Esse filme consegue trazer uma sensação muito inesperada no final. Normalmente, as reviravoltas nos finais de filmes não são tão agradáveis assim, servem mais para dar continuidade à história através do anúncio de um problema mal-resolvido. Aqui, exatamente o contrário acontece.
Jia Zhangke é a prova viva de que a censura na China não impede que filmes críticos e de alta qualidade técnica sejam feitos por lá. Ignorante é quem pensa que cinema chinês consiste só em filmes de Kung Fu, Wuxia etc.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é um filme sobre filosofia chinesa. Se engana quem pensa que tem a ver com teoria das cordas.
No conflito central do filme tem dois polos: em um lado tem um complexo de Electra e no outro tem a piedade filial. Em cada um desses polos dá para enxergar muitas coisas interligadas. De modo geral, em um lado você vê a forma de desdobrar os conflitos entre mãe e filha que é tipicamente ocidental e moderna; e no outro é muito visível uma resolução confuciana e tradicional. E encontrar um meio-termo entre esses caminhos é enlouquecedor e traz uma reflexão sobre o sentido da existência humana.
Dessa mistura específica e contraditória só poderia sair de uma estória baseada na situação de imigrantes chineses nos EUA.
De uma simples trama sobre a perseguição e a repressão que essas comunidades sofrem no Ocidente (que fica cada vez mais sinofóbico na medida em que a China volta a ser a maior potência do mundo e tende a superar a hegemonia americana), partindo do caso específico e exemplar da auditora histérica, saem várias reflexões absurdas de uma mulher de meia-idade com TDAH sobre o sentido da existência. Mas você não sabe se são reflexões ou se tem vários universos se chocando pela lógica da teoria das cordas. Todos os gêneros cinematográficos são abordados no mesmo lugar e ao mesmo tempo e você não sabe se está assistindo a um filme surrealista ou de ficção científica, se é uma comédia, um filme de Kung Fu, se é um drama ou se é um romance - porque consegue ser tudo no mesmo filme ao mesmo tempo. Em cada universo ou reflexão você sente algo diferente, cada um tem um gênero cinematográfico e você perde a noção de qual é a linha central do roteiro até ser enviado de volta para ela no final de cada uma das três partes do filme.
Falando em pensamentos sobre a existência, essa atitude reflexiva e circular é tipicamente ocidental. Por uma coincidência as teorias da relatividade e das cordas, que são as referências científicas do filme, são carregadas com uma significação existencialista porque podem apontar para uma certa insignificância do indivíduo. Os autores que fundam essa corrente da literatura e da filosofia são todos alinhados com a cultura ocidental em alguma medida (Sartre, Dostoiévski e Camus, por exemplo, bebem de fontes filosóficas europeias mesmo tendo suas especificidades). Não têm convergência lógica com a filosofia tradicional chinesa que, por sua vez, procura reforçar as tradições milenares para simplificar a realidade em um sentido hierarquizante e pragmático para incentivar o "fazer" acima do "pensar" como a melhor forma de viver um dia após o outro. Uma leitura de Confúcio sugere que "fazer" é existir (não tem essa de "penso, logo existo"), e ser alguém que pensa demais e age pouco não é recomendado. A tradição filosófica chinesa ainda tem como componente um coletivismo que parte da família como núcleo de uma grande civilização hierárquica, apontando para uma solução ao questionamento niilista da Joy. O choque filosófico entre civilizações é um aspecto da contradição básica desse filme. Como poderia aparecer uma perspectiva circular e cheia de paralelismos e distrações em uma família enraizada nas tradições pragmáticas, verticais e ativas da China? Só pela junção com o modo de pensar ocidental, ou seja, só sofrendo um choque enlouquecedor em meio à assimilação cultural.
O conflito vem do relativismo e a solução vem pela tradição.
Esse filme é produto de uma mistura muito profunda e sensível da dialética entre o pensamento ocidental e chinês. Essa dialética representa também a dualidade de Yīnyáng, então também dialoga com o taoismo, que é outro pilar da filosofia tradicional chinesa.
A metáfora da rosquinha está totalmente relacionada com o conceito de "kōng" (空 - vazio) trazido por Laozi, que é o pai do taoismo: do vazio existencial surge a energia que nutre tudo que existe, gerando o mundo e a vida, mas também podendo funcionar como algo que encerra o cosmos. Em condições de existência aparece a dualidade paradoxalmente complementar e oposta de Yīnyáng (阴阳 - negativo e positivo). A relação entre a Evelyn e a Joy, a mãe e a filha, é compatível com esse conceito, com a filha sendo o Yīn e a mãe o Yáng porque elas dependem uma da outra e jamais podem se separar, apesar de serem inimigas em todas as dimensões existentes.
E por que o terceiro pilar da civilização chinesa, que é o budismo, não estaria entre os milhares de significados que surgem dentro desse sentido dialético? Claro que aparece.
Na cena do Universo em que não existe vida, que mãe e filha dizem "Apenas seja uma pedra", tem uma referência muito clara à perspectiva de "desapego" trazida pelo Buda. O desapego praticado por um monge que evolui o suficiente leva, por fim, após um ciclo transformativo, à "iluminação". A cena das rochas também apresenta um tom de contemplação à natureza em seu sentido de fluidez e de "kōng" (空 - vazio), então está alinhada também com a vertente chinesa do budismo e com suas características taoistas. Aliás, a frase "seja apenas uma pedra" é análoga à máxima "be water, my friend" do Tao de Bruce Lee. A perspectiva que aponta para a fluidez existencial natural funciona como uma válvula de escape para confortar a ansiedade enlouquecedora que age sobre a protagonista.
