parece que fugiu dessa tradição dos movimentos heréticos. Ele questionou a autoridade do papa e criticou a corrupção da Igreja, defendeu a tese de que a fé, e não as obras, é o caminho para a salvação de almas. A única autoridade legítima dos cristãos seria a Bíblia, isto é, as palavras de Cristo. A Santa Sé não podia suportar essa insolência.
Na sua luta contra a Igreja de Roma, Lutero se deparou com duas possibilidades: liderar uma revolução social apoiado pelos camponeses ou aliar-se à nobreza para eliminar as ingerências da Igreja Católica no território da Alemanha. Ele optou pela segunda alternativa. Os pobres que tinham todo o carinho de Jesus foram abandonados pelo fundador do protestantismo.
Hoje, muitas Igrejas Evangélicas dão mais importância à acumulação de dinheiro e à conquista de influência na esfera do poder político do que às questões espirituais.
De qualquer forma, gostei desse filme sobre a vida de Lutero. Em toda luta de Davi contra Golias, torço pela vitória do mais fraco na luta contra o mais forte. Nesse sentido, o filme tem cenas emocionantes. Lutero foi valente. Muitos hereges antes dele tinham sido queimados vivos na fogueira. Ele não se intimidou diante dos poderosos. Lutou bravamente contra os opressores. Mas sua luta não acabou com a miséria dos pobres e oprimidos. Ele desperdiçou uma chance histórica.
Stalin morreu em março de 1953. O filme pertence portanto à era estalinista. O diretor Vsevolod Pudovkin exalta a beleza das relações sociais no sistema socialista. Todos discutem e tomam decisões para melhorar a produtividade no campo. O filme é instrutivo porque podemos comparar o socialismo com o capitalismo, sistema esse que nós conhecemos bem porque nascemos e vivemos nele.
Nota-se que no socialismo todos lutam pelo bem coletivo, pelo bem da nação. Ninguém explora o trabalho alheio visando o seu interesse particular como ocorre no capitalismo.
Apesar de o filme enaltecer o esforço de todos pelo interesse coletivo, é possível perceber que as relações sociais precisam de um controle burocrático para evitar que algumas pessoas tomem decisões arbitrárias que possam prejudicar o interesse coletivo.
Na economia de mercado, não há necessidade de um controle desse tipo. As decisões de todos os agentes visam maximizar seus ganhos particulares. A competição induz todos os agentes a tomarem as decisões mais adequadas porque disso depende a sua sobrevivência. Não há espaço para decisões orientadas por capricho pessoal numa verdadeira economia de mercado.
O filme de Pudovkin mostra apenas a esfera da produção econômica. Não mostra as mazelas do totalitarismo burocrático do regime estalinista. Por isso, o filme parece um conto da carochinha. Se existisse liberdade de expressão nesse regime autocrático, o filme poderia ter discutido os problemas econômicos que estavam germinando e que iriam levar o regime soviético ao colapso em 1991.
A TV Brasil está apresentando uma mostra do cinema russo. O site de vídeos da Internet disponibiliza centenas de filmes soviéticos e russos, muitos deles verdadeiros clássicos. É uma grande oportunidade para conhecermos um pouco da história do socialismo soviético. Fico cada vez mais impressionado com o acesso que a Internet nos dá à cultura universal.
Em dado momento, a mídia transforma Zelig numa aberração de circo. Milhares de pessoas fazem excursões para poderem ver um ser humano que é apresentado como “O maior fenômeno da História”.
Na verdade, com muito humor, Woody Allen aborda a questão da massificação do indivíduo na sociedade contemporânea. As pessoas renunciam à sua personalidade, à sua individualidade, à sua originalidade, às suas características, às suas ideias e gostos para serem aceitas no grupo e na sociedade. A pressão que sofremos para sermos iguais, para pensarmos como todo mundo, é muito forte. Por isso, todos nós somos, em maior ou menor grau, camaleões humanos. Quem nunca teve receio de afirmar que um filme é uma droga, quando todo mundo acha que é genial?
Da mesma forma que muitos seres vivos da natureza, Zelig molda-se ao ambiente para poder integrar-se à paisagem social. Ele faz de tudo para ser igual a todo mundo. Ele aprende a ser flexível, negando a sua personalidade, para adaptar-se a situações diversas. Ele é o que as pessoas desejam que ele seja. Ele precisa de aprovação do grupo, é vítima do conformismo social.
