Escrevo esse comentário ao som de "The Power Of Love", canção dos anos 1980 que muitos assim como eu devem ter ouvido pela primeira vez na intimista e desoladora cena final, do qual Adam abraça e consola um Harry que nunca de fato chegou a conhecer de verdade para além de uma breve conversa na porta de seu apartamento.
O filme não é o mais bem executado na montagem, ao meu ver, as trocas de cena entre Adam indo visitar seus pais e seus momentos com o Harry ficaram um pouco monótonas. Entretanto, é em toda a ambientação que o filme se destaca, o prédio sem vida, a falta de contato entre o protagonista e os desconhecidos nas escassas vezes que ele opta por sair de casa… é tudo muito sufocante e executado com muito cuidado pela produção.
Adam e Harry são solitários mesmo na multidão, isso fala muita coisa, não só sobre eles mas sobre nós, desconhecidos, estranhos nas relações diárias com os outros. Caramujos que carregam suas pesadas conchas nas costas e no contato com os outros se escondem nelas, a qualquer sinal de suposta ameaça ao que consideramos seguro.
A partir do momento que o pai de Adam aparece, estranhei aquela figura tão fora de contexto visual com o mundo atual (diga-se nossa década), o mesmo vale para a mãe e seu cabelo anos 80 e todo o ambiente da casa. Quando aquelas figuras mais jovens que Adam o chamam de filho, aquilo tudo fez sentido e comecei a desconfiar que Harry também não fosse real, talvez nunca tivesse sido, apenas mais uma manifestação personificada das angústias de Adam ao lidar com seus próprios conflitos.
Entretanto fui pego de surpresa ao ver toda a sequência de aproximação de Adam ao quarto onde Harry se encontrava morto na cama. Fiquei o tempo todo em um processo de negação torcendo para que o Harry morto fosse apenas mais uma alucinação na cabeça daquele atormentado homem, mas não foi.
O que mais machuca é saber que em todos os momentos, nas pouquíssimas vezes que ele interage com alguém, nenhum deles estava realmente ali e todo filme se trata da relação solitária e conturbada de um homem consigo mesmo.
Breves apontamentos: Muitas podem ser as interpretações do filme como um todo, acredito que possa ser visto até por uma visão religiosa, mas por convicções pessoais tendo a levar para o lado dos conflitos internos e manifestações psicológicas.
Queria muito saber como teria sido se Adam tivesse recebido Harry (ainda em vida) no seu apartamento, poderiam realmente ficar juntos ou talvez não.
Grande parte do que deixa o final ainda mais duro foi o fato dos pais de Adam terem dito para ele seguir com a vida e parar de ficar preso no trauma que envolve eles, uma das sugestões era ele tentar seguir em frente com a vida na companhia de Harry. Penso que Adam com o tempo e ajuda do Harry poderia realmente superar (na medida do possível) esse trauma e ajudar o próprio Harry a lidar com as dores da vida dele, mas o que ele ganha no fim das contas é mais um fantasma em sua vida.
All Of Us Strangers (2023): “I'll protect you from the hooded claw Keep the vampires from your door” Nota: 8/10
A primeira parte se estende do início do filme até a morte do Felix, temos aqui a introdução do Oliver na faculdade, todo o processo da tentativa de aproximação com seu objeto de desejo e suas frustrações durante todo esse processo. Nesse momento do filme me senti tão curioso pela personalidade deste protagonista quanto sobre a do Felix, a sensação de deslocamento, da humilhação sofrida pelo personagem no ambiente elitista e a relação que se forma entre eles é muito bem desenvolvida nesse momento. Certos detalhes fazem falta, mas é compreensível por estar ainda só no começo do filme, a cena da qual Oliver desabafa e apresenta (tanto ao Felix quanto ao público) um pouco de sua vida, é muito bem executada. A pedra que é jogada por Oliver em homenagem ao suposto pai morto e não caí na água, mostra uma atenção aos detalhes muito bem trabalhada pelos realizadores que se manifesta também em outros momentos adiante.
O filme que nas cenas em Oxford, parecia um drama jovem da Netflix (um dos bons), já ao nos apresentar a locação de Saltburn se torna a emulação de um thriller de suspense que parece se encaminhar ao nível de um clássico. Pode notar que eu disse emulação, pois na superfície realmente parece ser um suspense de qualidade que não se torna de fato um.