Por falar em Bruce Lee, as representações da cultura chinesa não ficam limitadas só à filosofia. Também aparecem homenagens aos clássicos de ação que marcaram a identidade chinesa no cinema nos universos mais absurdos em que todos têm habilidades de artes marciais. Essas cenas poderiam fazer homenagens aos filmes do Bruce Lee e do Jackie Chan, mas acabam indo além e reproduzem algo mais próximo do estilo cômico de Kung Fusão. E é essa "dimensão" que deixa o filme extremamente engraçado e descontraído, cheio de humor nonsense e com todo o abandono do senso do ridículo. A abordagem cômica é a chave para tornar o filme acessível para quem só quer ver algo divertido, se entreter, e não ficar quebrando a cabeça para entender. Mas se for para quebrar a cabeça para entender, também vale.
Afinal, "não existem regras", como dizem as pedras no multiverso budista e taoista em que não existe vida humana.
O grande plot twist no último capítulo (o terceiro) me fez gostar ainda mais de tudo, que já tinha me convencido por ter excelentes atuações, belíssima fotografia, uma trilha sonora síncrona e coesa feita por David Byrne, e um roteiro relativamente curto mas paradoxalmente dinâmico através de dezenas de paralelos para representar as emoções de cada acontecimento sutil.
O fato de os multiversos serem PARTE do TDAH da Evelyn justificou a flexibilidade para tratar esse tema científico tão complexo. No final, todos os paralelos servem para preencher com emoções os pequenos acontecimentos de uma estória que na verdade é breve (dá para recortar as cenas só do plot central e daí sai um filme de mais ou menos meia hora, mas aí o filme perde sua essência). E isso expressa de uma forma muito interessante, sensível, detalhada e criativa o dinamismo da mentalidade de uma pessoa que tem TDAH.
É curioso pensar que o título em mandarim do filme é Tiānmǎxíngkōng (天马行空), que é entendido como "Imaginativo", conforme aparece escrito bem grande em caracteres tradicionais antes de passarem os créditos. Mas se essa frase for decomposta dá para refletir sobre a lógica desse título. Tiānmǎ (天马) significa "cavalo voador", ou seja, "pégaso" - remete ao absurdo. E Xíngkōng (行空) significa "linha vazia", que diz respeito às várias linhas existenciais que constam no espaço-tempo, ou seja, as "cordas" da física quântica. O caractere Kōng (空) aparecer para definir as "cordas" demonstra um paralelo muito interessante com o conceito taoista que expliquei acima. Por outro lado, para o chinês médio que assistir ao filme o significado com certeza fica mais previsível do que para o espectador ocidental que se depara com esse título gigante e absurdo. A verdade sobre ser, na verdade, um filme sobre psicologia e não sobre física quântica (que é apenas um subtema, uma forma criativa de representar a riqueza da psicologia de uma imigrante chinesa perseguida pela auditoria, em crise de meia-idade e com dificuldades para aceitar a filha e o casamento) fica mais evidente na Ásia do que no Ocidente. O título Everything Everywhere All at Once traz uma ambiguidade que dificulta a compreensão do verdadeiro sentido do filme.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é, então, uma homenagem tanto à cultura chinesa como às pessoas com TDAH. Mas não só uma homenagem, também vale como um desabafo, um grito, uma explicação para que a sociedade entenda essas pessoas.
Para resumir, nesse filme tem uma representação da dialética contraditória das civilizações ocidental e chinesa. Aproveita um simples "causo" sobre a vivência difícil de imigrantes chineses nos EUA para trazer uma reflexão existencialista que se choca profundamente com a filosofia tradicional chinesa, mas encontra uma conciliação inclusiva, coletivista e tradicional. O nível extremo das viagens por multiversos mostra o quão grande é esse choque de culturas e as consequências em torno dele, se você pensar por um lado sociológico.
Acho que dentro da proposta representa muito bem a realidade chinesa dos anos 90 por se pautar pela persistência e adaptabilidade do povo em um contexto de pobreza extrema no início de um longo processo de desenvolvimento. Tem uma pegada de neorrealismo italiano, então trata com simplicidade e normalidade de temas bem tristes, como a miséria durante a infância, sem forçar a barra. Além disso, afirma a identidade cultural chinesa por explorar o tema da relação entre pai e filho e discutir como o primeiro influencia o segundo e qual é o caminho correto a ser seguido de acordo com a filosofia tradicional do país.
Ainda que se trate de um documentário, é possível observar fortíssima influência realista no sentido de que, por meio da simples exposição da realidade, produz críticas às consequências da política de reforma e abertura planejadas e executadas dos anos 80 em diante durante a gestão de Deng Xiaoping. O ritmo do filme é conduzido por entrevistas com trabalhadores da fábrica 420 em demolição.
Muito interessante a proposta de buscar dar voz ao povo, à gente simples, ao proletariado, dentro de um contexto em que a luta de classes ainda se faz valer em uma China, que, dentro da perspectiva do socialismo com características chinesas, ainda reconhece que existe forte luta de classes dentro de si. Parte de uma premissa expositiva, popular e crítica - E não se trata de uma crítica à direita, mas à esquerda. Nesse sentido, o discurso do filme é extremamente válido e necessário até hoje, ainda que a desigualdade na China esteja sendo reduzida drasticamente desde 2013, quando Xi Jinping assume o poder (vide a erradicação da pobreza extrema neste ano, reconhecida por dados de instituições do Ocidente, como o Banco Mundial).
Quanto à estética, a fotografia é muito contemplativa, cheia de tomadas muito bonitas para se observar a realidade nua e crua. Dentro de uma certa feiura urbana, construções sucateadas que clamam por reformas e pinturas, uma beleza é encontrada.
E as "características chinesas" não podiam deixar de estar presentes. Cada encerramento de entrevista com cada trabalhador leva à apresentação de poesias que possuem um significados sinérgicos com a vida de cada trabalhador. A poesia é, possivelmente, o gênero literário mais valorizado na China desde a Antiguidade.
Arrebatador, potente, sincero e necessário. Esse é um dos filmes chineses mais bonitos que já assisti.
Antes de mais nada já falo: é uma superprodução, sem dúvidas, e qualquer um que negue isso não assistiu ao filme ou é desonesto. Concorde com a mensagem ou não, mas é um filmaço. Não é à toa que foi premiado no exterior.