Quando a produção fordista passou a fabricar milhares de carros pretos, para viabilizar o processo da linha de montagem, o gosto das pessoas precisava ser uniformizado. A sociedade de consumo, mediante um bombardeio infernal da propaganda, intensificou então o fenômeno abordado por Woody Allen. Antes do toyotismo, a fabricação em série era crucial porque possibilitava a economia de escala. Teve início então a massificação do gosto das pessoas através da publicidade. A teoria econômica afirma que o fundamento de tudo é a livre escolha do indivíduo. Cada um escolhe o que quer ser na vida. Escolhe os produtos que deseja. Pode exprimir no mercado o seu gosto pessoal. Tudo balela.
Hipnotizado, Zelig lança um brado de independência: É preciso que cada um tenha a sua própria personalidade para fazer suas próprias escolhas, mesmo quando não atende às expectativas de outras pessoas. Senão você vira um robô ou camaleão humano.
A maioria das pessoas não tem a consciência que teve a cabeça moldada desde criança pela família, pela religião, pela escola, pela ideologia dominante que é disseminada pelos meios de comunicação controlados pelas classes dominantes. Nas redes sociais, todos acham que estão defendendo as suas próprias ideias. Ledo engano.
O filme transcorre numa época em que começava a germinar o Estado Moderno. Mostra os fundamentos do poder da Igreja na Idade Média. Todos tinham medo de ir para o inferno depois de morrer. Os reis tremiam nas bases quando eram ameaçados de excomunhão pelo papa. Filme para quem gosta de política de alto nível. Becket tirava dos ricos para dar aos pobres. Poderia ter amplificado a sua estratégia distributiva quando tornou-se chefe da Igreja da Inglaterra. Mas acabou se envolvendo numa questão de disputa de poder entre Estado e Igreja e pôs tudo a perder. Se soubesse fazer política, aproveitaria a sua amizade com o rei para melhorar a vida dos camponeses. E com o apoio dos camponeses poderia chegar ao poder assumindo a coroa da Inglaterra. Maquiavel, futuramente, iria recomendar aos governantes não colocar uma questão de ordem moral — a honra — acima das questões de interesse coletivo, ou seja, acima das questões de ordem política.
Filme estiloso que afeta o realismo típico do cinema em branco e preto. Samurai Lobo lembra um pouco os Spaghetti western. O herói tem pinta de maloqueiro. Hideo Gosha acrescenta um toque de sensualidade no filme de samurai.
O formato de tela wide amplia a beleza da fotografia. Nunca consegui gostar de Spaghetti western. Mas Samurai Lobo dá para o gasto apesar do exagero estilístico.
Assisti o filme porque tinha média 8 num site estrangeiro. Li os comentários dos últimos dois anos e fiquei impressionado com as diferenças de opinião. Alguns choraram de tanto rir. Outros choraram de tanta raiva que passaram vendo o filme.
Felizmente, o gosto do homo sapiens é bem diversificado. Imaginem se todas as mulheres do planeta gostassem do mesmo tipo de homem e vice-versa. Bilhões iriam morrer virgem. A única vantagem é que o planeta estaria preservado, com florestas exuberantes, rios com águas cristalinas, ar tão puro que seria melhor que qualquer perfume já fabricado.
Vamos agradecer aos céus o fato de não termos todos o mesmo gosto. Vamos construir um novo mundo para salvar o planeta.
A deliciosa reconstituição da época, com TVs de tela arredondada, ônibus com linhas arredondadas, músicas nostálgicas que fizeram sucesso naqueles bons tempos.
A canção You'll never know que eu achava meio brega, mas que caiu muito bem no filme.
Uma trama excitante.
A fofura da Sally Hawkins.
Os personagens centrais são aqueles que a sociedade estadunidense estigmatiza ou considera perdedores.
E uma mensagem importante. Hoje vivemos um contexto muito parecido com a década de 1930, de guerra comercial, ascensão da extrema-direita, racismo mórbido, ódio ao estrangeiro, nacionalismo fanático, medo em relação ao que é diferente. O filme destoa desse contexto de nascimento do ovo da serpente.
Fazia um tempão que eu deixava de repudiar um vencedor do Oscar.
Black Rain - A Coragem de uma Raça
4.0 18Assisti Oppenheimer e depois assisti Chuva negra.
O inferno descrito cinematograficamente por Imamura após a explosão da bomba nuclear ocorre no momento em que Oppenheimer e os integrantes do Projeto Manhattan explodiam eufóricos com a notícia sinistra vinda de Hiroshima.
É verdade que alguns cientistas, como Leo Szilard, lutaram contra a produção e lançamento da bomba em civis.
A narrativa de Imamura é serena. Nenhum personagem grita “Malditos americanos”. O Gemini lembra que o diretor japonês “foi um crítico consistente do militarismo no Japão antes, durante e depois da guerra. Sua obra cinematográfica é repleta de exemplos que demonstram sua postura crítica em relação ao militarismo e seus impactos na sociedade japonesa.”