O personagem deslocado que chega ao castelo do qual ele não sabe as regras de convivência, se vê perdido na forma de se comportar em meio aquela gente e aos poucos vai sendo apresentado aos integrantes da família que a todo momento não parecem pessoas confiáveis. São personagens excêntricos e caricatos, o filme não poupa nas piadas ácidas e depreciativas, o que não se trata de um problema. Um thriller não necessariamente precisa ser sério, temos o exemplo do excelente "Corra" de Jordan Peele, que traz esse suspense com altas doses de humor sem que os personagens resumam-se a isso (inclusive me lembrei de Corra na menção de que o Oliver não foi o primeiro amigo a ter ido lá, me fazendo pensar que talvez Saltburn tivesse um enredo parecido ou optasse por subverter e de fato ele faz). Saltburn até adiciona um superficial subtexto para certos personagens, como a filha bulímica Venetia ou Pamela (a menosprezada amiga da família que constantemente é lembrada que deve ir embora), mas desperdiça excelentes atores como Rosamund Pike (que interpreta a matriarca da família), cuja a personagem é remetida apenas ao arquétipo de mãe manipuladora e egocentrada.
As cenas são de uma fotografia ímpar, como na cena do Oliver deitado com o reflexo do castelo na água, o filme sabe dessa sua qualidade e o tempo todo joga isso na nossa cara, como se dissesse "Olha como minha fotografia é foda" e não há nada de errado com isso.
A fotografia em certos momentos torna-se impressionante, o que aliada ao roteiro que coloca os personagens em diversas situações esdrúxulas, mostram o ponto alto desse filme. Vejam bem, a cena do "annilingus" no ralo da banheira é uma das cenas mais espetaculares que já pude ver em alguma obra audiovisual, a representação do buraco do ralo e o desejo reprimido, a estimulação oral nesse espaço, nesse objeto íntimo frio e inane que fora usado por outra pessoa e na ausência é tudo que resta dela e do que é possível para sentir, é de uma poesia fortíssima.
A partir do momento em que por descuido de Oliver, Felix descobre seu verdadeiro passado todas as estranhas guinadas manipulatórias que Oliver foi manifestando em Saltburn começam a fazer sentido, não é que Saltburn o tenha deixado assim (ou ele esteja fazendo algo como uma adaptação ao espaço), ele é assim, manipulador, frio, calculista… e agora em sua segunda parte que o filme degringola de vez.
Foi após a primeira briga entre Oliver e Felix que cheguei a conclusão que infelizmente Felix não seria propriamente desenvolvido, esperei até o último segundo para que ele tivesse o desenvolvimento de personagem pelo menos ao nível do Oliver (muito bem transmitido pelo excelente Barry Keoghan), mas não foi o que aconteceu, ficou relegado ao mesmo tipo de desenvolvimento de seus familiares, um arquétipo.
Mesmo assim devo dizer que pude sentir a ausência de Felix, ele realmente faz falta naquela família, a cena deles na mesa de jantar enquanto do lado de fora o corpo dele era retirado, é triste, muito triste. Ver a Venetia e o Farleight chorando enquanto os pais tentam fingir que seu filho não está morto é um soco no estômago, a cortina que é fechada deixando o salão vermelho e claustrofóbico é de uma sutileza cirúrgica.
A partir daí o filme me lembrou uma cena de American Horror Story: Freak Show, onde um personagem pega uma pistola e sai matando freneticamente parte do elenco, a morte de Felix foi só a primeira de uma sucessão de mortes e consequências que só são aceitáveis se o espectador ligar totalmente o modo suspensão de descrença. Para piorar o filme faz questão de deixar tudo explicadinho, em uma superexposição de flashbacks que subestimam a inteligência de seus espectadores.
Por fim Oliver consegue o que quer e agora ouve música e dança pelado pelo castelo, livre, leve e solto… um dos clichês que mais me saturo de ver, que é o do psicopata dançando ou matando ao som de música pop, rock ou música clássica.