A direção traz à tona todos os resultados da experiência do Wagner Moura como artista. Dá para ver uns traços de Narcos e Sérgio em diversas cenas que não vou citar para não dar spoiler, mas quem assistiu à série e ao filme citados vai sacar. Meio netflixiano? Tem um quê de José Padilha? Sim, mas isso é muito bom em termos técnicos e vai chamar a atenção de um público mais amplo. Além disso, tem coprodução do Fernando Meirelles. Como isso poderia dar errado? Então o roteiro conta com uma boa direção. Consequentemente, a fotografia também ficou de altíssimo nível. Quanto à trilha sonora, a sincronia é constante, e tudo que é esperado que deve tocar, toca na hora certa (ainda bem que não esqueceram da música dos Racionais).
O elenco é experiente e talentoso, e ainda por cima conta com a preparação da Fátima Toledo. Bella Camero e Humberto Carrão são as revelações do filme, enquanto Seu Jorge e Bruno Gagliasso obviamente cumprem o que prometem (apesar de ambos não se assemelharem às figuras históricas do Marighella e do Fleury - mas tudo bem, não vou problematizar isso como fizeram alguns babacas por aí).
E tem um bônus: o Pastor Henrique Vieira atuando como personagem-chave e, ainda por cima, como um padre! - Essa foi uma grande surpresa que revelou muito sobre o caráter, o ecumenismo, o talento e as capacidades desse grande ser humano (fica aí a dúvida: quantos pastores topariam atuar como padres?).
Bom, quanto ao roteiro, não poderia não ser triste. Não esperem por um filme agradável nesse sentido. Tem cenas pesadíssimas, mas serve para te fazer pensar. Foi feito para ser indigesto visualmente, mas profundo nas mensagens trazidas pelo script.
Tem dois pontos-chave que eu gostaria de destacar sobre o roteiro:
1) No momento em que o jornalista gringo vem entrevistar o Marighella e pergunta "você é leninista, trotskista ou maoista?" e ele responde "eu sou brasileiro", quem conhece sabe que ele era um leninista, mas acima disso era um patriota. Em várias cenas isso é enfatizado. Quando matam o próprio Marighella a mãe de seu filho grita: "esse homem amava o Brasil!" e quando o filme acaba todos cantam o hino nacional de forma emocionada. É muito importante destacar que a esquerda no século XX era patriota, sim, e essa não é uma bandeira que se deve deixar ser levantada só por entreguistas de direita (ainda mais nesse momento de governo Bolsonaro).
2) É difícil não cair no lugar-comum de romantizar a derrota quando se fala sobre a ditadura, e isso é errado se pensamos na necessidade de mudar a realidade. O filme tentou trazer uma pitada de esperança ao mostrar a continuidade da luta, mas já sabemos como acabou Lamarca e a maioria dos outros guerrilheiros. De qualquer forma o esforço do filme foi válido nesse sentido, pois o que importa é a continuidade da busca por mudança e a não romantização da derrota.
E para finalizar eu reitero algo que já falei em um comentário anterior. Eu não daria nota 5/5 para esse filme porque teve algumas forçadas de barra no discurso identitário e porque poderia ter abordado mais momentos da história do Marighella (eu sei que foi inspirado em um livro só, mas o Wagner Moura poderia ter aproveitado a liberdade artística para trazer mais cenas importantes para conhecermos esse personagem da nossa história). Daria 4/5, mas vou dar 5/5 porque boa parte das avaliações negativas nessa página foram feitas por pessoas que nem assistiram ao filme. Na boa, diante disso o melhor a ser feito é dar um 5/5 incondicional para consertar a merda que fizeram lá atrás.
A problemática central de Dead Pigs lembra muito Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, mas não dá para estabelecer uma relação direta e completa entre ambos porque os motivos que constroem o ponto em comum são diferentes. Enquanto aqui no Brasil o despejo da protagonista se justificaria por uma substituição de construção em região já urbanizada, trazendo à tona principalmente a questão da especulação imobiliária; na China a discussão é evocada devido à crescente industrialização e modernização do país. Essa é a diferença entre um sistema socioeconômico rendido ao rentismo e outro que progride intensivamente em termos materiais.
O choque entre tradição rural e progresso industrial é reflexo da sociedade chinesa desde as reformas projetadas e executadas por Deng Xiaoping e seus sucessores (1979-). Apesar dos avanços econômicos, existe um problema social concreto que é discutido por diversos artistas famosos na China, como o grande Jia Zhangke. Filmes de denúncia sobre a urbanização desenfreada e "destrutiva" são bastante comuns, na verdade, e esse é mais um desses.
Interessante notar que a Administração Nacional de Rádio e Televisão (NRTA), a agência governamental responsável pela fiscalização e censura de obras cinematográficas, se flexibiliza perante filmes como este, que fazem críticas sociais referentes à poluição, à desigualdade e à urbanização exagerada (Lembrei também de Ave Rara, de Qiao Liang, que levanta discussões muito similares às deste filme). Então existe um reconhecimento das autoridades da China sobre as vulnerabilidades da sociedade e, portanto, uma abertura às críticas, para a surpresa de muitos.
Gostei muito da direção do filme, da forma descontraída de discutir problemas tão graves e do enredo relativamente complexo, composto por diversas subnarrativas que se encontram na hora certa.
No início o enredo é desenhado, você logo saca as relações entre as personagens e a função de cada e acha que já adivinhou como tudo vai acabar, mas tudo vai se desdobrando fora do planejado até que é construída uma solução desorganizada e inesperada. No final, tudo dá certo "por linhas tortas".
