"Passengers" (Passageiros) do diretor Morten Tyldum, com roteiro de Jon Spaihts, poderia ser descrito como um ode aos relacionamentos abusivos sofridos pelas mulheres pelas mãos dos homens. Tudo de uma forma visualmente bonita e extremamente machista e anti ético. Não costumo contar spoilers naquilo que escrevo, porem esse filme me força a iniciar com uma especie de um, e seguir em determinado trecho contando partes da trama para defender o ponto de analise.
A premissa oficial diz que, seremos apresentados a historia de Jim (Chris Pratt), um engenheiro, que faz parte de um dos 5000 passageiros de uma gigantesca nave que esta levando parte da humanidade para um novo planeta. Estamos num futuro aparentemente distante, onde a colonização de planetas já é uma realidade. No entanto, a viagem ate esse novo planeta, leva cerca de 120 anos. Assim todos esses passageiros são induzidos numa câmara de hibernação que os conservam dormindo, ate o momento de despertar já nesse novo planeta. Mas, apos a nave passar por uma área repleta de meteoros, ela é danificada, o que causa uma pane no sistema da nave que por acidente acaba por despertar Jim, 90 anos antes do previsto.
No entanto e, aqui preciso alertar que isso possa ser um spoiler inevitável para contar sobre a trama, o projeto já inicia com uma promoção sobre ele de forma enganadora e errônea. Pois, a trama consiste no fato de que Jim, apos viver um ano inteiro sozinho, sem ter a presença de nenhum ser vivo para interagir, conversando apenas com androides programados para lhe servir,
, uma vez que nenhum dos dois pode retornar as câmaras de hibernação e a viagem ainda durara 89 anos ate seu destino final. É curiosa que a própria distribuidora do filme percebem que tal premissa, iria naturalmente afastar o publico. Afinal, quem em sã consciência atual, onde nosso mundo felizmente ao menos nisso, esta mais consciente sobre as lutas por igualdade e equidade de gênero e sobre as opressões e crimes sofridos pelas mulheres diante dos abusos dos homens, iria gastar seu tempo precioso e seu dinheiro para ver um homem que por se sentir solitário numa nave de luxo, resolve condenar uma mulher para lhe fazer companhia, contra sua vontade?
O filme, passa a impressão de que possuía todos os potenciais possíveis para criar um estudo extremamente interessante sobre comportamentos humanos.ate mesmo sobre relações abusivas. Notem como a premissa por exemplo, poderia ser sobre o estudo de culpa e condenação de um homem que condena alguém que ama a morte, ainda em vida. Ou mesmo, ser uma especie de novo jardim do Eden, reconstruindo as relações entre homens e mulheres tendo como simbologia a nave que poderia muito bem vir a ser uma especie de arca de noé espacial, rumo a uma nova Terra. Ou mesmo, um estudo complexo sobre abusos de genro, onde a personagem de Jlaw combateria essa agressão, numa narrativa de terror psicológico, ou mesmo usar a trama para elaborar uma especie de ode a O Iluminado (ao qual o filme tragicamente cita sem contexto algum para tal, que seja plausível), sobre as relações interpessoais entre esses dois personagens. Detalhe, o filme ainda poderia se sustentar como trama, sem precisar cometer essa injustificável abuso, de fazer
o personagem de Pratt acordar a personagem de Jlaw.
Nada na trama, justifica ocorrer isso, a não ser o motivo imoral de mostrar ao longo das quase 2 horas de projeção a romantização de abusos recorrentes das ações desse personagem perdoados pela mocinha que tem suas ações submissas e dependentes a todo instante a esse homem que a condenou a morte.
Isso porque o desenvolvimento de Aurora (e não, não é semelhança ela ter o mesmo nome da princesinha da disney que desperta com um beijo do sono eterno pelo seu príncipe), depende exclusivamente das ações e vontades de Jim. A cada situação de perigo, ela surge temerosa, desesperada, chorosa, enquanto ele surge impassível e determinado a resolver cada um dos empecilhos que surgem pelo caminho. ele é a força braçal, a inteligencia,. ele é o cavalheiro, o fofo,. ele é o príncipe perfeito a cada instante de projeção. Assim, o filme coloca sua ação
para seu bel prazer, como um pequeno erro que suplanta qualquer coisa, uma vez que assim, o destino une os dois em um amor verdadeiro. Pq claro, que num lugar onde só exista um Pratt extremamente sarado e fofo, uma Jlaw solitária não sucumbiria a se apaixonar e entender que ele é o homem de sua vida. Onde só existe tecnicamente ele ali nessa realidade não é mesmo.
É necessário compreender que o filme traça a cada ação de Jim uma justificativa que faça com que o publico o absolva de suas ações. Que a gente releve seu ato cafajeste e nojento e criminoso
de condenar uma mulher que ele escolhe entre as capsulas como quem escolhe uma prostituta num catalogo, onde ele investiga cada informação possível sobre a vida dela, para justificar que se apaixonou pelo seu jeito aparente de ser e não como vimos pela sua beleza física, a morte prematura sem necessidade alguma, sem justificativa plausível para tal, e sem que em nenhum instante ele receba seu papel tal de vilania. Muito pelo contrario, eles tratam essa escolha dele consciência como uma falha. Como quem coloca sal no cafe ao invés de açúcar por momentânea confusão causada pela solidão do espeço. E assim se justifique que ele esconda dela a verdade ate o ponto de conseguir conquista=-la transar com essa mulher, invadir sua privacidade com direito a stalkea-la por câmeras a cada passo que ela dá mesmo quando ela deixou claro que não queria mais ver ele apos descobrir o que ele fez, obrigando-a a ouvi-lo, e reconquistando ela sob uma iminente morte de sacrifício dele para salvar toda a nave e se tornar o herói que deveria ser, como um príncipe de fato de contos de fada. Com direito a dizer antes de quase morrer, que construiria uma casa para ela se eles conseguissem chegar no planeta vivos e jovens. Não o bastante o filme não se acanha em mostrar ações como o homem que leva para jantar, o homem que leva flores, o homem que constrói presentes, o homem que arruma coisas, o homem que em suma 'cuida' de tudo pq é um verdadeiro cavalheiro. E o que importa que esse homem tenha lhe condenado a morte? o que importa que esse home que tenha causado a maioria das falhas na nave que colocaram em risco mais de 5000 mil vidas? o que importa que ele tenha escondido seu crime para poder transar, casar, e fazer a mulher que cometeu esse abuso se apaixonar por ele? o que importa que o filme ainda mostre a vitima implorando para que ele volte para sua vida, pois ainda que ele tenha errado, como diz uma dialogo que ate agora estou tentando digerir, ele é 'como um naufrago se afogando. e todo mundo que esta se afogando acaba por levar junto alguém, na tentativa de se salvar"
. Que dó do moço bonito e 'pobre' não é mesmo?
Pq ate mesmo nesse sentido o filme exalta o personagem, uma vez que Aurora surge como uma mulher rica, na melhor das características de classe media sofre, que aceita ir na viagem para ter uma aventura para escrever um novo livro. Enquanto Jim é um engenheiro que não tem nada que o prenda na Terra e resolve se endividar para ter a chance de uma nova vida num novo planeta. Inclusive, nos momentos de refeição, onde ele sempre por ser mais pobre é obrigado a se alimentar dos alimentos mais baratos. Enquanto ela, quando surge, pode escolher o que bem entender. E se isso poderia desenrolar numa subtrama que refletisse as hierarquias sociais através da economia, não passam de gancho para aproximar os dois personagens e criar ainda mais empatia pelo homem. E o que dizer de uma cena, onde enquanto o personagem de Jim surge arriscando sua vida heroica, Aurora, aparece desajeitada, incluindo machucando o braço, sem motivo aparente para o fato dentro da narrativa. O machucado não serviu para nada, nem para deixa-la mais lenta e aumentar a dramaticidade da ação, nem para ser desenvolvido mais tarde como alguma coisa contra ela ou a favor. Simplesmente ela se fere gratuitamente. Apenas uma cena para vermos a mulher sentir dor e sofrer um pouco mais.
Desconsiderando ainda as implausíveis ações físicas do terceiro ato - envolvendo um corpo humano diante de uma enxurrada de fogo químico intenso e sobreviver - tal qual o príncipe de A Bela Adormecida ao se proteger das chamas do Dragão, uma incrível acrobacia sem sentido em pleno espaço sideral e uma força física de uma personagem no minimo com metade do peso corporal do outro que ela não só carrega sozinha mas ainda sustenta,
; o filme termina de concretizar seu jeito bizarro de moralidade disfarçado de o romance do ano, ao introduzir, quando parece que nada poderia piorar diante do previsível, o acontecimento onde eis que surge mais uma falha na nave e
o personagem Gus (vivido por Laurence Fishburne) um homem mais velho negro que faz parte obvio da tripulação, desperta tbm,
e aparece apenas para apresentar uma solução para aqueles dois personagens, e sinceramente simbolizar um personagem negro na trama, que é totalmente fora dos padrões estabelecidos pelos dois galãs da projeção apenas para servir de ajudante para salvar suas vidas e logo em seguida ser descartado da trama, é no minimo nojento.
Mas, o filme funciona para o publico que visa ver um romance. Um romance amparado por um aparato técnico impressionante. Principalmente o design de produção visual, e a sonoplastia que cria uma dinâmica espacial verossimel. Acreditamos realmente na imersão daquela realidade. A fotografia extremamente limpa e clara, confere um requinte lindo se assistir a produção. E ha uma sequencia em particular envolvendo uma perda de gravidade, que é espetacular.
Com um final piegas, mas previsível, o filme é um emaranhado esteticamente lindo de sexismo, misoginia, de romantização de abusos, machista e que faria completo sentido se fosse filmado na década de 50.
Para quem conseguir se desligar de cada um desses aspectos em função da beleza e simpatia dos dois personagens, em função de assistir um romance, e buscar apenas entretenimento, onde 'um erro pode significar um amor verdadeiro', muito que bem. O filme serve. Mas, sinceramente, para mim não.
Assisti por esses dias ao filme "Capitão Fantástico", do diretor - que também assina o roteiro - Matt Ross, e que de modo extremamente resumido, poderia ser descrito como um filme multigenero (ou ao menos é a impressão que ele causa). Numa verve que mescla por vezes algo como 'A Vila' de Shyamalan, um road movie a la 'Da Natureza Selvagem', de Sean Penn ou mesmo 'Wild', de Nicolette Krebitz. Ou ate mesmo momentos que lembram clássicos da sessão da tarde como "A Fortaleza" de Arch Nicholson. No entanto 'Capitão Fantástico' possui uma peculiaridade que transcende sua característica de se enquadrar nos gêneros da comedia, drama, aventura, roadmovie, indie e etc; ele possui um cerne politico e ao mesmo tempo paternalista que coexiste de forma por vezes explosiva e magnifica. Ben, (vivido de maneira plena e arrebatadora por Viggo Mortensen, que demonstra em cada olhar, respiração, apreensão e discursos, na forma de olhar silencioso, ou no tom exasperado de voz numa bronca ou num carinho todas as dores, orgulhos, desesperos e afetuosidade de um pai dedicado, o pq tem sido merecidamente lembrado nas premiações da temporada), é o pai de 6 filhos: Rellian, Zaja, Nai, Bodevan, Kielyr e Vespyr. Ben cujo os filhos se referem a ele como Capitão (daí o titulo do filme) é um homem que decidiu junto da esposa, abandonar de vez as convenções da sociedade, embrenhada em seu consumismo, fascista e capitalista plastico, para viver uma vida de contra cultura, espelhadas nos ensinamentos e ideologias essencialmente de Noam Chomsky e vertentes de esquerda, voltando-se contra o sistema, para educar seus filhos - de sete a 18 anos de idade - na natureza. Ali, ele os ensina a caçar, a desenvolver condicionamento físico em busca de sobrevivência, dormem sob a luz da lua, plantam a própria comida e caçam a carne que os alimentara, com flechas e facas. Nesse meio tempo, Ben ensina seus filhos desde física quântica ate politicas sociais, matemática avançada, biologia, historia, literatura e questionamentos que inspirem a interpretação individual e critica acerca de tudo a sua volta, musica clássica - desde seu entendimento e surgimento, ate aspirações artísticas para tal, ensinando-os a cantar e tocar instrumentos musicais. Ate que sua esposa fica muito doente e precisa voltar a civilização para obter tratamento adequado. Algum tempo depois, a noticia de sua morte - por suicídio - vem a tona, e Ben e seus 6 filhos partem rumo a seu funeral organizado pelos pais cristãos da mulher, para garantir que sua ultima vontade deixada em testamento seja cumprido - como budista, ela desejava ser cremada e não enterrada. É sob essa primeira premissa que o filme se estabelece, no entanto seu teor que mescla humor, por vezes bizarro, que vai do excêntrico ao brutal; com dramas de sociabilidade que colocam em pauta cada uma das bases da contracultura de forma pratica e não só teórica; vai alem, e nos apresenta uma jornada que fala tanto de como as escolhas pessoais de cada um nem sempre são as escolhas corretas para o todo, e principalmente que a liberdade que habita o ser humano se estabelece justamente em sua total independência de traçar o caminho que lhe convir, e nem sempre uma conjuntura libertaria deixa de ser tão ou mais autoritária do que as que visam combater. E sob isso, o filme ainda conversa com o sentimento e relações fundamentalmente paternalistas da própria sociedade, mas mais focada no âmbito familiar. O amor de um pai que suplanta suas próprias convicções, em ações e ideais de amor pleno a suas crias, nem que para isso precise combater todo o planeta e ate a si mesmo. Amparados por uma trilha sonora envolvente e funciona, que conta com um momento particularmente magico e extremamente emocional - e ate mesmo bizarro dependendo do grau de conservadorismo e 'moralidade' que se possua, com uma versão de "Sweet Child O' Mine" do Guns N Roses, e uma fotografia saturadíssima, que encontra seus melhores momentos nas cenas da natureza, com especial destaque ao inicio da projeção e ao final, e que contrasta ate que bem com o aspecto mais limpo e caótico, puxado para o cinza da cidade, o filme possui um estudo sobre sociabilidade muito interessante diante da sociedade atual tão polarizada ideologicamente, com questionamentos que por mais que se amparem no humor leve e quase didático, são funcionais para discutir e apresentar essas problemáticas entre os dois lados existentes. Um exemplo é a maneira que o filme surge, onde na cena de abertura, o filho mais velho Bo (George McKay) aparece todo sujo de lama, de modo selvagem rasgando e terminando de matar um cervo. Eis que surge seu pai e seus irmãos igualmente parecendo que saíram de alguma tripo, e contemplam orgulhosos a caça, como se fosse um ritual, com direito a sangue no rosto e o coração ainda quente do animal sendo mordido aos olhos de um pai extremamente orgulhoso; Para no momento seguinte observarmos crianças de 7 a 18 anos, prepararem o animal abatido para a ceia, cortando-o, retirando seu sangue, arrancando sua pelagem, e etc, como qualquer povo tribal fazia e faria. Ou mesmo quando vemos que apesar de se desligar da sociedade, o pai constantemente junto ao filho mais velho, parte rumo a civilização para trocar seus artesanatos e colheitas por dinheiro para poderem abastecer desde o grande ônibus que possuem para se locomoverem ate la, ate para comprarem alimentos que não conseguem adquirir da floresta que estão residindo, bem como para terem noticias da mãe internada. Ou então na sequencia em que parados pela policia, os filhos soltam uma sucessão de "treinamentos" para tal situação, onde encarnam fanáticos e fervorosos religiosos, por saberem que tal técnica os livrarão de qualquer pergunta ou castigo, uma vez que vivemos numa sociedade essencialmente cristã e que possui uma relação de medo e devoção misturados com tais doutrinas. Outros momentos como quando continuamente o filho mais novo surge entoando a máxima "Poder ao Povo. Abaixo o sistema!", que embate diretamente com uma das frases de abertura do longa que afirma: ''Marxistas podem ser tão genocidas quanto capitalistas". E sem falar obviamente da complexidade de relações interpessoais familiares que essa ordem ou desordem causam, quando vemos o filho Rellian, pouco a pouco se rebelar contra toda essa ideologia ao se ver literalmente machucado e cansado, e por consequência se voltando contra os ideais paternos, quando o mais velho surge timidamente inadequado para convenções sociais, sem nem saber como conversar com o gênero oposto e secretamente sonha em cursar uma faculdade, ou as crianças sem saberem o que é uma coca cola, ate mesmo a forma explicita que o pai explica a uma garota de 8 anos, uma de suas filhas o que é estupro e sexo, ate a forma que os filhos aos poucos vão demonstrando conjunturas politicas matrizes embaçadas no anarquista, outra na taoista, e, claro os marxistas. Dessa força, é interessante como a linha tênue entre bem e mal, ruim e bom, certo e errado, assertivo e errôneo, não se limitam. São fluidos. Assim, ambas as posições ali fundamentadas possuem igual valor e coerência. O filme no entanto, perde força, quando tenta claramente se estabelecer muito mais no expositivo do que no discursivo, ou seja, próximo ao terceiro ato, se nota uma condução que visa estabelecer o meio termo entre essa discussão. Colocando em xeque o que vimos, sem saber se a intenção do filme era demonstrar de maneira sarcástica quão errônea é essa ideologia social, ou se visa reafirmar que ela é necessária e urgente e principalmente possível. No final, o caminho encontrado trava no meio termo, como se o filme se resumisse em dizer que 'tudo que é extremo e em excesso é ruim.". Ainda que esse pensamento seja verdadeiro ele contrapõe co a logica social construída por aquela família no filme, uma vez que ela denota que para que isso ocorra é necessário uma certa segurança econômica e intelectual que não abastece o montante social que a própria ideologia visa libertar. (E eu particularmente me incomodei com o extremo paternalismo que se estendeu não ao simbolismo mas ao gênero em si, por desenvolver apenas os personagens masculinos com arcos narrativos e dramáticos definidos. São somente os filhos homens de Ben que surgem como questionadores lúcidos e combativos aos ideais do pai. As meninas por mais que tenham pensamentos críticos avançados, jamais parecem criar conflitos contra aquilo, aceitando cada decisão passivamente. O que contrasta com a submissão própria do esteriótipo elitista pretendido pelo diretor quando conhecemos a avo das crianças.) Com um final que reforça o sentido de amor, devoção e fidelidade alem da compreensão entre pais e filhos, o filme emociona ao nos fazer acreditar - mesmo diante de alguns absurdos de verossimilhança - o que reforça o tom fantástico como gênero e não somente de adjetivo da película, mas tal qual uma fabula (não por acaso o figurino é uma excentricidade a parte), que no final das contas, não importa muito as teorias e academicismos do mundo. O que realmente importa, é a vivencia da possibilidade das escolhas em embrenhar-se por A ou B, onde aja acima de tudo o amor e afeto entre aqueles que se amam. Pois, a vida em Natureza em Sociedade pode e deve ser vivida. E nada mais. Recomendadíssimo.
O sofrimento humano, carrega diversas características e maneiras de serem sentidas. Cada pessoa, possui um limite tênue do que suporta e do que os faz se abalarem. Para uns, a dor física é maior que a dor da alma. Para outros o sofrimento da antecipação é maior do que a do ocorrido. Mas, algo é inerente a todos nós: Toda dor é gelada, ainda que surja queimando no peito cada vez que as sentimos e lembramos.
E ''Manchester a Beira Mar'' (Manchester By The Sea) compreende bem isso, ao nos trazer um filme que antes de tudo é um estudo de personagens (no plural) e um estudo detalhado e brutal sobre a dor.
Dirigido por Kenneth Lonergan, ''Manchester'' já se apresenta numa logica visual que permeia toda a narrativa, que nos insere exatamente no clima daquela historia. Lee, vivido por Casey Affleck, é uma especie de zelador faz tudo, em Boston, EUA. Rabugento, fechado, antipático, sempre com uma cara blasé e indescritível de expressões alem da aborrecida e e aparente melancolia, ele vive sua vida em função do trabalho. Trabalho esse que consiste desde limpar privadas, pintar paredes, desentupir canos, limpar calhas e tirar camadas de gelo dos apartamentos e casas. Sempre fechado, o solitário homem, ocasionalmente se mete em brigas que ele causa sem aparente motivos - uma especie de babaca gratuito. Após uma ligação, Lee parte para sua cidade natal, Manchester (EUA), onde seu irmão mais velho Joe (vivido carinhosamente por Kyle Chandler), está prestes a morrer, devido a uma insuficiência cardíaca. Chegando ao hospital, porem, não ha tempo para Lee se despedir do irmão mais velho que falece uma hora antes de sua chegada. Joe era divorciado, apos sua esposa ter abandonado ele e o filho Patrick, atualmente com 16 anos (vivido por Lucas Hedges). Assim, resta a Lee cuidar de todos os preparativos da morte do irmão enquanto lembranças do passado, que jamais o deixaram, começam a retornar, lembrando do por que ele deixou aquela cidade para trás, enquanto tenta decidir o que fazer com a tutela de seu sobrinho.
É diante dessa sinopse - que conscientemente ocultei qualquer outra revelação a mais para não estragar a experiencia da historia , que o diretor assume um instigante e nada fácil, trajetória de um homem que ha tempos desistiu de tentar enxergar qualquer coisa de bom na vida, e que se entregou a sua dor pessoal e particular.
(E aqui já alerto, o filme não foi feito para ser bem aceito de imediato do grande publico, e explico o porque adiante)
Aos poucos, o filme vai nos revelando o que ocorreu no passado de Lee que o tornou o homem apático que é hoje. E essas revelações vão nos aproximando de maneira brutal e terna, ainda que caótica a seu temperamento, onde tudo se justifica de maneira plena. Com flahsbacks com cortes sempre secos e abruptos, o filme compreende bem a trama que esta conduzindo. É como se as memorias de Lee que surgem nos momentos mais imprevisíveis, dependendo de uma conversa, um cheiro, um tom de voz ou musica, ou mesmo uma conversa, surgem da maneira que a dor por algo traumático atinge o ser humano. Sem aviso, sem sutileza, sem diferença entre alegorias e temporalidades. Assim, o trabalho de fotografia é essencial em mostrar como o interior dessa existência de Lee. O filme todo se passa no inverno rigoroso. Paletas de cores frias, cinzas, com um ar melancólico e sempre gélido se estendem no filme. Mesmo as lembranças do passado, possuem a mesma iluminação amena e apática, ainda que com tons aqui e ali mais quentes, para dar a ideia de que mesmo no inverno, havia felicidade naquela vida passada, onde hoje no mesmo tipo de inverno já não existe espaço para calor. E essa transposição de fogo e gelo não se dá apenas como estilo narrativo e visual, tem função narrativa quando nos é revelado numa dinâmica de construção narrativa diferente da habitual hollywoodiana. E é aqui que em termos de mainstream o filme pode sofrer, quanto a receptividade do grande publico. Manchester a Beira Mar, não segue a cartilha imposta por Hollywood e a maioria da industrias cinematográficas sobre a forma de conduzir uma narrativa. O habitual que temos em todos os filmes, quase que uma formula pre estabelecida, ótima e funcional, é a de que termos uma trama com um problema a ser resolvido, uma trilha sonora que represente cada situação mostrada(que embale), o bem e o mal bem definidos seja em que forma for, e uma construção de historia bem definida sobre o que é o que em cena.
Pois, como dito anteriormente, os cortes de flahsback que mostram o passado, surgem sem aviso, nem de trilha sonora, nem de ação. Alias, a trilha sonora aqui assume a função quase diegética diante de Lee. Ou seja, a trilha que permeia a narrativa funciona como uma especie de zumbido descompassado sobre a mentira que Lee se entende em vida atualmente. Ele é um ser humano sem estrutura, como tal, a musica ao seu redor (que aqui seria a trilha sonora para os em função da historia), acaba reforçando esse sentimento. De incomodo, de que há algo errado, não usado corretamente. Essa especie de linguagem adotada, torna o próprio filme uma extensão daquele protagonista que estamos vemos. A logica da construção do filme é a mesma logica do interior daquele homem. Como se o filme em si, fosse a própria metalinguagem do que estamos vendo nele. Assim, quando descobrimos finalmente o que ocorreu com seu passado, o gelo a sua volta, sua postura diante do luto do irmão e da vida geral, se compreende. E massifica uma complexidade gigante de ate que ponto uma pessoa pode suportar respirando quando todos os significados de continuar a sorver o ar, lhes foram tirados, seja pela vida ou por uma aparante culpa. Essa complexidade se estabelece a seu sobrinho Patrick, cujo o ator revela um talento tal para nos mostrar as diferentes sutis de como lidamos com o luto. Se Lee se fechou dentro de si, dentro de cada camada infernal que guarda, Patrick, que acaba de perder o pai e melhor amigo, nos revela a força da juventude em seguir em frente mesmo diante das adversidades, ainda que frágeis justamente e igualmente por sua pouca idade. desse modo, o filme encontra o seu poder, justamente na dinâmica entre Tio e Sobrinho. Onde ha espaço ate para uma especie de humor mórbido na maneira que ambos conseguem ir se encontrando diante de cada uma de suas perdas e perdidos.
Michelle Willians, possui um papel tímido aqui, mas que em apenas uma sequencia revela uma força que explica suas indicações a prêmios na ultima temporada. Ela carrega parte desse inferno de dor gélida de Lee, mas a transpõe de forma oposta, mas igualmente genuína, num dos momentos mais emblemáticos de todo filme, que talvez configurem a cena mais marcante do cinema mainstream do ano passado. carregados por uma onda de sentimentos quase palpáveis, que os unem e igualmente os separam, os dois personagens transmitem uma eclosão de ditos e não ditos, numa atuação emocionante desesperada e tocante de Willians. É realmente impressionante. Mas, é Affleck que realmente brilha aqui. Notem como por exemplo ele consegue em cada silencio, em cada olhar que hora ou outra, surge aturdido, ou melancólico, transmitir a sensação de que estamos vendo alguém preso dentro de si mesmo. Um homem agonizando e que não pretende ser salva. Dessa forma por exemplo, é simbólico que ele tenha escolhido se tornar um faz tudo, que nada mais é do que realizar tarefas de limpar sujeiras e consertar coisas quebradas outras pessoas. Uma especie de punição mas que revela o quanto parte de seu eu mais intimo tenta a todo custo limpar e consertar aquilo que lhe foi destruído. Da mesma maneira é notável uma cena onde ao pegar alguns congelados no freezer, o sobrinho surge num ataque genuíno repleto de significado justamente por aquela ação que desempenhava na geladeira, o que trás atona tanto as camadas que ele tenta esconder para aguentar viver seu luto, como mostra uma interação de seu tio tentando ajuda-lo, numa mescla de carinho, brutalidade e maneira desajeitada. terminando numa cena terna, dele olhando seu sobrinho, quase um homem feito, dormindo, silenciosamente, como quem guarda. Ou mesmo como diretor compreende essa caraterística humana de lidar com perdas e traumas, ao nos estabelecer diante de cenas extremamente lentas e silenciosas (como a do funeral) ou como na que seu sobrinho observa 3 fotos em portas retratos de seu tio, imediatamente compreendendo melhor aquela figura diante de si, sangrando. E se o titulo do filme, poderia apenas remeter a uma escolha casual, quando pensamos no papel do mar e das embarcações, mesmo diante do congelamento das águas daquele lugar, percebemos que o filme não perde de vista nem por um segundo sobre aquilo que esta trabalhando, uma vez que é justamente naquela imensidão sem fim fria mas igualmente fascinante que embarcamos numa mescla de contemplação respeitosa, perigosa e fatídica, de que nem sempre nossas vidas conseguem encontrar redenção. Alguns episódios, algumas escolhas, algumas decisões e fatos em nossas vidas surgem, ocorrem sem volta, sem recuperação. E ela nos acompanham por toda a vida e alem dela, como algo cravado dentro de nós sem possibilidade de se libertar, pois nos tornamos parte daquela coisa. E se é que é possível, toda essa carga dramática, não nos é mostrada de maneira piegas ou forçada. Em nenhum momento o filme aparenta querer nos levar as lagrimas, ou a emoção. elas ocorrem por si só pela maneira crua que é revelada. Pela maneira verossímil e empática que cria em cada espectador ao ser confrontado diante daquela trama, que pode estar numa tela, mas é inerente a cada um de nos, atualmente, no passado ou com toda certeza em algum momento de ossas vidas. Não é uma experiencia fácil de ser assistida. E ao final, ''Manchester a Beira Mar'', revela que talvez, o grande segredo diante desse fato, seja justamente tentar aprender a reexistir diante daquela ferida, sem necessariamente esperar uma cicatrização. Apenas, talvez, aprender a sentir seu calejar, como parte do corpo, tal qual o ribombar do coração. Recomendo - apesar de recomendar que tomem cuidado com a extrema bad que pode causar.