Antes de finalizar, devo fazer um adendo, vi alguns comentários sobre o trato da sexualidade do filme, com cenas explícitas (ainda bem comportadas se comparadas a um Lars Von Trier) que chocaram alguma pessoas ou se tornaram motivo de piadas no nível quinta série. No Globo de Ouro vi piadas e trocadilhos envolvendo essas cenas, que assim como pude ver também na recepção de alguns sobre o filme da Barbie, provam mais uma vez que nossa sociedade (norte-americanizada) emula um progressismo que só existe na superfície.
Concluindo, Saltburn é um bom filme que poderia ser excelente.
Saltburn (2023): “É pau, é pedra, é o fim do caminho”. Nota: 6/10
Um retrato de culpa, melancolia e ausência. O culpado Adrian, a melancólica Anna e o ausente (tão presente) Frantz. Mentiras para poupar a dor, a nossa própria dor, a dor outros e a dor da própria existência.
Tenho um certo gosto por filmes que abordam relacionamentos na contemporaneidade, principalmente os que abordam questões sobre as expectativas da vida adulta, o trabalho alienado, a melancolia, a saudade, as relações e a solidão. Past Lives foi amor à primeira vista, desde que vi o trailer sabia que queria ver esse filme o mais rápido possível e as chances de me apaixonar eram grandes, seja pelo trailer ao som de Stay (cover da música da Rihanna cantada por Cat Power), ou pela quebra das convenções do gênero.
O filme é realista ao abordar tanto a relação de Nora com Hae Sung (paixão de seu passado no país natal e representante de uma parte do que ela foi um dia) e Arthur (seu marido e parte das coisas que ela vivenciou e conheceu ao imigrar para os Estados Unidos e seu presente),
ambos gostam dela, ela gosta de ambos. Há naturalmente uma certa confusão de sentimentos entre os três, falando propriamente de Nora, há em Hae Sung algo que a faz sentir estranha, além de um velho amor, além do passado, ele a lembra de uma parte que ela pensava estar acabada, mais volta latente o que abala suas estruturas e muito sutilmente (com grande mérito) a atriz Greta Lee deixa transparecer.
A direção trata tudo com muita naturalidade, os personagens conversam e então são tomados pelo silêncio, caminham na rua e então o silêncio entra de novo. O "conflito", por assim dizer, parece nunca chegar em seu ápice, mas na verdade ele está ali desde o início, nas conversas desajeitadas, nos olhares confusos, no silêncio e nas piadas instintivamente ditas para aliviar a tensão.
Os minutos finais são devastadores, o silêncio de Nora e Hae Sung ao caminharem até a despedida, o silêncio e a vontade de selar um beijo de despedida (vontade dos dois? de um?) ou seria uma admiração, uma fotografia mental de despedida? Nora volta para casa e conforme caminha vai sentindo, sente tanto que a lágrimas não conseguem ser contidas, Arthur a espera em frente a porta, exausta ela diz "desculpa", ele entende o que ela quis dizer.
Past Lives é sobre muita coisa, entre elas as diversas vidas passadas que temos em uma mesma vida (para alguns) e entre outras (para outros). As pessoas passam pelas nossas vidas e então se vão, chegamos na vida de alguém, ficamos e então vamos embora, por vezes voltamos e voltamos de novo até que seja pela última vez. Às vezes se termina por um contrato , por um adeus, por um abraço, às vezes se termina sem que se saiba que terminou, mas aconteceu, início, meio e fim. Não é fácil, mas é o que é.
"Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca às vezes sara amanhã" Drummond
Até a próxima vida.
Past Lives (2023): Se em uma relação só existe passado, então é lá que ela deve ficar. Nota: 9/10
Os Pássaros (The Birds), é o quarto filme do Hitchcock que assisto (sendo o primeiro "Psicose", o segundo "Um Corpo que Cai" e o terceiro " O Terceiro Tiro") e consequentemente tendo a comparar com os anteriores. O diretor era genial na sua arte de fazer suspense e mesmo aqui (no que considero ser seu segundo filme mais fraco vindo após "O Terceiro Tiro") consegue se manter acima do melhor de diversos outros diretores que vieram depois. Não vou me estender na sinopse sendo que dificilmente um usuário viria aos comentários para ler sobre algo que já consta no topo da página.
Em resumo uma das "protagonistas loiras de Hitchcock" (Melanie Daniels), persegue um homem até a cidadezinha portuária de Bodega Bay trazendo consigo um casal de periquitos. O filme pode ser dividido em algumas partes: A trama pessoal da protagonista / a relação com o homem que ela perseguiu (Mitch Brenner) e sua família / a fúria das aves da região.