E gostei muito de notar os avanços em termos técnicos no cinema industrial chinês. Os enquadramentos da fotografia dão um tom bem contemplativo para o filme e a trilha sonora é bem moderninha e agradável. Fiquei surpreso, já que a grande maioria dos filmes industriais que tive a oportunidade de assistir, que passam pela NRTA (muitos disponíveis na Netflix mesmo), apresentam em geral uma qualidade técnica muito baixa - Por esse motivo que sempre gostei mais de acompanhar os filmes independentes mesmo. Então, talvez, esse filme represente um avanço técnico nesse ramo da produção cultural chinesa.
Tecnicamente impecável (nem percebi que usavam um dublê para o João), a direção de arte ficou de parabéns por ter que se adaptar a um nível global e a várias transições temporais, o roteiro é movimentado na medida correta e as atuações são de altíssimo nível. Sem contar que as cenas das apresentações são muito prazerosas para quem gosta de boa música. É um filme muito agradável de assistir.
Como um filme tão bom pode ser tão desconhecido e não ter uma nota mais alta? Sinceramente, apoiem o cinema nacional, deem nota máxima. Não entendi como vocês deixaram uma produção tão boa com uma mísera nota 3,5. Parabéns ao diretor Mauro Lima e a toda a equipe por esse excelente trabalho!
O que torna este filme tão bonito é que ele incorpora ideias de cada um dos tradicionais “Três Caminhos” da filosofia chinesa; Confucionismo, Daoísmo e Budismo. Um aspecto importante do confucionismo é a relação entre os velhos e os jovens, como os velhos têm o dever de ensinar e os jovens têm o dever de aprender. Aqui vemos o velho mestre transmitindo sua sabedoria ao jovem aprendiz, garantindo que a beleza de sua música viverá e inspirará as gerações futuras. O Daoísmo preconiza que a felicidade vem da aceitação dos movimentos naturais do mundo ao redor, da harmonia entre o mundo interno e o mundo externo da Natureza. Aqui vemos duas pessoas rodeadas pela natureza, vivendo de acordo com a lei das montanhas e o movimento dos rios, vivendo uma vida de simples e de puro prazer. Assim, eles se enriquecem espiritualmente e, ao mesmo tempo, são enriquecidos pelo ambiente natural. O budismo enfatiza a natureza transitória da vida e acredita que a vida é composta em grande parte de sofrimento, já que mesmo as coisas mais belas devem, por sua própria existência, morrer e nos deixar tristes com sua passagem. O velho mestre reconhece que logo deve morrer e passa sua música para o jovem aprendiz. O jovem aprendiz, embora entristecido com a partida de seu mestre, aceita a inevitabilidade da morte, e continua, encontrando em si uma beleza que nem mesmo a morte pode tirar. Assim como o Confucionismo harmoniza o Velho e o Jovem, como o Daoísmo harmoniza Humanidade e Natureza, como o Budismo harmoniza Vida e Morte, também este filme harmoniza esses Três Caminhos, usando ideias de todos eles para criar uma obra de arte de beleza sublime e exclusivamente chinesa.
Roteiro bastante criativo, que surpreendeu todo mundo. As atuações também são muito boas, a fotografia é bonita e a trilha sonora encaixa bem (apesar de ser meio exagerada e assumir um tom de novela nos momentos tristes).
Mas a montagem com efeitos de transição de cena gradual me incomodou. Achei a direção e a montagem nas cenas mais decisivas bem tosca, mais uma vez assumindo uma estética bem de novela. E, por falar em estética ruim, a dos créditos mesmo dispensa comentários nesse sentido.
Até é legal a ideia de enganar o espectador no final, brincando com o público, mas achei o plano elaborado pelos oficiais da prisão bem furado. Todos os funcionários se colocaram em risco, o corpo logo seria visto pelo tenente-coronel filho da puta e enfim daria tudo errado para todo mundo porque o protagonista seria procurado depois mesmo longe do bairro onde morava. E como que um deficiente viveria sem ser como pastor? Como ele arrumaria outro emprego?
A ideia do roteiro é brilhante, mas a execução levantou muitas dúvidas, infelizmente.
Só acho que deveria ser mais comprido. As relações entre as personagens poderiam ser melhor desenvolvidas e aprofundadas se tivesse mais tempo. Mas mesmo assim O Poço é uma metáfora perfeita da realidade atual, traz um belo embate entre idealismo e realismo e tem boas referências que vão desde Hobbes a Marx e Cervantes. Sou incapaz de interpretar corretamente porque é um filme rico em significados, que abre um leque de interpretações, então não vou concluir algo exato ou único.
É um filmaço. Vou dar nota máxima para aumentar a nota geral que, infelizmente, não tende a ser tão alta porque discursos realistas demais ou estranhos sempre são impopulares.
Roteiro mais furado que uma peneira, efeitos especiais toscos, trilha sonora padrão etc. e vocês dão nota 4 pra isso. Ok, isso é bom pra ver que não dá pra confiar em notas de Filmow e IMDB.
"Então o Batman sempre buscou perpetuar um sistema desigual e enlouquecedor, vingar um pai elitista, individualista, que é responsável pela existência do Coringa, e, na verdade, sempre esteve tão errado quanto o Coringa".
A Despedida
4.0 298Esse filme consegue trazer uma sensação muito inesperada no final. Normalmente, as reviravoltas nos finais de filmes não são tão agradáveis assim, servem mais para dar continuidade à história através do anúncio de um problema mal-resolvido. Aqui, exatamente o contrário acontece.
Plataforma
4.0 11Jia Zhangke é a prova viva de que a censura na China não impede que filmes críticos e de alta qualidade técnica sejam feitos por lá. Ignorante é quem pensa que cinema chinês consiste só em filmes de Kung Fu, Wuxia etc.
Pinóquio
4.2 542 Assista AgoraSó faltou o Figaro para ser perfeito.
Terra à Deriva
3.1 115Ficção científica com características chinesas
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista AgoraTudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é um filme sobre filosofia chinesa. Se engana quem pensa que tem a ver com teoria das cordas.
