Fazia muito, muito tempo que eu não ficava tão desesperado para ver um filme. Antes da sessão, um amigo comentou que o sobejo de expectativas poderia desencadear alguma frustração em relação à obra. Em dez minutos de filme, sumamente deslumbrado, pensei que isso não fosse ocorrer. Mas ocorreu, em determinado momento: quando surgem as situações "correspondentes" à fábula de João e Maria, que adiciona um novo dispositivo, em relação a outro já em curso. Ao invés de ambos se combinarem, ocorreu uma espécie de competição estética, prejudicial para a apreciação destes segmentos em negativo/câmera noturna. O que talvez se manifestou nas aparições das telas monocromáticas - que adorei! -, no sentido de que um terceiro dispositivo é adicionado, confirmando a intenção do diretor em ser notado por sua genialidade, por seu experimentalismo, por sua criatividade... Nem precisava tanto: já bastava a magnificência do contraste entre as imagens resplandecentes e as atrocidades sonoras. Tecnicamente, que filme! Discursivamente, idem. Não é uma obra-prima, como eu esperava e tinha quase certeza de que seria, mas é espantosamente assertivo e intimidados. Apavorante, até: a personagem da Sandra Hüller é o suprassumo da maldade, quase deformando a si mesma, em sua ambição incontida. Como os meus companheiros de sessão, fiquei mui atordoado naquele 'flash-forward' histórico do desfecho, em que o inverso do que é denunciado vem à tona: e se a espectacularização do "ser vítima" for também um problema, em âmbito malevolente. As notícias de agora estão aí para demonstrar que a equiparação, infelizmente, não é vã, nem precipitada, nem desprovida de sentido. Adorei a montagem seca, quase como se fosse um jogo eletrônico. Christian Friedlel está imponente e aterrador, numa interpretação que faz com que ela cresça bastante em tela. Li o livro, e amei, mas a adaptação cinematográfica aproveita muito pouco do entrecho original: apenas o contexto geográfico/(i)moral, em verdade. Mas o faz com excelência, exceto pelos excessos supramencionados. Mica Levi ganha mais e mais meu coração a cada trabalho. Magnífico. Imperfeito, mas magnífico: fiquei com aquele zumbido, aquela algaravia, por muito tempo, zunindo em meus ouvidos, após a sessão. E já quero (e preciso) rever este filme, por vezes sutil, por vezes escancarado! (WPC>)
Ainda que o projeto não seja de todo inédito (pensamos na cinessérie "Up" ou em ANNA DOS6 AOS 18, para ficar em títulos imediatos), o diretor foi assertivo na união de crianças provenientes de classes sociais radicalmente distintas. Quando há o reencontro com os personagens reais, ficamos curiosos quanto às confirmações do que era possibilidade a partir do título, mas isso torna-se, gradualmente, uma constatação dos piores determinismos, sobretudo porque, numa atitude ousada (e contrária às suas realizadores anteriores), o diretor narra os eventos, adéqua o que é filmado às suas teses já confirmadas. Por uma lado, isso é válido, em âmbito político-sociológico, mas diminui o charme do documentário, no que tange à naturalidade dos eventos, afinal confirmada pela inteligência espontânea de Júlia e pelo carisma apaixonante de Cristian. Há algo de desagradavelmente paternalista, a partir de determinado momento, mas o projeto é bem realizado, ainda que o diretor relute em aceitar os caminhos inventivos que os percalços da realidade pareciam obrigá-lo: ele insiste em levar a cabo o que planejara e, a despeito de uma recusa "esperada", consegue fazê-lo. Funciona enquanto registro de um Brasil em confronto, após a ascensão do bolsonarismo. Mas sem aderir ao fatalismo: a união entre os dois irmãos é cativantes, mesmo quando eles se separam, eventualmente... (WPC>)
Ao contrário de quase todos os meus amigos, não gosto muito de VOU RIFAR MEU CORAÇÃO, obra mais famosa da diretora. Tal como aconteceu lá, eu temi que aqui, a sua abordagem fosse rasa, disfarçada de olhar sentimental/afetivo sobre a história. De fato, ocorreu. E isso dá origem a momentos muito interessantes, de comunhão mnemônica entre os músicos. Porém, eles não chegam a se reencontrar efetivamente (não a propósito do documentário, pelo menos) e a linguagem é menos a de um documentário que a de um extra de DVD, de um 'making-of' tardio. Não há qualquer comentário sobre a célebre capa do disco e o processo de gravação é comentado 'en passant', como se fosse a coisa mais habitual do mundo! Foi ótimo ouvir compositores tão inspirados e saber um pouco mais sobre a intimidade dos responsáveis por um dos melhores discos da música brasileira, mas é um filme que não aborda com profundidade a sua temática, e que, por conta disso, é destinado sobretudo a quem já conhece (muito) o disco. Pessoalmente, acho que um pouco de enciclopedismo faria bem a este projeto. Não era o que a diretora queria, entretanto. Direito dela: encontrará o seu público. Não funcionou comigo, infelizmente! (WPC>)
Não tem como não ficar encantado pelos filmes deste grande mestre: por mais que, às vezes, parece que ele se deixou influenciar pelo saudoso Satoshi Kon (na perspectiva onírica), a lógica miyazakiana é facilmente reconhecível: aqui, ao invés das típicas meninas de doze anos, temos um menino. Nos diálogos, a maldade é explicitamente citada, mais de uma vez. E a pletora de animais e situações sobrenaturais/mágicas parece relacionada, de maneira direta, a um delírio convalescente do protagonista, que se recupera de uma ferida auto-infligida na cabeça. Há diferenças mui perceptíveis em relação aos filmes anteriores, portanto. Mas o charme habitual explode em imagens belíssimas, na trilha musical inebriante de Joe Hisaishi e num roteiro que se desenvolve de maneira tão lenta quanto fascinante, em que somos surpreendidos por novas informações e contextos a cada dez minutos. Como não amar, portanto? Não está entre os meus favoritos do diretor, mas ele acostumou-nos a escalas tão altas, que revela-se um filme extraordinário, portanto! (WPC>)
Já assisti à regravação mais de uma vez, porém o charme da descoberta desta versão original é impactante: as interpretações são ótimas e mui expressivas, bem como o uso indicial dos objetos. Aquela bicicleta, por exemplo, é um personagem tão presente quanto o próprio Shinkichi! Em sentido formal, Ozu antecipa procedimentos antonionianos, aqui, mas em viés oposto, já que ele acredita e fomenta a comunicabilidade entre os personagens. Ainda que só tenhamos acesso a este filmaço em versão completamente silenciosa, sem acompanhamento musical, a trama é tão bem contada e tão direta que logo estamos apaixonados por todos os envolvidos, torcendo para eles estejam bem, em seu percurso similar às ervas do título: a fotografia e os enquadramentos são sublimes! (WPC>)
Não sei se, em comunhão com o outro episódio do longa-metragem, o filme faz mais sentido em sua denúncia cínica. Admiro a relevância histórica do filme, mas o discurso é problemático, em sua lógica da inveja de classe: é como se, ao final, o ranço do personagem só fizesse sentido porque ele foi pego, não porque discorda dos "granjestes". Gostei dos flertes com a ficção científica - a ponto de alguns cinéfilos notarem antecipações temáticas em relação a CORRA! - mas a coadjuvação do personagem Magrão cria outra emenda discursiva que merece debate: comigo, infelizmente, não funcionou. A Dialética da Malandragem, aqui, está pouco dialética (ao menos, num primeiro contato)! :( - WPC>