O início é bem lento, mas não menos interessante e creio que isso ocorre devido a personalidade obscura da protagonista, o tempo todo fiquei me perguntando o seu passado e qual era a moral da personagem e até que nível chegava a relação entre Lydia (mãe de Mitch) e ele (felizmente longe de uma relação como a de Norma e Norman Bates). A atuação de Jessica Tandy como a mãe é digna de aplausos e de qualquer forma todos se dão muito bem em seus papéis.
Muitos falam da cena da escola da qual eu esperei impacientemente, mas devo dizer que me decepcionei um pouco (talvez altas expectativas). Veja bem, o contexto é interessante, a cena de Melanie sentando no banco e os corvos se agrupando atrás dela é assustadora, porém se trata de um filme que já tem mais de 50 anos e os efeitos especiais ainda que bem executados deixam a cena tensa um tanto risível. Entretanto, devo dizer que é na ausência de efeitos especiais que o filme realmente brilha, ver uma Melanie receosa por subir as escadas com a curiosidade de saber sobre o barulho do pássaro atrás da porta apela para uma das características mais humanas que podemos ter: a curiosidade acima de tudo, o que não traz bom resultado para ela (como era esperado). Devo destacar também que assistir Mitch lentamente passar por entre dezenas de pássaros ao seu redor para tirar o carro da garagem e salvar sua família me fez sair do sofá da minha sala e cautelosamente passar por aqueles pássaros junto dele.
Gostaria de falar mais dessa parte final, acho ela o ponto alto do filme e tecnicamente impecável. O filme como um todo possui uma fotografia excelente, mas já para o fim há dois momentos que irei destacar: O primeiro é quando o quarteto principal está se protegendo de um iminente ataque dentro de casa e a câmera se afasta enquanto passa por cada um dos quatro transbordando a tensão sentida por cada um dos personagens e o outro é nos minutos finais quando o carro se afasta da casa enquanto os pássaros e um pôr do sol melancólico tomam conta de quase toda a porção da tela.
Breves notas: 1: O uso somente do som ambiente enquanto Melanie sobe as escadas, com o bater de asas frenético de um pássaro me fez sentir exatamente da forma que imagino que ela se sentiu, um misto de medo e curiosidade que me faria caminhar até a armadilha que sei que está lá; 2: Acredito que foi o filme mais corajoso que já vi do diretor no que diz respeito a morte explícita, o corpo morto sem olhos e a professora morta na frente de casa me pareceram bem gráficos e acho interessante pensar sobre como foi a recepção na época; 3: Tenho opiniões mistas sobre como foi abordada a relação de Lydia e Mitch, ao mesmo tempo que pensava que seria uma personagem mais "maléfica" para a protagonista e o filho, se mostrou apenas uma mulher confusa e com medo de ficar sozinha e enquanto escrevo isso chego a conclusão que é um ponto positivo, uma personagem real e não puramente maniqueísta; 4: A dramaticidade da Melanie se pressionando no sofá me pareceu um tanto ridícula, mas é típica da atuação um tanto exagerada da época; 5: A atriz que fez a Cathy (irmã de Mitch), deu um show à parte nas cenas de pavor mesmo que sua personagem fique na sombra dos adultos, uma ótima atriz; 6: Me pergunto a razão de algumas filmes da época usarem cenários falsos em momentos em que os atores já estão ao ar livre, como quando Melanie e Mitch sobem o monte de areia e então no próximo corte o cenário é feito em uma simulação de estúdio (funciona melhor em preto e branco, ainda que charmoso não me pareceu bom em cores).
A trama não é tão complexa e intrigante como a de "Um Corpo que Cai" e "Psicose", mas "Os Pássaros" é um filme que tem um certo charme e seu devido valor e não deve viver na sombra dos outros dois.
Os Pássaros (1964): Me fez ter medo de aves como eu teria de um assassino. Nota: 8/10
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3.9 177 Assista AgoraEscrevo esse comentário ao som de "The Power Of Love", canção dos anos 1980 que muitos assim como eu devem ter ouvido pela primeira vez na intimista e desoladora cena final, do qual Adam abraça e consola um Harry que nunca de fato chegou a conhecer de verdade para além de uma breve conversa na porta de seu apartamento.