No conflito central do filme tem dois polos: em um lado tem um complexo de Electra e no outro tem a piedade filial. Em cada um desses polos dá para enxergar muitas coisas interligadas. De modo geral, em um lado você vê a forma de desdobrar os conflitos entre mãe e filha que é tipicamente ocidental e moderna; e no outro é muito visível uma resolução confuciana e tradicional. E encontrar um meio-termo entre esses caminhos é enlouquecedor e traz uma reflexão sobre o sentido da existência humana.
Dessa mistura específica e contraditória só poderia sair de uma estória baseada na situação de imigrantes chineses nos EUA.
De uma simples trama sobre a perseguição e a repressão que essas comunidades sofrem no Ocidente (que fica cada vez mais sinofóbico na medida em que a China volta a ser a maior potência do mundo e tende a superar a hegemonia americana), partindo do caso específico e exemplar da auditora histérica, saem várias reflexões absurdas de uma mulher de meia-idade com TDAH sobre o sentido da existência. Mas você não sabe se são reflexões ou se tem vários universos se chocando pela lógica da teoria das cordas. Todos os gêneros cinematográficos são abordados no mesmo lugar e ao mesmo tempo e você não sabe se está assistindo a um filme surrealista ou de ficção científica, se é uma comédia, um filme de Kung Fu, se é um drama ou se é um romance - porque consegue ser tudo no mesmo filme ao mesmo tempo. Em cada universo ou reflexão você sente algo diferente, cada um tem um gênero cinematográfico e você perde a noção de qual é a linha central do roteiro até ser enviado de volta para ela no final de cada uma das três partes do filme.
Falando em pensamentos sobre a existência, essa atitude reflexiva e circular é tipicamente ocidental. Por uma coincidência as teorias da relatividade e das cordas, que são as referências científicas do filme, são carregadas com uma significação existencialista porque podem apontar para uma certa insignificância do indivíduo. Os autores que fundam essa corrente da literatura e da filosofia são todos alinhados com a cultura ocidental em alguma medida (Sartre, Dostoiévski e Camus, por exemplo, bebem de fontes filosóficas europeias mesmo tendo suas especificidades). Não têm convergência lógica com a filosofia tradicional chinesa que, por sua vez, procura reforçar as tradições milenares para simplificar a realidade em um sentido hierarquizante e pragmático para incentivar o "fazer" acima do "pensar" como a melhor forma de viver um dia após o outro. Uma leitura de Confúcio sugere que "fazer" é existir (não tem essa de "penso, logo existo"), e ser alguém que pensa demais e age pouco não é recomendado. A tradição filosófica chinesa ainda tem como componente um coletivismo que parte da família como núcleo de uma grande civilização hierárquica, apontando para uma solução ao questionamento niilista da Joy. O choque filosófico entre civilizações é um aspecto da contradição básica desse filme. Como poderia aparecer uma perspectiva circular e cheia de paralelismos e distrações em uma família enraizada nas tradições pragmáticas, verticais e ativas da China? Só pela junção com o modo de pensar ocidental, ou seja, só sofrendo um choque enlouquecedor em meio à assimilação cultural.
O conflito vem do relativismo e a solução vem pela tradição.
Esse filme é produto de uma mistura muito profunda e sensível da dialética entre o pensamento ocidental e chinês. Essa dialética representa também a dualidade de Yīnyáng, então também dialoga com o taoismo, que é outro pilar da filosofia tradicional chinesa.
A metáfora da rosquinha está totalmente relacionada com o conceito de "kōng" (空 - vazio) trazido por Laozi, que é o pai do taoismo: do vazio existencial surge a energia que nutre tudo que existe, gerando o mundo e a vida, mas também podendo funcionar como algo que encerra o cosmos. Em condições de existência aparece a dualidade paradoxalmente complementar e oposta de Yīnyáng (阴阳 - negativo e positivo). A relação entre a Evelyn e a Joy, a mãe e a filha, é compatível com esse conceito, com a filha sendo o Yīn e a mãe o Yáng porque elas dependem uma da outra e jamais podem se separar, apesar de serem inimigas em todas as dimensões existentes.
E por que o terceiro pilar da civilização chinesa, que é o budismo, não estaria entre os milhares de significados que surgem dentro desse sentido dialético? Claro que aparece.
Na cena do Universo em que não existe vida, que mãe e filha dizem "Apenas seja uma pedra", tem uma referência muito clara à perspectiva de "desapego" trazida pelo Buda. O desapego praticado por um monge que evolui o suficiente leva, por fim, após um ciclo transformativo, à "iluminação". A cena das rochas também apresenta um tom de contemplação à natureza em seu sentido de fluidez e de "kōng" (空 - vazio), então está alinhada também com a vertente chinesa do budismo e com suas características taoistas. Aliás, a frase "seja apenas uma pedra" é análoga à máxima "be water, my friend" do Tao de Bruce Lee. A perspectiva que aponta para a fluidez existencial natural funciona como uma válvula de escape para confortar a ansiedade enlouquecedora que age sobre a protagonista.
Por falar em Bruce Lee, as representações da cultura chinesa não ficam limitadas só à filosofia. Também aparecem homenagens aos clássicos de ação que marcaram a identidade chinesa no cinema nos universos mais absurdos em que todos têm habilidades de artes marciais. Essas cenas poderiam fazer homenagens aos filmes do Bruce Lee e do Jackie Chan, mas acabam indo além e reproduzem algo mais próximo do estilo cômico de Kung Fusão. E é essa "dimensão" que deixa o filme extremamente engraçado e descontraído, cheio de humor nonsense e com todo o abandono do senso do ridículo. A abordagem cômica é a chave para tornar o filme acessível para quem só quer ver algo divertido, se entreter, e não ficar quebrando a cabeça para entender. Mas se for para quebrar a cabeça para entender, também vale.
Afinal, "não existem regras", como dizem as pedras no multiverso budista e taoista em que não existe vida humana.