Apesar de a publicidade do filme destacar a filiação do diretor à Escola de Berlim e de o material de divulgação alegar que há algo de fassbinderiano na trama, as referências que pude identificar na trama são MÁQUINA MORTÍFERA e O PAGAMENTO FINAL, com as devidas oposições estilísticas, claro. Trata-se de um filme que adere à narrativa policialesca clássica - um tanto 'noir', conforme notaram alguns exegetas - , mas com largas aberturas às reflexões sobre os preconceitos e desconfianças enfrentados pelas pessoas transexuais. Neste sentido, a personificação de Thea Eher é mui elogiável e aplaudível, mas há algo de incomodamente afetado na interpretação de Timocin Ziegler, o que tem a ver com as dúvidas de seu personagem. A narrativa é afobada, na maneira como os personagens se conhecem e se aproximam, e o desfecho é antecipado dialogisticamente, em mais de um instante. O que tem menos a ver com previsibilidade que com tragicidade, com um determinismo associado ás convenções do gênero - e/ou de gênero, já que as rusgas entre homens e mulheres são reiteradas através das insatisfações dos dois casais observados pelo roteiro. Gosto do uso das baladas cancionais e da condução entretenedora, de modo que nem sentimos a duração um tanto prolongada. Não inova muito, mas é uma atualização tipicamente alemã de tramas reconhecidamente hollywoodianas. Curti! (WPC>)
Tinha visto apenas curtas-metragens do diretor e não sabia direito o que encontraria aqui: fiquei apaixonado pelo frenesi do protagonista, pela direção que faz jus ao que conhecemos como 'mise-en-scène', pelo uso expressivo dos mecanismos internos de um relógio (da mesma forma forma que ocorre no contemporâneo AGITAÇÃO) e pela musicalidade onipresente. Um filmaço que, após a revisão, será ainda mais reconhecido em seu brilhantismo. Preciso conhecer mais desse diretor: extraordinário, gênio das posições humanas em cena. Incrível! (WPC>)
Desde que li este titulo genial pela primeira vez, fiquei obcecado para conhecer o cinema de Rosa von Praunheim - e o achei ainda melhor do que esperava: a narrativa é propositalmente monótona, mas o estilo de docudrama antecipa situações que, ainda hoje, cinqüenta anos após a sua realização, prosseguem dolorosamente atuais: é um filme que antecipa as questões referentes ao 'pink money', à assimilação capitalista/burguesa dos comportamentos homossexuais heteronormativos e de uma competividade burra entre amantes que poderiam se unir através da comunhão política. Neste sentido, os conselhos que surgem na suruba final merecem ser aplaudidos de pé. Absolutamente magistral: obra-prima em tom de manifesto, que reverei ao longo de toda a minha vida futura. Soberbo! (WPC>)
Antes da sessão, um amigo desejou-me sorte no "enfrentamento do sofrimento". Por mais que algo tenha me divertido na sinopse e que o início parecesse promissor, logo entendi o que ele quis dizer: enquanto via o filme, repetia comigo que ele era um forte candidato ao titulo de pior produção cinematográfica que vi na vida. Passado algum tempo, talvez não seja para tanto: é péssimo, nada se aproveita, mas, ao menos, ganha alguma consideração póstuma pelo fato de ser o derradeiro trabalho de Cléber Colombo e por Tony Lee divertir-se nas suas duas interpretações. Mas é um filme péssimo, repito (e é importante que isso ocorra): não há um infinitésimo da mesma desenvoltura temática das produções de Cheech & Chong (para citar um exemplo congênere), além de ser vexatório o desenvolvimento (ou melhor, a falta de) no personagem de Daniel Rocha. Um horror, que, ao contrário das obras de Hálder Gomes, não parece respeitar as obras que finge reverenciar (no caso, os 'wuxia pian' ou os filmes de pancadaria). Odiável, infelizmente! (WPC>)
Adentrei a sessão atravessado por dois grupos de reações de amigos: de um lado, os críticos e/ou profissionais de cinema, que se chatearam pelo convencionalismo biográfico e elas generalizações estereotipificantes do roteiro do bolsonarista Paulo Cursino; do outro, pessoas que se identificaram intimamente com a história de amor entre mãe e filho. Fiquei no meio-termo, portanto, quanto à minha própria reação: vi o filme com minha mãe e notei diversas semelhanças entre o que era mostrado na tela e a minha própria infância. E apreciei a leveza (ainda que rasteira) com que é apresentada a juventude do personagem-título. O problema é quando ele é contratado pela TV Globo, de modo que, daí por diante, a empresa produtora passa a contar mais a história da emissora que a do próprio humorista. Seja como for, gostei de como a história é contada, das interpretações sinceras ou crentes (mesmo que histriônicas, como a do Ailton Graça) e de reconhecer eventos que marcaram o meu crescimento demarcado pelo acompanhamento a várias produções midiáticas. Senti falta de uma exposição ostensiva dos anos em que se passavam os eventos e, obviamente, não há menções à conjuntura militar. O enredo investe em impulsionamentos emocionais deveras "higienizados", em que os adultérios do biografado são ignorados, por exemplo. O relacionamento com os demais Trapalhões é abordado de maneira célere e a presença de Felipe Rocha, como Dedé Santana, corresponde aos instantes menos autênticos do filme, que cresce muito quando Cacau Protásio e Neusa Borges comparecem, ambas inspiradíssimas. Dentro do subgênero, até que eu curti: defendo com fervor que filmes como este sejam realizados, no sentido de que os brasileiros precisam ver as vidas de seus artistas recontadas nas telas, não obstante isso dizer mais sobre as intenções de quem produz os filmes que sobre os biografados em si. Malgrado ter atribuído uma cotação modesta, estou entre os defensores da obra: a conversa com a minha mãe, após a sessão, foi magistral! (WPC>)
Descobri, estupefato, que possuía dois DVDs deste filme, em meu acervo. Como tal, obriguei-me a conferi-lo de imediato, mesmo que algo no cartaz e na sinopse não chamasse tanto a atenção, visto que se trata de uma produção de propaganda pró-participação da Inglaterra na II Guerra Mundial, realizada quase dez anos após o término do conflito. A despeito de isso ser confirmado, trata-se de uma produção simpática, com boa participação de Alec Guiness como um personagem secundário que se assume como protagonista. Ainda que santifique ou infantilize os sobreviventes malteses, o roteiro os dignifica, em seqüências tão breves e bonitas de confiança nos bons sentimentos, no apoio em situações difíceis. O romance entre Ross e Maria corresponde aos melhores momentos do filme, tornando o clímax trágico ainda mais dramático. Porém, o intuito geral é elogiar a intervenção dos britânicos na sofrida ilha, louvando o seu heroísmo. Convencional, claro, mas gracioso em diversos aspectos, bom de ser assistido! (WPC>)
O título brasileiro, bem como parte da publicidade destinada ao público infantil, fez com que eu esperasse algo muito diferente do que eu encontrei, de modo que, imediatamente após a sessão, era como se eu não tivesse gostado tanto do filme. Passado algum tempo, e em debate com alguns amigos, é que pude ruminar a inteligência da proposta, que aproveita de maneira sagaz o título original, havendo diversas seqüências onírico-robóticas, que abrem espaço para interpretações comportamentalmente homoeróticas da narrativa. É um roteiro muito mais complexo do que propõe a partir da sinopse e possui um desfecho impactante, naquilo que emula, na assunção de sua temática adulta e metafórica. Admito, ainda sob as expectativas anteriores, que o filme talvez tenha se estendido bastante em seu miolo compensatório, além de possuir algumas "inverossimilhanças" (pode-se requerer isso numa animação?), como as questões referentes ao descuido com os efeitos da maresia sobre o robô, ao longo de um ano, por exemplo. Isso faz com que a lógica de feitura seja igualmente problematizada, ao menos em dois aspectos: o primeiro referente à alegação de que seria um filme "sem diálogos", quando há franca dependência das informações por escrito (em inglês); o segundo, concernente ao fato de que, infelizmente, há pouca conversa entre os personagens/amantes, de modo que a ausência de diálogo aparece como lacuna estrutural. Mas essa é justamente o verdadeiro tema do filme, não? Trata-se de uma obra que cresce muito após a sessão, que merece debate e recomendação, e que possui questões muitíssimo adultas em suas entrelinhas. Sei se que se trata de uma adaptação literária e que, por conta disso, a ambientação em Nova York, na década de 1970, é justificada, mas isso incomodou-me um pouco, ainda que eu tenha adorado a pletora de referências cinefílicas (o jogo de "câmeras" à la PSICOSE, o pôster do longa-metragem de Pierre Étaix, na sala do protagonista, as brincadeiras com O MÁGICO DE OZ, sob a égide do World Trade Center...). Voltarei a este filme, eis uma certeza - de maneira intimamente traumatizada, inclusive, pois ele questiona o próprio conceito de solidão: às vezes, ela não seria induzida pelas más escolhas? Aquele cachorro talvez seja mais tóxico que vítima, não é não? Refletiremos... (WPC>)