O filme não é o mais bem executado na montagem, ao meu ver, as trocas de cena entre Adam indo visitar seus pais e seus momentos com o Harry ficaram um pouco monótonas. Entretanto, é em toda a ambientação que o filme se destaca, o prédio sem vida, a falta de contato entre o protagonista e os desconhecidos nas escassas vezes que ele opta por sair de casa… é tudo muito sufocante e executado com muito cuidado pela produção.
Adam e Harry são solitários mesmo na multidão, isso fala muita coisa, não só sobre eles mas sobre nós, desconhecidos, estranhos nas relações diárias com os outros. Caramujos que carregam suas pesadas conchas nas costas e no contato com os outros se escondem nelas, a qualquer sinal de suposta ameaça ao que consideramos seguro.
A partir do momento que o pai de Adam aparece, estranhei aquela figura tão fora de contexto visual com o mundo atual (diga-se nossa década), o mesmo vale para a mãe e seu cabelo anos 80 e todo o ambiente da casa.
Quando aquelas figuras mais jovens que Adam o chamam de filho, aquilo tudo fez sentido e comecei a desconfiar que Harry também não fosse real, talvez nunca tivesse sido, apenas mais uma manifestação personificada das angústias de Adam ao lidar com seus próprios conflitos.
Entretanto fui pego de surpresa ao ver toda a sequência de aproximação de Adam ao quarto onde Harry se encontrava morto na cama. Fiquei o tempo todo em um processo de negação torcendo para que o Harry morto fosse apenas mais uma alucinação na cabeça daquele atormentado homem, mas não foi.
O que mais machuca é saber que em todos os momentos, nas pouquíssimas vezes que ele interage com alguém, nenhum deles estava realmente ali e todo filme se trata da relação solitária e conturbada de um homem consigo mesmo.
Breves apontamentos:
Muitas podem ser as interpretações do filme como um todo, acredito que possa ser visto até por uma visão religiosa, mas por convicções pessoais tendo a levar para o lado dos conflitos internos e manifestações psicológicas.
Queria muito saber como teria sido se Adam tivesse recebido Harry (ainda em vida) no seu apartamento, poderiam realmente ficar juntos ou talvez não.
Grande parte do que deixa o final ainda mais duro foi o fato dos pais de Adam terem dito para ele seguir com a vida e parar de ficar preso no trauma que envolve eles, uma das sugestões era ele tentar seguir em frente com a vida na companhia de Harry.
Penso que Adam com o tempo e ajuda do Harry poderia realmente superar (na medida do possível) esse trauma e ajudar o próprio Harry a lidar com as dores da vida dele, mas o que ele ganha no fim das contas é mais um fantasma em sua vida.
All Of Us Strangers (2023): “I'll protect you from the hooded claw
Keep the vampires from your door”
Nota: 8/10
Saltburn
3.5 855Terminei de assistir Saltburn decepcionado, ao meu ver o filme pode ser dividido em dois, farei meus comentários com isso em mente.
A primeira parte se estende do início do filme até a morte do Felix, temos aqui a introdução do Oliver na faculdade, todo o processo da tentativa de aproximação com seu objeto de desejo e suas frustrações durante todo esse processo. Nesse momento do filme me senti tão curioso pela personalidade deste protagonista quanto sobre a do Felix, a sensação de deslocamento, da humilhação sofrida pelo personagem no ambiente elitista e a relação que se forma entre eles é muito bem desenvolvida nesse momento. Certos detalhes fazem falta, mas é compreensível por estar ainda só no começo do filme, a cena da qual Oliver desabafa e apresenta (tanto ao Felix quanto ao público) um pouco de sua vida, é muito bem executada. A pedra que é jogada por Oliver em homenagem ao suposto pai morto e não caí na água, mostra uma atenção aos detalhes muito bem trabalhada pelos realizadores que se manifesta também em outros momentos adiante.
O filme que nas cenas em Oxford, parecia um drama jovem da Netflix (um dos bons), já ao nos apresentar a locação de Saltburn se torna a emulação de um thriller de suspense que parece se encaminhar ao nível de um clássico.
Pode notar que eu disse emulação, pois na superfície realmente parece ser um suspense de qualidade que não se torna de fato um.