Sim, concordo que os maiores culpados pelo holocausto nuclear foram os militares fascistas que fizeram uma intensa lavagem cerebral no povo japonês conduzindo as pessoas, desde o ensino fundamental, a um fanatismo religioso pela guerra.
Gostei muito da fotografia em branco e preto em formato WideScreen tríptico de Kazuo Miyagawa. Ele filmou Rashomon, Sete samurais e Trono manchado de sangue.
Os Banshees de Inisherin
3.9 566 Assista AgoraO filme não tem nada de absurdo e pouco tem a ver com humor negro.
Trata-se de uma parábola sobre a guerra.
O pano de fundo do drama é a Guerra Civil Irlandesa.
Quando o diálogo entre as partes é interrompido e os laços de fraternidade são quebrados tem início o comportamento irracional que conduz ao ódio, à retaliação, à guerra entre antigos amigos.
O filme tem muito a ver com o que está acontecendo no Brasil entre amigos, dentro das famílias, em toda a sociedade.
Mostra como a impossibilidade do diálogo, a incapacidade de suportar a “imbecilidade” do outro, pode nos conduzir para uma guerra civil.
A trilha sonora soberba rechaça a palavra banalidade numa possível interpretação equivocada do espectador sobre o filme.
Aoi sanmyaku
4.0 1Filme super interessante.
Mostra o conflito no pós-guerra entre o Japão moderno contra o feudal numa pequena cidade rural do país.
Uma classe de meninas do 5º ano se rebela contra uma colega que foi vista com um rapaz na rua.
Acharam isso uma imoralidade.
A moral machista e patriarcal domina a mente de japoneses tradicionais. Até das mulheres.
A professora novata que chegou de Tóquio a defende de forma veemente e a briga acaba envolvendo a escola toda e até a cidade.
Acabei assistindo a esse belo filme numa tarde de domingo porque o jogo do Corinthians pelo Paulistinha contra a Portuguesa estava chatíssimo.
Cara de Fogo
3.9 2Assisti a esse filme no começo dos anos 1960.
Por conta da boa impressão que ele causou ao olhar de uma criança, procurei muito por uma cópia desse filme desde o surgimento da era do DVD. Sem sucesso.
Finalmente, o filme foi postado no You Tube com uma cópia de qualidade razoável para boa graças à generosidade do responsável pela Cultura Popular!.
Acabei de assistir de novo, achando que ele poderia me decepcionar.
Não foi o que aconteceu, mesmo para o olhar de quem já assistiu milhares de filmes.
Achei Cara de fogo muito saboroso porque ele me trouxe boas recordações da minha infância vivida numa pequena cidade do interior paulista, sobretudo na zona rural.
Boas lembranças também dos tempos de matinês quando o primeiro filme de uma sessão dupla era, muitas vezes, produto do cinema nacional.
Cara de fogo tem a cara do Brasil bucólico e até idílico dos anos 1950. Ele não perdeu o seu encanto.
Pena que o cinema nacional não enveredou por produzir filmes simples desse tipo, com roteiros que podiam agradar a maior parte dos brasileiros.
A Menina Silenciosa
4.0 129Filme no ritmo que gosto, bem diferente do Everything everywhere all at once, que comecei a assistir e parei porque não suportei acompanhar o ritmo alucinante do filme.
Durante o filme, gostoso de assistir, fiquei morrendo de medo que acontecesse uma tragédia ou abuso da menina pelo marido da mulher que a pegou para cuidar durante um tempo.
Ou imaginei que fosse um filme de terror e que algo diabólico fosse acontecer a qualquer momento.
Mas
felizmente tratava-se de um filme delicado que apenas queria mostrar que crianças precisam de amor, carinho e atenção numa família tranquila e ajustada para se desenvolverem saudavelmente.
A Felicidade das Pequenas Coisas
4.0 96 Assista AgoraUm jovem professor que mora na capital do Butão, tendo sido colonizado culturalmente pelo Ocidente, sonha em ir viver na Austrália.
Transferido pelo governo para dar aulas em uma escola distante, o professor tem um choque cultural quando chega a um vilarejo paupérrimo localizado no sopé das montanhas belíssimas do Himalaia.
Apesar de inundado pelo misticismo, pelo sopro sublime da espiritualidade, pela alma delicada dos habitantes da vila, por uma cultura milenar que resiste aos tempos modernos, pelo contato metafísico com uma natureza extasiante, o jovem professor
abandona os seus alunos, a escola, as pessoas que o tratam como um deus para ir morar na supostamente fascinante Austrália.