O grande plot twist no último capítulo (o terceiro) me fez gostar ainda mais de tudo, que já tinha me convencido por ter excelentes atuações, belíssima fotografia, uma trilha sonora síncrona e coesa feita por David Byrne, e um roteiro relativamente curto mas paradoxalmente dinâmico através de dezenas de paralelos para representar as emoções de cada acontecimento sutil.
O fato de os multiversos serem PARTE do TDAH da Evelyn justificou a flexibilidade para tratar esse tema científico tão complexo. No final, todos os paralelos servem para preencher com emoções os pequenos acontecimentos de uma estória que na verdade é breve (dá para recortar as cenas só do plot central e daí sai um filme de mais ou menos meia hora, mas aí o filme perde sua essência). E isso expressa de uma forma muito interessante, sensível, detalhada e criativa o dinamismo da mentalidade de uma pessoa que tem TDAH.
É curioso pensar que o título em mandarim do filme é Tiānmǎxíngkōng (天马行空), que é entendido como "Imaginativo", conforme aparece escrito bem grande em caracteres tradicionais antes de passarem os créditos. Mas se essa frase for decomposta dá para refletir sobre a lógica desse título. Tiānmǎ (天马) significa "cavalo voador", ou seja, "pégaso" - remete ao absurdo. E Xíngkōng (行空) significa "linha vazia", que diz respeito às várias linhas existenciais que constam no espaço-tempo, ou seja, as "cordas" da física quântica. O caractere Kōng (空) aparecer para definir as "cordas" demonstra um paralelo muito interessante com o conceito taoista que expliquei acima. Por outro lado, para o chinês médio que assistir ao filme o significado com certeza fica mais previsível do que para o espectador ocidental que se depara com esse título gigante e absurdo. A verdade sobre ser, na verdade, um filme sobre psicologia e não sobre física quântica (que é apenas um subtema, uma forma criativa de representar a riqueza da psicologia de uma imigrante chinesa perseguida pela auditoria, em crise de meia-idade e com dificuldades para aceitar a filha e o casamento) fica mais evidente na Ásia do que no Ocidente. O título Everything Everywhere All at Once traz uma ambiguidade que dificulta a compreensão do verdadeiro sentido do filme.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é, então, uma homenagem tanto à cultura chinesa como às pessoas com TDAH. Mas não só uma homenagem, também vale como um desabafo, um grito, uma explicação para que a sociedade entenda essas pessoas.
Para resumir, nesse filme tem uma representação da dialética contraditória das civilizações ocidental e chinesa. Aproveita um simples "causo" sobre a vivência difícil de imigrantes chineses nos EUA para trazer uma reflexão existencialista que se choca profundamente com a filosofia tradicional chinesa, mas encontra uma conciliação inclusiva, coletivista e tradicional. O nível extremo das viagens por multiversos mostra o quão grande é esse choque de culturas e as consequências em torno dele, se você pensar por um lado sociológico.
Em uma perspectiva humana, pessoas com TDAH podem descobrir no taoismo um caminho de autoaceitação.
Lang Tong
2.5 23 Assista AgoraÉ perfeito para quem gosta de filmes trash. A cena final me fez rir demais.
Rei de Pequim
3.6 6Acho que dentro da proposta representa muito bem a realidade chinesa dos anos 90 por se pautar pela persistência e adaptabilidade do povo em um contexto de pobreza extrema no início de um longo processo de desenvolvimento. Tem uma pegada de neorrealismo italiano, então trata com simplicidade e normalidade de temas bem tristes, como a miséria durante a infância, sem forçar a barra. Além disso, afirma a identidade cultural chinesa por explorar o tema da relação entre pai e filho e discutir como o primeiro influencia o segundo e qual é o caminho correto a ser seguido de acordo com a filosofia tradicional do país.
Depois de passar por diversos desvios, o pai se conscientiza de que o caminho correto é o da simplicidade e da honestidade.
Perfeito para quem quer ver algo leve e simples.
1921
4.8 1Superprodução.
24 City
4.0 7 Assista AgoraAinda que se trate de um documentário, é possível observar fortíssima influência realista no sentido de que, por meio da simples exposição da realidade, produz críticas às consequências da política de reforma e abertura planejadas e executadas dos anos 80 em diante durante a gestão de Deng Xiaoping. O ritmo do filme é conduzido por entrevistas com trabalhadores da fábrica 420 em demolição.
Muito interessante a proposta de buscar dar voz ao povo, à gente simples, ao proletariado, dentro de um contexto em que a luta de classes ainda se faz valer em uma China, que, dentro da perspectiva do socialismo com características chinesas, ainda reconhece que existe forte luta de classes dentro de si. Parte de uma premissa expositiva, popular e crítica - E não se trata de uma crítica à direita, mas à esquerda. Nesse sentido, o discurso do filme é extremamente válido e necessário até hoje, ainda que a desigualdade na China esteja sendo reduzida drasticamente desde 2013, quando Xi Jinping assume o poder (vide a erradicação da pobreza extrema neste ano, reconhecida por dados de instituições do Ocidente, como o Banco Mundial).
Quanto à estética, a fotografia é muito contemplativa, cheia de tomadas muito bonitas para se observar a realidade nua e crua. Dentro de uma certa feiura urbana, construções sucateadas que clamam por reformas e pinturas, uma beleza é encontrada.
E as "características chinesas" não podiam deixar de estar presentes. Cada encerramento de entrevista com cada trabalhador leva à apresentação de poesias que possuem um significados sinérgicos com a vida de cada trabalhador. A poesia é, possivelmente, o gênero literário mais valorizado na China desde a Antiguidade.
Arrebatador, potente, sincero e necessário. Esse é um dos filmes chineses mais bonitos que já assisti.
Marighella
3.9 1,1K Assista AgoraAntes de mais nada já falo: é uma superprodução, sem dúvidas, e qualquer um que negue isso não assistiu ao filme ou é desonesto. Concorde com a mensagem ou não, mas é um filmaço. Não é à toa que foi premiado no exterior.