Estava com saudade de assistir a uma produção efetivamente esquisita, encontrei bastante "aconchego" quanto a este anseio. Mas não em relação à imersão espectatorial (risos): a trama é até simples, mas o diretor opta pela maneira mais complicada de narrá-la. Há inspirações evidentemente caligarianas e um elenco de luxo, em interpretações discretas porém marcantes, na maneira como se entregam às bizarrices das situações. Gosto do clima solene dos encontros, e da ameaça perene que circunda os personagens. Mas tenho que admitir que a extrema lentidão nos asfixia, em mais de um sentido. Como bem disseram abaixo, é um filme que requer revisão, sim, senhor: 'cult', sem sobra de dúvida! (WPC>)
Sabia que era péssimo, mas resolvi arriscar mesmo assim, pois acho importante ver alguns filmes ruins, de vez em quando... Só não esperava encontrar um drama de múltiplas perspectivas, à la REQUIÉM PARA UM SONHO, ainda mais moralista. Pensei que fosse um filme de terror e, nalguma perspectiva, talvez seja mesmo: o diretor creu que poderia interpretar um adolescente, e, apesar de seu esforço, tanto a sua como as demais interpretações são pouco convincentes. Os personagens são todos passivos-agressivos e a montagem pretensamente "alucinógena" é sub-expressiva. Mas, depois que superamos a modorra inicial, o filme até que fica suportável, minimamente divertido, incorrendo num desfecho canhestro, em sua obsessão por parecer chocante, por trazer à tona uma enorme reviravolta. Tive o que esperava, portanto: faz parte! (WPC>)
A despeito do que é anunciado no título, nem todo mundo ama Jeanne: é difícil para nós também, no início, aliás. Há algo de aburguesado na composição da personagem (uma pesquisadora ambiental cujo ambicioso projeto fracassa) e o ritmo do filme é intencionalmente monocórdico, quase anticlimático, o que é mantido até o desfecho. Mas, paradoxalmente, é justamente isso que vai erigindo algum fascínio, após o término da sessão: à medida que as lembranças cinematográficas vão se sedimentando, direcionamos uma simpatia tardia à protagonista, que, em vista do que ela passou com a sua mãe (a enorme Marthe Keller, em participação avantesmática), merece ser compreendida, em sua confusão psíquica, em sua dificuldade de admitir os sentimentos. O elenco é muito bom e a diretora foi hábil ao assumir o tom progressivo de comédia romântica, mas sem aderir aos clichês dominantes no subgênero. É um filme simpático, portanto: sem expectativas, funciona. As barulhentas animações da consciência de Jeanne são irritantes no começo, mas logo demonstram-se divertidas! (WPC>)
Que gratíssima surpresa, que filme maravilhosamente dirigido! Não fica a dever aos clássicos da Nouvelle Vague Taiwanesa, parecendo citar ADEUS AO SUL muitas vezes: o modo como a violência familiar surge em meio a diálogos inicialmente brandos, os enquadramentos longos e frontais, a câmera seguindo o protagonista em meio às escadarias apertadas... Gosto muito da mudança de tom que ocorre com a entrada em cena de Long. Amei os números musicais (oh, o poder reconciliador do karaokê!), a montagem elíptica, a narrativa que precisa de tempo para que compreendamos as situações... e a possibilidade de um final feliz, através da aceitação do fluxo. Incrivelmente bom: não esperava, fui arrebatado! (WPC>)
Queria ter gostado mais, bem mais, deste filme. A protagonista é suprema e atriz que a interpreta faz jus ao seu brilho, mas o discurso central é problemático, dado que o realizador não consegue esconder a sua misantropia, a sua descrença na humanidade. E, como tal, apesar de seu papel central e de seu extremo fascínio, a perspectiva da narração não pertence a Bella Baxter: ela é observada por alguém que parece ter visão telescópica, numa posição teológica ainda mais vaidosa que a do próprio Godwin. A fala do gigolô vivido por Jerrod Carmichael foi fundamental na percepção deste anti-humanismo, felizmente contrabalançado pela entrada em cena da maravilhosa prostituta comunista vivida por Suzy Bemba. O desfecho é quase um plágio de MONSTROS, do Tod Browning, evidenciando um problema no feminismo: como ser feminista sem ser humanista? (o fato de isso provir de um homem é um capítulo à parte). Tecnicamente, entretanto, o filme é supremo: a trilha musical é suprema e a direção de fotografia é acachapante. Mas as aparições de Mark Ruffalo beiram o constrangedor, em sua demonstração estereotipada (e verossímil, infelizmente) do quão ignóbil é um macho ciumento e hipócrita em seu liberalismo. A sala de cinema em que eu vi o filme estava lotada e aplaudiram e reagiram com euforia em diversas seqüências. Fiquei muito feliz por isso. Portanto, mesmo que eu não tenha gostado tanto do filme, o defenderei e o recomendarei efusivamente: se ainda se provoca polêmica ao se falar sobre ou mostrar situações de sexo e/ou masturbação, que o óbvio seja levado às telas, preferencialmente numa defesa actancial tão cheia de vida e vontade de conhecimento e maturação quanto a de Emma Stone. Amei a breve participação de Hanna Schygulla e fiquei apaixonado pela complexidade no desenvolvimento do personagem de Willem Defoe. Imperfeito, mas muito bonito! Apesar da colcha de retalhos referenciais (tem tanto de A BELA DA TARDE LARANJA MECÂNICA e tantos outros filmes ali!). Que surjam mais provocações hollywoodianas como esta! (WPC>)
Dos filmes que eu vi com a Carmen Miranda, acho que é o que ela tem mais tempo válido em cena, para além das canções. Por não ser tão musical quanto os demais, a "pequena notável" brilha em instantes cômicos, ainda que sumamente estereotipados. O personagem de Phil Silvers é ainda mais estereotipado que ele, por vezes beirando o insuportável. E o roteiro força a barra para tornar o romance entre Vivian Blaine e Michael O'Shea plausível e defensável, em meio a tanto machismo, a tanto racismo subjacente... Quando a trama adere aos exercícios de guerra, fica ainda mais problemático, Mas é um filme simpático e entretenedor. Deu vontade de revê-lo, após a sessão - devidamente acompanhado, claro! (WPC>)