Hj mais cedo, eu postei uma lista com vídeos no YouTube, Filmes e Séries que abordam como tema a comunidade T. >> (https : // www. facebook. com / photo.php?fbid=1344266272278235&set=a.274158905955649.65074. 100000846245090&type=3&theater << tirar os espaços) Na lista, coloquei o filme "About Ray" único que ainda não havia assistido e pqp que erro. De ter colocado na lista, e de assistir. About Ray que veio com o nome de "Meu nome é Ray" mas originalmente recebeu o nome de Três Gerações. E por mais que o filme realmente transborde boa intenção ele comete um erro grave de condução. O filme não é sobre Ray. É sobre Maggie, interpretada por Naomi Watts, que faz a mãe de Ray. O filme da diretora Gaby Dellal, usa a identidade trans de Ray e sua busca por conseguir Testosterona e readequar seu corpo à sua identidade apenas como pano de fundo para dissertar sobre a crise existencial de sua mãe. O Personagem de Elle Fanning em nenhum momento duvida de quem é. Ele sabe que é um homem, em busca de adequar sua imagem e sua realidade ao que ja é por dentro desde sempre. A atuação da atriz é soberbo mas não apaga o fato de que o filme tenta nos conduzir para a vida de Ray quando na realidade - e notem como isso é equivocado inclusive de forma quase que transfobica ironicamente - a existência transsexual do filho é apenas um aparato de sustentação como metáfora e simbolismo para a situação de crise da mãe. Que apos um romance desastroso, e com a perspectiva de ver seu filho se identificar com um gênero diferente do designado ao nascimento, permanece estática perdida, morando na casa da mãe vivida por Susan Sarandon e sua esposa, num emprego falido, sem finanças ou meios de independência aparente. Assim quando Maggie duvida se deve assinar os papeis permitindo o tratamento hormonal para o filho, na realidade ela duvida da própria capacidade de seguir em frente assumindo sua própria identidade quanto mulher, Mãe e filha. E isso é muito interessante para esse personagem, mas soa ofensivo diante da complexidade tão urgente e importante que é a existência trans. O filme ainda tenta suavizar da maneira errada toda a trama com um humor quase pastelão em horas totalmente inadequadas. O que é completamente inverossímil. Uma vez que a Mãe de Maggie é lésbica assumida. Ou seja, temos duas mulheres, uma lésbica e velha casada com uma mulher, uma madura mãe solteira de um menino trans que ainda é lido como menina. Essa trama por si só não configura uma vida tranquila repleta de humor e suavidade como o filme conduz tudo. Nem mesmo cinematograficamente falando ha um acerto de tom, uma vez que a fotografia é clara demais, aberta demais. Iluminada demais. Vez ou outra vemos uma objetiva turva, um plano sendo mostrado escondido, ou um bobo espelho em frente a uma escada em espiral de madeira. Soa artificial. Bem como uma revelação no último ato onde nem mesmo as atuações se sustentam. Um filme esquecível que infelizmente se perdeu em si mesmo. Uma pena.
"Como um príncipe pode matar, e ainda assim ser adorado por seu povo? Como um boticário pode ser mal-humorado, e ainda assim ser justo? Como homens invisíveis ficam mais solitários, ao serem vistos? Humanos são criaturas complicadas. Acreditam em mentiras agradáveis, reconhecendo a verdade dolorosa que as tornam necessárias."
A mente humana é um solido de fluidez orgânico, com uma magnitude tal que se equipara a mesma grandiosidade e mistério do próprio universo. Nossa mente de coisas inimagináveis ate mesmo para ela própria compreender. Assim, ela tem sido material de estudo, debate e discussão, desde a filosofia a ciência, a religiões, matemáticas e arte. A própria vida humana se configura para a ciência a partir da mente e não do pulso do coração. O cinema e a literatura, tem usado a mente humana para refletir e desenvolver inúmeras tramas, para transpor toda sua força e complexidade. Exemplos como "O Labirinto do fauno" do mestre Guilherme Del Toro, usou numa verdadeira obra prima, conceitos inclusive da psicanalise para denotar a historia de uma garota que criou todo um universo fantástico e macabro para poder suportar sua própria realidade caótica e difícil. Desta mesma forma, vemos ressurgir um eco de Del Toro aqui, em "A Monster Calls" (em tradução livre "O Chamado do Monstro"), adaptação da obra de sucesso e de mesmo nome, do autor Patrick Ness que também assina o roteiro do filme, dirigido pelo inconstante mas talentoso, diretor espanhol Juan Antonio Bayona (J. A. Bayona), que debutou no mainstream com o ótimo "O Orfanato" e os duvidosos hollywoodianos "O Impossível" e os mais recentes "Guerra Mundial Z'' e ''Jurassic World''. sob a trama que conta a historia do garoto Connor (vivido por Lewis MacDougall) de apenas 13 anos de idade, aspirante a ser desenhista, que sofre constantes e diários bullying, inclusive de violência física, na escola; e enfrenta um drama pesado para sua idade em casa. Sua mãe (vivida por Felicity Jones), sofre de uma doença terminal, cujos tratamentos não estão mais surtindo efeito. Deste modo, Connor, que vive sozinho com ela, é obrigado a amadurecer alem do que sua idade exigiria para cuidar das crises da mãe e dos afazeres da casa. Alem de permanecer sempre desconfortável com as esporádicas visitas - cada dia porem, mais constantes - da avó (vivida por Sigourney Weaver) com quem não possui uma boa relação. Seu pai os abandonou para viver com uma outra família em outro país. Eis que uma certa noite, quando o relógio marca exatas 00h07, Connor é visitado por uma criatura - que se assemelha muito ao Monstro Groot de "Guardião das Galaxias"; (voz de Liam Neeson) que emerge das profundezas de uma antiga arvore milenar, um teixo, que fica ao centro do cemitério local do bairro e cujo a vista é acessível pela janela de seu quarto. Essa criatura sem nome, diz a Connor que o visitara constantemente sempre no mesmo horário, para lhe contar 3 distintas historias. E que ao final delas, ele deveria retribuir, contando uma quarta historia, que seria composta pela verdade acerca de seu pesadelo. Pois Connor é atormentado todas as noites por um mesmo pesadelo constante. E é sob essa premissa, que o filme discorre, sobre a profunda e dolorosa questão de vida e morte, certo e errado, bem e mal. Bem como a busca por identidade inerente a todos seres humanos durante a vida, entre o saber quem se é, quem se quer ser, e quem se pode e consegue se tornar. reflete de modo quase que psicológico sobre a limítrofe entre a infância e a vida adulta, sob conceitos e símbolos que constituem a própria complexidade de caráter do ser humano. Tudo através desse aspecto fantástico e com clima de terror. Tudo acentuado pela paleta de cores saturada em cinza e marrom, com iluminação que contrasta de maneira perfeita em termos de fotografia mesmo o clima ameno da estação do ano, que lembra um outono ou pré inverno. O design de produção e a direção de arte também não faz feio ao desenvolver detalhes impressionantes tanto no que diz respeito a cenografia dos ambientes que compõe a casa da avo de Connor, e sua própria casa e quarto, ate, as destruições dos entornos causados pelas aparições do da Criatura, que conforme o filme avança vai se apresentando mais delimitada e palpável. Uma coerência dos efeitos especiais e visuais que compreendem a dinâmica da existência daquele universo. Tudo aquilo consiste na força ou fragilidade do terror, do inferno e da busca por graça e redenção daquela criança que não é nem tão infantil e nem remotamente ainda adulta. Assim, os efeitos visuais começam com efeitos simplistas e ate com aspectos de baixo orçamento, para irem adquirindo cada vez mais detalhes e exatidão de formas e jeitos. Isso se estende na própria atuação do menino. Que se inicia a projeção de maneira tímida e de fato apagada e invisível tal qual seu personagens e sente diante do mundo, conforme os minutos avançam, ele vai ganhando mais força e eclode num momento de atuação marcante e impressionante para sua idade, onde ele consegue transmitir toda a confusão, sofrimento, dor e no entanto desamparo que a situação necessita, na forma de ter a voz falha ou na maneira de timidamente fechar as mãos em punho por exemplo. Mas, é nas parte em que os desenhos de Connor ganham vida em forma de aquarela, como animações entre o 2d e o CGI chapado que o filme impressiona bela beleza melancólica que esse visual transmite. As historias que a criatura conta - todas com peso dramático e de significados profundos e significantes para toda a trama, que se encaixam quase que pedagogicamente na vida de Connor - surgem em tela e na visão do menino como formas de seus próprios rabiscos em aquarela. (Lembra o que vimos na animação utilizada para contar a historia dos Três irmãos Mágicos' em Harry Potter e as Relíquias da Morte ). Cada uma das historias contadas, possuem um valor e um ensinamento diferente que se complementam e criam significado nas ações e comportamentos imediatos ou sutis do menino. Nada esta ali gratuitamente, mas esse desenrolar só ganha sentido pleno ao final, onde o roteiro se mostra extremamente amarrado. Isso nos leva para os diálogos, conduzidos de forma bem impressionante, e onde na verdade se encontra a maior valia da trama, que realmente engana por sua característica de Fantasia e ares de terror. É no texto que o filme revela-se muito mais como um drama emocional que em nenhum momento se permite - ainda bem - cair no clichê do melodrama produzindo emoções e lagrimas gratuitas. Muito pelo o contrario. A entrega daquela situação não nos é dada de forma fácil e atirada. Se a emoção nos atinge, nos atinge por conta da nossa identificação pessoal de vivencia ou empatia com aqueles questionamentos comuns e inevitáveis a todos nós em alguma fase da vida. Talvez o filme oscile um piuco em pesar a mão na trilha em alguns momentos onde o silencio seria melhor do que os pianos e violinos. “Não há nada de errado em querer que a nossa dor acabe. Porque isso é a coisa mais humana que existe”. dessa forma, ao final, é praticamente irresistível não se sentir tocado pela historia daquele menino, num final esperado e temido, mas que em nenhum momento deixa de nos surpreender pela maneira que é mostrado. Nos arrancando lagrimas copiosas e uma reflexão pessoal e talvez unica para cada um do sobre o que é estar vivo e e estar a viver. Este longa espanhol - que apesar do elenco não é norte americano -, é um achado difícil de se ver, mas belo em sua forma mais trágica de ser real, ao se apresentar tão fantástico e tenebroso. Recomendadíssimo.
Direto dos Estúdios de animação Laika, que já nos brindaram com os interessantes "Os Boxtrolls'', ''Paranorman'' e o mais famoso ''Coraline'', sob as mãos do diretor Travis Knight; "Kubo e as Cordas Mágicas'', nos traz uma animação soberba com uma impressionante gama de detalhes técnicos e uma trama sombrio, melancólica e ao mesmo tempo, terna e cativante, que fala sobre amar mesmo diante das diferentes, o conceito de eternidade após a morte e principalmente subverte o conceito de família, onde ela não se encontra necessariamente no sangue, mas naquilo que se sente e se compartilha.
A base de todas - ou a grande maioria - das animações ocidentais, permeiam a logica moral e de costumes, de que a família de sangue é o amparo inigualável e inquebrável de doação e resgate que cada um de nós seres humanos possuímos. A ideia de que 'não ha lugar como nosso lar' é engajado em contos e fabulas de tal forma, que nos dá a ideia de que é onde esta nossa base de origem familiar que se encontra a paz e maior valia sobre o que se vale a pena viver. Kubo, transforma essa logica, nos contando uma trama onde o maior perigo que nosso herói enfrenta vem justamente de sua família.
A trama gira em torno de Kubo, um garotinho que ainda recém nascido foi salvo pela própria mãe, ao serem perseguidos, tendo seu olho esquerdo arrancado pelas mãos do seu próprio avo e de suas duas tias (pai e irmãs de sua mãe). tendo estes assassinado seu pai, que deu a vida para salvar a ele e a esposa. Passado alguns anos, Kubo vive durante o dia contando historias no vilarejo onde mora para arrecadar dinheiro e sustentar sua mãe que já esta debilitada e perdendo pouco a pouco a memoria - sequelas de seu embate com sua família para salvar seu único filho). Mas, Kubo herdou os poderes da mãe. Pois, sua mãe era uma feiticeira que conseguia tal qual ele 'animar' objetos inanimados, principalmente papeis para origami, através de um shamisen -banjo de 3 cordas - magico. Mas, assim que o sol de poe, Kubo precisa voltar para casa no alto de uma íngreme colina, na proteção de sua mãe, pois durante a noite, suas tias más e seu avo o Rei da Lua, poderiam enxerga-lo e retornar para terminarem de arrancar seu único olho restante.
Sob essa atmosfera macabra, o filme se desenrola numa verdadeira aventura de tragedias e obscuridades, onde Kubo ainda conta com a ajuda de Uma macaca e de um Besouro Samurai.
O que mais impressiona em Kubo alem da trama sombria sendo contraposta com o tom fantástico incrível - notem como por exemplo as mascaras que as tias de Kubo exibem sobre os rostos lembram bastante as expressões frias e sobrenaturais dos mais aterradores filmes de terror. Com aquele sorriso de cólera congelado com olhos como fendas negras -, é justamente seu design de produção, que de forma atípica concorre ao Oscar esse nessa categoria. E não por acaso, uma vez que é espantoso a forma que as formas e as ações, ambientes na animação de movimentam e possuem detalhes tais que nem mesmo alguns dos melhores filmes live action possuem. Como por exemplo os pelos da macaca que parecem se movimentar pela influencia do vento de maneira independente e desordenada, ou mesmo o mar que surge plastificado mas com textura tal que por instantes parece que estamos vendo alguma pintura de óleo sobre tela. Ou mesmo as cores, que desempenham um papel fundamental de profundidade e quase realismo principalmente nos tons mais escuros de noite. Ou ate mesmo as expressões dos personagens, principalmente de Kubo e da macaca, que com o olhar vão da tristeza a melancolia, da alegria a emoção, da compaixão a raiva em questão de segundos apenas com pequenos gestos na boca, em rugas aqui e ali. Considerando que o rosto de Kubo aparece quase que em totalidade na projeção oculto em 60%. E apenas um olho. - o outro é oculto por um tapa olho e por sua franja.
É impressionante pois tal qual Coraline, estamos diante de uma animação em stop motion. Que precisa registrar frame a frame milésimos de segundo de cada movimento e característica da película de cerca de uma hora e quarenta, para se ocorrer. Aliados com pontuais CGI, o filme ganha uma estética unica, que nos imerge ainda mais naquela fantástica aventura tipicamente oriental ainda que com macetes ocidentais hollywoodianos. E nesse ponto, pode ser que algumas pessoas, ainda mais as admiradoras das animações orientais se incomodam um pouco com o tom de representação de personalidades. Mas, tudo é apresentado de uma maneira respeitosa, quase como se o diretor venerasse a cultura oriental desde a trilha sonora, aos seus costumes e figurinos, ou mesmo certos movimentos ao andar dos personagens. E isso é um diferencial na industria.
Com um final que não só reafirma essa ideia de que família é onde se encontram os mesmos ideias e valores e não onde se esta o mesmo sobrenome e sangue necessariamente, o filme nos brinda com uma alegoria de metáforas e símbolos com os olhos de Kubo, que remetem a visão, ao enxergar, coisas alem das vistas, incluindo o conceito terreno e findável de morte, 'multividas' e o papel das lembranças e da memoria na manutenção da humanidade. E nesse quesito Kubo assume quase que um estudo sobre nossa própria característica do cinema e na sociedade de contar historias. A metalinguagem que esse conceito adquire, nos transportar para a importância da arte refletir seu tempo. A ideia de que arte conta uma historia, e que por isso mesmo ela se torna imortal, enquanto uma pessoa no mundo se propor a levar essa lembrança dela pra frente, para outras pessoas. Memorias não são só memorias. E essa mensagem é poderosa nos dias atuais, onde a arte vem sendo tão hostilizada bem como a educação e a cultura. Essa animação que foi feita para adultos com aparência de ter sido feito para crianças, nos lembra e alerta sobre isso. Tal qual uma correnteza de rio repleta de lanternas de papel para a travessia do conhecimento daquilo que nós sentimos rumo a eternidade.
Mel Gibson, aquele cara escroto que no entanto é desgraçadamente bom como ator e melhor ainda como diretor. Ainda que seus filmes, reflitam de maneira ordeira justamente sua escrotidão.
"Hacksaw Ridge" seu mais novo filme narra a história real do soldado Desmond Doss; vivido com competência digna de sua indicação a estatueta de melhor ator - e melhor filme; por Andrew Garfield (do mais recente Homem Aranha) que durante os ataques à Okinawa pelas tropas americanas, e a tomada do desfiladeiro de Hacksaw, uma zona crucial para dominação do território japonês, na Segunda Guerra Mundial, conseguiu salvar cerca de 75 homens, sem nunca ter colocado as mãos numa arma de fogo. Sim, Doss foi o primeiro Objetor Consciente a receber a Medalha de Honra por seus esforços atípicos durante a Guerra. Doss é Adventista e extremamente devoto as leis de Deus, por tanto acredita que tanto quanto os sábados são sagrados, matar é imperdoável e injustificável sob qualquer contexto, mesmo num contexto de Guerra. Mas, ele também acreditava que como homem, deveria servir ao seu país. Então resolve se alistar para atuar como medico.
Desde o incio o filme retrata a vida de Doss como uma trajetoria abençoada divinamente. Incluindo uma passagem piegas mas funcional pro roteiro, que assemelha a relação de Doss com o irmão com a de Caim e Abel. E não por acaso, o pai de Doss, um sobrevivente alcoólatra e abusivo (vivido por Hugo Weaving - de Matrix), da Primeira Guerra Mundial, surge como um ser amargurado e que coloca as convicções de Doss no limite durante a infância, sempre que este o nota sendo violento com sua mãe.
Depois acompanhamos Doss numa incursão pelo grande amor de sua vida, a enfermeira Dorothy (Teresa Palmer, do recente Quando as Luzes se Apagam), e seu alistamento ao exercito, onde obviamente sua ideologia de jamais matar, e nem se quer encostar numa arma entra em conflito com as leis do exercito. fazendo-o ter de enfrentar o risco de ser preso e ser julgado por uma Lei Marcial por desobediência e traição ao exercito americano.
E por fim, vemos toda a ação de Doss, na Guerra em si.
É preciso compreender que todo filme possui uma ideologia, e esta ideologia pode ser tanto externa (politica, social), quanto interna (pessoal que reflete as ideologias pessoais do realizador). Isso é importante salientar para entender o por que este filme soa ao mesmo tempo antibélico, mas extremamente fascista no que diz respeito ao nacionalismo exacerbado que conduz sua trama. O maior problema de Gibson é que ele confunde muito classismo com sentimentalismo, patriotismo com nacionalismo, e conservadorismo com doutrinação. Todos seus filmes como realizador, possuem a mesma formula. É a trajetória do flagelo humano em busca de uma transcendência divina. Foi assim com Paixão de Cristo, foi assim com a Apocalyptico. O cinema de Gibson parece se espelhar na sua própria ideologia de como ele se enxerga. Conservador ao extremo, com episódios de racismo e homofobia, e violência domestica dentre outros problemas inclusive na justiça, permeiam sua vida pessoal. E no entanto, ele transfere isso para seus filmes em representações de personagens que se tornam verdadeiros mártires de sistemas e leis humanas, amparados pelas próprias convicções das leis divinas que o movem, e apos uma sucessão de flagelos e violências e dificuldades encontram paz e redenção, na jornada. A dor que purifica. A injustiça que traz sabedoria. E esse filme não escapa disso,. Assim é obvio notar que ele escolhe filmar Doss sempre amparado por uma luz branca ou dourada que em momentos esporádicos - do passado - surgem sempre envoltos por tons alaranjadas que dão uma sensação de amorosidade, de cadencia sentimental a fotografia. Ou mesmo quando vemos Doss adulto pela primeira vez, na igreja aos sons de coral, e um violino insistente ao fundo com ele sendo entrecortado por uma luz inexistente la fora, que vem diretamente para iluminar seu rosto passando por um vitral de querubins.
Alem disso o filme possui uma problemática urgente ainda mais nos dias atuais, quando se percebe que diferente de outros filmes de guerra, Gibson parece ser incapaz de humanizar o outro lado. Assim, os japoneses a todo instante desde que são citados ate aparecerem de fato, surgem como zumbis, monstruosos, desumanizados, quase como uma orla demoníaca que só existem para espalhar caos, bestialidades e horrores. Não ha interesse algum em mostrar o viés do outro lado. Inclusive o tom de quase santidade que Doss possui, é mostrada de tal forma como se a vitoria americana fosse dada por Deus. Dando a entender que eles são o lado certo sem sombra de duvidas. Como se atos políticos e embates de guerra não fossem mais complexos do que bem e mal.
Interessante notar por exemplo como na cena em que os soldados americanos chegam na montanha que dá acesso a vala onde ocorrera o embate (e essa subida e local já é simbólico o suficiente), um dos personagens pergunta a Doss se ele esta preparado para aquilo, se ele sabe que eles encontrarão o demônio ao terminar de subir. E Doss responde que sim. E essa afirmativa de que o demônio se encontra naquelas terras se concretiza, quando ao subirem, são recebidos literalmente por pingos de sangue humano, e uma fumaça que lembra as causadas por enxofre. Logo, eles se encontram no próprio inferno. E isso volta para a trajetória de flagelo de Gibson, ele faz seu protagonista ir literalmente quase ao inferno para se provar. E ele finaliza, arredondando esse conceito, ao trazer inclusive um corpo repleto de feridas, abraçado a bíblia sagrada católica, num angulo que forma uma quase cruz contra luz, ascendendo aos céus - ainda vivo - numa maca.
No entanto, ainda que existam todos esses problemas ideológicos, principalmente xenofóbicos nas câmeras de Gibson - e é importante salientar que o roteiro não é assinado por ele, e seria extremamente curioso saber como seria essa historia escrita pelo diretor), "Ate o Ultimo Homem" pode ser considerado como um dos melhores filmes de guerra da ultima década. revelando sequencias muito mais dinâmicas que O resgate de Soldado Ryan por exemplo, Gibson revela uma aptidão extrema em mostrar corpos mutilados com realismo e convicção. Assim, não só participamos da guerra, mas a objetiva da câmera tem hora que nos coloca segurando as armas e atirando. Logo matando.O filme não o=nos faz somente ver a guerra mas nos leva para la e nos faz ser parte dela inclusive matando junto. Não é apenas um olhar subjetivo. É como se fossemos um dos soldados. Com uma construção quase que de dança ou balé vamos sendo embalados por explosões, fogo, tiros, poeira., lama, sangue, tripas, pernas mutiladas, cabeças arrebentadas, e corpos ainda vivos ou quentes sendo comidos por ratos e ratazanas. É talvez um dos registros mais fieis dos horrores insanos que uma guerra tal pode e é. Tudo é extremamente cinematográfico e grande.
Assim, ''Hacksaw Ridge'' é inegavelmente um filme soberbo, muito bem executado, que conhece bem a formula hollywoodiana de arrancar lagrimas, aplausos e patriotismo, com foco a ir na contramão dos tempos atuais. É tecnicamente relevante, ainda que ideologicamente permaneça sendo extremamente excessivo e doutrinal de forma discriminatória como seu próprio realizador. Talvez a melhor mensagem do filme no entanto seja justamente uma fala, num dos momentos mais geniais do diretor para a obra. No final, para validar mais ainda aquela quase biografia, vemos relatos reais dos soldados sobreviventes dessa guerra e do próprio Doss. Isso aproxima ainda mais o espectador daquela trama, espectador esse que já se encontra numa sucessão de choque e emoção que somente os filmes de guerra proporcionam, exaltando a bravura daqueles homens em prol de seu pais. Um dos relatos diz que Doss sofreu extremamente durante o treinamento no alistamento pq ngm compreendia essa sua fé exacerbada. E que no final das contas, toda fé seja ela qual for, e de quem for deve ser respeitada. pois não é qualquer coisa. Quando um individuo possui uma fé uma crença tão grande em algo ou alguém aquilo é uma força inquestionável apar outras pessoas que não aquela própria pessoa. e isso deve ser respeitado, independente do que pensamos. E em tempos atuais mundialmente onde a intolerância, inclusive religiosa é extrema, lembrarmos disso pode ser uma lição e tanto.
Em 1961, o mundo vivia no auge da Guerra Fria. A Guerra Fria teve início logo após a Segunda Guerra Mundial, e foi marcada pelo embate entre os EUA contra a União Soviética por hegemonia política, econômica e militar de todo o planeta. Dentro dessa Guerra, havia uma disputa acirrada entre as duas nações por avanços e conquistas e por tanto, consolidações, tecnológicos de caráter espacial. A chamada Corrida Espacial.
No entanto, nos EUA, ocorria paralelamente um forte embate dos Direitos Civis americanos, caractetizado em muito pelo conflito dos negros em obter direitos iguais sem segregação. Foi o periodo em que ativistas como Martin Luther King e Malcolm X se eternizaram com suas falas e ações.
E é nesse cenário hostil aos negros americanos, que "Hidden Figures" (em tradução livre "Figuras/Personalidades Escondidas") e que veio traduzido como "Estrelas Alem do Tempo" se situa. Mostrando a batalha por direitos trabalhistas justos contra o sexismo, machismo e racismo de três mulheres negras e matemáticas, cujo trabalhos foram essências para a Vitória dos EUA nessa corrida espacial, bem como na conquista por direitos de todas as mulheres, mas que até hoje tem seus nomes desconhecidos nos livros de história.
Dirigido por Theordore Melfi, que assina o roteiro com Allison Schroeder, "Estrelas" é baseado no livro "Hidden Figures: The Story of the African-American Women Who Helped Win The Space Race" de Margot Lee Shetterly.
Logo no início somos apresentados a pequena Katherine Goble, menina negra que possui um QI acima da média nornal, principalmente para fazer cálculos complexos. Assim, seus professores decidem recomendar a seus pais que a coloquem numa escola para negros super dotados onde ela possa desenvolver melhor essas qualidade. Anos mais tarde vemos Katherine Goble, agora adulta e vivida por (Taraji P. Henson, rumo a mais um dia de trabalho na Agência Espacial Americana (NASA) ao lado de suas duas melhores amigas e colegas de trabalho, Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe); onde ambas exercem a função de "Computadoras" uma espécie de designação que associa mulheres negras a computadores humanas para digitar e revisar calculos e relatorios. No entanto, Katherine, Dorothy e Mary não almejam apenas serem meros objetos humanos. Suas capacidades estão alem.