A direção traz à tona todos os resultados da experiência do Wagner Moura como artista. Dá para ver uns traços de Narcos e Sérgio em diversas cenas que não vou citar para não dar spoiler, mas quem assistiu à série e ao filme citados vai sacar. Meio netflixiano? Tem um quê de José Padilha? Sim, mas isso é muito bom em termos técnicos e vai chamar a atenção de um público mais amplo. Além disso, tem coprodução do Fernando Meirelles. Como isso poderia dar errado? Então o roteiro conta com uma boa direção. Consequentemente, a fotografia também ficou de altíssimo nível. Quanto à trilha sonora, a sincronia é constante, e tudo que é esperado que deve tocar, toca na hora certa (ainda bem que não esqueceram da música dos Racionais).
O elenco é experiente e talentoso, e ainda por cima conta com a preparação da Fátima Toledo. Bella Camero e Humberto Carrão são as revelações do filme, enquanto Seu Jorge e Bruno Gagliasso obviamente cumprem o que prometem (apesar de ambos não se assemelharem às figuras históricas do Marighella e do Fleury - mas tudo bem, não vou problematizar isso como fizeram alguns babacas por aí).
E tem um bônus: o Pastor Henrique Vieira atuando como personagem-chave e, ainda por cima, como um padre! - Essa foi uma grande surpresa que revelou muito sobre o caráter, o ecumenismo, o talento e as capacidades desse grande ser humano (fica aí a dúvida: quantos pastores topariam atuar como padres?).
Bom, quanto ao roteiro, não poderia não ser triste. Não esperem por um filme agradável nesse sentido. Tem cenas pesadíssimas, mas serve para te fazer pensar. Foi feito para ser indigesto visualmente, mas profundo nas mensagens trazidas pelo script.
Tem dois pontos-chave que eu gostaria de destacar sobre o roteiro:
1) No momento em que o jornalista gringo vem entrevistar o Marighella e pergunta "você é leninista, trotskista ou maoista?" e ele responde "eu sou brasileiro", quem conhece sabe que ele era um leninista, mas acima disso era um patriota. Em várias cenas isso é enfatizado. Quando matam o próprio Marighella a mãe de seu filho grita: "esse homem amava o Brasil!" e quando o filme acaba todos cantam o hino nacional de forma emocionada. É muito importante destacar que a esquerda no século XX era patriota, sim, e essa não é uma bandeira que se deve deixar ser levantada só por entreguistas de direita (ainda mais nesse momento de governo Bolsonaro).
2) É difícil não cair no lugar-comum de romantizar a derrota quando se fala sobre a ditadura, e isso é errado se pensamos na necessidade de mudar a realidade. O filme tentou trazer uma pitada de esperança ao mostrar a continuidade da luta, mas já sabemos como acabou Lamarca e a maioria dos outros guerrilheiros. De qualquer forma o esforço do filme foi válido nesse sentido, pois o que importa é a continuidade da busca por mudança e a não romantização da derrota.
E para finalizar eu reitero algo que já falei em um comentário anterior. Eu não daria nota 5/5 para esse filme porque teve algumas forçadas de barra no discurso identitário e porque poderia ter abordado mais momentos da história do Marighella (eu sei que foi inspirado em um livro só, mas o Wagner Moura poderia ter aproveitado a liberdade artística para trazer mais cenas importantes para conhecermos esse personagem da nossa história). Daria 4/5, mas vou dar 5/5 porque boa parte das avaliações negativas nessa página foram feitas por pessoas que nem assistiram ao filme. Na boa, diante disso o melhor a ser feito é dar um 5/5 incondicional para consertar a merda que fizeram lá atrás.
Dead Pigs
3.6 12A problemática central de Dead Pigs lembra muito Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, mas não dá para estabelecer uma relação direta e completa entre ambos porque os motivos que constroem o ponto em comum são diferentes. Enquanto aqui no Brasil o despejo da protagonista se justificaria por uma substituição de construção em região já urbanizada, trazendo à tona principalmente a questão da especulação imobiliária; na China a discussão é evocada devido à crescente industrialização e modernização do país. Essa é a diferença entre um sistema socioeconômico rendido ao rentismo e outro que progride intensivamente em termos materiais.
O choque entre tradição rural e progresso industrial é reflexo da sociedade chinesa desde as reformas projetadas e executadas por Deng Xiaoping e seus sucessores (1979-). Apesar dos avanços econômicos, existe um problema social concreto que é discutido por diversos artistas famosos na China, como o grande Jia Zhangke. Filmes de denúncia sobre a urbanização desenfreada e "destrutiva" são bastante comuns, na verdade, e esse é mais um desses.
Interessante notar que a Administração Nacional de Rádio e Televisão (NRTA), a agência governamental responsável pela fiscalização e censura de obras cinematográficas, se flexibiliza perante filmes como este, que fazem críticas sociais referentes à poluição, à desigualdade e à urbanização exagerada (Lembrei também de Ave Rara, de Qiao Liang, que levanta discussões muito similares às deste filme). Então existe um reconhecimento das autoridades da China sobre as vulnerabilidades da sociedade e, portanto, uma abertura às críticas, para a surpresa de muitos.
Gostei muito da direção do filme, da forma descontraída de discutir problemas tão graves e do enredo relativamente complexo, composto por diversas subnarrativas que se encontram na hora certa.
No início o enredo é desenhado, você logo saca as relações entre as personagens e a função de cada e acha que já adivinhou como tudo vai acabar, mas tudo vai se desdobrando fora do planejado até que é construída uma solução desorganizada e inesperada. No final, tudo dá certo "por linhas tortas".
E gostei muito de notar os avanços em termos técnicos no cinema industrial chinês. Os enquadramentos da fotografia dão um tom bem contemplativo para o filme e a trilha sonora é bem moderninha e agradável. Fiquei surpreso, já que a grande maioria dos filmes industriais que tive a oportunidade de assistir, que passam pela NRTA (muitos disponíveis na Netflix mesmo), apresentam em geral uma qualidade técnica muito baixa - Por esse motivo que sempre gostei mais de acompanhar os filmes independentes mesmo. Então, talvez, esse filme represente um avanço técnico nesse ramo da produção cultural chinesa.