O personagem deslocado que chega ao castelo do qual ele não sabe as regras de convivência, se vê perdido na forma de se comportar em meio aquela gente e aos poucos vai sendo apresentado aos integrantes da família que a todo momento não parecem pessoas confiáveis.
São personagens excêntricos e caricatos, o filme não poupa nas piadas ácidas e depreciativas, o que não se trata de um problema. Um thriller não necessariamente precisa ser sério, temos o exemplo do excelente "Corra" de Jordan Peele, que traz esse suspense com altas doses de humor sem que os personagens resumam-se a isso (inclusive me lembrei de Corra na menção de que o Oliver não foi o primeiro amigo a ter ido lá, me fazendo pensar que talvez Saltburn tivesse um enredo parecido ou optasse por subverter e de fato ele faz). Saltburn até adiciona um superficial subtexto para certos personagens, como a filha bulímica Venetia ou Pamela (a menosprezada amiga da família que constantemente é lembrada que deve ir embora), mas desperdiça excelentes atores como Rosamund Pike (que interpreta a matriarca da família), cuja a personagem é remetida apenas ao arquétipo de mãe manipuladora e egocentrada.
As cenas são de uma fotografia ímpar, como na cena do Oliver deitado com o reflexo do castelo na água, o filme sabe dessa sua qualidade e o tempo todo joga isso na nossa cara, como se dissesse "Olha como minha fotografia é foda" e não há nada de errado com isso.
A fotografia em certos momentos torna-se impressionante, o que aliada ao roteiro que coloca os personagens em diversas situações esdrúxulas, mostram o ponto alto desse filme. Vejam bem, a cena do "annilingus" no ralo da banheira é uma das cenas mais espetaculares que já pude ver em alguma obra audiovisual, a representação do buraco do ralo e o desejo reprimido, a estimulação oral nesse espaço, nesse objeto íntimo frio e inane que fora usado por outra pessoa e na ausência é tudo que resta dela e do que é possível para sentir, é de uma poesia fortíssima.
Mais para o fim do filme isso se repete com uma cova, onde agora sim a ausência é total, não há volta e agora o sexo é penetrativo.
A partir do momento em que por descuido de Oliver, Felix descobre seu verdadeiro passado todas as estranhas guinadas manipulatórias que Oliver foi manifestando em Saltburn começam a fazer sentido, não é que Saltburn o tenha deixado assim (ou ele esteja fazendo algo como uma adaptação ao espaço), ele é assim, manipulador, frio, calculista… e agora em sua segunda parte que o filme degringola de vez.
Foi após a primeira briga entre Oliver e Felix que cheguei a conclusão que infelizmente Felix não seria propriamente desenvolvido, esperei até o último segundo para que ele tivesse o desenvolvimento de personagem pelo menos ao nível do Oliver (muito bem transmitido pelo excelente Barry Keoghan), mas não foi o que aconteceu, ficou relegado ao mesmo tipo de desenvolvimento de seus familiares, um arquétipo.
Mesmo assim devo dizer que pude sentir a ausência de Felix, ele realmente faz falta naquela família, a cena deles na mesa de jantar enquanto do lado de fora o corpo dele era retirado, é triste, muito triste. Ver a Venetia e o Farleight chorando enquanto os pais tentam fingir que seu filho não está morto é um soco no estômago, a cortina que é fechada deixando o salão vermelho e claustrofóbico é de uma sutileza cirúrgica.
A partir daí o filme me lembrou uma cena de American Horror Story: Freak Show, onde um personagem pega uma pistola e sai matando freneticamente parte do elenco, a morte de Felix foi só a primeira de uma sucessão de mortes e consequências que só são aceitáveis se o espectador ligar totalmente o modo suspensão de descrença. Para piorar o filme faz questão de deixar tudo explicadinho, em uma superexposição de flashbacks que subestimam a inteligência de seus espectadores.
Por fim Oliver consegue o que quer e agora ouve música e dança pelado pelo castelo, livre, leve e solto… um dos clichês que mais me saturo de ver, que é o do psicopata dançando ou matando ao som de música pop, rock ou música clássica.