O filme discorre assim pela vida dessas tres mulheres que tentam conquistar seu lugar ao sol por direito, dentro da agência contra todo o sexismo e racismo que ha. Essas computadoras nem se quer podem trabalhar no mesmo ambiente que as brancas. Ou seja, o filme retrata como a batalha por igualdade é extremanente mais complexa e dificil para a mulher negra. O filme aborda com maestria atraves de sutileza e naturalidade as diferenças de tratamentos entre homens e mulheres. E como esse mesmo tratamento se diferencia mais ainda entre homens e mulheres brancas contra mulheres negras. Assim é brutal mas real quando vemos logo no inicio da projeção a a supervisora de departamento vivida por Kristen Dustin surgir na ala destinada as trabalhadoras negras, dizer a uma das personagens que mulheres jamais devem usar roupas mais curtas que os joelhos, usar apenas perolas, se portar de tal forma xis e y, e contrastar essas restrições sociais por gênero e economia as condições inferiores da personagem negra. Bem como em seguida, a mesma branca virar e dizer a esta que jamais uma negra foi designada pra função que ela estava sendo remanejada, por tanto ela não deveria decepciona-la. Para logo em seguida paralamente ela mostrar a outra personagem negra que ela jamais seria uma supervisora por ser negra, ainda que ja exerça tal função, enquanto a outra adentra uma sala repleta de homens brancos que de imediato ao ver sia presenca lhe entregam uma lata de lixo confundiado -a com uma faxineira.
Nesses aspectos o filme é certeiro em mostrar de forma crua e como era naturalizado a segregação racial. Claro que ela permanece ate hj, mas de forma velada, onde ali era escancarada e permitida.
O filme se passa na Langley Research Center na Virginia, o principal centro de pesquisas da NASA na época, onde ambas as três trabalhavam no centro de processamento de dados que ajudariam a mandar o astronauta John Glenn (Glen Powell) ao espaço e contornar a órbita da Terra. A Virginia era um dos Estados onde mais havia segregação Racial nos EUA. Onibus pra negros. Bebedouros. Talheres. Bibliotecas. Banheiros. Ate mesmo cafeteiras eram separadas e sempre tudo em qualidade inferior. Onde branco respirava negro não podia chegar perto. Assim, mesmo em ambientes publicos haviam cadeiras destinadas a negros no fundo dos onibus por exemplo para que nos não nos misturassemos.
Isso era 1961. Sim, a apenas 56 anos atrás.
E interessante por exemplo, cenas como a que uma branca ao tentar se desculpar dizendo a uma negra que ela não tem nada contra ela (logo não é racista), a outra negra de forma simples, e direta diz "sim, eu sei que vc pensa que não tem". Isso diante da branca num espelho de banheiro. Essa cena retrata exatamente a dinamica e simbolismo atual onde o racismo ainda é tratado apenas como algo direto e violento, quando na verdade esta tão enraizado que nem os próprios brancos tem consciência de quando e como o cometem. Da mesma formapor tanto é significativo (e somente essa cena justifica Spencer estar concorrendo ao Oscar de melhor atriz coadjuvante, ja que sua atuação é apenas correta), quando está recebe uma notícia que esperava a anos das mãos de uma branca que a hostilizava e esta a trata formalmente com igualdade ao chama-la por seu sobrenome. Spencer transmite no olhar comedido toda a comoção e arrebatamento intenso dessa conquista pra si e pra todas as negras à época justamente nas lagrimas que evita verter. Da mesma forma significativa é belo, a passagem em que surgem uma mãe colocando suas três filhas pra dormir e duas delas perguntam se ela ira ate a lua. Quando ela responde que não, que seu trabalho era possibilitar que um homem branco corajoso pudesse ir. E a criança responde que ela deveria ir no lugar do homem, pq não? Entregando um desenho onde é ela a mãe mulher e negra a bordo de uma espaçonave.
Com uma trilha assinada por Pharrell Williams carregado de soul como não podia deixar de ser, ainda o filme se beneficia por uma otima fotografia e direção de arte de contrasta bem os ambientes fechados com os abertos e estes em oposição aos destinados a brancos e negros para compor toda essa segregação existente. Notem como por exemplo, o figurino das três protagonistas sempre se destaca entre o restante com cores vibrantes. Ou como mesmo nos ambientes segregados, a fotografia possui cores quentes para mostrar a União dos negros diante da opressão. Ou mesmo como no inicio do filme a protagonista ainda criança surge indo rumo a conhecimento atravessando pela objetiva da camera uma orla de arames farpados que se assemelham a uma prisão simbolica.
Mas, se o filme faz bonito no quesito etnico e de gênero, ele peca e faz feio por não ser nada sutil quando ao seu nacionalismo exarcebado e seu paternalismo branco gritante. Ainda que realmente tenha sido dessa forma, é sistematico que todas as transformações de ignição dessas três personagens negras, surja graças a uma aparente bondade de pessoas em sua maioria homens brancos. Assim, quando uma das protagonistas almeja conseguir permissão pra cursar uma faculdade de homens brancos para poder tentar ser a primeira negra engenheira, vemos a bondade do jurista branco em conceder isso a ela. Ou quando outra protagonista por ter de sofrer tanto para andar quase um kilometro a pé para usar o banheiro de negros todos os dias incluindo de baixo de chuva, seja pelas mãos de um branco bonzinho que esse protocolo é quebrado. Alias, o mesmo branco vivido por Kevin Costner que sempre "salva" por ser um dos unicos a tentar mudar algo nisso mas para beneficio do programa espacial ja que a mente e capacidade dela se prova indispensável. O nacionalismo exarcebado grita quando vemos Kennedy retratado de maneira quase endeusada constantemente, e quando ate mesmo os "herois" americanos astronautas se provam curiosamente extremamente humanos ao tratar com respeito essas mulheres negras. Isso tras também a tal da meritocracia, algo continuamente jogado e embutido aos negros e as mulheres- e a toda classe de minoria social como um todo - tão amparado por Hollywood que incomoda deveras nos tempos atuais por sabermos que essa falácia jamais foi ou é verdadeira. A impressão que dá é a de que essas três mulheres "venceram" em seus nichos por terem se esforçado o triplo de qualquer outra pessoa e por isso mereceram as "vitorias" no final. Claro, que a trama se baseia em fatos reais, mas falta uma não romanrizacao na jornada aqui para desvincilhar esse pensamento retrogrado e limitante que so massifica o proprio racismo e sexismo em busca de igualdade e equidade de genero e etnia. E obvio que aqui existe justamente para explicar e garantir a vaga no Oscar. Uma caracteristica quase que de exigência a seus padrões. Assim o filme acaba tendo ares de "histórias cruzadas" que sofre do mesmo embuste.
Sofrendo ainda por uma estrutura frágil de condução de narrativa, o roteiro peca por não saber justamente dar a mesma importância a trama as três mulheres retratadas, se concentrando apenas em uma. Não que isso prejudique nosso envolvimento com ambas, mas isso mostra a fragilidade do roteiro em conseguir desenvolver esses personagens de maneira orgânica em pouco mais de duas horas de projeção. A sensação que fica é deveriam realizar três filmes separados. Um para cada uma delas.
Nada disso porem atrapalha na experiência e beleza e mensagens fortes desse longa, que ainsa que surja como eco, na verdade nada mais é do que uma voz timida verdade, de um voo e um passo que nem os americanos e nem a humanidade ainda conseguiu alçar. Racismo jamais deixou de existir. Ele ainda esta vivo e acorrentado em amarras que nem mesmo os mais complexos teoremas matematicos são capazes de explicar ou justificar. Um filme ainda necessario.
Lá em 2013, Frozen resgatou uma Disney apagada. Frozen é seguramente na historia do cinema de animação ocidental, o ponto de virada para o que as tais princesas disney já não podiam mais ser e agora o que poderiam.
Se ao longo dos anos, à partir de A Pequena Sereia à quase 30 anos atrás, tivemos princesas focadas em seus sonhos impostos; verdadeiras heroínas como Mulan, Mérida de Valente, ou mesmo Diana de a princesa e o sapo, trouxeram heroínas que iam em busca de suas vontades. Somente com Elsa e Ana (respectivamente Rainha e Princesa) - Mérida possui de certa forma o mesmo caráter - é que vimos no entanto, personagens femininas não necessitarem da presença masculina romanticamente, para absolutamente nada para que seus papeis tivessem desenvolvimento e sentido.
Moana por sua vez, agora, traz um novo ponto de virada para as ditas princesas. Uma vez que esta, se torna a primeira a renegar seu titulo de princesa, alem de possuir uma estrutura familiar totalmente inédita a essas tramas: Seus pais permanecem vivos - mãe e pai. Em nenhum momento Moana se vê limitada absolutamente em nenhum viés ou circunstância, por ser mulher. A quebra de obrigatoriedades e limitações de gênero é plena aqui, e isso é um avanço para a imagética e mitologia Disney. Absurda de se pensar à 10 anos atras.
Dirigido por Ron Clements e John Musker ( responsáveis por A Pequena Sereia, Aladdin, Hércules, Planeta do Tesouro, A Princesa e o Sapo), Moana traz outra evolução a feitura da animação ao estúdio. Esse é o primeiro trabalho da dupla de diretores totalmente em CGI (computação gráfica) com exceção do semi deus Maui. Suas tatuagens em seu corpo foram todas feitas uma a uma, traço a traço, a mão como antigamente e somente depois inseridas para o corpo em CGI de Maui (se considerarmos ainda que esta é uma animação em formato tbm 3D) vemos a complexidade disso. E tudo flui. Essa é uma animação que possui uma fluidez de movimentos e detalhes assustador. O mar parece estar vivo, parece real e palpável ao passo que ora vemos detalhes nas peles morenas dos habitantes da ilha (outra construção linda, marca dos diretores), ora conseguimos 'sentir' o vento soprando ao balançar os cabelos da protagonista. Alias, cabelos cacheados esses que respondem as minimas interferências ambientais. Por tanto é espantoso quando vemos ele sujo de areia, molhado, balançando ao vento frio e ao quente. Sua estrutura vai mudando sutilmente de maneira orgânica, inclusive na forma que compõe a feição de sua protagonista. As pedras surgem imperfeitas e com musgos diversas vezes quando temos a objetiva da câmera mais próxima. Essa riqueza de detalhes no design de produção, é genial. É uma explosão visual da capacidade técnica da Disney atual.
Diferente de Lilo & Stitch, ou mesmo Mulan, Moana tem sua jornada focada na aventura por algo alem dela. Se Mulan quebrou as limitações impostas de gênero no passado em prol de sua família e de seu pai salvando assim toda sua dinastia no meio do caminho, e se vimos outra relação familiar construída e massifica por uma influencia externa o monstrinho - em Lilo; aqui em Moana desde o inicio vemos sendo construída uma figura feminina que esta em busca de mais do que salvar seu povo e seu lar, mais ate mesmo do que o papel que possui como líder. E essa construção vai além da personalidade dela. Está nela. O empoderamento feminino desta reflete a atual na sociedade. Moana tenta representar a jornada que o roteiro clássico coloca como "jornada do herói" e reivindica que ela na verdade pode ser da heroína. Assim é curioso quando escutamos a repetição constante da personagem dizendo: ''EU SOU MOANA''. Essa auto afirmação é uma afirmação alem de dota-la de coragem. É um resgate a suas raízes, seu eu interior, seu sentido de descoberta por quem pode, deve, e escolhe ser, não só em sua sociedade, mas na vida, no mundo. Não por acaso por tanto, ela é ensinada de que ela é a "escolhida" pra buscar um semi deus para salvar o mundo ( mundo esse desestruturado por esse semideus ao roubar a essência de uma figura feminina), mas aos poucos compreende que na verdade quem pode salvar esse mundo é ela mesma. E é aqui que Moana se assemelha mas se difere de Elsa de Frozen por exemplo. SE Elsa é uma peculiar dentre todas as princesas/rainhas Disney justamente por trazer o conflito interno de quebra por descobrir e aceitar quem se é. Moana externaliza isso não só a ela, mas a tudo ao redor com sua Jornada. Muitas pessoas não compreendem a importância de Frozen por isso. A estrutura a que estamos acostumados é da jornada da princesa por algo maior estabelecido por aquilo que construiram a elas, por sonhos aceitos que lhes deram ou por motivações sentimentais/emocionais. Frozen não possui isso. Frozen não é sobre a jornada de Anna em busca de libertar sua irmã Elsa. É sobre essas duas mulheres aprenderem entre si se auto identificarem como mulheres, a força disso e o como o não se reconhecer/se permitir/se libertar pode fazer toda a força que se carrega esmorecer em forma de gelo capaz n de destruir e impedir a evolução q se pode ter pessoal e no mundo.Podemos dizer que Frozen é sobre sororidade. E Moana sobre empoderamento. Inclusive é importante constatar que ainda que Moana seja lida como "a escolhida", ela não é a única mulher representada como livrede amarras de gênero. Todas as mulheres de seu povo possuem funções identicas aos homens ate mesmo no que diz respeito a força física. Sem restrições ou limitações. (Da mesma forma que os meninos não tentam representar as castrações próprias do masculino. Tanto pela própria logica de construção das roupas quanto por uma singela cena que mostra Moana ensinando crianças a dançar. Meninos e meninas dançam da mesma forma. Mesmos movimentos. E quando surge uma criança que exibe comportamento mais normativo do masculino a produções de gênero ele ainda que criança, soa estranho e bobo inclusive pra Moana. Genial e sutil. E sua relação com estas é impressionante quando se pensa numa disney da Branca de Neve.
Com trilha embalada pelas mãos do premiado Mark Mancina (Velocidade Máxima, Tarzan e O Rei Leão), temos musicas que não estão ali somente para florear o genero ou como estética. A musica é a própria narrativa e ela é costurada com a linguagem e com o ritmo, uma vez que usa elementos da próprio cultura mostrada inclusive com aspectos da própria língua toquelauana. E é um deleite para fãs do, constatar uma ligeira homenagem a David Bowie na figura e ato de “Shiny”, um monstro marinho divertido - e perigoso-.
Mas, das coisas que mais me emocionaram e achei importante nessa animação, é a forma sutil mas significativa que o mar - natureza- e essa troca de forças de raiz se complementam.
Em dado momento Moana encontra uma concha, que se assemelha muito a figura da vagina, tanto pela simbologia da própria concha na cultura mundial, quanto pelo próprio design desta e de sua função para a protagonista, por tanto não por acaso é curioso que logo em seguida numa sequencia extraordinária de signos, o mar se abre literalmente para a passagem dessa menina segurando sua concha e uma pedra que é o coração da própria mãe natureza e por tanto da própria vida humana. percebem? naquele momento todos elementos da vida se unem abraçando e recebendo aquela criança menina. E não menos simbólico é haver essa quebra, justamente apos o pai de Moana - figura paterna e masculina - puxa-la e proibi-la de chegar perto da vastidão de possibilidades que ela poderia ter, da liberdade de se descobrir quem ela pode querer ser. E igualmente belo é a sequencia onde percebemos que justamente a anciã mulher, uma mulher velha que dá o start para a heroína seguir sua missão, que se ela dá a remada inicial visando salvar seu povo, no final ela a termina ao entender que a verdadeira água viva de seus instintos esta dentro dela, na motivação unica e pessoal dela como ser para seguir.
Com um final que visa muito mais desconstruir o caráter que existe em tais contos/aventuras de Bem e o Mal, preferindo a redenção e o perdão, o entender o Outro e não apenas combate-lo, Moana ainda trás participações mais que especiais escondidos pelo desenho, como Baymax de Operação Big Hero, Linguado e Sebastião de A Pequena Sereia, Ralph de Detona Ralph, o Olaf e a rena de Frozen e tantos outros que me fugiram à memoria.
Uma animação genial e importante pros dias de hoje que alem de encantar, emocionar e encher os olhos, ainda trás uma reflexão profunda para quem se permitir enxergar, sem deixar de lado a diversão infantil pras crianças.
Dirigido por Tom Ford, "Animais Noturnos" é talvez um dos melhores filmes da temporada passada, no que diz respeito aos desafios que traz e trouxe. Se "A Chegada" trouxe um novo viés de percepção ao que podemos compreender sobre a linguagem cinematográfica. Animais noturnos talvez, nos traga de forma complexa como não poderia deixar de ser, e igualmente e literalmente bela de se ver, como compreendemos e formamos a narrativa cinematográfica.
Dividido simultaneamente por três linhas narrativas e temporais, a trama se baseia na vida de Susan (Amy Adams), separada a cerca de 20 anos de seu ex - marido, Edward (Jake Gyllenhaal), e atualmente casada com seu segundo marido Hutton (Armie Hammer). Dona de uma empresa de artes conceituada e famosa, mas em crise, ela certo dia recebe um manuscrito de um romance de seu Ex - Marido. Enfrentando também uma crise neste segundo casamento, Susan ao começar a ler as paginas do manuscrito intitulado "Animais Noturnos", se depara com a trama de Tony (Jake Gyllenhaal), sua esposa Laura (Isla Fisher) e sua filha India (Ellie Bamber), que durante uma viagem tarde da noite numa estrada escura e deserta do Texas, entram em uma emboscada comandada por Ray (Aaron Taylor-Johnson).
Sofrendo por inúmeras noites sem dormir, uma crise existencialista sobre sua profissão e sua arte, e seu casamento, Susan então embarca e nos embarca numa sucessão de lapsos entre o passado, o presente e a ficção contida no livro de seu Ex - Marido.
É primoroso como Ford consegue transpor de maneira elegante, com cortes ora rápidos e ora com transições sutis ou escancaradas, dependendo do que o ritmo do filme pede, essa relação das linhas temporais entre o que ocorre no livro e o que ocorre na vida presente de Susan ao ler as paginas e como isso a transfere imediatamente ao que ocorreu com ela e o ex marido no passado.
Mas, curioso ainda é saber que o roteiro é uma adaptação do Livro "Susan e Tony" do escritor Austin Wright. Curioso, uma vez, que Susan é a do presente e Tony é o da ficção. E esse simbolismo é extenso.
Como sempre, evitarei spoilers sobre a trama/acontecimentos, porem é genial como a metalinguagem aqui não se torna apenas um artificio na narrativa. Ela é a própria narrativa. Veja: em certo momento o escritor Edward diz que bem ou mal, todo escritor, todo artista escreve um pouco sobre si nas paginas dos livros. Então ate certo ponto é seguro dizer que tudo que esta escrito em seu romance seja pedaços de Edward. No entanto a narrativa do filme nos coloca para acompanharmos a visão e interpretação de Susan acerca daquilo que ela e paralelamente nos esta lendo(vendo). Assim a interpretação subjetiva dela é ponto crucial para nosso entendimento do sentido que aquela trama tem, bem como, o que o autor quis passar com aquela trama. Da mesma maneira é interessante como justamente por isso, Susan acaba transpondo para sua imaginação, as faces de sua filha e de seu ex-marido para a construção dos personagens de Tony e India no livro, e é curioso como mesmo a esposa de Tony nos livros é semelhante fisicamente com a própria Susan. Da mesma maneira não diferente, o grande vilão da trama do livro, Ray, é semelhante fisicamente ao seu atual marido Hutton. Que - e isso não chega a ser spoiler creio - foi um dos elementos - não o único - da separação dela com o ex.
Ou seja: Susan acaba transpondo para o que lê no livro, uma auto identificação de sua própria historia no primeiro casamento, interpretando as metáforas e símbolos ali contidos na narrativa para sua própria vida, como se o ex marido quisesse exorcizar essa relação deles, ali nas paginas. No entanto jamais conseguimos saber com exatidão se essa interpretação dela é correta, uma vez que a unica visão que temos disso é a dela e de mais ninguém.
Susan é uma personagem repleta de solidão e culpa. E certa confusão e cansaço por causa de sua vida vazia e atribulada e as noites sem dormir. Assim, o filme adquire ares de quase suspense psicológico onde ela assume o papel de uma verdadeira Fame Fatale as avessas. E essa estética noir é resgatada de forma brilhante pelo design de produção, que nos brinda com imagens e construção visuais soberbas. Saturações, iluminações principalmente as azuis e vermelhas que remetem diretamente a tempo e sentimento. E servem não só como estética, mas como transição de linhas temporais. Assim, é extremamente coerente e orgânico a condução de direção de Ford ao estabelecer cada elemento que vemos como uma unica constituição de trama ainda que a grosso modo estejamos vendo 3 - ou 4 se consideramos a nossa. Já que o que é mais instigante, é que a resolução e interpretação e entendimento do filme, depende muito da própria visão disso tudo do próprio espectador. E isso é algo incomum de se fazer em cinema. É algo propicio da literatura (a velha historia de que ninguém lê o mesmo livro, ainda que o objeto e as letras sejam as mesmas ). Isso aqui se amplia. É como ver em tela o brincar de se fazer arte.
Animais noturnos é a maior obra de Susan e de Edward. Justamente por não ser em telas ou papeis, mas ser a vida deles ali emaranhadas.
Emaranhado evidenciado pela montagem pontual - por vezes obvia, mas acertada - que transfere uma dualidade a esses dois personagens. Assim é curioso que quando Susan cai no sono e deixa o manuscrito cair no chão no mesmo instante que um personagem morre, um pássaro surja tbm morto ao colidir com uma janela fechada de vidro. E a sonoplastia acompanha esse jogo.
Igualmente funcional é a ambientação de cada trama. Se o passado - único que surge filosoficamente - realista em tela, é constituído em sua maioria por ambientes fechados e em tons escuros com uma chuva insistente sempre. A vida presente de Susan e tudo em volta é uma orla clean, vibrante, repleta de simetria, com paredes de vidro e objetos de arte requintados a todo instante. O que nos dá a impressão da própria. superficialidade. Já a trama do livro é quente, sempre com ambientes abertos e áridos, que nos remete diretamente a westerns. E esse trio de árido, quente e sujo; úmido, comum e frio; e limpo, claro e superficial; se subvertem a própria imagética que tem para significar seus opostos, ou não.
Sobre as atuações, temos outro espetáculo a parte. Todos estão impressionantes em seus papeis, destaque para Jake apesar do filme se concentrar em Amy. Mas, nenhum consegue hipnotizar e assustar mais que Aaron Taylor-Johnson. Aaron esta absurdo em seu papel. Uma mescla de sensualidade e maldade repugnante e cínica, em trejeitos, na forma de falar e olhar. Nos tiques esporádicos nos lábios. Tudo nele nos repele e nos deixa tensos, ainda que ele surja - alô noir - extremamente sensual ainda assim. (característica de todos os centrais alias). Mas, mais pelo personagem do que pela atuação (ainda que seja exemplar) é em Michal Shannon - que vive o policial Bobby, que ajuda Tony na trama do livro - que reside a maior incógnita de significado para mim. Seu personagem a todo instante parece demonstrar uma intenção diferente e potencialmente dúbia sobre ações e falas.
Em certo ponto quando ele fala algo sobre sua condição de saúde, é impressionante como isso não esta jogado no roteiro. Uma vez que ele insiste que já havia contado sobre, mas não havia. Esses pequenos detalhes de intenção, acabam nos levando a questionar quem ele representa na trama, uma vez que quem assista interprete que o livro em si, realmente são representações da historia de Edward e Susan.
Uns podem levar como um filme sobre vingança, outros, sobre perda, outros, sobre arrependimentos, outros ainda sobre solidão, alguns sobre a própria construção da mente humana sobre como interpretamos e vemos realidade e ficção, outros sobre a importância da vivencia naquilo que entendemos sobre as coisas, e ainda dá para levar pelo lado da própria reflexão sobre o que é arte e o papel dela com o artista de e para eles, Ou ainda, podemos relacionar como um filme que fala sobre a própria narrativa no cinema.
Com um final que pode soar tanto confuso, ou arrebatador, pela simplicidade mas complexidade de significado quando analisamos toda a construção dela, os cortes, os planos, o próprio verde ali contido, Animais Noturno é um deleite para quem se deixa embrenhar pela trama mais perigosa e envolvente que existe na Terra: a mente humana e sua busca por significados passados, presentes e futuros.
Recomendadissimo (mas, alerto; pelo próprio tom, não é um filme para uma mente cansada ou dispersa).
Dirigido e roteirizado por Damien Chazelle, "La La Land" (que virá traduzido com o mesmo nome com o subtitulo de "Cantando Estações") é um Ode aos Musicais do Cinema clássico, principalmente das décadas entre 40 e 60, com alguns respingos em 70; e que mostra a obsessão e contemplação de seu realizador pela musica, em especial ao Jazz. Um filme que à primeira vista surge aos olhos e à memoria cinéfila com grandiosidade e genialidade, mas que ao piscar de olhos a própria cinefilia suplanta a nostalgia e o grandioso se torna apenas isso, sem a parte genial.
La La Land, remete a cidade de Los Angeles. Palco e Tela de Hollywood. E o filme já inicia mostrando essa contemplação à cidade e sua 'magia' num longo plano que simula um ótimo plano sequencia num dos melhores - se não único - atos inventivos da produção. Remetendo diretamente à “8 ½” de Fellini e a "Duas Garotas Românticas" de Jacques Demy (e a menos que eu muito me engane, com doses de "Sete noivas para sete irmãos” de Stanley Donen). Essa sequencia apesar de dinâmica, peca ao não relacionar os planos abertos aos mais próximos de maneira orgânica. Ou seja, apesar de tudo fluir lindamente e com um ritmo hipnotizante (coisa que o diretor parece dominar bem, visto que seu ótimo "Whiplash" possuía a mesma característica, compreendendo os om com a montagem como uma unica vertente para conduzir suas cenas), narrativamente falando, ao vermos a extensão de carros que compõe a cena apenas no final de seu ato, prejudica o tom orgânico da mis scene ne em si.
Com um design de produção cuidadoso, o filme é um espetáculo visual do inicio ao fim, desde sua paleta de cores ate a logica que constrói a linguagem do longa, nos remetendo à Era technocolor e aos cenários de set de filmagens da década de 50, numa mescla entre o teatral e a simulação do real. Não menos curioso por tanto, o filme traz a razão de aspecto do CinemaScope (formato da tela) próprio dos filmes dessas décadas. O que só reforça o sentido de nostalgia e referencia a todos os clássicos de Hollywood de então.
Com inúmeras e infindáveis referencias a personalidades e seus filmes que vão desde "Juventude transviada'', ''Cantando'' na chuva”, “Os guarda-chuvas do amor”, “Amor, sublime amor”, O Picolino", “Cinderela em Paris, "Ritmo louco", "A roda da fortuna", "Casablanca", "Gaslight", "O magico de Oz", "O pecado mora ao lado", "A Levada da breca", "Bird", "Rua 42", Sinfonia de Paris", "Aa roda da fortuna", o seu próprio "Whisplah", até Dançando nas nuvens" e tantos outros - dos que consegui identificar - o filme ainda identifica nos protagonistas Emma Stone Ryan Gosling ecos de Gene Kelly e Fred Astaire e Ginger Rogers. E é aqui que a genialidade e grandiosidade se condensam e dissipam, restando apenas o bem feito e excepcional, mas sem o brilho daquilo que reverenciam. Ou remetem. Por que existe reverencia e remetimento, e por vezes La La Land parece querer ir perigosamente pro segundo quando deveria se contentar com o primeiro.
Fato é, que por melhores que sejam as referencias que alias, tem o bônus plausível de jamais soarem como tais - elas estão ali e são palpáveis, mas não surgem em tela para que sejam obrigatoriamente reconhecidas, como quem chama atenção pra si. Apenas estão ali e quando as reconhecemos assim de forma tão sutil por vezes, o brilho nos olhos é notável -, Nem os atores e nem a condução do próprio filme conseguem chegar nem minimamente próximo as sombras dos posteres dos clássicos em que bebe e por vezes devoram.
Ate certo ponto, o filme parece reconhecer isso, já que os números musicais surgem de forma quase despretensiosa. Como quem compreende que jamais serão como os que foram outrora. No entanto, ha um problema quando isso ocorre sem que seja apenas uma brincadeira. Vejam; Os musicais da Era de Ouro do Cinema, compreendiam que aqueles filmes ainda que homenageassem o cinema e estivessem em função de e para ele, existiam pela alma da dança e de seus dançarinos que não só usavam a musica e a dança como um artificio linguístico ou narrativo, mas a execução de tais passos e acrobacias soavam quase que religiosas. Era como se o cinema tentasse transpor em imagem e som a aparência que a musica e a a física dos movimentos de uma passo de dança possuíam. Quase que como se coubesse as películas, transpor em imagem e som, a alma incompressível e somente sentida da arte de dançar, de usar o corpo do ser humano para desenhar o aspecto que teria um acorde caso este tivesse corpo e aparência.