O ponto de partida é atemorizante e os efeitos visuais e de maquiagem são muito bem-feitos, mas o potencial horrífico deste filme, infelizmente, é estragado pelo excesso de racionalidade nalgumas situações (o conhecimento, por quase todos, sobre as sete regras na lida com a possessão, por exemplo), em oposição à irracionalidade comportamental dos personagens. É difícil "torcer" por alguém neste filme, quando todo mundo age de maneira tão agressiva, violenta e brutal: quando eles estão possuídos pelo demônio, ao menos há uma justificada externa. Enquanto "documentário" sobre o porquê de os argentinos terem escolhidos um demônio para a presidência do País, o filme é, ao menos, ilustrativo, mas a pretensa complexificação do roteiro só estraga a nossa imersão, tamanha a série de coincidências e clichês que ocorrem do meio para o final. As seqüências de impacto nojoso são progressivamente obliteradas pelas concatenações "racionais" entre os eventos, sendo o protagonista tão ou mais assustador que qualquer um dos possuídos. Em determinado momento, perdi o interesse, de tão estapafúrdio que torna-se o enredo, em suas explicações generalizadas acerca do que acontece (todo mundo na cidade conheciam as regras na lida com entidades satânicas?). Decepcionou-me bastante, infelizmente, mas possui uma ou outra cena com forte impacto, ainda que estas sejam logo sucedidas por forçações familiares de barra que as estragam. Uma pena. Mas sigo empolgado ao defender o Terror como um dos gêneros mais políticos que existem! (WPC>)
Quem gostou de A CAÇA, do Thomas Vinterberg, encontrará uma vigorosa continuidade aqui. Tal como acontece no filme sueco, lidamos com as tensões de acusações sem provas, mas que atiçam uma insegurança já em curso, a desconfiança quanto às pessoas que nos cercam. Há um ou outro exagero reativo, que talvez dê a impressão de inverossimilhança factual, mas quem já passou por um processo semelhante, sabe que nossos sentidos ficam atormentados, exacerbados e intensificados. É estranho, no filme, que a protagonista insista em dar aula, normalmente, após a eclosão do problema-chave, quando se sabe perfeitamente que novas ramificações explosivas ocorrerão diuturnamente: lidas com crianças, em momentos de choque emocional, é bastante delicado. Neste sentido, precisamos elogiar as ótimas interpretações infantis (principalmente, a de Oskar) e o final que nos obriga a "completar" algumas situações e julgamentos. A direção é muito exitosa na instauração aflitiva, através de uma trilha musical que acelera ainda mais o ritmo do filme e as (in)decisões da protagonista. É um tanto genérico, em encenação, mas bem conduzido, enquanto provocação. Recomendo-o sociologicamente, com urgência: precisa ser exibido em várias instituições! (WPC>)
Imperdoavelmente, não conhecia esta cineasta pioneira argentina. Cheguei a este filme graças a um cineclube deveras particular e amei a 'mise-en-scène' repleta de camadas, misturando cacoetes de George Cukor com tropos caros ao Walter Hugo Khouri (até mesmo o onipresente, ainda que ausente, Marcelo está lá). As atrizes são ótimas, sendo os duelos via diálogos entre elas maravilhosos (o confronto entre a filha e a irmã, perto do final, que o diga!). Há algo de teatral na disposição das marcações, na revelação do desfecho, mas é um filme que respira muita linguagem cinematográfica, ao ousar ser metalingüístico (fala-se sobre a audiência a outros filmes, às radionovelas, etc., além de haver cenas em cenários externos) e ao nacionalizar referências tipicamente hollywoodianas acerca das funções daquelas personagens femininas, não nomeadas, tamanho o peso de tradições sufocantes em seus papéis sociais e familiares. Amei o uso expressivo da trilha musical de Astor Piazzolla. Gratíssima descoberta: quero mais desta realizadora, uau! (WPC>)
Imperdoavelmente, não conhecia este personagem real - e fiquei imediatamente apaixonado por ele. Amei a sua auto-apresentação, bem como as suas frases de efeito. Anotei várias e gostei muito da audácia comportamental deste militante 'avant la lettre'. John Hurt está ótimo como protagonista, mas há algo muito esquisito nos exageros afetados das composições, dele e de todos os demais coadjuvantes, que parecem muito mais velhos que os personagens em si. Há uma melancolia inerente e crescente, em relação às constatações de Quentin quanto à sua inadequação no mundo. Mas ele nunca perde o senso de humor, a ironia, a vontade de seguir em frente e vestir-se exatamente como ele deseja. Aprendi bastante e inspirei-me neste modelo de homossexualismo corajoso, tão brilhante quanto o Guy Hocquenghem, mas em aplicação prática, vivendo para além de qualquer proibição. Amei essa descoberta, quero saber muito mais sobre o Mr. Crisp! (WPC>)
É muito difícil analisar esse tipo de proposta documental, visto que lidamos com as decisões e escolhas (ou falta de escolhas, a depender do caso) de uma pessoa em particular, estando todas as proposições fílmicas atreladas aos comportamentos desta pessoa retratada. Nesse caso, há uma agravante: a pessoa em si é mostrada menos por aquilo que ela é que por aquilo que acontece com ela, de modo que a abordagem sobre a sua vida passa a girar em torno de uma única situação - que, neste caso específico, é a obsessão de uma mãe solteira para identificar quem é o pai de sua criança. Por quê? Por que ela precisa de auxílio financeiro ou algo semelhante? Não, mas porque "em algum momento da vida, ele vai querer saber quem é o pai". Aí, eu respiro: além de espectador, sou também um filho de mãe solteira, de uma mulher que talvez tenha sido estuprada ou precisou se prostituir para nos alimentar. Como tal, sequer sei o nome de meu progenitor. Isso me dá suficiente "lugar de fala" para me posicionar contrariamente à procuração materna e sumamente classista da personagem deste documentário? Pelo sim, pelo não, o farei: independente de ser uma pessoa incrível e/ou uma artista competente, a mãe-personagem que estrela este filme é uma chantagista emocional, alguém que insiste que "quer resolver pelo amor", desde que esta resolução seja o que ela quer, apenas o que ela quer. Intransigente e julgamental, ela reclama que é julgada por exercer livremente a sua sexualidade, mas reclama da burocracia o tempo inteiro (enquanto obriga-nos a acompanhar as suas opções burocráticas pelos testes sucessivos de DNA). Julga "quem ainda decide marcar hora para casar" e pergunta a dois supostos pais "como eles podem deitar a cabeça no travesseiro por não quererem saber se puseram um filho no mundo ou não". Contraditória e impositiva, a personagem deste filme reclama que a vida "não tem ensaio" (oh!), que se sentiu sozinha nas situações em que fôra filmada o tempo inteiro (quando sabemos que ela é filha de médico, por exemplo) e não percebe que seus pontos de partida reivindicativos são negados pela própria lógica de uma interlocutora em 'off'. "Nunca pensei que fosse tão importante um pai", argumenta ela, ao que alguém pergunta "e seu pai, não é importante para ti?". Enquanto alguém que trabalha com atendimento ao público, fiquei apavorado com a possibilidade de atender à pessoa mostrada neste documentário: ela expõe a funcionária do cartório, a técnica de enfermagem, um motorista de aplicativo e diversos outros profissionais às suas indignações perante a tal da burocracia, que, aparentemente, a obriga a furar a pele do seu filho diversas vezes, quando é ela que projeta isso, com base numa hipotética necessidade de explicar uma origem genealógica precisa para o seu bebê. Como não identificar tantas contradições problemáticas - além de caracteres hediondos da alta classe - neste filme se, infelizmente, é apenas isso que ele parece ter a nos oferecer? OK, admito que as seqüências do bebê caminhando pela praia são bonitas, bem como a conversa com uma mãe também solteira, com quem a personagem cogita morar, em determinado momento. Mas ela não quer ser convencida, ela não quer acordos, ela impõe, determina que as coisas ocorram exatamente como ela planejou e, se isso não acontece, serve-se de frases feitas (e lamentosamente procedentes) de que "o direito foi feito pelos homens e para os homens". Logicamente, essa é uma experiência aburguesada, privilegiada e entulhada de preconceitos de alta classe, que são obliterados pela "premência" feminista do filme, pelos momentos em que, sim, torcemos para que a personagem real descubra quem é o pai de seu filho e busque outro assunto para se ocupar, encontre um trabalho, tenha uma vida com preocupações generalizadas, sinta prazer, tenha algo a compartilhar, além das conseqüências de descuidos cumulativos, visto que, venhamos e convenhamos, tem-se suficiente esclarecimento de que o sexo com múltiplos parceiros, sem proteção e/ou cuidados, pode desencadear uma gravidez. Ah, é violento falar isso, é um julgamento machista, é uma opinião de quem não sente na pele o que aquela mãe sentiu. Pode ser. Sendo assim, que fique claro que a minha insatisfação é em relação ao que eu vi enquanto produto fílmico, deveras problemático, limitado e desinteressante. Arcarei com o desagrado de não ter gostado. E torço para que a Letícia esteja bem, tanto quanto o Pedro, a diretora e as demais pessoas envolvidas no projeto. Que ela goze, enfim - em mais de um sentido! (WPC>)