Quando realiza o sonho tão desejado, e passa a viver no mundo civilizado, o professor percebe que é tratado simplesmente como uma coisa mediada pelo dinheiro.
Inadequado para pessoas que gostam de filmes de ação, terror, faroeste, samurai, filmes centrados na vingança e na luta do bem contra o mal.
Ajuste Final
3.9 116 Assista Agora.
Os irmãos Cohen construíram um enredo tão intrincado que não conseguiam mais encontrar o fio da meada. E não sabiam como conectar alguns personagens.
Paralisaram as filmagens.
Analisei o roteiro com muito cuidado e percebi que os personagens e o enredo não têm consistência.
Por pressão dos produtores, os irmãos Cohen concluíram o filme que virou cult para muitos cinéfilos.
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Tormento
4.3 9.
Tem spoiler!
Filme muito bonito não só visualmente, mas pelo roteiro que mostra relações humanas determinadas por valores da cultura tradicional japonesa mesmo numa época de rápida modernização de um país recém destruído pela guerra.
Final triste. Os espectadores, certamente, torcem por um final hollywoodiano, mas felizmente o diretor não embarca nessa canoa furada.
A tese de Naruse é de que os valores perduram e continuam determinando o comportamento dos indivíduos mesmo quando a sociedade se transforma rapidamente.
É tão grande a pressão dos valores culturais sobre as pessoas que a viúva Reiko demora para descobrir que ama o irmão mais novo de seu falecido marido.
Quando este confessa o seu amor por ela Reiko fica chocadíssima. Ela sabe que a sociedade não admitiria um relacionamento tão escandaloso. Seria como um incesto, uma relação consanguínea, já que, na sociedade tradicional japonesa, a mulher pertence à família do marido mesmo quando ele morre.
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Correnteza
3.9 4Hideko Takamine faz o papel de filha da dona de uma casa de agenciamento de gueixas interpretada por Isuzu Yamada, uma atriz com traços de imperatriz.
O filme não narra propriamente uma história, mas descreve uma época onde as tradições artísticas do Japão antigo estão sendo substituídas pelos valores modernos de uma sociedade de mercado onde o dinheiro domina tudo.
A filha despreza a profissão da mãe que é gueixa. No fim, vemos a filha praticando costura para conseguir um emprego enquanto a mãe toca um instrumento musical de cordas. A cena resume o filme e revela a intenção do diretor Mikio Naruse.
O filme, em branco e preto e tela em formato standard, não tem nada de excepcional, mas conseguiu prender a minha atenção até o fim.
Sangue em Sonora
3.2 27.
Já tinha visto, mas revi o filme com prazer. Mesmo não apreciando faroestes temporãos que fogem do estilo clássico dos anos 1940 e 1950.
O estilo de Furie me lembrou o de Tarantino, mas sem a mesma genialidade.
Não gosto de faroeste noir, mas achei que as imagens no escuro cumpriram um papel expressivo muito bom.
A narrativa de Sangue em Sonora conseguir prender a minha atenção até o fim.
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O Conto
4.1 339 Assista Agora.
A Organização Mundial de Saúde classifica a pedofilia como um “distúrbio de preferência sexual”. Parece haver um crescente corpo de evidências mostrando que a pedofilia é uma doença. Um Hospital e 11 centros de saúde em toda a Alemanha oferecem tratamento para pedófilos.
No filme de Jennifer Fox, valeria a pena discutir se o pedófilo e a Sra. G não deveriam ter sido julgados criminalmente.
O tema abordado no filme é chocante, mas precisa ser divulgado para alertar os pais. Enquanto produto da arte cinematográfica, em termos estéticos, não vi nada de extraordinário no filme.
Poderíamos discutir também por que a nossa civilização produz pessoas sexualmente doentes. A sexualidade é uma das coisas mais extraordinárias que a natureza criou. Por que ela foi transformada em tabu, pecado, coisa suja, perturbadora e abominável?
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Martinho Lutero
3.6 8 Assista Agora.
A história de Lutero é incrível. Muitos cristãos rebeldes que tinham ousado afrontar os dogmas da Igreja Católica tinham morrido queimados vivos na fogueira, após sofrer torturas horríveis na prisão da Santa Inquisição. Lutero enfrentou as autoridades da Igreja com muita coragem.
Achei que o filme não explica de onde nasceu a coragem desse homem que mudou a história da Igreja Medieval.