Logo, não cabia aos musicais concederem essa tarefa a qualquer pessoa. Somente genios da dança com o toque da dinâmica na atuação e no lirismo podiam receber tal tarefa. Quem nunca perdeu o folego ao se hipnotizar com Astaire e Ginger Rogers em tela? A tela do cinema, a cenografia, a própria musica sumiam. O que sentíamos e víamos era apenas e unicamente seus corpos e a dança. E é justamente esse entendimento, esse espirito que falta a La La Land, entender algo que o próprio filme diz em um de seus diálogos. Num certo momento um dos personagens diz que 'as vezes a arte é justamente sobre nostalgia.'' - falando sobre uma peça -. E depois, um outro personagem - ao falar sobre o jazz - diz que "as vezes, tudo é uma questão de reinvenção, de olhar pro futuro e não pro passado". E La La Land por vezes parece se prender tão unicamente no passado que aplaude com respeito e eficacia e esquece a reinvenção que se propõe. As cores vivas, os celulares e John Legend não são suficientes para reinventar. Não por acaso, a unica canção realmente 'diferente' do habitual na produção se encontra justamente em "City of Star". E isso - e suas repetições e significado na obra - diz muito sobre isso.
A sensação que fica, é que La La Land tende a se desgastar a medida que é revistado. Quanto mais se pensa sobre ele, mais se percebe que o genial é na realidade bom. E isso em si não é ruim. É uma lampada extremamente forte, só não chega a ser estrela.
Mas, no final das contas, talvez o maior mérito de la La Land seja justamente resgatar algo que se via perdido na industria mainstream. E quando uma obra consegue superar seu tom de entretenimento e unir-se a arte de raiz, numa era tão veloz onde tudo se torna obsoleto com a velocidade de um clique em tela touchscreen, ele merece atenção. Principalmente se levar todo esse publico novo que não tem familiaridade com tal gênero, aos clássicos de outrora, que fizeram e fazem escola na historia do cinema. E no final das contas, talvez seja isso que importa.
Finalizando com um enredo básico numa trama sem grandes surpresas - talvez apenas em seu ato conclusivo sem necessariamente um final convencional para o dito gênero -, o filme é uma experiencia bonita, que arranca sorrisos e ternura. Bom.
Ps: Como Cineasta negro que sou, e militante por tal, me incomoda a insistência da Industria, em especial Hollywoodiana de insistir em inviabilizar a representatividade negra que nos cabe quanto as artes que criamos e condensamos. É preciso compreender que não basta ambientar o Jazz sendo tocado, frequentado, dançado por inúmeros negros em tela, quando no final das contas em um pub de Jazz, o foco de luz insiste em ficar na mulher branca e ruiva de olhos verdes em vestido vermelho, e no loiro ao piano. Já passou da hora, da industria começar a dar o protagonismo àqueles que lhes cabe. Afinal, o 'sonho americano', em busca do 'brilho de Hollywood', é algo inerente a todos que vão ate lá em busca de seus sonhos tendo suas frustrações e transformações. Não é exclusividade branca, principalmente quando se usa uma matriz negra. Vale a reflexão.
Dirigido e roteirizado por Dan Kwan e Daniel Scheinert, com Daniel Radcliffe (Harry Potter) e Paul Dano (Pequena Miss Sushine); "Swiss Army Man" (que em tradução livre seria algo como "O Homem Canivete Suíço"; mas que veio traduzido como "Um Cadáver para Sobreviver") consegue ir do absurdo ao grotesco e passar para a metalinguagem simbólico num ode de fantasia de uma jornada por renascimento e redescoberta.
Hank está perdido. Naufrago aparentemente a anos numa ilha deserta, ele esta prestes a se enforcar. Eis que o mar trás um corpo à beira mar. Um cadáver. D modo absurdo, nojento e curioso, o cadáver que Hank mais tarde batiza de Manny, o salva da ilha deserta em direção a terra firme. E eis o incio de uma jornada no minimo inesquecível. Seja pelo trauma ou pelo encantamento.
Mais um filme que contar muito de sua narrativa e trama, só estragaria a experiencia unica. Mas, é importante salientar como essa obra inventiva, consegue transpor o grotesco de forma tão bela a ponto de emocionar e rir. Alias, boa parte da película é tomada por risos escancarados tamanho absurdo que vemos. para no momento seguinte nos dar uma sensação agridoce entre a piedade e depressão ao constatar que toda aquela situação sombria e ridícula culminam numa jornada e significado maior. Que flertar com a filosofia existencialista, em busca de redenção, redescoberta e sobrevivência. Manny esta para a bola Wilson de ''Naufrago'', como Hank esta para Sandra Bullock em ''Gravidade''. E não apenas no que diz respeito a relação de amizade e redescoberta em busca de sobrevivência psicológica. Mas, também no sentido de transpor um renascimento que passa literalmente pelos quatro elementos da Terra em busca de aceitação e perdão a si mesmo. Um filme profundo tal qual uma flatulência longa e intensa, que nos faz perceber que as vezes a vida pode estar escondida na forma de um não tão morto cadáver.
"Você tem que rebater tanto as curvas quanto as retas"
Acabei de assistir ao filme Fences dirigido e protagonizado por Denzel Washington e estrelando Viola Davis. O filme é adaptação de uma peça de mesmo nome, August Wilson, que também assina o roteiro, e é vencedora do prêmio Pulitzer. Como se não bastasse os nomes de peso, o fato de Viola e Denzel terem interpretado os mesmos papéis na Broadway e saido cada um com um Tony Awards por suas performances em 2010, fazem desse não só um forte candidato ao Oscar desse ano por filme, como também forte ganhador.
E não é pra menos. Viola e Denzel entregam nesse filme uma visceralidade tal que impressiona. Ate mesmo para o que já estamos acostumados desses dois deuses de Hollywood. A trama conta a história de Troy, um aspirante a jogador de baseball que após inúmeros impecilhos por questões raciais, desiste dos esportes e ganha a vida trabalhando para a empresa de coleta de lixo da cidade nos anos 50. Mas, o filme não é político ou social. Ele foca no trama familiar e em todas as camadas que existem em sua familia e em seu temperamento como homem com sua esposa (Viola) e seu filho mais novo (ele possui um outro mais velho antes do casamento).
A direção de Denzel é intimista e escolhe mostrar desde os primeiros minutos através da casa, que aquela familia possui rachaduras e frestras que nenhuma cerca poderia consertar. Interessante que pesquisando sobre a peça, justamente pelo roteirista também ser o autor, ha quase que nenhuma modificação do material dos palcos para a tela. E isso é essencial para que a dinâmica entre os atores seja tão poderosa e potencialmente explosiva. A impressão é a de que estamos vendo um duelo intepretativo constante entre Viola e Denzel. E isso em si já emociona. Carregado de reflexões sobre a vida do negro norte americano nos anos 50 (e que não mudou muito alias), percebemos aos poucos que o Troy de Denzel é um verdadeiro estudo de personagem. Por que Troy é afetuosamente detestavel. Mas possui historico para ser. O que vemos ali em tela é o desenrolar da vida de um homem negro que encontrou uma serie de erros, dificuldades, injustiças próprias das enfrentadas por sua cor e que por mais que tentasse "se endireitar" acabou criando no proprio lar a extensão de tudo aquilo que quis mudar. A relação marido e mulher e a relação pai e filho possui nuances de pesos extremos e carregados onde particularmente me afetou por identificar meu próprio pai, minha própria mãe e não por acaso a mim mesmo naquele filho. As sombras que permeiam aquela construção familiar mas principalmente a complexidade de desvendar aquele homem são tantas que o filme se sustenta completamente por ele e por eles. Ha maneirismos proprio de um filme que visa cinseguir uma vaga à estatueta. Como por exemplo o quase piegas ainda que acertado no contexto, do plano final mostrando o sol sendo descoberto por nuvens que por vezes podem soar Spielberguianos demais em sua intenção de tentar extrair emoção. Mas, no final, acaba funcionando. Não pela tecnica, mas pelo que imprime ao espctador que contudo precisa estar aberto a um tipico drama dos anos 50 com cheiro de Oscar feito por negros. E isso é importante salientar pq é uma diferença que muda muito no contexto de como vemos o modo que a fotografia foi empregada bem como se teve o uso de figurinos por exemplo. O texto possui um bate bola frenético por vezes proprio do Teatro mas que se mostra necessario para desvendar aqueles personagens. No entanto o cinema de Denzel se mostra nos detalhes como uma janela quebrada jamais consertada ou mesmo num plano onde vemos sob meia luz uma janela que dá para uma porta fechada após um nascimento. Mas é no Jardim de Troy que estão todos os elementos necessarios para conseguir comprar e sentir esse filme. Bagunçado, com aspecto destruído e hostil. Bruto e ao mesmo tempo frágil e acolhedor que esta o símbolo do cerne daquele retrato de homem que se não fosse pelo ator que o encarna, possivelmente seria odiado por cada uma de suas boas intenções. Senti. Chorei. Doeu. Será matéria da minha terapia com certeza e desde já, dêem um Oscar pra um dos Deuses por favor?
Acabei de assistir "The Wailing" (do original "Goksung" e em tradução livre "O Lamento") filme sul coreano genial.
Na trama temos um policial atrapalhado que se vê perdido em inumeros casos de assasinatos pelo vilarejo onde mora. O que parecia ser fruto de uma epidemia misteriosa que acometeu parte dos cidadãos levando-os a loucura, com a chagada de um forasteiro japonês; o caso começa a adquirir ares misteriosos. Quando sua filha pequena começa a se comportar de maneira estranha, ele se vê correndo contra o tempo pra solucionar o terror que permeia a vila.
O filme mescla varios generos e subgeneros do suspense e do terror. Incluindo suas tematicas. Ha um quê de zumbis, doenças, entidades demoníacas, maldições, exorcismos, fantasmas e psicopatias latentes na produção toda. O diretor brinca com todos esses generos trazendo pra mise en scène, aspectos de humor e horror e terror misturados. Em varias cenas é possivel sermos levados ao riso diante das cenas grotescas que se apresentam. Para no momento seguinte um detalhe disperso nos trazer de volta à apreensão. Tudo de forma orgânica de uma maneira que somente a linguagem oriental em especial sul coreana é capaz de fazer. Ha uma reflexão simbolica interessante na figura do forasteiro que obviamente assume um papel de ameaça e desconfiança diante dos eventos. A vez que a historia entre japoneses e sul coreanos sempre foi bastante xenofobica diante das opressões e embates de outrora. Então, o roteiro adquire um tom de crítica ao mesmo tempo que colabora pra narrativa chave na questão mais importante do que o filme aborda: o que é bom e o que é mal. As delimitações do que é fisico e esperitual. E nisso a relação do humano com a religiosidade. Que é diferentede fé. No final das contas, a grande valia do filme é ser um estudo simbolico sobre doutrinas e religiosidades em prol de uma suposta verdade transcendente. Sem spoilers, é como se o filme demonstrasse que nem sempre o lobo traz o caos e o medo e que muitas vezes é o cordeiro que carrega os pregos que crucificam. Ou mesmo, que na nossa busca em combater o mal e fazer justiça, acabamos nos tornando tão maus quanto o mal que queremos combater. Que essa linha é tênue.
Diante disso, não é surpresa que esse seja um filme muito dificil de se assistir. Pq ele Não oferece soluções e explicações fáceis. E devemos lembrar que somos uma sociedade que não recebe bem enigmas. Ha pessoas que ainda querem narrativas fechadas sem sombra de duvidas para hipoteses. E esse filme finaliza-se repleto de aberturas. Mas, tendo cada chave e porta dispostas 3 espalhadas ao longo da projeção. Para os olhos atentos. Ele sofre de ritmo tbm. Mas, nada que comprometa.
Com uma fotografia evocativa que brinca bastante com planos abertas e nevoas para expressar o quão aquele lugar vai se tornando inóspito, ainda recebemos de brinde uma atuação de da filha do policial que sem favor algum poderia ser a nova Regan oriental. Mas, sem os aparatos visuais. Aqui, o perigo e o medo ocorrem à luz do dia, sob o sol tanto quanto diante da lua.
"Existem muitos negros por ai sabe? Muitos mesmo. Muitos negros como nos pelo mundo todo. Nós somos os que surgiram primeiro mesmo que a regra do mundo tenha virado outra."
"Minha vo me dizia que negros, bem negros como nós, quando passamos o dia todo sob o sol, acabamos ficando azuis. Brilho azul da luz da lua."
Acabei de assistir ao filme "Moonlight" (que veio sem tradução mas com subtítulo "Sob a luz do luar") dirigido e roteirizado por Barry Jenkins, Moonlight é um verdadeiro Ode de estudo de personagem não sobre um negro, mas sobre vários ao redor do mundo, sem contudo soar militante ou ativista ainda que o seja, da maneira mais desafiadora por si só: sendo artístico.
O filme narra em três atos ("Moleque", "Chiron" e "Nego" - 'Little', 'Chiron' e 'Black' do original) a vida de Chiron, garoto negro e pobre e mirrado vivido de forma sensacional por Alex Hibbert, em 1980. Numa Miami que vivia a tomada do Crack nas ruas. De comunidade igualmente pobre acopanhamos sua vida permeada por medo e apreensão com sua mãe viciada e solteira. E aqui é importante destacar a atuação do pequeno Alex que de forma trágica consegue retratar todo o mal cuidado e desamparo no trabalho de expressão corporal que compõe. Quase que totalmente mudo, conseguimos sentir cada emoção e intenção de seu personagem pelo olhar, pelo tremer dos olhos, pela curvatura dos ombros. Pelo andar arrastado. E quando a fala surge, vem carregada ora por exasperação e ora por medo. Pra no segundo seguinte demonstrar uma espécie de fúria reprimida. É impressionante.
Depois acompanhamos sua adolescencia onde somasse a sua vida, as descobertas sobre sua sexualidade conturbada e perseguições juatamente por causa dela. E aqui o ator por mais que caia no quase caricato, é admiravel a composição de tentar representar a mesma repressão com o corpo.
Depois, nos dias de hoje, acompanhamos Chiron ja adulto ( e aqui não contarei como para evitar entregar a trama) vivido pelo impressionante - e meu mais novo crush pq nossa senhora - Trevante Rhodes, que era atleta e faz a melhor estreia possível como ator. Ele evoca nuances de intensidade na composição de seu Chiron de tal maneira que poderiamos pensar que está intepretando a ele mesmo.
São recortes tal qual fases da lua.
Como da pra perceber, Moonlight tem sua força não na tecnica mas sim no que aborda. É um filme que fala sobre reconhecimento. Sobre a busca de se conhecer em cada identidade social e pessoal que a vida exige de si. Mas o que é curioso e intrínseco é queno diretor opta em não retratar isso de maneira jamais obvia ou fácil. O filme possui 1h50 aproximadamente e consegue lidar com a questão da influência do meio social no desenvolvimento do negro no mundo, racismos, a questão das drogas entre usuarios e traficantes, o papel da cadeia no processo que acomete a maior parte da população negra, e o por que disso ser um problema estrutural e não individual, a questão da figura masculina em todos seus aspectos desde performances a simbolismos, a forças, ate a paternidade e masculinidade na sexualidade. E principalmente o peso desta para um homem negro de periferia.
Tudo isso é mostrado através de gestos, através de silêncios. Através de dialogos pontuais e precisos. Nada escrachado. Nada em tom de discurso. Tudo cru. É o Boyhood Preto. Só que como tal, com uma qualidade a mais: compreender na pele aquilo que se esta mostrando. E isso é de uma força gigantesca. No meu caso, a identificação se torna muito particular. Pois tal qual Chiron, sou um individuo preto e gay. E ha uma particularidade muito singular dentro da propria comunidade como ha fora dela de forma universal, em que essa identidade sexual significa. Ha um peso e um confronto sistematico próprio que o filme consegue transmitir bem aos olhos atentos.
Sobre a tecnica, o filme não se destaca muito. Mas não faz feio. Pelo o contrario. Ele segue o beabá da cartilha. Principalmente no que diz respeiro a iluminação. E talvez aqui ela seja papel fundamental. E o título não possua apenas um sentido de poesia estética afinal. A luz da lua em tons ora azuladas e ora alaranjadas contrapõem ao vermelho e ao roxo do perigoso e das magoas que iluminam CHIRON ao longo da vida. Ao longo de sua busca de descobrir quem ele é. Outro ponto curioso é a angulação das câmeras. A forma como parece que vemos aquelas vidas retratadas de perto e vez ou outra com grandes angulares. Como se o diretor quisesse colocar em evidência aquelas vidas o espectador querendo ou não. Da mesma forma que sempre vemos eles de baixo pra cima. Aqueles negros são os destaques. O foco. E essa escolha narrativa é simbolica por si so. Da mesma forma que muitas vezes, vemos cenas com camera na mão que parecem deslizar sempre pra mesma direção. Dando impressão de fluidez. Mais uma vez, nada evidente, tudo sutil.
E talvez seja justamente aqui que o filme peque um pouco. Mas, peque por nós não em si. Estamos acostumados a ver um tom epico e esmerado saltado aos olhos quando vemos uma obra com um roteiro tão bem apresentado. A sensação é a de que o filme poderia fazer mais pra mostrar aquilo tudo. Usar de mais artificios e aparatos. Mas, a verdade é que não precisa. Essa é so a sensação no final das contas. Lembrando que o filme é baseado num roteiro de peça teatral (que Jamais foi interpretada).
Um filme denso, tenso, bruto, e ao mesmo tempo sensivel e poetico. Que pode parecer simples aos olhos pequenos. Mas definitivamente se constrói gigante a quem consegue enxergar sua imensidão tal qual brilho do mar.
Outro aspecto interessante é sua trilha sonora que permeia de forma desconexa e em forma de quebras a narrativa - propositalmente - dotada de uma variedade de temas e gêneros "saborosos". Com direito ate a presença de Caetano Veloso.
Representatividade sem esteriotipos em demasia. Recomendassimo.
No mais, parece que o cinema ganhou um novo "Hello Stranger!". E ele é Black.
"Tempo é o que impede que tudo aconteça de uma vez." - Cummings Finalmente assisti a "Arrival" ("A Chegada" em tradução livre) novo filme de Denis Villeneuve. "Contato" e "2001 - Uma Odisséia no Espaço" figuram como dois dos poucos raros exemplares da ficção científica que conseguem ( e uso o presente ironicamente para falar sobre eles e não o passado) transpor pra tela uma experiência que vai além de sua ficção. E justamente por isso, figuram entre oa maiores filmes sobre a temática que temos no Cinema. A Chegada, chegou pronto pra ocupar esse seleto lugar. Nasceu clássico por si só e isto, não é exagero algum. A experiência de se assistir A Chegada transcende qualquer coisa que conhecemos. Sim, podemos citar talvez "Pulp Fiction", "Memento" ou até mesmo "Donnie Darko" quanto a estrutura da própria narrativa. No entanto, diferente desses, A Chegada consegue transpor um patamar um pouco alem. Essa obra subverte a própria linguagem quanto a narrativa. Sua trama estabelece a própria lógica expressa na complexidade de seu sentido filosófico, existencial, psicanalitico e talvez ate mesmo religioso dependendo da interpretação pessoal de vivencia e crença de cada um. Poderia fazer uma análise minuciosa sobre cada aspecto narrativo desse filme, mas suspeito que isso estragaria a experiência. Uma vez, que ela tal qual Gravidade (mas de forma mais intrínseca) ocorre de dentro pra fora e não ao contrário. Saliento que teoricamente no entanto A Chegada beira a perfeição. Desde a logica doa planos contrapostos entre meio ambiente e as naves. Ate o designer de produção arrebatador das naves que aqui e acola nos remetem a uma homenagem pontual a 2001. Ate a fotografia e dinâmica que nos transpõe com o auxilio do desenho sonoro para o corpo da protagonista. Tudo ali com um pequeno deslize momentâneo, é nos apresentado pela ótica e compreensão da protagonista. E isso é essencial para que quando as revelações são esclarecidas nos estejamos envolvidos a tal ponto que permanecemos no mesmo arrebatamento dela. É lindo notar como escutamos um helicóptero voar ao longe e assim que ela coloca fones de ouvido eles cessam. Os ouvidos dela são os nossos. É genial por exemplo a dinâmica de elementos que quase ou totalmente se estabelece em estudos de física quântica para refletir sobre nossa lógica humana de linearidade. E nesse ponto é importante que se entenda que o filme por fim, ainda que lide com temas coml vida, morte, tempo, existência, a própria linguagem e a comunicação alem de outras mazelas como globalizacoes por exemplo, no final das contas também é um verdadeiro estudo sobre o cinema. Sobre a montagem na história do cinema. A estrutura do cinema não é linear, e é justamente essa onipresença onisciente e sem limites de seu tempo (em suas configurações como tal) que fazem com que seja uma arte tão completa. E o que a Chegada faz é transpor essa estrutura como a própria estrutura atenuada. Exposta. Realizada. Palpavel ainda que onirica por si só. A chegada do filme é em resumo a própria chegada o filme. E a abertura que isso propõe tanto ao cinema quanto pra cada espectador que se arrebatar por isso é infindável. É como se o fim estivesse no presente do começo. Um filme gigante tão ou mais que cada concha ( ah, a escolha da concha..) ali. Tão complexo, íntimo e universal ao mesmo tempo que poderia ate mesmo se resumir em dizer que fala sobre o Amor em cada nuance que se caracteriza. Não de forma boba e rasa como Interestelar, mas intensa e coesa em toda sua falta de coesão conhecida. "Tempo é uma ilusão." - Einstein Mais do que recomendado: se permitam!
Assisti esses dias ao filme "Indignation" (Indignação em tradução livre) do diretor estreante James Schamus. O filme é uma adaptação do livro de sucesso do escritor Philip Roth, e narra a historia de Marcus (Logan Lerman), jovem judeu, porem ateu que em 1950 em plena Guerra contra a Coreia, consegue uma bolsa de estudos para estudar direito numa universidade católica e extremamente moralista e conservadora, afim de 'fugir' da guerra. Lá, alem de encontrar problemas as convenções sociais conservadoras que vão de encontra com suas ideologias libertarias e mais racionais, ele se depara com uma jovem garota chamada Olivia ( Sarah Gadon), filha rica de um ex aluno respeitado na universidade mas que possui uma ideologia de gênero libertaria para a época, mais especificamente a sexual destinada as mulheres e que possui históricos por isso psiquiátricos. Entre os conflitos da universidade, e essa atração inesperada por Olivia, Marcus ainda tenta lidar com a opressão de seus pais que o castram demais, não lhe permitindo autonomia.
O filme é um drama bem ambientado e coesa, que estabelece como sua maior força, questionamentos sobre as convenções sociais americanos dos anos 50, e que perduram ate hoje. Temas como religiosa ou a falta dela, a razão em detrimento a fé, e principalmente os machismos e repressão sexual as mulheres imperam aqui. Olivia e Marcus são dois jovens à frente de seu tempo, mas encontram limitações ainda assim quando chocam cada uma de suas visionarias noções de mundo com a do outro. O filme tenta intercalar texto que aparenta ser rico do livro - ao qual não li -, com o roteiro que precisa ser mais enxuto. O resultado é a sensação de um filme correto, certinho, mas que poderia ser mais do que se prestou a ser. A sensação é a de que nas mãos de um diretor - ou diretora - mais experiente ou ousada, teríamos uma obra mais consistente. No entanto o que fica é um filme que se torna esquecível apos algumas semanas, mas que cumpre seu papel de refletir sobre condutas sociais e de como ate hoje, nos encontramos retrógrados no sentido de liberdade que temos como seres humanos sociais. Um filme triste, repleto de diálogos constantemente prolixos (mas de forma intencional para estabelecer um aprofundamento aos pensamentos de Marcus) e que entrega ao menos uma atuação 'diferente' e amadurecida de Logan.
Assisti ontem (e esqueci de comentar) ao filme "Train To Busan" ("Trem para Busan'' em tradução livre ou "Invasão Zumbi" que é como veio traduzido para cá). Diferente do que se poderia esperar, essa produção Sul Coreana, é um respiro interessante ao gênero zumbi, que hj em dia podemos considerar que já deixou de ser um aparato narrativo, para se tornar gênero. A produção possui sua própria assinatura. Ou seja, reinventa e imprime características pessoais ao gênero. Diferente do que as pessoas pensam, o Zumbi nasceram para elaborar uma critica social e humana a humanidade. A ideia de não termos fim apos a morte e de despertarmos um lado essencialmente de nossa natureza obscura que caminha de forma errante sem descanso espalhando caos e mais zumbis por onde passam, sempre aterrorizou o imaginário pessoal das pessoas. E se levarmos em conta os caminhos que nossa humanidade social esta tendo nos últimos anos, não é de se espantar que esse gênero esteja tão em alto e bizarramente tão atual e relevante por isso. Trem para Busan, estabelece uma critica social tanto econômica como ideológica, tendo os zumbis como pano de fundo para narrar essa reflexão. O filme trata das relações interpessoais, familiares, sociais e estas com valores humanos entre ganancia e gentileza. Mas, o diferencial é que por mais que sejam um pano de fundo, os zumbis aqui tem um destaque ousado se considerarmos a linguagem oriental para tal gênero. Inclusive é significativo notar por exemplo, que uma das únicas fraquezas desses seres seja a escuridão. Não atoa também, ainda que aparente ser um erro de roteiro, temos um personagem milionário e escroto ao extremo,
que demora bastante para ter sua transformação completa. Talvez, justamente por já ser um morto vivo que se alimenta de outros humanos por dentro.
Com um ritmo acelerado, e com a característica condução de unir terror com certas doses de absurdo humorado, o filme peque talvez numa exacerbada romantização em busca de emocionar o espectador a todo instante nos minutos finais. que soa forçado ou piegas por vezes. Nada que atrapalhe, alias, funciona aos de emoções mais afloradas ao tema.
Mas, o filme brilha mesmo é em seu esmero técnico. Os zumbis aqui são rápidos, ágeis, insanos. É a zumbilia mais associada à raiva. Junte isso, ao ambiente ser um trem em movimento, o resultado é um filme de ação completo, repleto de ansiedade e exasperação. A maquiagem é outra qualidade a parte. Que prova que não é em Hollywood apenas que se tem qualidade de nível. A montagem oferece a mesma velocidade da locomotiva e a fotografia urgente e claustrofóbica é um deleite para qualquer cinéfilo, e muito da explicação para esse detalhe, com certeza se deve ao diretor que estreia com esse longa sua incursão ao mundo live action, já que sempre trabalhou com animações. Logo, ele melhor que ngm, sabe da importância de se contar historias pelas imagens e não somente pelos diálogos. Assim, o filme possui figurinos, cores, luzes, e ambientação pontuais para transmitir sentimentos e situações que o dialogo nem sempre deixa claro. É possível perceber o perigo chegando pela luz, o sentimento despertando pelas cores, a tensão pelo enquadramento e assim suscetivamente.
Um filme gostoso para um gênero já tão esmorecido.
ps: destaque para a garotinha que atua de maneira genial! E para uma sequencia próximo ao final de tirar o folego, tanto pela execução, quanto pela beleza técnica de enquadramento - envolve uma especie de mortalha semi viva rs -;
Muito interessante! É curioso constatar outros gêneros que não os habituais numa linguagem totalmente diferente da nossa latina ou mesmo ao padrão hollywoodyano/europeu. Um terror psicologo que é muito mais uma síntese do horror da repressão feminina em busca de liberdade e identidade diante dos horrores de uma guerra onde a crença leva a mortes e prisões do que de fato algo sobrenatural de fato. E nisso o filme é exemplar. principalmente por relacionar a narrativa entre mãe e filha, entre a busca desta mulher por conhecimento negado a mulheres daquela cultura, onde seu verdadeiro horror esta muito mais na inadequação e cansaço de resistir aquela realidade do que na mítica dos Djins. É importante salientar que quando assistimos um filme de outra cultura, com uma outra formação de linguagem cinematográfica é preciso captar sua logica e não usar de referencias padronizadas para avaliar. Diante na linguagem própria dos filmes daquele país esse é um filme raro e muito bem executado. Muito interessante mesmo, os símbolos, os signos descritos e expostos, principalmente na metáfora do vento com as janelas e paredes trincadas. Grata surpresa!