Zona de Interesse
3.6 594 Assista AgoraFazia muito, muito tempo que eu não ficava tão desesperado para ver um filme. Antes da sessão, um amigo comentou que o sobejo de expectativas poderia desencadear alguma frustração em relação à obra. Em dez minutos de filme, sumamente deslumbrado, pensei que isso não fosse ocorrer. Mas ocorreu, em determinado momento: quando surgem as situações "correspondentes" à fábula de João e Maria, que adiciona um novo dispositivo, em relação a outro já em curso. Ao invés de ambos se combinarem, ocorreu uma espécie de competição estética, prejudicial para a apreciação destes segmentos em negativo/câmera noturna. O que talvez se manifestou nas aparições das telas monocromáticas - que adorei! -, no sentido de que um terceiro dispositivo é adicionado, confirmando a intenção do diretor em ser notado por sua genialidade, por seu experimentalismo, por sua criatividade... Nem precisava tanto: já bastava a magnificência do contraste entre as imagens resplandecentes e as atrocidades sonoras. Tecnicamente, que filme! Discursivamente, idem. Não é uma obra-prima, como eu esperava e tinha quase certeza de que seria, mas é espantosamente assertivo e intimidados. Apavorante, até: a personagem da Sandra Hüller é o suprassumo da maldade, quase deformando a si mesma, em sua ambição incontida. Como os meus companheiros de sessão, fiquei mui atordoado naquele 'flash-forward' histórico do desfecho, em que o inverso do que é denunciado vem à tona: e se a espectacularização do "ser vítima" for também um problema, em âmbito malevolente. As notícias de agora estão aí para demonstrar que a equiparação, infelizmente, não é vã, nem precipitada, nem desprovida de sentido. Adorei a montagem seca, quase como se fosse um jogo eletrônico. Christian Friedlel está imponente e aterrador, numa interpretação que faz com que ela cresça bastante em tela. Li o livro, e amei, mas a adaptação cinematográfica aproveita muito pouco do entrecho original: apenas o contexto geográfico/(i)moral, em verdade. Mas o faz com excelência, exceto pelos excessos supramencionados. Mica Levi ganha mais e mais meu coração a cada trabalho. Magnífico. Imperfeito, mas magnífico: fiquei com aquele zumbido, aquela algaravia, por muito tempo, zunindo em meus ouvidos, após a sessão. E já quero (e preciso) rever este filme, por vezes sutil, por vezes escancarado! (WPC>)
Amanhã
2.8 2Ainda que o projeto não seja de todo inédito (pensamos na cinessérie "Up" ou em ANNA DOS6 AOS 18, para ficar em títulos imediatos), o diretor foi assertivo na união de crianças provenientes de classes sociais radicalmente distintas. Quando há o reencontro com os personagens reais, ficamos curiosos quanto às confirmações do que era possibilidade a partir do título, mas isso torna-se, gradualmente, uma constatação dos piores determinismos, sobretudo porque, numa atitude ousada (e contrária às suas realizadores anteriores), o diretor narra os eventos, adéqua o que é filmado às suas teses já confirmadas. Por uma lado, isso é válido, em âmbito político-sociológico, mas diminui o charme do documentário, no que tange à naturalidade dos eventos, afinal confirmada pela inteligência espontânea de Júlia e pelo carisma apaixonante de Cristian. Há algo de desagradavelmente paternalista, a partir de determinado momento, mas o projeto é bem realizado, ainda que o diretor relute em aceitar os caminhos inventivos que os percalços da realidade pareciam obrigá-lo: ele insiste em levar a cabo o que planejara e, a despeito de uma recusa "esperada", consegue fazê-lo. Funciona enquanto registro de um Brasil em confronto, após a ascensão do bolsonarismo. Mas sem aderir ao fatalismo: a união entre os dois irmãos é cativantes, mesmo quando eles se separam, eventualmente... (WPC>)
Nada Será como Antes - A Música do Clube da …
3.4 6Ao contrário de quase todos os meus amigos, não gosto muito de VOU RIFAR MEU CORAÇÃO, obra mais famosa da diretora. Tal como aconteceu lá, eu temi que aqui, a sua abordagem fosse rasa, disfarçada de olhar sentimental/afetivo sobre a história. De fato, ocorreu. E isso dá origem a momentos muito interessantes, de comunhão mnemônica entre os músicos. Porém, eles não chegam a se reencontrar efetivamente (não a propósito do documentário, pelo menos) e a linguagem é menos a de um documentário que a de um extra de DVD, de um 'making-of' tardio. Não há qualquer comentário sobre a célebre capa do disco e o processo de gravação é comentado 'en passant', como se fosse a coisa mais habitual do mundo! Foi ótimo ouvir compositores tão inspirados e saber um pouco mais sobre a intimidade dos responsáveis por um dos melhores discos da música brasileira, mas é um filme que não aborda com profundidade a sua temática, e que, por conta disso, é destinado sobretudo a quem já conhece (muito) o disco. Pessoalmente, acho que um pouco de enciclopedismo faria bem a este projeto. Não era o que a diretora queria, entretanto. Direito dela: encontrará o seu público. Não funcionou comigo, infelizmente! (WPC>)
O Menino e a Garça
4.0 217Não tem como não ficar encantado pelos filmes deste grande mestre: por mais que, às vezes, parece que ele se deixou influenciar pelo saudoso Satoshi Kon (na perspectiva onírica), a lógica miyazakiana é facilmente reconhecível: aqui, ao invés das típicas meninas de doze anos, temos um menino. Nos diálogos, a maldade é explicitamente citada, mais de uma vez. E a pletora de animais e situações sobrenaturais/mágicas parece relacionada, de maneira direta, a um delírio convalescente do protagonista, que se recupera de uma ferida auto-infligida na cabeça. Há diferenças mui perceptíveis em relação aos filmes anteriores, portanto. Mas o charme habitual explode em imagens belíssimas, na trilha musical inebriante de Joe Hisaishi e num roteiro que se desenvolve de maneira tão lenta quanto fascinante, em que somos surpreendidos por novas informações e contextos a cada dez minutos. Como não amar, portanto? Não está entre os meus favoritos do diretor, mas ele acostumou-nos a escalas tão altas, que revela-se um filme extraordinário, portanto! (WPC>)
Uma História de Ervas Flutuantes
4.0 4Já assisti à regravação mais de uma vez, porém o charme da descoberta desta versão original é impactante: as interpretações são ótimas e mui expressivas, bem como o uso indicial dos objetos. Aquela bicicleta, por exemplo, é um personagem tão presente quanto o próprio Shinkichi! Em sentido formal, Ozu antecipa procedimentos antonionianos, aqui, mas em viés oposto, já que ele acredita e fomenta a comunicabilidade entre os personagens. Ainda que só tenhamos acesso a este filmaço em versão completamente silenciosa, sem acompanhamento musical, a trama é tão bem contada e tão direta que logo estamos apaixonados por todos os envolvidos, torcendo para eles estejam bem, em seu percurso similar às ervas do título: a fotografia e os enquadramentos são sublimes! (WPC>)
Vida Nova... Por Acaso