Nos tempos de estudante, Lutero passou por uma experiência trágica. Quando passeava com um amigo, foram ambos surpreendidos por uma forte tempestade e um raio atingiu o seu acompanhante. Ele ficou alguns dias com a mente perturbada pela morte horrível do amigo e começou a ler a Bíblia. Lutero descobriu o Deus colérico do Velho Testamento. O Deus furioso que fulminou o seu amigo com um raio. Teve consciência de que seus pecados poderiam levá-lo a uma pena mais terrível que a morte do corpo: a punição eterna da alma. O jovem estudante passou a viver uma profunda crise espiritual. Em 1505, ele decidiu abandonar os estudos para ingressar no mosteiro agostiniano de Erfurt. Se não encontrasse a paz de espírito, poderia enlouquecer. Seus amigos ficaram bastante surpresos. Lutero frustrava o sonho do pai que desejava vê-lo formado em Direito.
No mosteiro, Lutero continuava perturbado pela consciência de seus pecados e pelo fato de não saber se conseguiria aplacar a fúria divina. Temia morrer sem ter recebido o perdão de Deus. Sentia pavor ao pensar na sentença de sua condenação no dia do juízo final. Lutero entregou-se a penitências, vigílias e jejuns rigorosos que quase o conduziram à morte. Nada conseguia eliminar as incertezas em relação à graça de Deus. Chegou a desconfiar que Deus poderia ter predestinado alguns homens à salvação, e outros à condenação eterna antes mesmo do nascimento de cada um. Estudando a Bíblia veio a dúvida: a salvação dependia mesmo de seus atos? Por mais que fizesse penitências não conseguia obter a certeza do perdão de Deus. As obras podiam apaziguar a implacável justiça divina como estipulavam os dogmas católicos? Lutero não desejava correr o risco de morrer sem ter sido perdoado. Não podia viver com essa dúvida angustiante. Precisava ter a certeza de ter recebido a graça de Deus antes de morrer.
No mosteiro, reconhecendo as habilidades acadêmicas de Lutero, seus superiores o encaminharam à Universidade de Wittenberg. Em 1512, após obter o diploma em Teologia, o monge agostiniano tornou-se professor dessa Universidade para ministrar cursos relacionados ao estudo de textos sagrados. Precisando dedicar-se ao estudo da Bíblia para preparar seus cursos, o jovem professor de Teologia começou a desenvolver certas percepções que iriam proporcionar-lhe paz de espírito e, também, iriam conduzi-lo por caminhos muito perigosos.
Nos estudos bíblicos, a principal clarividência Lutero obteve ao fixar-se na frase bíblica: O justo viverá da fé. Ao refletir seguidamente sobre o significado desse preceito, ele sentiu aos poucos a luz inundando a sua consciência atormentada. Prosseguindo o estudo do Novo Testamento, o professor de Teologia compreendeu que Deus não desejava vingar-se dos pecadores com uma justiça implacável. Ele tinha enviado o seu Filho ao mundo por amor à humanidade. Jesus Cristo tinha suportado a crucificação para redimir o pecado dos homens. Quem tivesse fé nas promessas de Cristo não precisava temer mais nada porque encontraria a salvação eterna.
Pela graça divina, por um dom de Deus, por meio da fé, os pecadores poderiam encontrar a salvação. Bastava crer cegamente na bondade de um Deus que enviou o seu filho ao mundo para ser crucificado para pagar pelos pecados dos homens. As boas obras serviriam apenas para os vaidosos se vangloriarem.
Liberto de suas angústias dilacerantes, Lutero sentia-se um novo homem como se tivesse ingressado no paraíso. Ele compreendeu que o Velho Testamento tinha sido superado com a vinda de Cristo ao mundo. O Novo Testamento trazia a esperança de que todos podem obter a salvação de suas almas por meio da fé na infinita misericórdia do Redentor.
Lutero compreendeu assim que a salvação não dependia de nada que fosse exterior ao indivíduo: Igreja, papa, padres, santos, Virgem Maria, boas obras. Se o cristão não tivesse fé no perdão de seus próprios pecados, tudo o mais seria inútil. A Bíblia deveria ser o verdadeiro alimento e amparo para a alma dos fiéis. Ele sentiu-se investido pela tarefa de disseminar essa revelação a todos os homens que vinham comprando indulgências vendidas pela Igreja com a finalidade de obter o perdão para os seus pecados e salvar suas almas.
Foi assim que Lutero desenvolveu uma coragem descomunal para enfrentar a instituição mais rica, poderosa e temível da sociedade feudal. Instituição que tinha exterminado milhares de cristãos taxados de hereges, como nas guerras contra os cátaros e hussitas, para citar apenas os dois genocídios mais célebres.
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Juramento de Obediência
4.3 4.
Achei o roteiro magnífico. Tadashi Imai consegue associar 300 anos de história do Japão com a história de uma família. E mais importante que isso consegue mostrar de forma incisiva o sofrimento dos súditos, dos samurais e dos camponeses que ficavam submetidos aos caprichos mais escabrosos dos senhores feudais sem se rebelar.