Antes de finalizar, devo fazer um adendo, vi alguns comentários sobre o trato da sexualidade do filme, com cenas explícitas (ainda bem comportadas se comparadas a um Lars Von Trier) que chocaram alguma pessoas ou se tornaram motivo de piadas no nível quinta série. No Globo de Ouro vi piadas e trocadilhos envolvendo essas cenas, que assim como pude ver também na recepção de alguns sobre o filme da Barbie, provam mais uma vez que nossa sociedade (norte-americanizada) emula um progressismo que só existe na superfície.
Concluindo, Saltburn é um bom filme que poderia ser excelente.
Saltburn (2023): “É pau, é pedra, é o fim do caminho”.
Nota: 6/10
Frantz
4.1 120 Assista AgoraUm retrato de culpa, melancolia e ausência. O culpado Adrian, a melancólica Anna e o ausente (tão presente) Frantz. Mentiras para poupar a dor, a nossa própria dor, a dor outros e a dor da própria existência.
Vidas Passadas
4.2 745 Assista AgoraTenho um certo gosto por filmes que abordam relacionamentos na contemporaneidade, principalmente os que abordam questões sobre as expectativas da vida adulta, o trabalho alienado, a melancolia, a saudade, as relações e a solidão. Past Lives foi amor à primeira vista, desde que vi o trailer sabia que queria ver esse filme o mais rápido possível e as chances de me apaixonar eram grandes, seja pelo trailer ao som de Stay (cover da música da Rihanna cantada por Cat Power), ou pela quebra das convenções do gênero.
O filme é realista ao abordar tanto a relação de Nora com Hae Sung (paixão de seu passado no país natal e representante de uma parte do que ela foi um dia) e Arthur (seu marido e parte das coisas que ela vivenciou e conheceu ao imigrar para os Estados Unidos e seu presente),
ambos gostam dela, ela gosta de ambos. Há naturalmente uma certa confusão de sentimentos entre os três, falando propriamente de Nora, há em Hae Sung algo que a faz sentir estranha, além de um velho amor, além do passado, ele a lembra de uma parte que ela pensava estar acabada, mais volta latente o que abala suas estruturas e muito sutilmente (com grande mérito) a atriz Greta Lee deixa transparecer.
A direção trata tudo com muita naturalidade, os personagens conversam e então são tomados pelo silêncio, caminham na rua e então o silêncio entra de novo. O "conflito", por assim dizer, parece nunca chegar em seu ápice, mas na verdade ele está ali desde o início, nas conversas desajeitadas, nos olhares confusos, no silêncio e nas piadas instintivamente ditas para aliviar a tensão.
Os minutos finais são devastadores, o silêncio de Nora e Hae Sung ao caminharem até a despedida, o silêncio e a vontade de selar um beijo de despedida (vontade dos dois? de um?) ou seria uma admiração, uma fotografia mental de despedida?
Nora volta para casa e conforme caminha vai sentindo, sente tanto que a lágrimas não conseguem ser contidas, Arthur a espera em frente a porta, exausta ela diz "desculpa", ele entende o que ela quis dizer.
Past Lives é sobre muita coisa, entre elas as diversas vidas passadas que temos em uma mesma vida (para alguns) e entre outras (para outros).
As pessoas passam pelas nossas vidas e então se vão, chegamos na vida de alguém, ficamos e então vamos embora, por vezes voltamos e voltamos de novo até que seja pela última vez. Às vezes se termina por um contrato , por um adeus, por um abraço, às vezes se termina sem que se saiba que terminou, mas aconteceu, início, meio e fim. Não é fácil, mas é o que é.
"Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã"
Drummond
Até a próxima vida.
Past Lives (2023): Se em uma relação só existe passado, então é lá que ela deve ficar.
Nota: 9/10
Os Pássaros
3.9 1,1KOs Pássaros (The Birds), é o quarto filme do Hitchcock que assisto (sendo o primeiro "Psicose", o segundo "Um Corpo que Cai" e o terceiro " O Terceiro Tiro") e consequentemente tendo a comparar com os anteriores. O diretor era genial na sua arte de fazer suspense e mesmo aqui (no que considero ser seu segundo filme mais fraco vindo após "O Terceiro Tiro") consegue se manter acima do melhor de diversos outros diretores que vieram depois. Não vou me estender na sinopse sendo que dificilmente um usuário viria aos comentários para ler sobre algo que já consta no topo da página.