3.6 1Não sei se, em comunhão com o outro episódio do longa-metragem, o filme faz mais sentido em sua denúncia cínica. Admiro a relevância histórica do filme, mas o discurso é problemático, em sua lógica da inveja de classe: é como se, ao final, o ranço do personagem só fizesse sentido porque ele foi pego, não porque discorda dos "granjestes". Gostei dos flertes com a ficção científica - a ponto de alguns cinéfilos notarem antecipações temáticas em relação a CORRA! - mas a coadjuvação do personagem Magrão cria outra emenda discursiva que merece debate: comigo, infelizmente, não funcionou. A Dialética da Malandragem, aqui, está pouco dialética (ao menos, num primeiro contato)! :( - WPC>
Até o Cair da Noite
3.0 2 Assista AgoraApesar de a publicidade do filme destacar a filiação do diretor à Escola de Berlim e de o material de divulgação alegar que há algo de fassbinderiano na trama, as referências que pude identificar na trama são MÁQUINA MORTÍFERA e O PAGAMENTO FINAL, com as devidas oposições estilísticas, claro. Trata-se de um filme que adere à narrativa policialesca clássica - um tanto 'noir', conforme notaram alguns exegetas - , mas com largas aberturas às reflexões sobre os preconceitos e desconfianças enfrentados pelas pessoas transexuais. Neste sentido, a personificação de Thea Eher é mui elogiável e aplaudível, mas há algo de incomodamente afetado na interpretação de Timocin Ziegler, o que tem a ver com as dúvidas de seu personagem. A narrativa é afobada, na maneira como os personagens se conhecem e se aproximam, e o desfecho é antecipado dialogisticamente, em mais de um instante. O que tem menos a ver com previsibilidade que com tragicidade, com um determinismo associado ás convenções do gênero - e/ou de gênero, já que as rusgas entre homens e mulheres são reiteradas através das insatisfações dos dois casais observados pelo roteiro. Gosto do uso das baladas cancionais e da condução entretenedora, de modo que nem sentimos a duração um tanto prolongada. Não inova muito, mas é uma atualização tipicamente alemã de tramas reconhecidamente hollywoodianas. Curti! (WPC>)
Era Uma Vez Um Melro Cantor
3.9 4Tinha visto apenas curtas-metragens do diretor e não sabia direito o que encontraria aqui: fiquei apaixonado pelo frenesi do protagonista, pela direção que faz jus ao que conhecemos como 'mise-en-scène', pelo uso expressivo dos mecanismos internos de um relógio (da mesma forma forma que ocorre no contemporâneo AGITAÇÃO) e pela musicalidade onipresente. Um filmaço que, após a revisão, será ainda mais reconhecido em seu brilhantismo. Preciso conhecer mais desse diretor: extraordinário, gênio das posições humanas em cena. Incrível! (WPC>)
Não é o Homossexual que é Perverso, mas a Situação …
4.1 46Desde que li este titulo genial pela primeira vez, fiquei obcecado para conhecer o cinema de Rosa von Praunheim - e o achei ainda melhor do que esperava: a narrativa é propositalmente monótona, mas o estilo de docudrama antecipa situações que, ainda hoje, cinqüenta anos após a sua realização, prosseguem dolorosamente atuais: é um filme que antecipa as questões referentes ao 'pink money', à assimilação capitalista/burguesa dos comportamentos homossexuais heteronormativos e de uma competividade burra entre amantes que poderiam se unir através da comunhão política. Neste sentido, os conselhos que surgem na suruba final merecem ser aplaudidos de pé. Absolutamente magistral: obra-prima em tom de manifesto, que reverei ao longo de toda a minha vida futura. Soberbo! (WPC>)
O Mestre da Fumaça
2.7 10 Assista AgoraAntes da sessão, um amigo desejou-me sorte no "enfrentamento do sofrimento". Por mais que algo tenha me divertido na sinopse e que o início parecesse promissor, logo entendi o que ele quis dizer: enquanto via o filme, repetia comigo que ele era um forte candidato ao titulo de pior produção cinematográfica que vi na vida. Passado algum tempo, talvez não seja para tanto: é péssimo, nada se aproveita, mas, ao menos, ganha alguma consideração póstuma pelo fato de ser o derradeiro trabalho de Cléber Colombo e por Tony Lee divertir-se nas suas duas interpretações. Mas é um filme péssimo, repito (e é importante que isso ocorra): não há um infinitésimo da mesma desenvoltura temática das produções de Cheech & Chong (para citar um exemplo congênere), além de ser vexatório o desenvolvimento (ou melhor, a falta de) no personagem de Daniel Rocha. Um horror, que, ao contrário das obras de Hálder Gomes, não parece respeitar as obras que finge reverenciar (no caso, os 'wuxia pian' ou os filmes de pancadaria). Odiável, infelizmente! (WPC>)
Mussum: O Filmis
3.7 167 Assista AgoraAdentrei a sessão atravessado por dois grupos de reações de amigos: de um lado, os críticos e/ou profissionais de cinema, que se chatearam pelo convencionalismo biográfico e elas generalizações estereotipificantes do roteiro do bolsonarista Paulo Cursino; do outro, pessoas que se identificaram intimamente com a história de amor entre mãe e filho. Fiquei no meio-termo, portanto, quanto à minha própria reação: vi o filme com minha mãe e notei diversas semelhanças entre o que era mostrado na tela e a minha própria infância. E apreciei a leveza (ainda que rasteira) com que é apresentada a juventude do personagem-título. O problema é quando ele é contratado pela TV Globo, de modo que, daí por diante, a empresa produtora passa a contar mais a história da emissora que a do próprio humorista. Seja como for, gostei de como a história é contada, das interpretações sinceras ou crentes (mesmo que histriônicas, como a do Ailton Graça) e de reconhecer eventos que marcaram o meu crescimento demarcado pelo acompanhamento a várias produções midiáticas. Senti falta de uma exposição ostensiva dos anos em que se passavam os eventos e, obviamente, não há menções à conjuntura militar. O enredo investe em impulsionamentos emocionais deveras "higienizados", em que os adultérios do biografado são ignorados, por exemplo. O relacionamento com os demais Trapalhões é abordado de maneira célere e a presença de Felipe Rocha, como Dedé Santana, corresponde aos instantes menos autênticos do filme, que cresce muito quando Cacau Protásio e Neusa Borges comparecem, ambas inspiradíssimas. Dentro do subgênero, até que eu curti: defendo com fervor que filmes como este sejam realizados, no sentido de que os brasileiros precisam ver as vidas de seus artistas recontadas nas telas, não obstante isso dizer mais sobre as intenções de quem produz os filmes que sobre os biografados em si. Malgrado ter atribuído uma cotação modesta, estou entre os defensores da obra: a conversa com a minha mãe, após a sessão, foi magistral! (WPC>)
Heróis de Malta
3.7 1Descobri, estupefato, que possuía dois DVDs deste filme, em meu acervo. Como tal, obriguei-me a conferi-lo de imediato, mesmo que algo no cartaz e na sinopse não chamasse tanto a atenção, visto que se trata de uma produção de propaganda pró-participação da Inglaterra na II Guerra Mundial, realizada quase dez anos após o término do conflito. A despeito de isso ser confirmado, trata-se de uma produção simpática, com boa participação de Alec Guiness como um personagem secundário que se assume como protagonista. Ainda que santifique ou infantilize os sobreviventes malteses, o roteiro os dignifica, em seqüências tão breves e bonitas de confiança nos bons sentimentos, no apoio em situações difíceis. O romance entre Ross e Maria corresponde aos melhores momentos do filme, tornando o clímax trágico ainda mais dramático. Porém, o intuito geral é elogiar a intervenção dos britânicos na sofrida ilha, louvando o seu heroísmo. Convencional, claro, mas gracioso em diversos aspectos, bom de ser assistido! (WPC>)
Meu Amigo Robô