Assisti ontem ao filme francês " Quand on a 17 ans" do diretor André Téchiné. Com exibição no festival de Berlim 2016 e no Festival Mix Brasil (de diversidade) de São Paulo e vencedor do prêmio do Juri no Festival Outfest, este filme me cativou por abordar a descoberta e aceitação sexual contrapondo-a com relações de luto e construção familiar. Ao contrario do que li por aí, o filme não se perde entre ser um filme LGBT (com protagonismo gay) e a discussão de tratar nossas relações com o luto. O filme na verdade faz uma analogia mesclando os dois temas para falar sobre como é abrir-se para ser quem se é. Explico: Talvez para quem não tenha vivencia LGBT (não seja LGBT), não perceba que o ato de aceitar-se e descobrir-se não é tão simples como parece mesmo hoje em dia. E não falo sobre somente discriminação social. Falo de identidade. A construção que a sociedade e nós mesmos fazemos sobre a sexualidade 'padrão' é tal que o momento de descoberta e aceitação é como um rompimento com a própria vida física que conhecemos ate então. O ato de assumir-se LGBT e de aceitar-se LGBT é por tanto sim um ato de morte. De deixar morrer algo que foi obrigado por si mesmo ou por influencias externas a ser, e apos essa morte, deixar nascer seu verdadeiro jeito e maneira de ser. O filme contrapõe esses dois conceitos perfeitamente de maneira simbólico claro, ao conduzir a trama entre um suposto odio, uma suposta inadequação, uma morte e seu luto, e uma gravidez e seu nascimento. Tudo alegoria para mostrar de maneira externa o interior da condição identitária daqueles dois garotos. sinopse: Damien é filho de um soldado e mora em um quartel francês junto com a mãe e um médico, enquanto o pai foi enviado para a África Central. Damien é homossexual e não se dá bem com um outro garoto do colégio, Tom, cuja mãe está doente. A repulsa e violência entre os dois só aumentam quando a mãe de Damien decide acolher Tom em sua casa. Já esta 'disponível' em sites de download pela Net ^^
aquele filme de meio de tarde de domingo... (A duvida: Alex ou Brad? Eu acho que eu... =X) #fofo
(no mais: a netflix pecou feio haha o filme não tem abordagem LGBT, o que ela possui e bem de leve é uma abordagem homoafetiva. Que nenhuma relação possui com sexualidade, por tanto nada tem a ver com LGBT's. Os protagonistas possuem uma ligação de afeto que é fora dos padrões machistas 'permitidos' para os homens. Hoje em dia isso caiu por terra claro. Mas só isso.)
quanto a forma da sociedade ali próxima e mesmo distante lidar com a sexualidade deles, na escola, e os próprios pais. Se atualmente com tanta informação e desconstrução já é complicado ser quem se é, imagine na década de 70 para 80. E principalmente o como as pessoas lidavam com o medo da AIDS e do vírus HIV, onde àquela época tal sorologia sempre culminava na doença e que na maioria das vezes matava. (Hoje, felizmente é 'apenas' mais uma característica de quem convive com tal sorologia, Mas, achei essa abordagem rasa na construção do inicio do filme.
Uma hora e quinze minutos depois: "Socorro, como pára de chorar? "
assisti esses dias 'Convergente' - parte 1, da serie de filmes 'Divergente' composta por três livros e ate agora, serão quatro filmes (Divergente, Insurgente, Convergente (parte 1 e 2 - esta que recebera o subtitulo de Ascendente programada pra estrear direto em DVD em 2017). Dirigido por Robert Schwentke esse filme é uma tragedia. Se o primeiro filme - dirigido por Neil Burger - demonstrava um potencial enorme de desenvolver uma analogia com construções sociais, lidando com discriminações a minorias, mazelas politicas e ideológicas; do segundo filme ate esse terceiro, tudo foi caindo por terra, sendo esse ultimo, o mais dispensável. E nem falarei de qualidades ou defeitos técnicos como a fotografia artificial e sem coerência narrativa nenhuma, ou da inabilidade de direção em estabelecer seu espaço fílmico, bem como estabelecer uma linha de raciocínio cinematográfico minimo, mas falo mesmo em termos de motivações, resoluções, de diálogos, de roteiro enfim, que não se sustentam diante daquela vastidão de oportunidades que possuem. A produção ate pode ter tido problemas com grana nesses anos, mas se o roteiro se sustentasse, nada disso importaria como um todo, ate pq os efeitos visuais/especiais são o que menos importam naquela trajetória, o que é interessante na serie, pelo que haviam proposto la em seu primeiro filme era o desenvolvimento humano tanto individual quanto do coletivo naquela distopia em reflexo a nossa realidade (algo que Jogos Vorazes e mesmo Harry Potter, fizeram tão genialmente bem). Desperdiçando ótimos atores (ate agora to me perguntando o que raios a Kate Winslet, Naomi Watts e mesmo o Jeff Daniels fizeram aceitando fazer parte disso), o filme ainda consegue não sustentar-se como gênero, já que se perde entre uma ação e outra, sem de fato conseguir definir qual o proposito ou urgência daquilo tudo. Uma Pena. Ps: Não li os livros, assim deixo claro que as falhas apontadas não são sobre a trama original/base, afinal esta como disse era bem interessante no primeiro filme, por sua intenção; mas sim exclusivamente sobre os filmes.
De duas, uma: ou eu vou sucumbir a loucura de vez, ou virar phd em física quântica e seus derivados científicos.
Dirigido por Christopher Smith, 'Triangle' - que em português veio sob o titulo de "Triangulo do Medo" -, é mais um filme que lida com o psicológico. Engatado em teorias de física quântica como a teoria das cordas por exemplo, mas de maneira massificada, o filme se sai extremamente bem ao nos conduzir por um emaranhado de teorias e possibilidades infindáveis, sem perder o foco nunca.
Jess é uma garçonete solteira, mãe de um filho autista. Um da, um de seus clientes que esta interessada nela, a convida para um passeio m um veleiro com mais quatro amigos. No entanto, Jess no dia de embarcar chega ao porto um pouco inquieta e introspectiva. Em alto mar, uma tempestade inesperada faz com que os seis naufraguem. Eis que surge um navio - transatlântico - que para pra salva-los. No entanto, Jess assim que embarca, começa a ter a sensação de que já esteve ali antes. Enquanto isso, os seis começam a achar que o navio esta incoerentemente abandonado. Eis quando surge um misterioso atirador de mascara...
Com essa premissa simples e ate mesmo batida dos gêneros de terror/suspense, o filme poderia facilmente ser confundido como um suspense de terror sobrenatural calcado nos famigerados navios fantasmas. No entanto, a proposta aqui é outra. Amparado pela mitologia de Aeolus e Sisifo, o roteiro produz uma especie de labirinto infindável e cíclico onde cada passo dá entrada a um beco sem saída ou continua novo. O terror esta muito mais na realidade sufocante apresentada do que em sustos ou terrores terrenos.
Com Michael Dorman, Liam Hemsworth e estrelando Melissa George. a produção possui uma dinâmica formidável e uma montagem certeira, que dá o tom e ritmo correto para uma produção desse nível. Mesmo as repetições - rimas visuais - que surgem tem seu proposito cinematográfico de nos manter interessados e com a pulga atras da orelha tentando desvendar aquele mistério e mais que isso. Tentando desvendar uma forma de solucionar os problemas ali propostos. Abaixo tento explicar o sentido da trama, já que notei muitos confusos com os acontecimentos.
Num filme como este - tal qual o excelente Coherence, o instigante Primer, ou mesmo o clássico Donnie Darko - os detalhes são fundamentais para compreensão do quebra cabeça. Não que estes queiram fornecer uma solução. O final 'aberto' onde a teoria segue sendo teoria, ou seja, sem resolução e prova palpável é a máxima que os mantem sendo pontuais e genias. É diferente de pontas soltas. Pontas soltas ocorrem quando há falha no roteiro que deixa de concluir algum problema que propôs na narrativa. Aqui neste filme por exemplo, nós lidas com infindáveis possibilidades de tempo e espaço, e com estas realidades e ações e consequências. Assim, nem tudo deve ou pode ser fechado, mas sim deve-se manter aberto para diferentes interpretações. A que darei é uma das milhares possíveis com base no que observei.
O filme basicamente nos apresenta a teoria de que existem
vários mundos e realidades alternativas e paralelas a nossa. Incluindo uma dinâmica cíclica de tempo e espaço continuo. Ou seja: ele trata da possibilidade de que cada escolha que fazemos, cada rumo que seguimos, nos leva para uma resolução, cria uma realidade. No entanto ate que a gente faça essas escolhas, as possibilidades são infinitas - vc que esta lendo poderia não estar lendo, poderia estar lendo outro comentário, poderia não ter chegado ate aqui na leitura, poderia nem se quer chegar ate aqui. cada uma dessas escolhas voluntarias ou não, cria uma realidade própria. Mas, na proposta do filme, isso não anula as outras. É como se no universo que é infinito existissem infinitos planetas terra idênticos, nos quais existem infinitas versões de nós mesmos, mas em cada uma delas fizemos uma escolha diferente. Por tanto, são realidades diferentes.
No filme não fica claro onde o ciclo começa, afinal se ele lida com a máxima de que o universo é cíclico e infindável, por si só não existe presente passado e futuro de maneira palpável e temporal, por tanto estabelecer o começo daquele ciclo é bobagem.
Jess é uma mãe problemática. Que abusa fisicamente e psicologicamente de seu filho autista. Ela é raivosa e o agride algumas vezes, talvez não por ser má, mas pq a pressão de lidar com aquele filme autista sendo mãe solteira num emprego cansativo a deixe estressada Quem sabe. Fato é que o transatlântico é uma especie de elemento de roteiro para justificar a ruptura com as leis da física que garantem que uma realidade paralela não se choque com a outra - caso contrario nós poderíamos nos ver e interagir com nossos outros eus por ai sem parar. a tempestade trás o transatlântico e isso pq o filme tenta representar o mito de Aeolus, que diz o mito grego ter sido senhor dos ventos e dos mares que decidia o destino dos navegantes marítimos segundo seu humor e boa vontade. Assim podemos concluir que o fato 'dele' escolher aqueles seis amigos para entrar em seu looping eterno de terror seja apenas um capricho. É uma possibilidade. O transatlântico no entanto já é formato pelo mito de Sisifo, que consiste num homem que tentou enganar a morte, e como punição, a morte o condenou a eternamente rolar uma pedra redondo gigante e pesada para cima de uma montanha, no qual obviamente uma hora ele cansava e deixava a pedra rolar ladeira abaixo para ter que descer e continuar o ciclo sem fim. Percebem? O navio é a montanha cíclica, assim tudo que se passa ali esta fadado a se repetir continuamente pela eternidade. A Jess que acompanhamos no inicio do filme se confronta com essa 'maldição', e é a unica que tem o insight, feito deja vu. Suas eus permanecem a tanto tempo repetindo aquelas mortes e eventos que ela toma consciência disso antes mesmo de viver aquilo. (essa é a explicação enquanto ela esta dentro do navio) No entanto quando esta que acompanhamos é jogada no mar ela sai da repetição que o navio promove, e quebra o tempo e espaço daquela espaço físico do navio amaldiçoado. Assim ela retorna no tempo e ao chegar em casa percebe que tudo que ela fez ate ali foi consequência dela mesma. De uma outra ela que causou tudo. Ai que o filme mostra o por que isso ocorre com ela. Ela é Sisifo. Pois ao ver que causou a morte do filho, ela tenta conscientemente refazer seus passos para tentar alterar a realidade. ou seja, ela tenta enganar a morte. ela tenta evitar a morte do filho. E é castigada. No entanto quando ela cochila obviamente exausta pelas repetições constantes, ela esquece tudo que fez (na mitologia de Sisifo ocorre o mesmo, ele sabe que precisa levar a pedra para cima da montanha pq sabe q só ao chegar no topo sera liberto da maldição, mas quando a pedra cai ele esquece de toda a repetição e torna a tentar subir. O que garante o looping. ).
Para encerrar esse looping de realidades e tempo e espaço, talvez somente se Jess se matasse/suicídio, ou se ela escolhesse não embarcar no veleiro. Mas, ela jamais fara isso pq ela sempre tentara salvar o filho da morte. Ela mesma acaba causando sua própria maldição sem fim. O filme brinca com a ideia dos pássaros ali serem a representação da morte e do Senhor dos ventos. Vendo a maldição que produziram em parceria. Na cena dos corpos enfileirados de uma das minas no navio é possível ter ideia de quantas Jess no minimo existem naquele navio e la fora no mar.
Um filme instigante principalmente para o gênero. Com suas limitações técnicas ali e ali mas que de nada atrapalham de fato a experiencia. Recomendo.
Passageiros
3.3 1,5K"Passengers" (Passageiros) do diretor Morten Tyldum, com roteiro de Jon Spaihts, poderia ser descrito como um ode aos relacionamentos abusivos sofridos pelas mulheres pelas mãos dos homens. Tudo de uma forma visualmente bonita e extremamente machista e anti ético.
Não costumo contar spoilers naquilo que escrevo, porem esse filme me força a iniciar com uma especie de um, e seguir em determinado trecho contando partes da trama para defender o ponto de analise.
A premissa oficial diz que, seremos apresentados a historia de Jim (Chris Pratt), um engenheiro, que faz parte de um dos 5000 passageiros de uma gigantesca nave que esta levando parte da humanidade para um novo planeta. Estamos num futuro aparentemente distante, onde a colonização de planetas já é uma realidade. No entanto, a viagem ate esse novo planeta, leva cerca de 120 anos. Assim todos esses passageiros são induzidos numa câmara de hibernação que os conservam dormindo, ate o momento de despertar já nesse novo planeta. Mas, apos a nave passar por uma área repleta de meteoros, ela é danificada, o que causa uma pane no sistema da nave que por acidente acaba por despertar Jim, 90 anos antes do previsto.
No entanto e, aqui preciso alertar que isso possa ser um spoiler inevitável para contar sobre a trama, o projeto já inicia com uma promoção sobre ele de forma enganadora e errônea. Pois, a trama consiste no fato de que Jim, apos viver um ano inteiro sozinho, sem ter a presença de nenhum ser vivo para interagir, conversando apenas com androides programados para lhe servir,
ele decide despertar
condenando-a junto a ele, a morte
É curiosa que a própria distribuidora do filme percebem que tal premissa, iria naturalmente afastar o publico. Afinal, quem em sã consciência atual, onde nosso mundo felizmente ao menos nisso, esta mais consciente sobre as lutas por igualdade e equidade de gênero e sobre as opressões e crimes sofridos pelas mulheres diante dos abusos dos homens, iria gastar seu tempo precioso e seu dinheiro para ver um homem que por se sentir solitário numa nave de luxo, resolve condenar uma mulher para lhe fazer companhia, contra sua vontade?
O filme, passa a impressão de que possuía todos os potenciais possíveis para criar um estudo extremamente interessante sobre comportamentos humanos.ate mesmo sobre relações abusivas. Notem como a premissa por exemplo, poderia ser sobre o estudo de culpa e condenação de um homem que condena alguém que ama a morte, ainda em vida. Ou mesmo, ser uma especie de novo jardim do Eden, reconstruindo as relações entre homens e mulheres tendo como simbologia a nave que poderia muito bem vir a ser uma especie de arca de noé espacial, rumo a uma nova Terra. Ou mesmo, um estudo complexo sobre abusos de genro, onde a personagem de Jlaw combateria essa agressão, numa narrativa de terror psicológico, ou mesmo usar a trama para elaborar uma especie de ode a O Iluminado (ao qual o filme tragicamente cita sem contexto algum para tal, que seja plausível), sobre as relações interpessoais entre esses dois personagens. Detalhe, o filme ainda poderia se sustentar como trama, sem precisar cometer essa injustificável abuso, de fazer
o personagem de Pratt acordar a personagem de Jlaw.
Isso porque o desenvolvimento de Aurora (e não, não é semelhança ela ter o mesmo nome da princesinha da disney que desperta com um beijo do sono eterno pelo seu príncipe), depende exclusivamente das ações e vontades de Jim. A cada situação de perigo, ela surge temerosa, desesperada, chorosa, enquanto ele surge impassível e determinado a resolver cada um dos empecilhos que surgem pelo caminho. ele é a força braçal, a inteligencia,. ele é o cavalheiro, o fofo,. ele é o príncipe perfeito a cada instante de projeção. Assim, o filme coloca sua ação
de acorda-la
É necessário compreender que o filme traça a cada ação de Jim uma justificativa que faça com que o publico o absolva de suas ações. Que a gente releve seu ato cafajeste e nojento e criminoso
de condenar uma mulher que ele escolhe entre as capsulas como quem escolhe uma prostituta num catalogo, onde ele investiga cada informação possível sobre a vida dela, para justificar que se apaixonou pelo seu jeito aparente de ser e não como vimos pela sua beleza física, a morte prematura sem necessidade alguma, sem justificativa plausível para tal, e sem que em nenhum instante ele receba seu papel tal de vilania. Muito pelo contrario, eles tratam essa escolha dele consciência como uma falha. Como quem coloca sal no cafe ao invés de açúcar por momentânea confusão causada pela solidão do espeço. E assim se justifique que ele esconda dela a verdade ate o ponto de conseguir conquista=-la transar com essa mulher, invadir sua privacidade com direito a stalkea-la por câmeras a cada passo que ela dá mesmo quando ela deixou claro que não queria mais ver ele apos descobrir o que ele fez, obrigando-a a ouvi-lo, e reconquistando ela sob uma iminente morte de sacrifício dele para salvar toda a nave e se tornar o herói que deveria ser, como um príncipe de fato de contos de fada. Com direito a dizer antes de quase morrer, que construiria uma casa para ela se eles conseguissem chegar no planeta vivos e jovens. Não o bastante o filme não se acanha em mostrar ações como o homem que leva para jantar, o homem que leva flores, o homem que constrói presentes, o homem que arruma coisas, o homem que em suma 'cuida' de tudo pq é um verdadeiro cavalheiro. E o que importa que esse homem tenha lhe condenado a morte? o que importa que esse home que tenha causado a maioria das falhas na nave que colocaram em risco mais de 5000 mil vidas? o que importa que ele tenha escondido seu crime para poder transar, casar, e fazer a mulher que cometeu esse abuso se apaixonar por ele? o que importa que o filme ainda mostre a vitima implorando para que ele volte para sua vida, pois ainda que ele tenha errado, como diz uma dialogo que ate agora estou tentando digerir, ele é 'como um naufrago se afogando. e todo mundo que esta se afogando acaba por levar junto alguém, na tentativa de se salvar"
Pq ate mesmo nesse sentido o filme exalta o personagem, uma vez que Aurora surge como uma mulher rica, na melhor das características de classe media sofre, que aceita ir na viagem para ter uma aventura para escrever um novo livro. Enquanto Jim é um engenheiro que não tem nada que o prenda na Terra e resolve se endividar para ter a chance de uma nova vida num novo planeta. Inclusive, nos momentos de refeição, onde ele sempre por ser mais pobre é obrigado a se alimentar dos alimentos mais baratos. Enquanto ela, quando surge, pode escolher o que bem entender. E se isso poderia desenrolar numa subtrama que refletisse as hierarquias sociais através da economia, não passam de gancho para aproximar os dois personagens e criar ainda mais empatia pelo homem. E o que dizer de uma cena, onde enquanto o personagem de Jim surge arriscando sua vida heroica, Aurora, aparece desajeitada, incluindo machucando o braço, sem motivo aparente para o fato dentro da narrativa. O machucado não serviu para nada, nem para deixa-la mais lenta e aumentar a dramaticidade da ação, nem para ser desenvolvido mais tarde como alguma coisa contra ela ou a favor. Simplesmente ela se fere gratuitamente. Apenas uma cena para vermos a mulher sentir dor e sofrer um pouco mais.
Desconsiderando ainda as implausíveis ações físicas do terceiro ato - envolvendo um corpo humano diante de uma enxurrada de fogo químico intenso e sobreviver - tal qual o príncipe de A Bela Adormecida ao se proteger das chamas do Dragão, uma incrível acrobacia sem sentido em pleno espaço sideral e uma força física de uma personagem no minimo com metade do peso corporal do outro que ela não só carrega sozinha mas ainda sustenta,
incluindo uma ressuscitação
o personagem Gus (vivido por Laurence Fishburne) um homem mais velho negro que faz parte obvio da tripulação, desperta tbm,
Mas, o filme funciona para o publico que visa ver um romance. Um romance amparado por um aparato técnico impressionante. Principalmente o design de produção visual, e a sonoplastia que cria uma dinâmica espacial verossimel. Acreditamos realmente na imersão daquela realidade. A fotografia extremamente limpa e clara, confere um requinte lindo se assistir a produção. E ha uma sequencia em particular envolvendo uma perda de gravidade, que é espetacular.
Com um final piegas, mas previsível, o filme é um emaranhado esteticamente lindo de sexismo, misoginia, de romantização de abusos, machista e que faria completo sentido se fosse filmado na década de 50.
Para quem conseguir se desligar de cada um desses aspectos em função da beleza e simpatia dos dois personagens, em função de assistir um romance, e buscar apenas entretenimento, onde 'um erro pode significar um amor verdadeiro', muito que bem. O filme serve. Mas, sinceramente, para mim não.
Um desserviço as lutas da atualidade.
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Capitão Fantástico
4.4 2,7KAssisti por esses dias ao filme "Capitão Fantástico", do diretor - que também assina o roteiro - Matt Ross, e que de modo extremamente resumido, poderia ser descrito como um filme multigenero (ou ao menos é a impressão que ele causa).
Numa verve que mescla por vezes algo como 'A Vila' de Shyamalan, um road movie a la 'Da Natureza Selvagem', de Sean Penn ou mesmo 'Wild', de Nicolette Krebitz. Ou ate mesmo momentos que lembram clássicos da sessão da tarde como "A Fortaleza" de Arch Nicholson.
No entanto 'Capitão Fantástico' possui uma peculiaridade que transcende sua característica de se enquadrar nos gêneros da comedia, drama, aventura, roadmovie, indie e etc; ele possui um cerne politico e ao mesmo tempo paternalista que coexiste de forma por vezes explosiva e magnifica.
Ben, (vivido de maneira plena e arrebatadora por Viggo Mortensen, que demonstra em cada olhar, respiração, apreensão e discursos, na forma de olhar silencioso, ou no tom exasperado de voz numa bronca ou num carinho todas as dores, orgulhos, desesperos e afetuosidade de um pai dedicado, o pq tem sido merecidamente lembrado nas premiações da temporada), é o pai de 6 filhos: Rellian, Zaja, Nai, Bodevan, Kielyr e Vespyr. Ben cujo os filhos se referem a ele como Capitão (daí o titulo do filme) é um homem que decidiu junto da esposa, abandonar de vez as convenções da sociedade, embrenhada em seu consumismo, fascista e capitalista plastico, para viver uma vida de contra cultura, espelhadas nos ensinamentos e ideologias essencialmente de Noam Chomsky e vertentes de esquerda, voltando-se contra o sistema, para educar seus filhos - de sete a 18 anos de idade - na natureza. Ali, ele os ensina a caçar, a desenvolver condicionamento físico em busca de sobrevivência, dormem sob a luz da lua, plantam a própria comida e caçam a carne que os alimentara, com flechas e facas. Nesse meio tempo, Ben ensina seus filhos desde física quântica ate politicas sociais, matemática avançada, biologia, historia, literatura e questionamentos que inspirem a interpretação individual e critica acerca de tudo a sua volta, musica clássica - desde seu entendimento e surgimento, ate aspirações artísticas para tal, ensinando-os a cantar e tocar instrumentos musicais.
Ate que sua esposa fica muito doente e precisa voltar a civilização para obter tratamento adequado. Algum tempo depois, a noticia de sua morte - por suicídio - vem a tona, e Ben e seus 6 filhos partem rumo a seu funeral organizado pelos pais cristãos da mulher, para garantir que sua ultima vontade deixada em testamento seja cumprido - como budista, ela desejava ser cremada e não enterrada.
É sob essa primeira premissa que o filme se estabelece, no entanto seu teor que mescla humor, por vezes bizarro, que vai do excêntrico ao brutal; com dramas de sociabilidade que colocam em pauta cada uma das bases da contracultura de forma pratica e não só teórica; vai alem, e nos apresenta uma jornada que fala tanto de como as escolhas pessoais de cada um nem sempre são as escolhas corretas para o todo, e principalmente que a liberdade que habita o ser humano se estabelece justamente em sua total independência de traçar o caminho que lhe convir, e nem sempre uma conjuntura libertaria deixa de ser tão ou mais autoritária do que as que visam combater. E sob isso, o filme ainda conversa com o sentimento e relações fundamentalmente paternalistas da própria sociedade, mas mais focada no âmbito familiar. O amor de um pai que suplanta suas próprias convicções, em ações e ideais de amor pleno a suas crias, nem que para isso precise combater todo o planeta e ate a si mesmo.
Amparados por uma trilha sonora envolvente e funciona, que conta com um momento particularmente magico e extremamente emocional - e ate mesmo bizarro dependendo do grau de conservadorismo e 'moralidade' que se possua, com uma versão de "Sweet Child O' Mine" do Guns N Roses, e uma fotografia saturadíssima, que encontra seus melhores momentos nas cenas da natureza, com especial destaque ao inicio da projeção e ao final, e que contrasta ate que bem com o aspecto mais limpo e caótico, puxado para o cinza da cidade, o filme possui um estudo sobre sociabilidade muito interessante diante da sociedade atual tão polarizada ideologicamente, com questionamentos que por mais que se amparem no humor leve e quase didático, são funcionais para discutir e apresentar essas problemáticas entre os dois lados existentes.
Um exemplo é a maneira que o filme surge, onde na cena de abertura, o filho mais velho Bo (George McKay) aparece todo sujo de lama, de modo selvagem rasgando e terminando de matar um cervo. Eis que surge seu pai e seus irmãos igualmente parecendo que saíram de alguma tripo, e contemplam orgulhosos a caça, como se fosse um ritual, com direito a sangue no rosto e o coração ainda quente do animal sendo mordido aos olhos de um pai extremamente orgulhoso; Para no momento seguinte observarmos crianças de 7 a 18 anos, prepararem o animal abatido para a ceia, cortando-o, retirando seu sangue, arrancando sua pelagem, e etc, como qualquer povo tribal fazia e faria.
Ou mesmo quando vemos que apesar de se desligar da sociedade, o pai constantemente junto ao filho mais velho, parte rumo a civilização para trocar seus artesanatos e colheitas por dinheiro para poderem abastecer desde o grande ônibus que possuem para se locomoverem ate la, ate para comprarem alimentos que não conseguem adquirir da floresta que estão residindo, bem como para terem noticias da mãe internada.
Ou então na sequencia em que parados pela policia, os filhos soltam uma sucessão de "treinamentos" para tal situação, onde encarnam fanáticos e fervorosos religiosos, por saberem que tal técnica os livrarão de qualquer pergunta ou castigo, uma vez que vivemos numa sociedade essencialmente cristã e que possui uma relação de medo e devoção misturados com tais doutrinas.
Outros momentos como quando continuamente o filho mais novo surge entoando a máxima "Poder ao Povo. Abaixo o sistema!", que embate diretamente com uma das frases de abertura do longa que afirma: ''Marxistas podem ser tão genocidas quanto capitalistas".