Foi doloroso ver o que os camponeses suportaram naqueles tempos sombrios. Por que não fizeram uma revolução? Os samurais tinham não só condições mas motivos para liderar essa revolução. Mas a sua lealdade aos xóguns era religiosa e inabalável.
Na parte final, o filme defende uma tese que me deixou boquiaberto. O Japão se modernizou, mas conserva o mesmo sistema de poder da era feudal baseado na lealdade canina dos subalternos em relação aos seus superiores. Nas grandes corporações do Japão moderno impera ainda o mesmo sistema de dominação da era feudal.
Cinema de grande nível.
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A Última Espada
4.2 10.
O filme mostra a transição da era feudal para a era moderna no Japão. O parto ocorreu com muita dor, embora não tanto quanto na França.
Os samurais tornavam-se inúteis na sociedade moderna que nascia. Muitos morriam de fome por falta de trabalho. Kanichiro Yoshimura é um samurai que vive esse momento crítico. Em alguns momentos, ele é forçado a deixar de lado os valores como honra e lealdade ao clã para privilegiar os interesses individuais relacionados à sobrevivência de sua família. Ou seja, o seu comportamento exprime a passagem do mundo feudal para o mundo moderno.
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O Garoto da Bicicleta
3.7 323 Assista Agora.
Os irmãos Dardenne mostram com muita competência o sentimento de uma criança abandonada pelo pai. Já vi como gatos e cachorros se sentem ao serem abandonados pelos donos. Deve ser uma dor angustiante, amarga, martirizante. Nada preenche o vazio de afeto que fica para sempre.
O filme mostra um caso que termina bem.
Milhões de crianças são abandonadas pelo pai por várias razões. A violência social é uma das consequências da desagregação da família. Os irmãos Dardenne sugerem que a situação de abandono é muito favorável para a delinquência infantil. Após ser abandonado, Cyril tornou-se uma presa fácil para um traficante de drogas. A violência contra a sociedade seria uma forma de o menino expressar o seu sentimento de revolta explosivo.
Em 2014, o crime custou ao Brasil R$ 386 bilhões. Se essa montanha de dinheiro fosse gasta na geração de empregos, os pais não abandonariam suas famílias. As crianças poderiam receber atenção, carinho e afeto. Não cairiam na marginalidade. Mas a lógica do capitalismo é outra.
O Brasil, por ter sido colonizado e ter optado por um desenvolvimento econômico atrelado às nações imperialistas, tem um capitalismo mais predatório do que das nações que colonizaram a África, a América e a Ásia.
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O Gaúcho
3.7 6.
Tirando a bela Gene Tierney e a referência à cultura gaúcha que imperava nos pampas argentinos, o filme não me agradou. Talvez por adulterar alguns elementos do gênero faroeste clássico. Quem, como eu, aprendeu a gostar da paisagem cenográfica dos filmes de John Ford, não consegue admitir outros tipos de paisagens. Nem engole os pampas argentinos, e nem o Deserto de Tabernas, em Almeria, no sudoeste da Espanha onde eram filmados os spaguetti westerns.
Todos sabem que existia um código de ética no cinema de Hollywood. Por exemplo, era proibido filmar um casal dormindo na mesma cama mesmo que unidos legalmente pelo matrimônio. Um outro preceito era punir obrigatoriamente os transgressores da lei e da ordem no final do filme. As crianças precisariam ser ensinadas que o crime jamais compensa.
Em O gaúcho, o mocinho do filme assassinou um homem, feriu uma autoridade militar, era desertor. Precisava ser condenado pela Justiça ou morto pelos defensores da Lei e da Ordem. Porém, se isso acontecesse, o filme seria um desastre de bilheteria. Por isso, a história fica sem conclusão. No fim, nem o mocinho foi punido clara e explicitamente pela Lei, e nem o código de ética de Hollywood foi transgredido. Detesto tudo e todos que ficam em cima do muro.
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Lutero
3.4 191.
Os movimentos heréticos que ocorreram na Idade Média denunciaram a Igreja Católica por ter deixado de lado as questões espirituais e ter se dedicado à acumulação de riqueza, além de lutar de forma obsessiva pela conquista de poder terreno. Durante a Idade Média, a Igreja tornou-se riquíssima e tão poderosa que era capaz de destituir imperadores. Os hereges desejavam que a Igreja resgatasse os princípios do cristianismo primitivo: a vida comunitária, a renúncia aos bens terrenos, nenhuma concessão aos detentores do poder, mesmo que isso significasse uma perseguição implacável e até o extermínio.