4.0 84O título brasileiro, bem como parte da publicidade destinada ao público infantil, fez com que eu esperasse algo muito diferente do que eu encontrei, de modo que, imediatamente após a sessão, era como se eu não tivesse gostado tanto do filme. Passado algum tempo, e em debate com alguns amigos, é que pude ruminar a inteligência da proposta, que aproveita de maneira sagaz o título original, havendo diversas seqüências onírico-robóticas, que abrem espaço para interpretações comportamentalmente homoeróticas da narrativa. É um roteiro muito mais complexo do que propõe a partir da sinopse e possui um desfecho impactante, naquilo que emula, na assunção de sua temática adulta e metafórica. Admito, ainda sob as expectativas anteriores, que o filme talvez tenha se estendido bastante em seu miolo compensatório, além de possuir algumas "inverossimilhanças" (pode-se requerer isso numa animação?), como as questões referentes ao descuido com os efeitos da maresia sobre o robô, ao longo de um ano, por exemplo. Isso faz com que a lógica de feitura seja igualmente problematizada, ao menos em dois aspectos: o primeiro referente à alegação de que seria um filme "sem diálogos", quando há franca dependência das informações por escrito (em inglês); o segundo, concernente ao fato de que, infelizmente, há pouca conversa entre os personagens/amantes, de modo que a ausência de diálogo aparece como lacuna estrutural. Mas essa é justamente o verdadeiro tema do filme, não? Trata-se de uma obra que cresce muito após a sessão, que merece debate e recomendação, e que possui questões muitíssimo adultas em suas entrelinhas. Sei se que se trata de uma adaptação literária e que, por conta disso, a ambientação em Nova York, na década de 1970, é justificada, mas isso incomodou-me um pouco, ainda que eu tenha adorado a pletora de referências cinefílicas (o jogo de "câmeras" à la PSICOSE, o pôster do longa-metragem de Pierre Étaix, na sala do protagonista, as brincadeiras com O MÁGICO DE OZ, sob a égide do World Trade Center...). Voltarei a este filme, eis uma certeza - de maneira intimamente traumatizada, inclusive, pois ele questiona o próprio conceito de solidão: às vezes, ela não seria induzida pelas más escolhas? Aquele cachorro talvez seja mais tóxico que vítima, não é não? Refletiremos... (WPC>)
O Estranho Poder de Matar
3.2 24Estava com saudade de assistir a uma produção efetivamente esquisita, encontrei bastante "aconchego" quanto a este anseio. Mas não em relação à imersão espectatorial (risos): a trama é até simples, mas o diretor opta pela maneira mais complicada de narrá-la. Há inspirações evidentemente caligarianas e um elenco de luxo, em interpretações discretas porém marcantes, na maneira como se entregam às bizarrices das situações. Gosto do clima solene dos encontros, e da ameaça perene que circunda os personagens. Mas tenho que admitir que a extrema lentidão nos asfixia, em mais de um sentido. Como bem disseram abaixo, é um filme que requer revisão, sim, senhor: 'cult', sem sobra de dúvida! (WPC>)
Viagem Suícida
2.4 12 Assista AgoraSabia que era péssimo, mas resolvi arriscar mesmo assim, pois acho importante ver alguns filmes ruins, de vez em quando... Só não esperava encontrar um drama de múltiplas perspectivas, à la REQUIÉM PARA UM SONHO, ainda mais moralista. Pensei que fosse um filme de terror e, nalguma perspectiva, talvez seja mesmo: o diretor creu que poderia interpretar um adolescente, e, apesar de seu esforço, tanto a sua como as demais interpretações são pouco convincentes. Os personagens são todos passivos-agressivos e a montagem pretensamente "alucinógena" é sub-expressiva. Mas, depois que superamos a modorra inicial, o filme até que fica suportável, minimamente divertido, incorrendo num desfecho canhestro, em sua obsessão por parecer chocante, por trazer à tona uma enorme reviravolta. Tive o que esperava, portanto: faz parte! (WPC>)
Todo Mundo Ama Jeanne
3.4 2A despeito do que é anunciado no título, nem todo mundo ama Jeanne: é difícil para nós também, no início, aliás. Há algo de aburguesado na composição da personagem (uma pesquisadora ambiental cujo ambicioso projeto fracassa) e o ritmo do filme é intencionalmente monocórdico, quase anticlimático, o que é mantido até o desfecho. Mas, paradoxalmente, é justamente isso que vai erigindo algum fascínio, após o término da sessão: à medida que as lembranças cinematográficas vão se sedimentando, direcionamos uma simpatia tardia à protagonista, que, em vista do que ela passou com a sua mãe (a enorme Marthe Keller, em participação avantesmática), merece ser compreendida, em sua confusão psíquica, em sua dificuldade de admitir os sentimentos. O elenco é muito bom e a diretora foi hábil ao assumir o tom progressivo de comédia romântica, mas sem aderir aos clichês dominantes no subgênero. É um filme simpático, portanto: sem expectativas, funciona. As barulhentas animações da consciência de Jeanne são irritantes no começo, mas logo demonstram-se divertidas! (WPC>)
Moneyboys
3.5 12Que gratíssima surpresa, que filme maravilhosamente dirigido! Não fica a dever aos clássicos da Nouvelle Vague Taiwanesa, parecendo citar ADEUS AO SUL muitas vezes: o modo como a violência familiar surge em meio a diálogos inicialmente brandos, os enquadramentos longos e frontais, a câmera seguindo o protagonista em meio às escadarias apertadas... Gosto muito da mudança de tom que ocorre com a entrada em cena de Long. Amei os números musicais (oh, o poder reconciliador do karaokê!), a montagem elíptica, a narrativa que precisa de tempo para que compreendamos as situações... e a possibilidade de um final feliz, através da aceitação do fluxo. Incrivelmente bom: não esperava, fui arrebatado! (WPC>)
Pobres Criaturas
4.1 1,2K Assista AgoraQueria ter gostado mais, bem mais, deste filme. A protagonista é suprema e atriz que a interpreta faz jus ao seu brilho, mas o discurso central é problemático, dado que o realizador não consegue esconder a sua misantropia, a sua descrença na humanidade. E, como tal, apesar de seu papel central e de seu extremo fascínio, a perspectiva da narração não pertence a Bella Baxter: ela é observada por alguém que parece ter visão telescópica, numa posição teológica ainda mais vaidosa que a do próprio Godwin. A fala do gigolô vivido por Jerrod Carmichael foi fundamental na percepção deste anti-humanismo, felizmente contrabalançado pela entrada em cena da maravilhosa prostituta comunista vivida por Suzy Bemba. O desfecho é quase um plágio de MONSTROS, do Tod Browning, evidenciando um problema no feminismo: como ser feminista sem ser humanista? (o fato de isso provir de um homem é um capítulo à parte). Tecnicamente, entretanto, o filme é supremo: a trilha musical é suprema e a direção de fotografia é acachapante. Mas as aparições de Mark Ruffalo beiram o constrangedor, em sua demonstração estereotipada (e verossímil, infelizmente) do quão ignóbil é um macho ciumento e hipócrita em seu liberalismo. A sala de cinema em que eu vi o filme estava lotada e aplaudiram e reagiram com euforia em diversas seqüências. Fiquei muito feliz por isso. Portanto, mesmo que eu não tenha gostado tanto do filme, o defenderei e o recomendarei efusivamente: se ainda se provoca polêmica ao se falar sobre ou mostrar situações de sexo e/ou masturbação, que o óbvio seja levado às telas, preferencialmente numa defesa actancial tão cheia de vida e vontade de conhecimento e maturação quanto a de Emma Stone. Amei a breve participação de Hanna Schygulla e fiquei apaixonado pela complexidade no desenvolvimento do personagem de Willem Defoe. Imperfeito, mas muito bonito! Apesar da colcha de retalhos referenciais (tem tanto de A BELA DA TARDE LARANJA MECÂNICA e tantos outros filmes ali!). Que surjam mais provocações hollywoodianas como esta! (WPC>)
Alegria, Rapazes!