E sem falar obviamente da complexidade de relações interpessoais familiares que essa ordem ou desordem causam, quando vemos o filho Rellian, pouco a pouco se rebelar contra toda essa ideologia ao se ver literalmente machucado e cansado, e por consequência se voltando contra os ideais paternos, quando o mais velho surge timidamente inadequado para convenções sociais, sem nem saber como conversar com o gênero oposto e secretamente sonha em cursar uma faculdade, ou as crianças sem saberem o que é uma coca cola, ate mesmo a forma explicita que o pai explica a uma garota de 8 anos, uma de suas filhas o que é estupro e sexo, ate a forma que os filhos aos poucos vão demonstrando conjunturas politicas matrizes embaçadas no anarquista, outra na taoista, e, claro os marxistas. Dessa força, é interessante como a linha tênue entre bem e mal, ruim e bom, certo e errado, assertivo e errôneo, não se limitam. São fluidos. Assim, ambas as posições ali fundamentadas possuem igual valor e coerência.
O filme no entanto, perde força, quando tenta claramente se estabelecer muito mais no expositivo do que no discursivo, ou seja, próximo ao terceiro ato, se nota uma condução que visa estabelecer o meio termo entre essa discussão. Colocando em xeque o que vimos, sem saber se a intenção do filme era demonstrar de maneira sarcástica quão errônea é essa ideologia social, ou se visa reafirmar que ela é necessária e urgente e principalmente possível. No final, o caminho encontrado trava no meio termo, como se o filme se resumisse em dizer que 'tudo que é extremo e em excesso é ruim.". Ainda que esse pensamento seja verdadeiro ele contrapõe co a logica social construída por aquela família no filme, uma vez que ela denota que para que isso ocorra é necessário uma certa segurança econômica e intelectual que não abastece o montante social que a própria ideologia visa libertar.
(E eu particularmente me incomodei com o extremo paternalismo que se estendeu não ao simbolismo mas ao gênero em si, por desenvolver apenas os personagens masculinos com arcos narrativos e dramáticos definidos. São somente os filhos homens de Ben que surgem como questionadores lúcidos e combativos aos ideais do pai. As meninas por mais que tenham pensamentos críticos avançados, jamais parecem criar conflitos contra aquilo, aceitando cada decisão passivamente. O que contrasta com a submissão própria do esteriótipo elitista pretendido pelo diretor quando conhecemos a avo das crianças.)
Com um final que reforça o sentido de amor, devoção e fidelidade alem da compreensão entre pais e filhos, o filme emociona ao nos fazer acreditar - mesmo diante de alguns absurdos de verossimilhança - o que reforça o tom fantástico como gênero e não somente de adjetivo da película, mas tal qual uma fabula (não por acaso o figurino é uma excentricidade a parte), que no final das contas, não importa muito as teorias e academicismos do mundo. O que realmente importa, é a vivencia da possibilidade das escolhas em embrenhar-se por A ou B, onde aja acima de tudo o amor e afeto entre aqueles que se amam. Pois, a vida em Natureza em Sociedade pode e deve ser vivida. E nada mais.
Recomendadíssimo.
Manchester à Beira-Mar
3.8 1,4KO sofrimento humano, carrega diversas características e maneiras de serem sentidas. Cada pessoa, possui um limite tênue do que suporta e do que os faz se abalarem.
Para uns, a dor física é maior que a dor da alma. Para outros o sofrimento da antecipação é maior do que a do ocorrido. Mas, algo é inerente a todos nós: Toda dor é gelada, ainda que surja queimando no peito cada vez que as sentimos e lembramos.
E ''Manchester a Beira Mar'' (Manchester By The Sea) compreende bem isso, ao nos trazer um filme que antes de tudo é um estudo de personagens (no plural) e um estudo detalhado e brutal sobre a dor.
Dirigido por Kenneth Lonergan, ''Manchester'' já se apresenta numa logica visual que permeia toda a narrativa, que nos insere exatamente no clima daquela historia.
Lee, vivido por Casey Affleck, é uma especie de zelador faz tudo, em Boston, EUA. Rabugento, fechado, antipático, sempre com uma cara blasé e indescritível de expressões alem da aborrecida e e aparente melancolia, ele vive sua vida em função do trabalho. Trabalho esse que consiste desde limpar privadas, pintar paredes, desentupir canos, limpar calhas e tirar camadas de gelo dos apartamentos e casas. Sempre fechado, o solitário homem, ocasionalmente se mete em brigas que ele causa sem aparente motivos - uma especie de babaca gratuito.
Após uma ligação, Lee parte para sua cidade natal, Manchester (EUA), onde seu irmão mais velho Joe (vivido carinhosamente por Kyle Chandler), está prestes a morrer, devido a uma insuficiência cardíaca. Chegando ao hospital, porem, não ha tempo para Lee se despedir do irmão mais velho que falece uma hora antes de sua chegada. Joe era divorciado, apos sua esposa ter abandonado ele e o filho Patrick, atualmente com 16 anos (vivido por Lucas Hedges). Assim, resta a Lee cuidar de todos os preparativos da morte do irmão enquanto lembranças do passado, que jamais o deixaram, começam a retornar, lembrando do por que ele deixou aquela cidade para trás, enquanto tenta decidir o que fazer com a tutela de seu sobrinho.
É diante dessa sinopse - que conscientemente ocultei qualquer outra revelação a mais para não estragar a experiencia da historia , que o diretor assume um instigante e nada fácil, trajetória de um homem que ha tempos desistiu de tentar enxergar qualquer coisa de bom na vida, e que se entregou a sua dor pessoal e particular.
(E aqui já alerto, o filme não foi feito para ser bem aceito de imediato do grande publico, e explico o porque adiante)
Aos poucos, o filme vai nos revelando o que ocorreu no passado de Lee que o tornou o homem apático que é hoje. E essas revelações vão nos aproximando de maneira brutal e terna, ainda que caótica a seu temperamento, onde tudo se justifica de maneira plena. Com flahsbacks com cortes sempre secos e abruptos, o filme compreende bem a trama que esta conduzindo. É como se as memorias de Lee que surgem nos momentos mais imprevisíveis, dependendo de uma conversa, um cheiro, um tom de voz ou musica, ou mesmo uma conversa, surgem da maneira que a dor por algo traumático atinge o ser humano. Sem aviso, sem sutileza, sem diferença entre alegorias e temporalidades.
Assim, o trabalho de fotografia é essencial em mostrar como o interior dessa existência de Lee. O filme todo se passa no inverno rigoroso. Paletas de cores frias, cinzas, com um ar melancólico e sempre gélido se estendem no filme. Mesmo as lembranças do passado, possuem a mesma iluminação amena e apática, ainda que com tons aqui e ali mais quentes, para dar a ideia de que mesmo no inverno, havia felicidade naquela vida passada, onde hoje no mesmo tipo de inverno já não existe espaço para calor.
E essa transposição de fogo e gelo não se dá apenas como estilo narrativo e visual, tem função narrativa quando nos é revelado numa dinâmica de construção narrativa diferente da habitual hollywoodiana. E é aqui que em termos de mainstream o filme pode sofrer, quanto a receptividade do grande publico. Manchester a Beira Mar, não segue a cartilha imposta por Hollywood e a maioria da industrias cinematográficas sobre a forma de conduzir uma narrativa. O habitual que temos em todos os filmes, quase que uma formula pre estabelecida, ótima e funcional, é a de que termos uma trama com um problema a ser resolvido, uma trilha sonora que represente cada situação mostrada(que embale), o bem e o mal bem definidos seja em que forma for, e uma construção de historia bem definida sobre o que é o que em cena.
Pois, como dito anteriormente, os cortes de flahsback que mostram o passado, surgem sem aviso, nem de trilha sonora, nem de ação. Alias, a trilha sonora aqui assume a função quase diegética diante de Lee. Ou seja, a trilha que permeia a narrativa funciona como uma especie de zumbido descompassado sobre a mentira que Lee se entende em vida atualmente. Ele é um ser humano sem estrutura, como tal, a musica ao seu redor (que aqui seria a trilha sonora para os em função da historia), acaba reforçando esse sentimento. De incomodo, de que há algo errado, não usado corretamente. Essa especie de linguagem adotada, torna o próprio filme uma extensão daquele protagonista que estamos vemos. A logica da construção do filme é a mesma logica do interior daquele homem. Como se o filme em si, fosse a própria metalinguagem do que estamos vendo nele. Assim, quando descobrimos finalmente o que ocorreu com seu passado, o gelo a sua volta, sua postura diante do luto do irmão e da vida geral, se compreende. E massifica uma complexidade gigante de ate que ponto uma pessoa pode suportar respirando quando todos os significados de continuar a sorver o ar, lhes foram tirados, seja pela vida ou por uma aparante culpa.
Essa complexidade se estabelece a seu sobrinho Patrick, cujo o ator revela um talento tal para nos mostrar as diferentes sutis de como lidamos com o luto. Se Lee se fechou dentro de si, dentro de cada camada infernal que guarda, Patrick, que acaba de perder o pai e melhor amigo, nos revela a força da juventude em seguir em frente mesmo diante das adversidades, ainda que frágeis justamente e igualmente por sua pouca idade. desse modo, o filme encontra o seu poder, justamente na dinâmica entre Tio e Sobrinho. Onde ha espaço ate para uma especie de humor mórbido na maneira que ambos conseguem ir se encontrando diante de cada uma de suas perdas e perdidos.
Michelle Willians, possui um papel tímido aqui, mas que em apenas uma sequencia revela uma força que explica suas indicações a prêmios na ultima temporada. Ela carrega parte desse inferno de dor gélida de Lee, mas a transpõe de forma oposta, mas igualmente genuína, num dos momentos mais emblemáticos de todo filme, que talvez configurem a cena mais marcante do cinema mainstream do ano passado. carregados por uma onda de sentimentos quase palpáveis, que os unem e igualmente os separam, os dois personagens transmitem uma eclosão de ditos e não ditos, numa atuação emocionante desesperada e tocante de Willians. É realmente impressionante.
Mas, é Affleck que realmente brilha aqui. Notem como por exemplo ele consegue em cada silencio, em cada olhar que hora ou outra, surge aturdido, ou melancólico, transmitir a sensação de que estamos vendo alguém preso dentro de si mesmo. Um homem agonizando e que não pretende ser salva. Dessa forma por exemplo, é simbólico que ele tenha escolhido se tornar um faz tudo, que nada mais é do que realizar tarefas de limpar sujeiras e consertar coisas quebradas outras pessoas. Uma especie de punição mas que revela o quanto parte de seu eu mais intimo tenta a todo custo limpar e consertar aquilo que lhe foi destruído.
Da mesma maneira é notável uma cena onde ao pegar alguns congelados no freezer, o sobrinho surge num ataque genuíno repleto de significado justamente por aquela ação que desempenhava na geladeira, o que trás atona tanto as camadas que ele tenta esconder para aguentar viver seu luto, como mostra uma interação de seu tio tentando ajuda-lo, numa mescla de carinho, brutalidade e maneira desajeitada. terminando numa cena terna, dele olhando seu sobrinho, quase um homem feito, dormindo, silenciosamente, como quem guarda.
Ou mesmo como diretor compreende essa caraterística humana de lidar com perdas e traumas, ao nos estabelecer diante de cenas extremamente lentas e silenciosas (como a do funeral) ou como na que seu sobrinho observa 3 fotos em portas retratos de seu tio, imediatamente compreendendo melhor aquela figura diante de si, sangrando. E se o titulo do filme, poderia apenas remeter a uma escolha casual, quando pensamos no papel do mar e das embarcações, mesmo diante do congelamento das águas daquele lugar, percebemos que o filme não perde de vista nem por um segundo sobre aquilo que esta trabalhando, uma vez que é justamente naquela imensidão sem fim fria mas igualmente fascinante que embarcamos numa mescla de contemplação respeitosa, perigosa e fatídica, de que nem sempre nossas vidas conseguem encontrar redenção. Alguns episódios, algumas escolhas, algumas decisões e fatos em nossas vidas surgem, ocorrem sem volta, sem recuperação. E ela nos acompanham por toda a vida e alem dela, como algo cravado dentro de nós sem possibilidade de se libertar, pois nos tornamos parte daquela coisa.
E se é que é possível, toda essa carga dramática, não nos é mostrada de maneira piegas ou forçada. Em nenhum momento o filme aparenta querer nos levar as lagrimas, ou a emoção. elas ocorrem por si só pela maneira crua que é revelada. Pela maneira verossímil e empática que cria em cada espectador ao ser confrontado diante daquela trama, que pode estar numa tela, mas é inerente a cada um de nos, atualmente, no passado ou com toda certeza em algum momento de ossas vidas. Não é uma experiencia fácil de ser assistida.
E ao final, ''Manchester a Beira Mar'', revela que talvez, o grande segredo diante desse fato, seja justamente tentar aprender a reexistir diante daquela ferida, sem necessariamente esperar uma cicatrização. Apenas, talvez, aprender a sentir seu calejar, como parte do corpo, tal qual o ribombar do coração.
Recomendo - apesar de recomendar que tomem cuidado com a extrema bad que pode causar.
Meu Nome é Ray
3.3 269Hj mais cedo, eu postei uma lista com vídeos no YouTube, Filmes e Séries que abordam como tema a comunidade T. >> (https : // www. facebook. com / photo.php?fbid=1344266272278235&set=a.274158905955649.65074. 100000846245090&type=3&theater << tirar os espaços)
Na lista, coloquei o filme "About Ray" único que ainda não havia assistido e pqp que erro. De ter colocado na lista, e de assistir.
About Ray que veio com o nome de "Meu nome é Ray" mas originalmente recebeu o nome de Três Gerações. E por mais que o filme realmente transborde boa intenção ele comete um erro grave de condução. O filme não é sobre Ray. É sobre Maggie, interpretada por Naomi Watts, que faz a mãe de Ray.
O filme da diretora Gaby Dellal, usa a identidade trans de Ray e sua busca por conseguir Testosterona e readequar seu corpo à sua identidade apenas como pano de fundo para dissertar sobre a crise existencial de sua mãe. O Personagem de Elle Fanning em nenhum momento duvida de quem é. Ele sabe que é um homem, em busca de adequar sua imagem e sua realidade ao que ja é por dentro desde sempre. A atuação da atriz é soberbo mas não apaga o fato de que o filme tenta nos conduzir para a vida de Ray quando na realidade - e notem como isso é equivocado inclusive de forma quase que transfobica ironicamente - a existência transsexual do filho é apenas um aparato de sustentação como metáfora e simbolismo para a situação de crise da mãe. Que apos um romance desastroso, e com a perspectiva de ver seu filho se identificar com um gênero diferente do designado ao nascimento, permanece estática perdida, morando na casa da mãe vivida por Susan Sarandon e sua esposa, num emprego falido, sem finanças ou meios de independência aparente. Assim quando Maggie duvida se deve assinar os papeis permitindo o tratamento hormonal para o filho, na realidade ela duvida da própria capacidade de seguir em frente assumindo sua própria identidade quanto mulher, Mãe e filha. E isso é muito interessante para esse personagem, mas soa ofensivo diante da complexidade tão urgente e importante que é a existência trans. O filme ainda tenta suavizar da maneira errada toda a trama com um humor quase pastelão em horas totalmente inadequadas. O que é completamente inverossímil. Uma vez que a Mãe de Maggie é lésbica assumida.
Ou seja, temos duas mulheres, uma lésbica e velha casada com uma mulher, uma madura mãe solteira de um menino trans que ainda é lido como menina. Essa trama por si só não configura uma vida tranquila repleta de humor e suavidade como o filme conduz tudo. Nem mesmo cinematograficamente falando ha um acerto de tom, uma vez que a fotografia é clara demais, aberta demais. Iluminada demais.
Vez ou outra vemos uma objetiva turva, um plano sendo mostrado escondido, ou um bobo espelho em frente a uma escada em espiral de madeira. Soa artificial. Bem como uma revelação no último ato onde nem mesmo as atuações se sustentam.
Um filme esquecível que infelizmente se perdeu em si mesmo. Uma pena.
Sete Minutos Depois da Meia-Noite
4.1 992"Como um príncipe pode matar, e ainda assim ser adorado por seu povo?
Como um boticário pode ser mal-humorado, e ainda assim ser justo?
Como homens invisíveis ficam mais solitários, ao serem vistos?
Humanos são criaturas complicadas.
Acreditam em mentiras agradáveis, reconhecendo a verdade dolorosa que as tornam necessárias."
A mente humana é um solido de fluidez orgânico, com uma magnitude tal que se equipara a mesma grandiosidade e mistério do próprio universo. Nossa mente de coisas inimagináveis ate mesmo para ela própria compreender. Assim, ela tem sido material de estudo, debate e discussão, desde a filosofia a ciência, a religiões, matemáticas e arte. A própria vida humana se configura para a ciência a partir da mente e não do pulso do coração.
O cinema e a literatura, tem usado a mente humana para refletir e desenvolver inúmeras tramas, para transpor toda sua força e complexidade. Exemplos como "O Labirinto do fauno" do mestre Guilherme Del Toro, usou numa verdadeira obra prima, conceitos inclusive da psicanalise para denotar a historia de uma garota que criou todo um universo fantástico e macabro para poder suportar sua própria realidade caótica e difícil.
Desta mesma forma, vemos ressurgir um eco de Del Toro aqui, em "A Monster Calls" (em tradução livre "O Chamado do Monstro"), adaptação da obra de sucesso e de mesmo nome, do autor Patrick Ness que também assina o roteiro do filme, dirigido pelo inconstante mas talentoso, diretor espanhol Juan Antonio Bayona (J. A. Bayona), que debutou no mainstream com o ótimo "O Orfanato" e os duvidosos hollywoodianos "O Impossível" e os mais recentes "Guerra Mundial Z'' e ''Jurassic World''.
sob a trama que conta a historia do garoto Connor (vivido por Lewis MacDougall) de apenas 13 anos de idade, aspirante a ser desenhista, que sofre constantes e diários bullying, inclusive de violência física, na escola; e enfrenta um drama pesado para sua idade em casa. Sua mãe (vivida por Felicity Jones), sofre de uma doença terminal, cujos tratamentos não estão mais surtindo efeito. Deste modo, Connor, que vive sozinho com ela, é obrigado a amadurecer alem do que sua idade exigiria para cuidar das crises da mãe e dos afazeres da casa. Alem de permanecer sempre desconfortável com as esporádicas visitas - cada dia porem, mais constantes - da avó (vivida por Sigourney Weaver) com quem não possui uma boa relação. Seu pai os abandonou para viver com uma outra família em outro país.
Eis que uma certa noite, quando o relógio marca exatas 00h07, Connor é visitado por uma criatura - que se assemelha muito ao Monstro Groot de "Guardião das Galaxias"; (voz de Liam Neeson) que emerge das profundezas de uma antiga arvore milenar, um teixo, que fica ao centro do cemitério local do bairro e cujo a vista é acessível pela janela de seu quarto. Essa criatura sem nome, diz a Connor que o visitara constantemente sempre no mesmo horário, para lhe contar 3 distintas historias. E que ao final delas, ele deveria retribuir, contando uma quarta historia, que seria composta pela verdade acerca de seu pesadelo. Pois Connor é atormentado todas as noites por um mesmo pesadelo constante.
E é sob essa premissa, que o filme discorre, sobre a profunda e dolorosa questão de vida e morte, certo e errado, bem e mal. Bem como a busca por identidade inerente a todos seres humanos durante a vida, entre o saber quem se é, quem se quer ser, e quem se pode e consegue se tornar. reflete de modo quase que psicológico sobre a limítrofe entre a infância e a vida adulta, sob conceitos e símbolos que constituem a própria complexidade de caráter do ser humano. Tudo através desse aspecto fantástico e com clima de terror.
Tudo acentuado pela paleta de cores saturada em cinza e marrom, com iluminação que contrasta de maneira perfeita em termos de fotografia mesmo o clima ameno da estação do ano, que lembra um outono ou pré inverno.
O design de produção e a direção de arte também não faz feio ao desenvolver detalhes impressionantes tanto no que diz respeito a cenografia dos ambientes que compõe a casa da avo de Connor, e sua própria casa e quarto, ate, as destruições dos entornos causados pelas aparições do da Criatura, que conforme o filme avança vai se apresentando mais delimitada e palpável. Uma coerência dos efeitos especiais e visuais que compreendem a dinâmica da existência daquele universo. Tudo aquilo consiste na força ou fragilidade do terror, do inferno e da busca por graça e redenção daquela criança que não é nem tão infantil e nem remotamente ainda adulta. Assim, os efeitos visuais começam com efeitos simplistas e ate com aspectos de baixo orçamento, para irem adquirindo cada vez mais detalhes e exatidão de formas e jeitos. Isso se estende na própria atuação do menino. Que se inicia a projeção de maneira tímida e de fato apagada e invisível tal qual seu personagens e sente diante do mundo, conforme os minutos avançam, ele vai ganhando mais força e eclode num momento de atuação marcante e impressionante para sua idade, onde ele consegue transmitir toda a confusão, sofrimento, dor e no entanto desamparo que a situação necessita, na forma de ter a voz falha ou na maneira de timidamente fechar as mãos em punho por exemplo.
Mas, é nas parte em que os desenhos de Connor ganham vida em forma de aquarela, como animações entre o 2d e o CGI chapado que o filme impressiona bela beleza melancólica que esse visual transmite. As historias que a criatura conta - todas com peso dramático e de significados profundos e significantes para toda a trama, que se encaixam quase que pedagogicamente na vida de Connor - surgem em tela e na visão do menino como formas de seus próprios rabiscos em aquarela. (Lembra o que vimos na animação utilizada para contar a historia dos Três irmãos Mágicos' em Harry Potter e as Relíquias da Morte ). Cada uma das historias contadas, possuem um valor e um ensinamento diferente que se complementam e criam significado nas ações e comportamentos imediatos ou sutis do menino. Nada esta ali gratuitamente, mas esse desenrolar só ganha sentido pleno ao final, onde o roteiro se mostra extremamente amarrado.
Isso nos leva para os diálogos, conduzidos de forma bem impressionante, e onde na verdade se encontra a maior valia da trama, que realmente engana por sua característica de Fantasia e ares de terror. É no texto que o filme revela-se muito mais como um drama emocional que em nenhum momento se permite - ainda bem - cair no clichê do melodrama produzindo emoções e lagrimas gratuitas. Muito pelo o contrario. A entrega daquela situação não nos é dada de forma fácil e atirada. Se a emoção nos atinge, nos atinge por conta da nossa identificação pessoal de vivencia ou empatia com aqueles questionamentos comuns e inevitáveis a todos nós em alguma fase da vida.
Talvez o filme oscile um piuco em pesar a mão na trilha em alguns momentos onde o silencio seria melhor do que os pianos e violinos.
“Não há nada de errado em querer que a nossa dor acabe. Porque isso é a coisa mais humana que existe”.
dessa forma, ao final, é praticamente irresistível não se sentir tocado pela historia daquele menino, num final esperado e temido, mas que em nenhum momento deixa de nos surpreender pela maneira que é mostrado. Nos arrancando lagrimas copiosas e uma reflexão pessoal e talvez unica para cada um do sobre o que é estar vivo e e estar a viver.
Este longa espanhol - que apesar do elenco não é norte americano -, é um achado difícil de se ver, mas belo em sua forma mais trágica de ser real, ao se apresentar tão fantástico e tenebroso.
Recomendadíssimo.
Kubo e as Cordas Mágicas
4.2 635Direto dos Estúdios de animação Laika, que já nos brindaram com os interessantes "Os Boxtrolls'', ''Paranorman'' e o mais famoso ''Coraline'', sob as mãos do diretor Travis Knight; "Kubo e as Cordas Mágicas'', nos traz uma animação soberba com uma impressionante gama de detalhes técnicos e uma trama sombrio, melancólica e ao mesmo tempo, terna e cativante, que fala sobre amar mesmo diante das diferentes, o conceito de eternidade após a morte e principalmente subverte o conceito de família, onde ela não se encontra necessariamente no sangue, mas naquilo que se sente e se compartilha.
A base de todas - ou a grande maioria - das animações ocidentais, permeiam a logica moral e de costumes, de que a família de sangue é o amparo inigualável e inquebrável de doação e resgate que cada um de nós seres humanos possuímos.
A ideia de que 'não ha lugar como nosso lar' é engajado em contos e fabulas de tal forma, que nos dá a ideia de que é onde esta nossa base de origem familiar que se encontra a paz e maior valia sobre o que se vale a pena viver.
Kubo, transforma essa logica, nos contando uma trama onde o maior perigo que nosso herói enfrenta vem justamente de sua família.
A trama gira em torno de Kubo, um garotinho que ainda recém nascido foi salvo pela própria mãe, ao serem perseguidos, tendo seu olho esquerdo arrancado pelas mãos do seu próprio avo e de suas duas tias (pai e irmãs de sua mãe). tendo estes assassinado seu pai, que deu a vida para salvar a ele e a esposa.
Passado alguns anos, Kubo vive durante o dia contando historias no vilarejo onde mora para arrecadar dinheiro e sustentar sua mãe que já esta debilitada e perdendo pouco a pouco a memoria - sequelas de seu embate com sua família para salvar seu único filho). Mas, Kubo herdou os poderes da mãe. Pois, sua mãe era uma feiticeira que conseguia tal qual ele 'animar' objetos inanimados, principalmente papeis para origami, através de um shamisen -banjo de 3 cordas - magico. Mas, assim que o sol de poe, Kubo precisa voltar para casa no alto de uma íngreme colina, na proteção de sua mãe, pois durante a noite, suas tias más e seu avo o Rei da Lua, poderiam enxerga-lo e retornar para terminarem de arrancar seu único olho restante.
Sob essa atmosfera macabra, o filme se desenrola numa verdadeira aventura de tragedias e obscuridades, onde Kubo ainda conta com a ajuda de Uma macaca e de um Besouro Samurai.
O que mais impressiona em Kubo alem da trama sombria sendo contraposta com o tom fantástico incrível - notem como por exemplo as mascaras que as tias de Kubo exibem sobre os rostos lembram bastante as expressões frias e sobrenaturais dos mais aterradores filmes de terror. Com aquele sorriso de cólera congelado com olhos como fendas negras -, é justamente seu design de produção, que de forma atípica concorre ao Oscar esse nessa categoria. E não por acaso, uma vez que é espantoso a forma que as formas e as ações, ambientes na animação de movimentam e possuem detalhes tais que nem mesmo alguns dos melhores filmes live action possuem.
Como por exemplo os pelos da macaca que parecem se movimentar pela influencia do vento de maneira independente e desordenada, ou mesmo o mar que surge plastificado mas com textura tal que por instantes parece que estamos vendo alguma pintura de óleo sobre tela. Ou mesmo as cores, que desempenham um papel fundamental de profundidade e quase realismo principalmente nos tons mais escuros de noite. Ou ate mesmo as expressões dos personagens, principalmente de Kubo e da macaca, que com o olhar vão da tristeza a melancolia, da alegria a emoção, da compaixão a raiva em questão de segundos apenas com pequenos gestos na boca, em rugas aqui e ali. Considerando que o rosto de Kubo aparece quase que em totalidade na projeção oculto em 60%. E apenas um olho. - o outro é oculto por um tapa olho e por sua franja.
É impressionante pois tal qual Coraline, estamos diante de uma animação em stop motion. Que precisa registrar frame a frame milésimos de segundo de cada movimento e característica da película de cerca de uma hora e quarenta, para se ocorrer. Aliados com pontuais CGI, o filme ganha uma estética unica, que nos imerge ainda mais naquela fantástica aventura tipicamente oriental ainda que com macetes ocidentais hollywoodianos. E nesse ponto, pode ser que algumas pessoas, ainda mais as admiradoras das animações orientais se incomodam um pouco com o tom de representação de personalidades. Mas, tudo é apresentado de uma maneira respeitosa, quase como se o diretor venerasse a cultura oriental desde a trilha sonora, aos seus costumes e figurinos, ou mesmo certos movimentos ao andar dos personagens. E isso é um diferencial na industria.