Lutero parece que fugiu dessa tradição dos movimentos heréticos. Ele questionou a autoridade do papa e criticou a corrupção da Igreja, defendeu a tese de que a fé, e não as obras, é o caminho para a salvação de almas. A única autoridade legítima dos cristãos seria a Bíblia, isto é, as palavras de Cristo. A Santa Sé não podia suportar essa insolência.
Na sua luta contra a Igreja de Roma, Lutero se deparou com duas possibilidades: liderar uma revolução social apoiado pelos camponeses ou aliar-se à nobreza para eliminar as ingerências da Igreja Católica no território da Alemanha. Ele optou pela segunda alternativa. Os pobres que tinham todo o carinho de Jesus foram abandonados pelo fundador do protestantismo.
Hoje, muitas Igrejas Evangélicas dão mais importância à acumulação de dinheiro e à conquista de influência na esfera do poder político do que às questões espirituais.
De qualquer forma, gostei desse filme sobre a vida de Lutero. Em toda luta de Davi contra Golias, torço pela vitória do mais fraco na luta contra o mais forte. Nesse sentido, o filme tem cenas emocionantes. Lutero foi valente. Muitos hereges antes dele tinham sido queimados vivos na fogueira. Ele não se intimidou diante dos poderosos. Lutou bravamente contra os opressores. Mas sua luta não acabou com a miséria dos pobres e oprimidos. Ele desperdiçou uma chance histórica.
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O retorno de Vassili Bortnikov
3.3 3.
Stalin morreu em março de 1953. O filme pertence portanto à era estalinista. O diretor Vsevolod Pudovkin exalta a beleza das relações sociais no sistema socialista. Todos discutem e tomam decisões para melhorar a produtividade no campo. O filme é instrutivo porque podemos comparar o socialismo com o capitalismo, sistema esse que nós conhecemos bem porque nascemos e vivemos nele.
Nota-se que no socialismo todos lutam pelo bem coletivo, pelo bem da nação. Ninguém explora o trabalho alheio visando o seu interesse particular como ocorre no capitalismo.
Apesar de o filme enaltecer o esforço de todos pelo interesse coletivo, é possível perceber que as relações sociais precisam de um controle burocrático para evitar que algumas pessoas tomem decisões arbitrárias que possam prejudicar o interesse coletivo.
Na economia de mercado, não há necessidade de um controle desse tipo. As decisões de todos os agentes visam maximizar seus ganhos particulares. A competição induz todos os agentes a tomarem as decisões mais adequadas porque disso depende a sua sobrevivência. Não há espaço para decisões orientadas por capricho pessoal numa verdadeira economia de mercado.
O filme de Pudovkin mostra apenas a esfera da produção econômica. Não mostra as mazelas do totalitarismo burocrático do regime estalinista. Por isso, o filme parece um conto da carochinha. Se existisse liberdade de expressão nesse regime autocrático, o filme poderia ter discutido os problemas econômicos que estavam germinando e que iriam levar o regime soviético ao colapso em 1991.
A TV Brasil está apresentando uma mostra do cinema russo. O site de vídeos da Internet disponibiliza centenas de filmes soviéticos e russos, muitos deles verdadeiros clássicos. É uma grande oportunidade para conhecermos um pouco da história do socialismo soviético. Fico cada vez mais impressionado com o acesso que a Internet nos dá à cultura universal.
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Zelig
4.2 355.
Em dado momento, a mídia transforma Zelig numa aberração de circo. Milhares de pessoas fazem excursões para poderem ver um ser humano que é apresentado como “O maior fenômeno da História”.
Na verdade, com muito humor, Woody Allen aborda a questão da massificação do indivíduo na sociedade contemporânea. As pessoas renunciam à sua personalidade, à sua individualidade, à sua originalidade, às suas características, às suas ideias e gostos para serem aceitas no grupo e na sociedade. A pressão que sofremos para sermos iguais, para pensarmos como todo mundo, é muito forte. Por isso, todos nós somos, em maior ou menor grau, camaleões humanos. Quem nunca teve receio de afirmar que um filme é uma droga, quando todo mundo acha que é genial?
Da mesma forma que muitos seres vivos da natureza, Zelig molda-se ao ambiente para poder integrar-se à paisagem social. Ele faz de tudo para ser igual a todo mundo. Ele aprende a ser flexível, negando a sua personalidade, para adaptar-se a situações diversas. Ele é o que as pessoas desejam que ele seja. Ele precisa de aprovação do grupo, é vítima do conformismo social.