3.6 17Dos filmes que eu vi com a Carmen Miranda, acho que é o que ela tem mais tempo válido em cena, para além das canções. Por não ser tão musical quanto os demais, a "pequena notável" brilha em instantes cômicos, ainda que sumamente estereotipados. O personagem de Phil Silvers é ainda mais estereotipado que ele, por vezes beirando o insuportável. E o roteiro força a barra para tornar o romance entre Vivian Blaine e Michael O'Shea plausível e defensável, em meio a tanto machismo, a tanto racismo subjacente... Quando a trama adere aos exercícios de guerra, fica ainda mais problemático, Mas é um filme simpático e entretenedor. Deu vontade de revê-lo, após a sessão - devidamente acompanhado, claro! (WPC>)
O Mal Que Nos Habita
3.6 535 Assista AgoraO ponto de partida é atemorizante e os efeitos visuais e de maquiagem são muito bem-feitos, mas o potencial horrífico deste filme, infelizmente, é estragado pelo excesso de racionalidade nalgumas situações (o conhecimento, por quase todos, sobre as sete regras na lida com a possessão, por exemplo), em oposição à irracionalidade comportamental dos personagens. É difícil "torcer" por alguém neste filme, quando todo mundo age de maneira tão agressiva, violenta e brutal: quando eles estão possuídos pelo demônio, ao menos há uma justificada externa. Enquanto "documentário" sobre o porquê de os argentinos terem escolhidos um demônio para a presidência do País, o filme é, ao menos, ilustrativo, mas a pretensa complexificação do roteiro só estraga a nossa imersão, tamanha a série de coincidências e clichês que ocorrem do meio para o final. As seqüências de impacto nojoso são progressivamente obliteradas pelas concatenações "racionais" entre os eventos, sendo o protagonista tão ou mais assustador que qualquer um dos possuídos. Em determinado momento, perdi o interesse, de tão estapafúrdio que torna-se o enredo, em suas explicações generalizadas acerca do que acontece (todo mundo na cidade conheciam as regras na lida com entidades satânicas?). Decepcionou-me bastante, infelizmente, mas possui uma ou outra cena com forte impacto, ainda que estas sejam logo sucedidas por forçações familiares de barra que as estragam. Uma pena. Mas sigo empolgado ao defender o Terror como um dos gêneros mais políticos que existem! (WPC>)
A Sala dos Professores
3.9 139 Assista AgoraQuem gostou de A CAÇA, do Thomas Vinterberg, encontrará uma vigorosa continuidade aqui. Tal como acontece no filme sueco, lidamos com as tensões de acusações sem provas, mas que atiçam uma insegurança já em curso, a desconfiança quanto às pessoas que nos cercam. Há um ou outro exagero reativo, que talvez dê a impressão de inverossimilhança factual, mas quem já passou por um processo semelhante, sabe que nossos sentidos ficam atormentados, exacerbados e intensificados. É estranho, no filme, que a protagonista insista em dar aula, normalmente, após a eclosão do problema-chave, quando se sabe perfeitamente que novas ramificações explosivas ocorrerão diuturnamente: lidas com crianças, em momentos de choque emocional, é bastante delicado. Neste sentido, precisamos elogiar as ótimas interpretações infantis (principalmente, a de Oskar) e o final que nos obriga a "completar" algumas situações e julgamentos. A direção é muito exitosa na instauração aflitiva, através de uma trilha musical que acelera ainda mais o ritmo do filme e as (in)decisões da protagonista. É um tanto genérico, em encenação, mas bem conduzido, enquanto provocação. Recomendo-o sociologicamente, com urgência: precisa ser exibido em várias instituições! (WPC>)
Las Furias
4.0 1Imperdoavelmente, não conhecia esta cineasta pioneira argentina. Cheguei a este filme graças a um cineclube deveras particular e amei a 'mise-en-scène' repleta de camadas, misturando cacoetes de George Cukor com tropos caros ao Walter Hugo Khouri (até mesmo o onipresente, ainda que ausente, Marcelo está lá). As atrizes são ótimas, sendo os duelos via diálogos entre elas maravilhosos (o confronto entre a filha e a irmã, perto do final, que o diga!). Há algo de teatral na disposição das marcações, na revelação do desfecho, mas é um filme que respira muita linguagem cinematográfica, ao ousar ser metalingüístico (fala-se sobre a audiência a outros filmes, às radionovelas, etc., além de haver cenas em cenários externos) e ao nacionalizar referências tipicamente hollywoodianas acerca das funções daquelas personagens femininas, não nomeadas, tamanho o peso de tradições sufocantes em seus papéis sociais e familiares. Amei o uso expressivo da trilha musical de Astor Piazzolla. Gratíssima descoberta: quero mais desta realizadora, uau! (WPC>)
Vida Nua
3.8 8Imperdoavelmente, não conhecia este personagem real - e fiquei imediatamente apaixonado por ele. Amei a sua auto-apresentação, bem como as suas frases de efeito. Anotei várias e gostei muito da audácia comportamental deste militante 'avant la lettre'. John Hurt está ótimo como protagonista, mas há algo muito esquisito nos exageros afetados das composições, dele e de todos os demais coadjuvantes, que parecem muito mais velhos que os personagens em si. Há uma melancolia inerente e crescente, em relação às constatações de Quentin quanto à sua inadequação no mundo. Mas ele nunca perde o senso de humor, a ironia, a vontade de seguir em frente e vestir-se exatamente como ele deseja. Aprendi bastante e inspirei-me neste modelo de homossexualismo corajoso, tão brilhante quanto o Guy Hocquenghem, mas em aplicação prática, vivendo para além de qualquer proibição. Amei essa descoberta, quero saber muito mais sobre o Mr. Crisp! (WPC>)
Eu Também Não Gozei
0.5 1É muito difícil analisar esse tipo de proposta documental, visto que lidamos com as decisões e escolhas (ou falta de escolhas, a depender do caso) de uma pessoa em particular, estando todas as proposições fílmicas atreladas aos comportamentos desta pessoa retratada. Nesse caso, há uma agravante: a pessoa em si é mostrada menos por aquilo que ela é que por aquilo que acontece com ela, de modo que a abordagem sobre a sua vida passa a girar em torno de uma única situação - que, neste caso específico, é a obsessão de uma mãe solteira para identificar quem é o pai de sua criança. Por quê? Por que ela precisa de auxílio financeiro ou algo semelhante? Não, mas porque "em algum momento da vida, ele vai querer saber quem é o pai". Aí, eu respiro: além de espectador, sou também um filho de mãe solteira, de uma mulher que talvez tenha sido estuprada ou precisou se prostituir para nos alimentar. Como tal, sequer sei o nome de meu progenitor. Isso me dá suficiente "lugar de fala" para me posicionar contrariamente à procuração materna e sumamente classista da personagem deste documentário? Pelo sim, pelo não, o farei: independente de ser uma pessoa incrível e/ou uma artista competente, a mãe-personagem que estrela este filme é uma chantagista emocional, alguém que insiste que "quer resolver pelo amor", desde que esta resolução seja o que ela quer, apenas o que ela quer. Intransigente e julgamental, ela reclama que é julgada por exercer livremente a sua sexualidade, mas reclama da burocracia o tempo inteiro (enquanto obriga-nos a acompanhar as suas opções burocráticas pelos testes sucessivos de DNA). Julga "quem ainda decide marcar hora para casar" e pergunta a dois supostos pais "como eles podem deitar a cabeça no travesseiro por não quererem saber se puseram um filho no mundo ou não". Contraditória e impositiva, a personagem deste filme reclama que a vida "não tem ensaio" (oh!), que se sentiu sozinha nas situações em que fôra filmada o tempo inteiro (quando sabemos que ela é filha de médico, por exemplo) e não percebe que seus pontos de partida reivindicativos são negados pela própria lógica de uma interlocutora em 'off'. "Nunca pensei que fosse tão importante um pai", argumenta ela, ao que alguém pergunta "e seu pai, não é importante para ti?". Enquanto alguém que trabalha com atendimento ao público, fiquei apavorado com a possibilidade de atender à pessoa mostrada neste documentário: ela expõe a funcionária do cartório, a técnica de enfermagem, um motorista de aplicativo e diversos outros profissionais às suas indignações perante a tal da burocracia, que, aparentemente, a obriga a furar a pele do seu filho diversas vezes, quando é ela que projeta isso, com base numa hipotética necessidade de explicar uma origem genealógica precisa para o seu bebê. Como não identificar tantas contradições problemáticas - além de caracteres hediondos da alta classe - neste filme se, infelizmente, é apenas isso que ele parece ter a nos oferecer? OK, admito que as seqüências do bebê caminhando pela praia são bonitas, bem como a conversa com uma mãe também solteira, com quem a personagem cogita morar, em determinado momento. Mas ela não quer ser convencida, ela não quer acordos, ela impõe, determina que as coisas ocorram exatamente como ela planejou e, se isso não acontece, serve-se de frases feitas (e lamentosamente procedentes) de que "o direito foi feito pelos homens e para os homens". Logicamente, essa é uma experiência aburguesada, privilegiada e entulhada de preconceitos de alta classe, que são obliterados pela "premência" feminista do filme, pelos momentos em que, sim, torcemos para que a personagem real descubra quem é o pai de seu filho e busque outro assunto para se ocupar, encontre um trabalho, tenha uma vida com preocupações generalizadas, sinta prazer, tenha algo a compartilhar, além das conseqüências de descuidos cumulativos, visto que, venhamos e convenhamos, tem-se suficiente esclarecimento de que o sexo com múltiplos parceiros, sem proteção e/ou cuidados, pode desencadear uma gravidez. Ah, é violento falar isso, é um julgamento machista, é uma opinião de quem não sente na pele o que aquela mãe sentiu. Pode ser. Sendo assim, que fique claro que a minha insatisfação é em relação ao que eu vi enquanto produto fílmico, deveras problemático, limitado e desinteressante. Arcarei com o desagrado de não ter gostado. E torço para que a Letícia esteja bem, tanto quanto o Pedro, a diretora e as demais pessoas envolvidas no projeto. Que ela goze, enfim - em mais de um sentido! (WPC>)