Com um final que não só reafirma essa ideia de que família é onde se encontram os mesmos ideias e valores e não onde se esta o mesmo sobrenome e sangue necessariamente, o filme nos brinda com uma alegoria de metáforas e símbolos com os olhos de Kubo, que remetem a visão, ao enxergar, coisas alem das vistas, incluindo o conceito terreno e findável de morte, 'multividas' e o papel das lembranças e da memoria na manutenção da humanidade.
E nesse quesito Kubo assume quase que um estudo sobre nossa própria característica do cinema e na sociedade de contar historias. A metalinguagem que esse conceito adquire, nos transportar para a importância da arte refletir seu tempo. A ideia de que arte conta uma historia, e que por isso mesmo ela se torna imortal, enquanto uma pessoa no mundo se propor a levar essa lembrança dela pra frente, para outras pessoas.
Memorias não são só memorias.
E essa mensagem é poderosa nos dias atuais, onde a arte vem sendo tão hostilizada bem como a educação e a cultura. Essa animação que foi feita para adultos com aparência de ter sido feito para crianças, nos lembra e alerta sobre isso. Tal qual uma correnteza de rio repleta de lanternas de papel para a travessia do conhecimento daquilo que nós sentimos rumo a eternidade.
Lindo, emocionante e recomendável!
Até o Último Homem
4.2 2,0KMel Gibson, aquele cara escroto que no entanto é desgraçadamente bom como ator e melhor ainda como diretor. Ainda que seus filmes, reflitam de maneira ordeira justamente sua escrotidão.
"Hacksaw Ridge" seu mais novo filme narra a história real do soldado Desmond Doss; vivido com competência digna de sua indicação a estatueta de melhor ator - e melhor filme; por Andrew Garfield (do mais recente Homem Aranha) que durante os ataques à Okinawa pelas tropas americanas, e a tomada do desfiladeiro de Hacksaw, uma zona crucial para dominação do território japonês, na Segunda Guerra Mundial, conseguiu salvar cerca de 75 homens, sem nunca ter colocado as mãos numa arma de fogo.
Sim, Doss foi o primeiro Objetor Consciente a receber a Medalha de Honra por seus esforços atípicos durante a Guerra.
Doss é Adventista e extremamente devoto as leis de Deus, por tanto acredita que tanto quanto os sábados são sagrados, matar é imperdoável e injustificável sob qualquer contexto, mesmo num contexto de Guerra. Mas, ele também acreditava que como homem, deveria servir ao seu país. Então resolve se alistar para atuar como medico.
Desde o incio o filme retrata a vida de Doss como uma trajetoria abençoada divinamente. Incluindo uma passagem piegas mas funcional pro roteiro, que assemelha a relação de Doss com o irmão com a de Caim e Abel. E não por acaso, o pai de Doss, um sobrevivente alcoólatra e abusivo (vivido por Hugo Weaving - de Matrix), da Primeira Guerra Mundial, surge como um ser amargurado e que coloca as convicções de Doss no limite durante a infância, sempre que este o nota sendo violento com sua mãe.
Depois acompanhamos Doss numa incursão pelo grande amor de sua vida, a enfermeira Dorothy (Teresa Palmer, do recente Quando as Luzes se Apagam), e seu alistamento ao exercito, onde obviamente sua ideologia de jamais matar, e nem se quer encostar numa arma entra em conflito com as leis do exercito. fazendo-o ter de enfrentar o risco de ser preso e ser julgado por uma Lei Marcial por desobediência e traição ao exercito americano.
E por fim, vemos toda a ação de Doss, na Guerra em si.
É preciso compreender que todo filme possui uma ideologia, e esta ideologia pode ser tanto externa (politica, social), quanto interna (pessoal que reflete as ideologias pessoais do realizador). Isso é importante salientar para entender o por que este filme soa ao mesmo tempo antibélico, mas extremamente fascista no que diz respeito ao nacionalismo exacerbado que conduz sua trama.
O maior problema de Gibson é que ele confunde muito classismo com sentimentalismo, patriotismo com nacionalismo, e conservadorismo com doutrinação. Todos seus filmes como realizador, possuem a mesma formula. É a trajetória do flagelo humano em busca de uma transcendência divina. Foi assim com Paixão de Cristo, foi assim com a Apocalyptico. O cinema de Gibson parece se espelhar na sua própria ideologia de como ele se enxerga. Conservador ao extremo, com episódios de racismo e homofobia, e violência domestica dentre outros problemas inclusive na justiça, permeiam sua vida pessoal. E no entanto, ele transfere isso para seus filmes em representações de personagens que se tornam verdadeiros mártires de sistemas e leis humanas, amparados pelas próprias convicções das leis divinas que o movem, e apos uma sucessão de flagelos e violências e dificuldades encontram paz e redenção, na jornada. A dor que purifica. A injustiça que traz sabedoria.
E esse filme não escapa disso,. Assim é obvio notar que ele escolhe filmar Doss sempre amparado por uma luz branca ou dourada que em momentos esporádicos - do passado - surgem sempre envoltos por tons alaranjadas que dão uma sensação de amorosidade, de cadencia sentimental a fotografia. Ou mesmo quando vemos Doss adulto pela primeira vez, na igreja aos sons de coral, e um violino insistente ao fundo com ele sendo entrecortado por uma luz inexistente la fora, que vem diretamente para iluminar seu rosto passando por um vitral de querubins.
Alem disso o filme possui uma problemática urgente ainda mais nos dias atuais, quando se percebe que diferente de outros filmes de guerra, Gibson parece ser incapaz de humanizar o outro lado. Assim, os japoneses a todo instante desde que são citados ate aparecerem de fato, surgem como zumbis, monstruosos, desumanizados, quase como uma orla demoníaca que só existem para espalhar caos, bestialidades e horrores. Não ha interesse algum em mostrar o viés do outro lado. Inclusive o tom de quase santidade que Doss possui, é mostrada de tal forma como se a vitoria americana fosse dada por Deus. Dando a entender que eles são o lado certo sem sombra de duvidas. Como se atos políticos e embates de guerra não fossem mais complexos do que bem e mal.
Interessante notar por exemplo como na cena em que os soldados americanos chegam na montanha que dá acesso a vala onde ocorrera o embate (e essa subida e local já é simbólico o suficiente), um dos personagens pergunta a Doss se ele esta preparado para aquilo, se ele sabe que eles encontrarão o demônio ao terminar de subir. E Doss responde que sim.
E essa afirmativa de que o demônio se encontra naquelas terras se concretiza, quando ao subirem, são recebidos literalmente por pingos de sangue humano, e uma fumaça que lembra as causadas por enxofre. Logo, eles se encontram no próprio inferno.
E isso volta para a trajetória de flagelo de Gibson, ele faz seu protagonista ir literalmente quase ao inferno para se provar.
E ele finaliza, arredondando esse conceito, ao trazer inclusive um corpo repleto de feridas, abraçado a bíblia sagrada católica, num angulo que forma uma quase cruz contra luz, ascendendo aos céus - ainda vivo - numa maca.
No entanto, ainda que existam todos esses problemas ideológicos, principalmente xenofóbicos nas câmeras de Gibson - e é importante salientar que o roteiro não é assinado por ele, e seria extremamente curioso saber como seria essa historia escrita pelo diretor), "Ate o Ultimo Homem" pode ser considerado como um dos melhores filmes de guerra da ultima década. revelando sequencias muito mais dinâmicas que O resgate de Soldado Ryan por exemplo, Gibson revela uma aptidão extrema em mostrar corpos mutilados com realismo e convicção. Assim, não só participamos da guerra, mas a objetiva da câmera tem hora que nos coloca segurando as armas e atirando. Logo matando.O filme não o=nos faz somente ver a guerra mas nos leva para la e nos faz ser parte dela inclusive matando junto. Não é apenas um olhar subjetivo. É como se fossemos um dos soldados. Com uma construção quase que de dança ou balé vamos sendo embalados por explosões, fogo, tiros, poeira., lama, sangue, tripas, pernas mutiladas, cabeças arrebentadas, e corpos ainda vivos ou quentes sendo comidos por ratos e ratazanas. É talvez um dos registros mais fieis dos horrores insanos que uma guerra tal pode e é.
Tudo é extremamente cinematográfico e grande.
Assim, ''Hacksaw Ridge'' é inegavelmente um filme soberbo, muito bem executado, que conhece bem a formula hollywoodiana de arrancar lagrimas, aplausos e patriotismo, com foco a ir na contramão dos tempos atuais. É tecnicamente relevante, ainda que ideologicamente permaneça sendo extremamente excessivo e doutrinal de forma discriminatória como seu próprio realizador.
Talvez a melhor mensagem do filme no entanto seja justamente uma fala, num dos momentos mais geniais do diretor para a obra. No final, para validar mais ainda aquela quase biografia, vemos relatos reais dos soldados sobreviventes dessa guerra e do próprio Doss. Isso aproxima ainda mais o espectador daquela trama, espectador esse que já se encontra numa sucessão de choque e emoção que somente os filmes de guerra proporcionam, exaltando a bravura daqueles homens em prol de seu pais.
Um dos relatos diz que Doss sofreu extremamente durante o treinamento no alistamento pq ngm compreendia essa sua fé exacerbada. E que no final das contas, toda fé seja ela qual for, e de quem for deve ser respeitada. pois não é qualquer coisa. Quando um individuo possui uma fé uma crença tão grande em algo ou alguém aquilo é uma força inquestionável apar outras pessoas que não aquela própria pessoa. e isso deve ser respeitado, independente do que pensamos.
E em tempos atuais mundialmente onde a intolerância, inclusive religiosa é extrema, lembrarmos disso pode ser uma lição e tanto.
Estrelas Além do Tempo
4.3 1,5KEm 1961, o mundo vivia no auge da Guerra Fria.
A Guerra Fria teve início logo após a Segunda Guerra Mundial, e foi marcada pelo embate entre os EUA contra a União Soviética por hegemonia política, econômica e militar de todo o planeta.
Dentro dessa Guerra, havia uma disputa acirrada entre as duas nações por avanços e conquistas e por tanto, consolidações, tecnológicos de caráter espacial. A chamada Corrida Espacial.
No entanto, nos EUA, ocorria paralelamente um forte embate dos Direitos Civis americanos, caractetizado em muito pelo conflito dos negros em obter direitos iguais sem segregação. Foi o periodo em que ativistas como Martin Luther King e Malcolm X se eternizaram com suas falas e ações.
E é nesse cenário hostil aos negros americanos, que "Hidden Figures" (em tradução livre "Figuras/Personalidades Escondidas") e que veio traduzido como "Estrelas Alem do Tempo" se situa. Mostrando a batalha por direitos trabalhistas justos contra o sexismo, machismo e racismo de três mulheres negras e matemáticas, cujo trabalhos foram essências para a Vitória dos EUA nessa corrida espacial, bem como na conquista por direitos de todas as mulheres, mas que até hoje tem seus nomes desconhecidos nos livros de história.
Dirigido por Theordore Melfi, que assina o roteiro com Allison Schroeder, "Estrelas" é baseado no livro "Hidden Figures: The Story of the African-American Women Who Helped Win The Space Race" de Margot Lee Shetterly.
Logo no início somos apresentados a pequena Katherine Goble, menina negra que possui um QI acima da média nornal, principalmente para fazer cálculos complexos. Assim, seus professores decidem recomendar a seus pais que a coloquem numa escola para negros super dotados onde ela possa desenvolver melhor essas qualidade. Anos mais tarde vemos Katherine Goble, agora adulta e vivida por (Taraji P. Henson, rumo a mais um dia de trabalho na Agência Espacial Americana (NASA) ao lado de suas duas melhores amigas e colegas de trabalho, Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe); onde ambas exercem a função de "Computadoras" uma espécie de designação que associa mulheres negras a computadores humanas para digitar e revisar calculos e relatorios.
No entanto, Katherine, Dorothy e Mary não almejam apenas serem meros objetos humanos. Suas capacidades estão alem.
O filme discorre assim pela vida dessas tres mulheres que tentam conquistar seu lugar ao sol por direito, dentro da agência contra todo o sexismo e racismo que ha. Essas computadoras nem se quer podem trabalhar no mesmo ambiente que as brancas. Ou seja, o filme retrata como a batalha por igualdade é extremanente mais complexa e dificil para a mulher negra. O filme aborda com maestria atraves de sutileza e naturalidade as diferenças de tratamentos entre homens e mulheres. E como esse mesmo tratamento se diferencia mais ainda entre homens e mulheres brancas contra mulheres negras. Assim é brutal mas real quando vemos logo no inicio da projeção a a supervisora de departamento vivida por Kristen Dustin surgir na ala destinada as trabalhadoras negras, dizer a uma das personagens que mulheres jamais devem usar roupas mais curtas que os joelhos, usar apenas perolas, se portar de tal forma xis e y, e contrastar essas restrições sociais por gênero e economia as condições inferiores da personagem negra. Bem como em seguida, a mesma branca virar e dizer a esta que jamais uma negra foi designada pra função que ela estava sendo remanejada, por tanto ela não deveria decepciona-la. Para logo em seguida paralamente ela mostrar a outra personagem negra que ela jamais seria uma supervisora por ser negra, ainda que ja exerça tal função, enquanto a outra adentra uma sala repleta de homens brancos que de imediato ao ver sia presenca lhe entregam uma lata de lixo confundiado -a com uma faxineira.
Nesses aspectos o filme é certeiro em mostrar de forma crua e como era naturalizado a segregação racial. Claro que ela permanece ate hj, mas de forma velada, onde ali era escancarada e permitida.
O filme se passa na Langley Research Center na Virginia, o principal centro de pesquisas da NASA na época, onde ambas as três trabalhavam no centro de processamento de dados que ajudariam a mandar o astronauta John Glenn (Glen Powell) ao espaço e contornar a órbita da Terra. A Virginia era um dos Estados onde mais havia segregação Racial nos EUA. Onibus pra negros. Bebedouros. Talheres. Bibliotecas. Banheiros. Ate mesmo cafeteiras eram separadas e sempre tudo em qualidade inferior. Onde branco respirava negro não podia chegar perto. Assim, mesmo em ambientes publicos haviam cadeiras destinadas a negros no fundo dos onibus por exemplo para que nos não nos misturassemos.
Isso era 1961. Sim, a apenas 56 anos atrás.
E interessante por exemplo, cenas como a que uma branca ao tentar se desculpar dizendo a uma negra que ela não tem nada contra ela (logo não é racista), a outra negra de forma simples, e direta diz "sim, eu sei que vc pensa que não tem". Isso diante da branca num espelho de banheiro. Essa cena retrata exatamente a dinamica e simbolismo atual onde o racismo ainda é tratado apenas como algo direto e violento, quando na verdade esta tão enraizado que nem os próprios brancos tem consciência de quando e como o cometem. Da mesma formapor tanto é significativo (e somente essa cena justifica Spencer estar concorrendo ao Oscar de melhor atriz coadjuvante, ja que sua atuação é apenas correta), quando está recebe uma notícia que esperava a anos das mãos de uma branca que a hostilizava e esta a trata formalmente com igualdade ao chama-la por seu sobrenome. Spencer transmite no olhar comedido toda a comoção e arrebatamento intenso dessa conquista pra si e pra todas as negras à época justamente nas lagrimas que evita verter.
Da mesma forma significativa é belo, a passagem em que surgem uma mãe colocando suas três filhas pra dormir e duas delas perguntam se ela ira ate a lua. Quando ela responde que não, que seu trabalho era possibilitar que um homem branco corajoso pudesse ir. E a criança responde que ela deveria ir no lugar do homem, pq não? Entregando um desenho onde é ela a mãe mulher e negra a bordo de uma espaçonave.
Com uma trilha assinada por Pharrell Williams carregado de soul como não podia deixar de ser, ainda o filme se beneficia por uma otima fotografia e direção de arte de contrasta bem os ambientes fechados com os abertos e estes em oposição aos destinados a brancos e negros para compor toda essa segregação existente. Notem como por exemplo, o figurino das três protagonistas sempre se destaca entre o restante com cores vibrantes. Ou como mesmo nos ambientes segregados, a fotografia possui cores quentes para mostrar a União dos negros diante da opressão. Ou mesmo como no inicio do filme a protagonista ainda criança surge indo rumo a conhecimento atravessando pela objetiva da camera uma orla de arames farpados que se assemelham a uma prisão simbolica.
Mas, se o filme faz bonito no quesito etnico e de gênero, ele peca e faz feio por não ser nada sutil quando ao seu nacionalismo exarcebado e seu paternalismo branco gritante. Ainda que realmente tenha sido dessa forma, é sistematico que todas as transformações de ignição dessas três personagens negras, surja graças a uma aparente bondade de pessoas em sua maioria homens brancos. Assim, quando uma das protagonistas almeja conseguir permissão pra cursar uma faculdade de homens brancos para poder tentar ser a primeira negra engenheira, vemos a bondade do jurista branco em conceder isso a ela. Ou quando outra protagonista por ter de sofrer tanto para andar quase um kilometro a pé para usar o banheiro de negros todos os dias incluindo de baixo de chuva, seja pelas mãos de um branco bonzinho que esse protocolo é quebrado. Alias, o mesmo branco vivido por Kevin Costner que sempre "salva" por ser um dos unicos a tentar mudar algo nisso mas para beneficio do programa espacial ja que a mente e capacidade dela se prova indispensável.
O nacionalismo exarcebado grita quando vemos Kennedy retratado de maneira quase endeusada constantemente, e quando ate mesmo os "herois" americanos astronautas se provam curiosamente extremamente humanos ao tratar com respeito essas mulheres negras.
Isso tras também a tal da meritocracia, algo continuamente jogado e embutido aos negros e as mulheres- e a toda classe de minoria social como um todo - tão amparado por Hollywood que incomoda deveras nos tempos atuais por sabermos que essa falácia jamais foi ou é verdadeira. A impressão que dá é a de que essas três mulheres "venceram" em seus nichos por terem se esforçado o triplo de qualquer outra pessoa e por isso mereceram as "vitorias" no final. Claro, que a trama se baseia em fatos reais, mas falta uma não romanrizacao na jornada aqui para desvincilhar esse pensamento retrogrado e limitante que so massifica o proprio racismo e sexismo em busca de igualdade e equidade de genero e etnia. E obvio que aqui existe justamente para explicar e garantir a vaga no Oscar. Uma caracteristica quase que de exigência a seus padrões. Assim o filme acaba tendo ares de "histórias cruzadas" que sofre do mesmo embuste.
Sofrendo ainda por uma estrutura frágil de condução de narrativa, o roteiro peca por não saber justamente dar a mesma importância a trama as três mulheres retratadas, se concentrando apenas em uma. Não que isso prejudique nosso envolvimento com ambas, mas isso mostra a fragilidade do roteiro em conseguir desenvolver esses personagens de maneira orgânica em pouco mais de duas horas de projeção. A sensação que fica é deveriam realizar três filmes separados. Um para cada uma delas.
Nada disso porem atrapalha na experiência e beleza e mensagens fortes desse longa, que ainsa que surja como eco, na verdade nada mais é do que uma voz timida verdade, de um voo e um passo que nem os americanos e nem a humanidade ainda conseguiu alçar. Racismo jamais deixou de existir. Ele ainda esta vivo e acorrentado em amarras que nem mesmo os mais complexos teoremas matematicos são capazes de explicar ou justificar.
Um filme ainda necessario.
Recomendo.
Moana: Um Mar de Aventuras
4.1 1,5KLá em 2013, Frozen resgatou uma Disney apagada. Frozen é seguramente na historia do cinema de animação ocidental, o ponto de virada para o que as tais princesas disney já não podiam mais ser e agora o que poderiam.
Se ao longo dos anos, à partir de A Pequena Sereia à quase 30 anos atrás, tivemos princesas focadas em seus sonhos impostos; verdadeiras heroínas como Mulan, Mérida de Valente, ou mesmo Diana de a princesa e o sapo, trouxeram heroínas que iam em busca de suas vontades. Somente com Elsa e Ana (respectivamente Rainha e Princesa) - Mérida possui de certa forma o mesmo caráter - é que vimos no entanto, personagens femininas não necessitarem da presença masculina romanticamente, para absolutamente nada para que seus papeis tivessem desenvolvimento e sentido.
Moana por sua vez, agora, traz um novo ponto de virada para as ditas princesas. Uma vez que esta, se torna a primeira a renegar seu titulo de princesa, alem de possuir uma estrutura familiar totalmente inédita a essas tramas: Seus pais permanecem vivos - mãe e pai.
Em nenhum momento Moana se vê limitada absolutamente em nenhum viés ou circunstância, por ser mulher.
A quebra de obrigatoriedades e limitações de gênero é plena aqui, e isso é um avanço para a imagética e mitologia Disney. Absurda de se pensar à 10 anos atras.
Dirigido por Ron Clements e John Musker ( responsáveis por A Pequena Sereia, Aladdin, Hércules, Planeta do Tesouro, A Princesa e o Sapo), Moana traz outra evolução a feitura da animação ao estúdio. Esse é o primeiro trabalho da dupla de diretores totalmente em CGI (computação gráfica) com exceção do semi deus Maui. Suas tatuagens em seu corpo foram todas feitas uma a uma, traço a traço, a mão como antigamente e somente depois inseridas para o corpo em CGI de Maui (se considerarmos ainda que esta é uma animação em formato tbm 3D) vemos a complexidade disso. E tudo flui. Essa é uma animação que possui uma fluidez de movimentos e detalhes assustador. O mar parece estar vivo, parece real e palpável ao passo que ora vemos detalhes nas peles morenas dos habitantes da ilha (outra construção linda, marca dos diretores), ora conseguimos 'sentir' o vento soprando ao balançar os cabelos da protagonista. Alias, cabelos cacheados esses que respondem as minimas interferências ambientais. Por tanto é espantoso quando vemos ele sujo de areia, molhado, balançando ao vento frio e ao quente. Sua estrutura vai mudando sutilmente de maneira orgânica, inclusive na forma que compõe a feição de sua protagonista.
As pedras surgem imperfeitas e com musgos diversas vezes quando temos a objetiva da câmera mais próxima. Essa riqueza de detalhes no design de produção, é genial. É uma explosão visual da capacidade técnica da Disney atual.
Diferente de Lilo & Stitch, ou mesmo Mulan, Moana tem sua jornada focada na aventura por algo alem dela. Se Mulan quebrou as limitações impostas de gênero no passado em prol de sua família e de seu pai salvando assim toda sua dinastia no meio do caminho, e se vimos outra relação familiar construída e massifica por uma influencia externa o monstrinho - em Lilo; aqui em Moana desde o inicio vemos sendo construída uma figura feminina que esta em busca de mais do que salvar seu povo e seu lar, mais ate mesmo do que o papel que possui como líder. E essa construção vai além da personalidade dela. Está nela. O empoderamento feminino desta reflete a atual na sociedade. Moana tenta representar a jornada que o roteiro clássico coloca como "jornada do herói" e reivindica que ela na verdade pode ser da heroína. Assim é curioso quando escutamos a repetição constante da personagem dizendo: ''EU SOU MOANA''. Essa auto afirmação é uma afirmação alem de dota-la de coragem. É um resgate a suas raízes, seu eu interior, seu sentido de descoberta por quem pode, deve, e escolhe ser, não só em sua sociedade, mas na vida, no mundo.
Não por acaso por tanto, ela é ensinada de que ela é a "escolhida" pra buscar um semi deus para salvar o mundo ( mundo esse desestruturado por esse semideus ao roubar a essência de uma figura feminina), mas aos poucos compreende que na verdade quem pode salvar esse mundo é ela mesma.
E é aqui que Moana se assemelha mas se difere de Elsa de Frozen por exemplo. SE Elsa é uma peculiar dentre todas as princesas/rainhas Disney justamente por trazer o conflito interno de quebra por descobrir e aceitar quem se é. Moana externaliza isso não só a ela, mas a tudo ao redor com sua Jornada.
Muitas pessoas não compreendem a importância de Frozen por isso. A estrutura a que estamos acostumados é da jornada da princesa por algo maior estabelecido por aquilo que construiram a elas, por sonhos aceitos que lhes deram ou por motivações sentimentais/emocionais. Frozen não possui isso. Frozen não é sobre a jornada de Anna em busca de libertar sua irmã Elsa. É sobre essas duas mulheres aprenderem entre si se auto identificarem como mulheres, a força disso e o como o não se reconhecer/se permitir/se libertar pode fazer toda a força que se carrega esmorecer em forma de gelo capaz n de destruir e impedir a evolução q se pode ter pessoal e no mundo.Podemos dizer que Frozen é sobre sororidade. E Moana sobre empoderamento.
Inclusive é importante constatar que ainda que Moana seja lida como "a escolhida", ela não é a única mulher representada como livrede amarras de gênero. Todas as mulheres de seu povo possuem funções identicas aos homens ate mesmo no que diz respeito a força física. Sem restrições ou limitações. (Da mesma forma que os meninos não tentam representar as castrações próprias do masculino. Tanto pela própria logica de construção das roupas quanto por uma singela cena que mostra Moana ensinando crianças a dançar. Meninos e meninas dançam da mesma forma. Mesmos movimentos. E quando surge uma criança que exibe comportamento mais normativo do masculino a produções de gênero ele ainda que criança, soa estranho e bobo inclusive pra Moana. Genial e sutil.
E sua relação com estas é impressionante quando se pensa numa disney da Branca de Neve.
Com trilha embalada pelas mãos do premiado Mark Mancina (Velocidade Máxima, Tarzan e O Rei Leão), temos musicas que não estão ali somente para florear o genero ou como estética. A musica é a própria narrativa e ela é costurada com a linguagem e com o ritmo, uma vez que usa elementos da próprio cultura mostrada inclusive com aspectos da própria língua toquelauana.
E é um deleite para fãs do, constatar uma ligeira homenagem a David Bowie na figura e ato de “Shiny”, um monstro marinho divertido - e perigoso-.
Mas, das coisas que mais me emocionaram e achei importante nessa animação, é a forma sutil mas significativa que o mar - natureza- e essa troca de forças de raiz se complementam.
Em dado momento Moana encontra uma concha, que se assemelha muito a figura da vagina, tanto pela simbologia da própria concha na cultura mundial, quanto pelo próprio design desta e de sua função para a protagonista, por tanto não por acaso é curioso que logo em seguida numa sequencia extraordinária de signos, o mar se abre literalmente para a passagem dessa menina segurando sua concha e uma pedra que é o coração da própria mãe natureza e por tanto da própria vida humana. percebem? naquele momento todos elementos da vida se unem abraçando e recebendo aquela criança menina. E não menos simbólico é haver essa quebra, justamente apos o pai de Moana - figura paterna e masculina - puxa-la e proibi-la de chegar perto da vastidão de possibilidades que ela poderia ter, da liberdade de se descobrir quem ela pode querer ser.
E igualmente belo é a sequencia onde percebemos que justamente a anciã mulher, uma mulher velha que dá o start para a heroína seguir sua missão, que se ela dá a remada inicial visando salvar seu povo, no final ela a termina ao entender que a verdadeira água viva de seus instintos esta dentro dela, na motivação unica e pessoal dela como ser para seguir.
Com um final que visa muito mais desconstruir o caráter que existe em tais contos/aventuras de Bem e o Mal, preferindo a redenção e o perdão, o entender o Outro e não apenas combate-lo, Moana ainda trás participações mais que especiais escondidos pelo desenho, como Baymax de Operação Big Hero, Linguado e Sebastião de A Pequena Sereia, Ralph de Detona Ralph, o Olaf e a rena de Frozen e tantos outros que me fugiram à memoria.
Uma animação genial e importante pros dias de hoje que alem de encantar, emocionar e encher os olhos, ainda trás uma reflexão profunda para quem se permitir enxergar, sem deixar de lado a diversão infantil pras crianças.