Nomadland
3.9 896 Assista AgoraQuem já sofreu alguma grande perda entende.
See you down the road.
João, O Maestro
3.4 43 Assista AgoraTecnicamente impecável (nem percebi que usavam um dublê para o João), a direção de arte ficou de parabéns por ter que se adaptar a um nível global e a várias transições temporais, o roteiro é movimentado na medida correta e as atuações são de altíssimo nível. Sem contar que as cenas das apresentações são muito prazerosas para quem gosta de boa música. É um filme muito agradável de assistir.
Como um filme tão bom pode ser tão desconhecido e não ter uma nota mais alta? Sinceramente, apoiem o cinema nacional, deem nota máxima. Não entendi como vocês deixaram uma produção tão boa com uma mísera nota 3,5. Parabéns ao diretor Mauro Lima e a toda a equipe por esse excelente trabalho!
Feelings of Mountains and Waters
3.6 1O que torna este filme tão bonito é que ele incorpora ideias de cada um dos tradicionais “Três Caminhos” da filosofia chinesa; Confucionismo, Daoísmo e Budismo.
Um aspecto importante do confucionismo é a relação entre os velhos e os jovens, como os velhos têm o dever de ensinar e os jovens têm o dever de aprender. Aqui vemos o velho mestre transmitindo sua sabedoria ao jovem aprendiz, garantindo que a beleza de sua música viverá e inspirará as gerações futuras.
O Daoísmo preconiza que a felicidade vem da aceitação dos movimentos naturais do mundo ao redor, da harmonia entre o mundo interno e o mundo externo da Natureza. Aqui vemos duas pessoas rodeadas pela natureza, vivendo de acordo com a lei das montanhas e o movimento dos rios, vivendo uma vida de simples e de puro prazer. Assim, eles se enriquecem espiritualmente e, ao mesmo tempo, são enriquecidos pelo ambiente natural.
O budismo enfatiza a natureza transitória da vida e acredita que a vida é composta em grande parte de sofrimento, já que mesmo as coisas mais belas devem, por sua própria existência, morrer e nos deixar tristes com sua passagem. O velho mestre reconhece que logo deve morrer e passa sua música para o jovem aprendiz. O jovem aprendiz, embora entristecido com a partida de seu mestre, aceita a inevitabilidade da morte, e continua, encontrando em si uma beleza que nem mesmo a morte pode tirar.
Assim como o Confucionismo harmoniza o Velho e o Jovem, como o Daoísmo harmoniza Humanidade e Natureza, como o Budismo harmoniza Vida e Morte, também este filme harmoniza esses Três Caminhos, usando ideias de todos eles para criar uma obra de arte de beleza sublime e exclusivamente chinesa.
O 5º Poder
3.9 16Visionário e indevidamente subestimado.
Mad World
4.0 59Confuciano e realista.
Durante a Tormenta
4.0 899 Assista AgoraExcelente para quem é fã de Efeito Borboleta.
Milagre na Cela 7
4.1 1,2K Assista AgoraRoteiro bastante criativo, que surpreendeu todo mundo. As atuações também são muito boas, a fotografia é bonita e a trilha sonora encaixa bem (apesar de ser meio exagerada e assumir um tom de novela nos momentos tristes).
Mas a montagem com efeitos de transição de cena gradual me incomodou. Achei a direção e a montagem nas cenas mais decisivas bem tosca, mais uma vez assumindo uma estética bem de novela. E, por falar em estética ruim, a dos créditos mesmo dispensa comentários nesse sentido.
Até é legal a ideia de enganar o espectador no final, brincando com o público, mas achei o plano elaborado pelos oficiais da prisão bem furado. Todos os funcionários se colocaram em risco, o corpo logo seria visto pelo tenente-coronel filho da puta e enfim daria tudo errado para todo mundo porque o protagonista seria procurado depois mesmo longe do bairro onde morava. E como que um deficiente viveria sem ser como pastor? Como ele arrumaria outro emprego?
A ideia do roteiro é brilhante, mas a execução levantou muitas dúvidas, infelizmente.
Valeu a intenção.
O Poço
3.7 2,1K Assista AgoraSó acho que deveria ser mais comprido. As relações entre as personagens poderiam ser melhor desenvolvidas e aprofundadas se tivesse mais tempo. Mas mesmo assim O Poço é uma metáfora perfeita da realidade atual, traz um belo embate entre idealismo e realismo e tem boas referências que vão desde Hobbes a Marx e Cervantes. Sou incapaz de interpretar corretamente porque é um filme rico em significados, que abre um leque de interpretações, então não vou concluir algo exato ou único.
É um filmaço. Vou dar nota máxima para aumentar a nota geral que, infelizmente, não tende a ser tão alta porque discursos realistas demais ou estranhos sempre são impopulares.
Contágio
3.2 1,8K Assista AgoraA sensação de ver esse filme estando de quarentena foi completamente diferente de quando assisti em 2011.
O Homem Invisível
3.8 2,0K Assista AgoraRoteiro mais furado que uma peneira, efeitos especiais toscos, trilha sonora padrão etc. e vocês dão nota 4 pra isso. Ok, isso é bom pra ver que não dá pra confiar em notas de Filmow e IMDB.
Sequestrando Stella
2.1 176 Assista Agoratutorial de como detonar um filme nos últimos minutos
El Camino: Um Filme de Breaking Bad
3.7 842 Assista Agora"Você tem muita sorte, sabia? ... Não teve que esperar a vida toda para fazer algo especial."
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraEsse filme te proporciona um momento em que você sai do cinema e diz:
"Então o Batman sempre buscou perpetuar um sistema desigual e enlouquecedor, vingar um pai elitista, individualista, que é responsável pela existência do Coringa, e, na verdade, sempre esteve tão errado quanto o Coringa".