Em resumo uma das "protagonistas loiras de Hitchcock" (Melanie Daniels), persegue um homem até a cidadezinha portuária de Bodega Bay trazendo consigo um casal de periquitos. O filme pode ser dividido em algumas partes: A trama pessoal da protagonista /
a relação com o homem que ela perseguiu (Mitch Brenner) e sua família / a fúria das aves da região.
O início é bem lento, mas não menos interessante e creio que isso ocorre devido a personalidade obscura da protagonista, o tempo todo fiquei me perguntando o seu passado e qual era a moral da personagem e até que nível chegava a relação entre Lydia (mãe de Mitch) e ele (felizmente longe de uma relação como a de Norma e Norman Bates). A atuação de Jessica Tandy como a mãe é digna de aplausos e de qualquer forma todos se dão muito bem em seus papéis.
Muitos falam da cena da escola da qual eu esperei impacientemente, mas devo dizer que me decepcionei um pouco (talvez altas expectativas). Veja bem, o contexto é interessante, a cena de Melanie sentando no banco e os corvos se agrupando atrás dela é assustadora, porém se trata de um filme que já tem mais de 50 anos e os efeitos especiais ainda que bem executados deixam a cena tensa um tanto risível.
Entretanto, devo dizer que é na ausência de efeitos especiais que o filme realmente brilha, ver uma Melanie receosa por subir as escadas com a curiosidade de saber sobre o barulho do pássaro atrás da porta apela para uma das características mais humanas que podemos ter: a curiosidade acima de tudo, o que não traz bom resultado para ela (como era esperado). Devo destacar também que assistir Mitch lentamente passar por entre dezenas de pássaros ao seu redor para tirar o carro da garagem e salvar sua família me fez sair do sofá da minha sala e cautelosamente passar por aqueles pássaros junto dele.
Gostaria de falar mais dessa parte final, acho ela o ponto alto do filme e tecnicamente impecável. O filme como um todo possui uma fotografia excelente, mas já para o fim há dois momentos que irei destacar: O primeiro é quando o quarteto principal está se protegendo de um iminente ataque dentro de casa e a câmera se afasta enquanto passa por cada um dos quatro transbordando a tensão sentida por cada um dos personagens e o outro é nos minutos finais quando o carro se afasta da casa enquanto os pássaros e um pôr do sol melancólico tomam conta de quase toda a porção da tela.
Breves notas:
1: O uso somente do som ambiente enquanto Melanie sobe as escadas, com o bater de asas frenético de um pássaro me fez sentir exatamente da forma que imagino que ela se sentiu, um misto de medo e curiosidade que me faria caminhar até a armadilha que sei que está lá;
2: Acredito que foi o filme mais corajoso que já vi do diretor no que diz respeito a morte explícita, o corpo morto sem olhos e a professora morta na frente de casa me pareceram bem gráficos e acho interessante pensar sobre como foi a recepção na época;
3: Tenho opiniões mistas sobre como foi abordada a relação de Lydia e Mitch, ao mesmo tempo que pensava que seria uma personagem mais "maléfica" para a protagonista e o filho, se mostrou apenas uma mulher confusa e com medo de ficar sozinha e enquanto escrevo isso chego a conclusão que é um ponto positivo, uma personagem real e não puramente maniqueísta;
4: A dramaticidade da Melanie se pressionando no sofá me pareceu um tanto ridícula, mas é típica da atuação um tanto exagerada da época;
5: A atriz que fez a Cathy (irmã de Mitch), deu um show à parte nas cenas de pavor mesmo que sua personagem fique na sombra dos adultos, uma ótima atriz;
6: Me pergunto a razão de algumas filmes da época usarem cenários falsos em momentos em que os atores já estão ao ar livre, como quando Melanie e Mitch sobem o monte de areia e então no próximo corte o cenário é feito em uma simulação de estúdio (funciona melhor em preto e branco, ainda que charmoso não me pareceu bom em cores).
A trama não é tão complexa e intrigante como a de "Um Corpo que Cai" e "Psicose", mas "Os Pássaros" é um filme que tem um certo charme e seu devido valor e não deve viver na sombra dos outros dois.
Os Pássaros (1964): Me fez ter medo de aves como eu teria de um assassino.
Nota: 8/10