Quando a produção fordista passou a fabricar milhares de carros pretos, para viabilizar o processo da linha de montagem, o gosto das pessoas precisava ser uniformizado. A sociedade de consumo, mediante um bombardeio infernal da propaganda, intensificou então o fenômeno abordado por Woody Allen. Antes do toyotismo, a fabricação em série era crucial porque possibilitava a economia de escala. Teve início então a massificação do gosto das pessoas através da publicidade. A teoria econômica afirma que o fundamento de tudo é a livre escolha do indivíduo. Cada um escolhe o que quer ser na vida. Escolhe os produtos que deseja. Pode exprimir no mercado o seu gosto pessoal. Tudo balela.
Hipnotizado, Zelig lança um brado de independência: É preciso que cada um tenha a sua própria personalidade para fazer suas próprias escolhas, mesmo quando não atende às expectativas de outras pessoas. Senão você vira um robô ou camaleão humano.
A maioria das pessoas não tem a consciência que teve a cabeça moldada desde criança pela família, pela religião, pela escola, pela ideologia dominante que é disseminada pelos meios de comunicação controlados pelas classes dominantes. Nas redes sociais, todos acham que estão defendendo as suas próprias ideias. Ledo engano.
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Becket, O Favorito do Rei
3.8 24 Assista AgoraO filme transcorre numa época em que começava a germinar o Estado Moderno. Mostra os fundamentos do poder da Igreja na Idade Média. Todos tinham medo de ir para o inferno depois de morrer. Os reis tremiam nas bases quando eram ameaçados de excomunhão pelo papa.
Filme para quem gosta de política de alto nível. Becket tirava dos ricos para dar aos pobres. Poderia ter amplificado a sua estratégia distributiva quando tornou-se chefe da Igreja da Inglaterra. Mas acabou se envolvendo numa questão de disputa de poder entre Estado e Igreja e pôs tudo a perder.
Se soubesse fazer política, aproveitaria a sua amizade com o rei para melhorar a vida dos camponeses. E com o apoio dos camponeses poderia chegar ao poder assumindo a coroa da Inglaterra. Maquiavel, futuramente, iria recomendar aos governantes não colocar uma questão de ordem moral — a honra — acima das questões de interesse coletivo, ou seja, acima das questões de ordem política.
Samurai Lobo
3.7 7.
Filme estiloso que afeta o realismo típico do cinema em branco e preto. Samurai Lobo lembra um pouco os Spaghetti western. O herói tem pinta de maloqueiro. Hideo Gosha acrescenta um toque de sensualidade no filme de samurai.
O formato de tela wide amplia a beleza da fotografia. Nunca consegui gostar de Spaghetti western. Mas Samurai Lobo dá para o gasto apesar do exagero estilístico.
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Todo Mundo Quase Morto
3.7 979 Assista Agora.
Assisti o filme porque tinha média 8 num site estrangeiro. Li os comentários dos últimos dois anos e fiquei impressionado com as diferenças de opinião. Alguns choraram de tanto rir. Outros choraram de tanta raiva que passaram vendo o filme.
Felizmente, o gosto do homo sapiens é bem diversificado. Imaginem se todas as mulheres do planeta gostassem do mesmo tipo de homem e vice-versa. Bilhões iriam morrer virgem. A única vantagem é que o planeta estaria preservado, com florestas exuberantes, rios com águas cristalinas, ar tão puro que seria melhor que qualquer perfume já fabricado.
Vamos agradecer aos céus o fato de não termos todos o mesmo gosto. Vamos construir um novo mundo para salvar o planeta.
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A Felicidade Bate à sua Porta
3.8 4.
Apesar de gostar de filmes antigos em branco e preto Good Sam me deu azia.
O filme passa a ideia de que o mundo seria melhor se todos fossem generosos com os outros.
A atitude voluntarista de pessoas bem intencionadas, a caridade e a bondade seriam os remédios para um mundo dominado pelo egoísmo.
A caridade e a filantropia apenas mascaram as verdadeiras raízes de todos os problemas sociais.
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A Forma da Água
3.9 2,7K.
O filme tem muitos ingredientes que me tocaram:
A deliciosa reconstituição da época, com TVs de tela arredondada, ônibus com linhas arredondadas, músicas nostálgicas que fizeram sucesso naqueles bons tempos.
A canção You'll never know que eu achava meio brega, mas que caiu muito bem no filme.
Uma trama excitante.
A fofura da Sally Hawkins.
Os personagens centrais são aqueles que a sociedade estadunidense estigmatiza ou considera perdedores.
E uma mensagem importante. Hoje vivemos um contexto muito parecido com a década de 1930, de guerra comercial, ascensão da extrema-direita, racismo mórbido, ódio ao estrangeiro, nacionalismo fanático, medo em relação ao que é diferente. O filme destoa desse contexto de nascimento do ovo da serpente.
Fazia um tempão que eu deixava de repudiar um vencedor do Oscar.
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