Ps: quero um galinho de estimação <3
Animais Noturnos
4.0 2,2KDirigido por Tom Ford, "Animais Noturnos" é talvez um dos melhores filmes da temporada passada, no que diz respeito aos desafios que traz e trouxe. Se "A Chegada" trouxe um novo viés de percepção ao que podemos compreender sobre a linguagem cinematográfica. Animais noturnos talvez, nos traga de forma complexa como não poderia deixar de ser, e igualmente e literalmente bela de se ver, como compreendemos e formamos a narrativa cinematográfica.
Dividido simultaneamente por três linhas narrativas e temporais, a trama se baseia na vida de Susan (Amy Adams), separada a cerca de 20 anos de seu ex - marido, Edward (Jake Gyllenhaal), e atualmente casada com seu segundo marido Hutton (Armie Hammer). Dona de uma empresa de artes conceituada e famosa, mas em crise, ela certo dia recebe um manuscrito de um romance de seu Ex - Marido. Enfrentando também uma crise neste segundo casamento, Susan ao começar a ler as paginas do manuscrito intitulado "Animais Noturnos", se depara com a trama de Tony (Jake Gyllenhaal), sua esposa Laura (Isla Fisher) e sua filha India (Ellie Bamber), que durante uma viagem tarde da noite numa estrada escura e deserta do Texas, entram em uma emboscada comandada por Ray (Aaron Taylor-Johnson).
Sofrendo por inúmeras noites sem dormir, uma crise existencialista sobre sua profissão e sua arte, e seu casamento, Susan então embarca e nos embarca numa sucessão de lapsos entre o passado, o presente e a ficção contida no livro de seu Ex - Marido.
É primoroso como Ford consegue transpor de maneira elegante, com cortes ora rápidos e ora com transições sutis ou escancaradas, dependendo do que o ritmo do filme pede, essa relação das linhas temporais entre o que ocorre no livro e o que ocorre na vida presente de Susan ao ler as paginas e como isso a transfere imediatamente ao que ocorreu com ela e o ex marido no passado.
Mas, curioso ainda é saber que o roteiro é uma adaptação do Livro "Susan e Tony" do escritor Austin Wright. Curioso, uma vez, que Susan é a do presente e Tony é o da ficção. E esse simbolismo é extenso.
Como sempre, evitarei spoilers sobre a trama/acontecimentos, porem é genial como a metalinguagem aqui não se torna apenas um artificio na narrativa. Ela é a própria narrativa. Veja: em certo momento o escritor Edward diz que bem ou mal, todo escritor, todo artista escreve um pouco sobre si nas paginas dos livros. Então ate certo ponto é seguro dizer que tudo que esta escrito em seu romance seja pedaços de Edward. No entanto a narrativa do filme nos coloca para acompanharmos a visão e interpretação de Susan acerca daquilo que ela e paralelamente nos esta lendo(vendo). Assim a interpretação subjetiva dela é ponto crucial para nosso entendimento do sentido que aquela trama tem, bem como, o que o autor quis passar com aquela trama. Da mesma maneira é interessante como justamente por isso, Susan acaba transpondo para sua imaginação, as faces de sua filha e de seu ex-marido para a construção dos personagens de Tony e India no livro, e é curioso como mesmo a esposa de Tony nos livros é semelhante fisicamente com a própria Susan. Da mesma maneira não diferente, o grande vilão da trama do livro, Ray, é semelhante fisicamente ao seu atual marido Hutton. Que - e isso não chega a ser spoiler creio - foi um dos elementos - não o único - da separação dela com o ex.
Ou seja: Susan acaba transpondo para o que lê no livro, uma auto identificação de sua própria historia no primeiro casamento, interpretando as metáforas e símbolos ali contidos na narrativa para sua própria vida, como se o ex marido quisesse exorcizar essa relação deles, ali nas paginas. No entanto jamais conseguimos saber com exatidão se essa interpretação dela é correta, uma vez que a unica visão que temos disso é a dela e de mais ninguém.
Susan é uma personagem repleta de solidão e culpa. E certa confusão e cansaço por causa de sua vida vazia e atribulada e as noites sem dormir. Assim, o filme adquire ares de quase suspense psicológico onde ela assume o papel de uma verdadeira Fame Fatale as avessas. E essa estética noir é resgatada de forma brilhante pelo design de produção, que nos brinda com imagens e construção visuais soberbas. Saturações, iluminações principalmente as azuis e vermelhas que remetem diretamente a tempo e sentimento. E servem não só como estética, mas como transição de linhas temporais. Assim, é extremamente coerente e orgânico a condução de direção de Ford ao estabelecer cada elemento que vemos como uma unica constituição de trama ainda que a grosso modo estejamos vendo 3 - ou 4 se consideramos a nossa. Já que o que é mais instigante, é que a resolução e interpretação e entendimento do filme, depende muito da própria visão disso tudo do próprio espectador. E isso é algo incomum de se fazer em cinema. É algo propicio da literatura (a velha historia de que ninguém lê o mesmo livro, ainda que o objeto e as letras sejam as mesmas ). Isso aqui se amplia. É como ver em tela o brincar de se fazer arte.
Animais noturnos é a maior obra de Susan e de Edward. Justamente por não ser em telas ou papeis, mas ser a vida deles ali emaranhadas.
Emaranhado evidenciado pela montagem pontual - por vezes obvia, mas acertada - que transfere uma dualidade a esses dois personagens. Assim é curioso que quando Susan cai no sono e deixa o manuscrito cair no chão no mesmo instante que um personagem morre, um pássaro surja tbm morto ao colidir com uma janela fechada de vidro. E a sonoplastia acompanha esse jogo.
Igualmente funcional é a ambientação de cada trama. Se o passado - único que surge filosoficamente - realista em tela, é constituído em sua maioria por ambientes fechados e em tons escuros com uma chuva insistente sempre. A vida presente de Susan e tudo em volta é uma orla clean, vibrante, repleta de simetria, com paredes de vidro e objetos de arte requintados a todo instante. O que nos dá a impressão da própria. superficialidade. Já a trama do livro é quente, sempre com ambientes abertos e áridos, que nos remete diretamente a westerns. E esse trio de árido, quente e sujo; úmido, comum e frio; e limpo, claro e superficial; se subvertem a própria imagética que tem para significar seus opostos, ou não.
Sobre as atuações, temos outro espetáculo a parte. Todos estão impressionantes em seus papeis, destaque para Jake apesar do filme se concentrar em Amy. Mas, nenhum consegue hipnotizar e assustar mais que Aaron Taylor-Johnson. Aaron esta absurdo em seu papel. Uma mescla de sensualidade e maldade repugnante e cínica, em trejeitos, na forma de falar e olhar. Nos tiques esporádicos nos lábios. Tudo nele nos repele e nos deixa tensos, ainda que ele surja - alô noir - extremamente sensual ainda assim. (característica de todos os centrais alias). Mas, mais pelo personagem do que pela atuação (ainda que seja exemplar) é em
Michal Shannon - que vive o policial Bobby, que ajuda Tony na trama do livro - que reside a maior incógnita de significado para mim. Seu personagem a todo instante parece demonstrar uma intenção diferente e potencialmente dúbia sobre ações e falas.
Em certo ponto quando ele fala algo sobre sua condição de saúde, é impressionante como isso não esta jogado no roteiro. Uma vez que ele insiste que já havia contado sobre, mas não havia. Esses pequenos detalhes de intenção, acabam nos levando a questionar quem ele representa na trama, uma vez que quem assista interprete que o livro em si, realmente são representações da historia de Edward e Susan.
Uns podem levar como um filme sobre vingança, outros, sobre perda, outros, sobre arrependimentos, outros ainda sobre solidão, alguns sobre a própria construção da mente humana sobre como interpretamos e vemos realidade e ficção, outros sobre a importância da vivencia naquilo que entendemos sobre as coisas, e ainda dá para levar pelo lado da própria reflexão sobre o que é arte e o papel dela com o artista de e para eles, Ou ainda, podemos relacionar como um filme que fala sobre a própria narrativa no cinema.
Com um final que pode soar tanto confuso, ou arrebatador, pela simplicidade mas complexidade de significado quando analisamos toda a construção dela, os cortes, os planos, o próprio verde ali contido, Animais Noturno é um deleite para quem se deixa embrenhar pela trama mais perigosa e envolvente que existe na Terra: a mente humana e sua busca por significados passados, presentes e futuros.
Recomendadissimo (mas, alerto; pelo próprio tom, não é um filme para uma mente cansada ou dispersa).
La La Land: Cantando Estações
4.1 3,6K Assista AgoraDirigido e roteirizado por Damien Chazelle, "La La Land" (que virá traduzido com o mesmo nome com o subtitulo de "Cantando Estações") é um Ode aos Musicais do Cinema clássico, principalmente das décadas entre 40 e 60, com alguns respingos em 70; e que mostra a obsessão e contemplação de seu realizador pela musica, em especial ao Jazz. Um filme que à primeira vista surge aos olhos e à memoria cinéfila com grandiosidade e genialidade, mas que ao piscar de olhos a própria cinefilia suplanta a nostalgia e o grandioso se torna apenas isso, sem a parte genial.
La La Land, remete a cidade de Los Angeles. Palco e Tela de Hollywood. E o filme já inicia mostrando essa contemplação à cidade e sua 'magia' num longo plano que simula um ótimo plano sequencia num dos melhores - se não único - atos inventivos da produção. Remetendo diretamente à “8 ½” de Fellini e a "Duas Garotas Românticas" de Jacques Demy (e a menos que eu muito me engane, com doses de "Sete noivas para sete irmãos” de Stanley Donen). Essa sequencia apesar de dinâmica, peca ao não relacionar os planos abertos aos mais próximos de maneira orgânica. Ou seja, apesar de tudo fluir lindamente e com um ritmo hipnotizante (coisa que o diretor parece dominar bem, visto que seu ótimo "Whiplash" possuía a mesma característica, compreendendo os om com a montagem como uma unica vertente para conduzir suas cenas), narrativamente falando, ao vermos a extensão de carros que compõe a cena apenas no final de seu ato, prejudica o tom orgânico da mis scene ne em si.
Com um design de produção cuidadoso, o filme é um espetáculo visual do inicio ao fim, desde sua paleta de cores ate a logica que constrói a linguagem do longa, nos remetendo à Era technocolor e aos cenários de set de filmagens da década de 50, numa mescla entre o teatral e a simulação do real. Não menos curioso por tanto, o filme traz a razão de aspecto do CinemaScope (formato da tela) próprio dos filmes dessas décadas. O que só reforça o sentido de nostalgia e referencia a todos os clássicos de Hollywood de então.
Com inúmeras e infindáveis referencias a personalidades e seus filmes que vão desde "Juventude transviada'', ''Cantando'' na chuva”, “Os guarda-chuvas do amor”, “Amor, sublime amor”, O Picolino", “Cinderela em Paris, "Ritmo louco", "A roda da fortuna", "Casablanca", "Gaslight", "O magico de Oz", "O pecado mora ao lado", "A Levada da breca", "Bird", "Rua 42", Sinfonia de Paris", "Aa roda da fortuna", o seu próprio "Whisplah", até Dançando nas nuvens" e tantos outros - dos que consegui identificar - o filme ainda identifica nos protagonistas Emma Stone Ryan Gosling ecos de Gene Kelly e Fred Astaire e Ginger Rogers.
E é aqui que a genialidade e grandiosidade se condensam e dissipam, restando apenas o bem feito e excepcional, mas sem o brilho daquilo que reverenciam. Ou remetem. Por que existe reverencia e remetimento, e por vezes La La Land parece querer ir perigosamente pro segundo quando deveria se contentar com o primeiro.
Fato é, que por melhores que sejam as referencias que alias, tem o bônus plausível de jamais soarem como tais - elas estão ali e são palpáveis, mas não surgem em tela para que sejam obrigatoriamente reconhecidas, como quem chama atenção pra si. Apenas estão ali e quando as reconhecemos assim de forma tão sutil por vezes, o brilho nos olhos é notável -, Nem os atores e nem a condução do próprio filme conseguem chegar nem minimamente próximo as sombras dos posteres dos clássicos em que bebe e por vezes devoram.
Ate certo ponto, o filme parece reconhecer isso, já que os números musicais surgem de forma quase despretensiosa. Como quem compreende que jamais serão como os que foram outrora. No entanto, ha um problema quando isso ocorre sem que seja apenas uma brincadeira. Vejam; Os musicais da Era de Ouro do Cinema, compreendiam que aqueles filmes ainda que homenageassem o cinema e estivessem em função de e para ele, existiam pela alma da dança e de seus dançarinos que não só usavam a musica e a dança como um artificio linguístico ou narrativo, mas a execução de tais passos e acrobacias soavam quase que religiosas. Era como se o cinema tentasse transpor em imagem e som a aparência que a musica e a a física dos movimentos de uma passo de dança possuíam. Quase que como se coubesse as películas, transpor em imagem e som, a alma incompressível e somente sentida da arte de dançar, de usar o corpo do ser humano para desenhar o aspecto que teria um acorde caso este tivesse corpo e aparência.
Logo, não cabia aos musicais concederem essa tarefa a qualquer pessoa. Somente genios da dança com o toque da dinâmica na atuação e no lirismo podiam receber tal tarefa. Quem nunca perdeu o folego ao se hipnotizar com Astaire e Ginger Rogers em tela? A tela do cinema, a cenografia, a própria musica sumiam. O que sentíamos e víamos era apenas e unicamente seus corpos e a dança. E é justamente esse entendimento, esse espirito que falta a La La Land, entender algo que o próprio filme diz em um de seus diálogos. Num certo momento um dos personagens diz que 'as vezes a arte é justamente sobre nostalgia.'' - falando sobre uma peça -. E depois, um outro personagem - ao falar sobre o jazz - diz que "as vezes, tudo é uma questão de reinvenção, de olhar pro futuro e não pro passado". E La La Land por vezes parece se prender tão unicamente no passado que aplaude com respeito e eficacia e esquece a reinvenção que se propõe. As cores vivas, os celulares e John Legend não são suficientes para reinventar. Não por acaso, a unica canção realmente 'diferente' do habitual na produção se encontra justamente em "City of Star". E isso - e suas repetições e significado na obra - diz muito sobre isso.
A sensação que fica, é que La La Land tende a se desgastar a medida que é revistado. Quanto mais se pensa sobre ele, mais se percebe que o genial é na realidade bom. E isso em si não é ruim. É uma lampada extremamente forte, só não chega a ser estrela.
Mas, no final das contas, talvez o maior mérito de la La Land seja justamente resgatar algo que se via perdido na industria mainstream. E quando uma obra consegue superar seu tom de entretenimento e unir-se a arte de raiz, numa era tão veloz onde tudo se torna obsoleto com a velocidade de um clique em tela touchscreen, ele merece atenção.
Principalmente se levar todo esse publico novo que não tem familiaridade com tal gênero, aos clássicos de outrora, que fizeram e fazem escola na historia do cinema. E no final das contas, talvez seja isso que importa.
Finalizando com um enredo básico numa trama sem grandes surpresas - talvez apenas em seu ato conclusivo sem necessariamente um final convencional para o dito gênero -, o filme é uma experiencia bonita, que arranca sorrisos e ternura. Bom.
Ps: Como Cineasta negro que sou, e militante por tal, me incomoda a insistência da Industria, em especial Hollywoodiana de insistir em inviabilizar a representatividade negra que nos cabe quanto as artes que criamos e condensamos. É preciso compreender que não basta ambientar o Jazz sendo tocado, frequentado, dançado por inúmeros negros em tela, quando no final das contas em um pub de Jazz, o foco de luz insiste em ficar na mulher branca e ruiva de olhos verdes em vestido vermelho, e no loiro ao piano. Já passou da hora, da industria começar a dar o protagonismo àqueles que lhes cabe. Afinal, o 'sonho americano', em busca do 'brilho de Hollywood', é algo inerente a todos que vão ate lá em busca de seus sonhos tendo suas frustrações e transformações. Não é exclusividade branca, principalmente quando se usa uma matriz negra. Vale a reflexão.
Um Cadáver para Sobreviver
3.5 936Dirigido e roteirizado por Dan Kwan e Daniel Scheinert, com Daniel Radcliffe (Harry Potter) e Paul Dano (Pequena Miss Sushine); "Swiss Army Man" (que em tradução livre seria algo como "O Homem Canivete Suíço"; mas que veio traduzido como "Um Cadáver para Sobreviver") consegue ir do absurdo ao grotesco e passar para a metalinguagem simbólico num ode de fantasia de uma jornada por renascimento e redescoberta.
Hank está perdido. Naufrago aparentemente a anos numa ilha deserta, ele esta prestes a se enforcar. Eis que o mar trás um corpo à beira mar. Um cadáver. D modo absurdo, nojento e curioso, o cadáver que Hank mais tarde batiza de Manny, o salva da ilha deserta em direção a terra firme. E eis o incio de uma jornada no minimo inesquecível. Seja pelo trauma ou pelo encantamento.
Mais um filme que contar muito de sua narrativa e trama, só estragaria a experiencia unica. Mas, é importante salientar como essa obra inventiva, consegue transpor o grotesco de forma tão bela a ponto de emocionar e rir. Alias, boa parte da película é tomada por risos escancarados tamanho absurdo que vemos. para no momento seguinte nos dar uma sensação agridoce entre a piedade e depressão ao constatar que toda aquela situação sombria e ridícula culminam numa jornada e significado maior. Que flertar com a filosofia existencialista, em busca de redenção, redescoberta e sobrevivência.
Manny esta para a bola Wilson de ''Naufrago'', como Hank esta para Sandra Bullock em ''Gravidade''. E não apenas no que diz respeito a relação de amizade e redescoberta em busca de sobrevivência psicológica. Mas, também no sentido de transpor um renascimento que passa literalmente pelos quatro elementos da Terra em busca de aceitação e perdão a si mesmo.
Um filme profundo tal qual uma flatulência longa e intensa, que nos faz perceber que as vezes a vida pode estar escondida na forma de um não tão morto cadáver.
Um Limite Entre Nós
3.8 1,1K"Você tem que rebater tanto as curvas quanto as retas"
Acabei de assistir ao filme Fences dirigido e protagonizado por Denzel Washington e estrelando Viola Davis.
O filme é adaptação de uma peça de mesmo nome, August Wilson, que também assina o roteiro, e é vencedora do prêmio Pulitzer.
Como se não bastasse os nomes de peso, o fato de Viola e Denzel terem interpretado os mesmos papéis na Broadway e saido cada um com um Tony Awards por suas performances em 2010, fazem desse não só um forte candidato ao Oscar desse ano por filme, como também forte ganhador.
E não é pra menos. Viola e Denzel entregam nesse filme uma visceralidade tal que impressiona. Ate mesmo para o que já estamos acostumados desses dois deuses de Hollywood.
A trama conta a história de Troy, um aspirante a jogador de baseball que após inúmeros impecilhos por questões raciais, desiste dos esportes e ganha a vida trabalhando para a empresa de coleta de lixo da cidade nos anos 50.
Mas, o filme não é político ou social. Ele foca no trama familiar e em todas as camadas que existem em sua familia e em seu temperamento como homem com sua esposa (Viola) e seu filho mais novo (ele possui um outro mais velho antes do casamento).
A direção de Denzel é intimista e escolhe mostrar desde os primeiros minutos através da casa, que aquela familia possui rachaduras e frestras que nenhuma cerca poderia consertar.
Interessante que pesquisando sobre a peça, justamente pelo roteirista também ser o autor, ha quase que nenhuma modificação do material dos palcos para a tela. E isso é essencial para que a dinâmica entre os atores seja tão poderosa e potencialmente explosiva. A impressão é a de que estamos vendo um duelo intepretativo constante entre Viola e Denzel. E isso em si já emociona. Carregado de reflexões sobre a vida do negro norte americano nos anos 50 (e que não mudou muito alias), percebemos aos poucos que o Troy de Denzel é um verdadeiro estudo de personagem. Por que Troy é afetuosamente detestavel. Mas possui historico para ser. O que vemos ali em tela é o desenrolar da vida de um homem negro que encontrou uma serie de erros, dificuldades, injustiças próprias das enfrentadas por sua cor e que por mais que tentasse "se endireitar" acabou criando no proprio lar a extensão de tudo aquilo que quis mudar. A relação marido e mulher e a relação pai e filho possui nuances de pesos extremos e carregados onde particularmente me afetou por identificar meu próprio pai, minha própria mãe e não por acaso a mim mesmo naquele filho. As sombras que permeiam aquela construção familiar mas principalmente a complexidade de desvendar aquele homem são tantas que o filme se sustenta completamente por ele e por eles.
Ha maneirismos proprio de um filme que visa cinseguir uma vaga à estatueta. Como por exemplo o quase piegas ainda que acertado no contexto, do plano final mostrando o sol sendo descoberto por nuvens que por vezes podem soar Spielberguianos demais em sua intenção de tentar extrair emoção. Mas, no final, acaba funcionando. Não pela tecnica, mas pelo que imprime ao espctador que contudo precisa estar aberto a um tipico drama dos anos 50 com cheiro de Oscar feito por negros. E isso é importante salientar pq é uma diferença que muda muito no contexto de como vemos o modo que a fotografia foi empregada bem como se teve o uso de figurinos por exemplo. O texto possui um bate bola frenético por vezes proprio do Teatro mas que se mostra necessario para desvendar aqueles personagens. No entanto o cinema de Denzel se mostra nos detalhes como uma janela quebrada jamais consertada ou mesmo num plano onde vemos sob meia luz uma janela que dá para uma porta fechada após um nascimento.
Mas é no Jardim de Troy que estão todos os elementos necessarios para conseguir comprar e sentir esse filme. Bagunçado, com aspecto destruído e hostil. Bruto e ao mesmo tempo frágil e acolhedor que esta o símbolo do cerne daquele retrato de homem que se não fosse pelo ator que o encarna, possivelmente seria odiado por cada uma de suas boas intenções.
Senti. Chorei. Doeu. Será matéria da minha terapia com certeza e desde já, dêem um Oscar pra um dos Deuses por favor?
O Lamento
3.9 431Acabei de assistir "The Wailing" (do original "Goksung" e em tradução livre "O Lamento") filme sul coreano genial.
Na trama temos um policial atrapalhado que se vê perdido em inumeros casos de assasinatos pelo vilarejo onde mora. O que parecia ser fruto de uma epidemia misteriosa que acometeu parte dos cidadãos levando-os a loucura, com a chagada de um forasteiro japonês; o caso começa a adquirir ares misteriosos. Quando sua filha pequena começa a se comportar de maneira estranha, ele se vê correndo contra o tempo pra solucionar o terror que permeia a vila.
O filme mescla varios generos e subgeneros do suspense e do terror. Incluindo suas tematicas. Ha um quê de zumbis, doenças, entidades demoníacas, maldições, exorcismos, fantasmas e psicopatias latentes na produção toda. O diretor brinca com todos esses generos trazendo pra mise en scène, aspectos de humor e horror e terror misturados. Em varias cenas é possivel sermos levados ao riso diante das cenas grotescas que se apresentam. Para no momento seguinte um detalhe disperso nos trazer de volta à apreensão. Tudo de forma orgânica de uma maneira que somente a linguagem oriental em especial sul coreana é capaz de fazer. Ha uma reflexão simbolica interessante na figura do forasteiro que obviamente assume um papel de ameaça e desconfiança diante dos eventos. A vez que a historia entre japoneses e sul coreanos sempre foi bastante xenofobica diante das opressões e embates de outrora. Então, o roteiro adquire um tom de crítica ao mesmo tempo que colabora pra narrativa chave na questão mais importante do que o filme aborda: o que é bom e o que é mal.
As delimitações do que é fisico e esperitual. E nisso a relação do humano com a religiosidade. Que é diferentede fé.
No final das contas, a grande valia do filme é ser um estudo simbolico sobre doutrinas e religiosidades em prol de uma suposta verdade transcendente.
Sem spoilers, é como se o filme demonstrasse que nem sempre o lobo traz o caos e o medo e que muitas vezes é o cordeiro que carrega os pregos que crucificam. Ou mesmo, que na nossa busca em combater o mal e fazer justiça, acabamos nos tornando tão maus quanto o mal que queremos combater. Que essa linha é tênue.
Diante disso, não é surpresa que esse seja um filme muito dificil de se assistir. Pq ele Não oferece soluções e explicações fáceis.
E devemos lembrar que somos uma sociedade que não recebe bem enigmas. Ha pessoas que ainda querem narrativas fechadas sem sombra de duvidas para hipoteses. E esse filme finaliza-se repleto de aberturas. Mas, tendo cada chave e porta dispostas 3 espalhadas ao longo da projeção. Para os olhos atentos.
Ele sofre de ritmo tbm. Mas, nada que comprometa.
Com uma fotografia evocativa que brinca bastante com planos abertas e nevoas para expressar o quão aquele lugar vai se tornando inóspito, ainda recebemos de brinde uma atuação de da filha do policial que sem favor algum poderia ser a nova Regan oriental. Mas, sem os aparatos visuais.
Aqui, o perigo e o medo ocorrem à luz do dia, sob o sol tanto quanto diante da lua.
Recomendo.
Moonlight: Sob a Luz do Luar
4.1 2,4K"Todo crioulo é uma estrela!"
"Existem muitos negros por ai sabe? Muitos mesmo. Muitos negros como nos pelo mundo todo. Nós somos os que surgiram primeiro mesmo que a regra do mundo tenha virado outra."
"Minha vo me dizia que negros, bem negros como nós, quando passamos o dia todo sob o sol, acabamos ficando azuis. Brilho azul da luz da lua."
Acabei de assistir ao filme "Moonlight" (que veio sem tradução mas com subtítulo "Sob a luz do luar") dirigido e roteirizado por Barry Jenkins, Moonlight é um verdadeiro Ode de estudo de personagem não sobre um negro, mas sobre vários ao redor do mundo, sem contudo soar militante ou ativista ainda que o seja, da maneira mais desafiadora por si só: sendo artístico.
O filme narra em três atos ("Moleque", "Chiron" e "Nego" - 'Little', 'Chiron' e 'Black' do original) a vida de Chiron, garoto negro e pobre e mirrado vivido de forma sensacional por Alex Hibbert, em 1980. Numa Miami que vivia a tomada do Crack nas ruas. De comunidade igualmente pobre acopanhamos sua vida permeada por medo e apreensão com sua mãe viciada e solteira. E aqui é importante destacar a atuação do pequeno Alex que de forma trágica consegue retratar todo o mal cuidado e desamparo no trabalho de expressão corporal que compõe. Quase que totalmente mudo, conseguimos sentir cada emoção e intenção de seu personagem pelo olhar, pelo tremer dos olhos, pela curvatura dos ombros. Pelo andar arrastado. E quando a fala surge, vem carregada ora por exasperação e ora por medo. Pra no segundo seguinte demonstrar uma espécie de fúria reprimida. É impressionante.
Depois acompanhamos sua adolescencia onde somasse a sua vida, as descobertas sobre sua sexualidade conturbada e perseguições juatamente por causa dela. E aqui o ator por mais que caia no quase caricato, é admiravel a composição de tentar representar a mesma repressão com o corpo.
Depois, nos dias de hoje, acompanhamos Chiron ja adulto ( e aqui não contarei como para evitar entregar a trama) vivido pelo impressionante - e meu mais novo crush pq nossa senhora - Trevante Rhodes, que era atleta e faz a melhor estreia possível como ator. Ele evoca nuances de intensidade na composição de seu Chiron de tal maneira que poderiamos pensar que está intepretando a ele mesmo.
São recortes tal qual fases da lua.
Como da pra perceber, Moonlight tem sua força não na tecnica mas sim no que aborda. É um filme que fala sobre reconhecimento. Sobre a busca de se conhecer em cada identidade social e pessoal que a vida exige de si. Mas o que é curioso e intrínseco é queno diretor opta em não retratar isso de maneira jamais obvia ou fácil.
O filme possui 1h50 aproximadamente e consegue lidar com a questão da influência do meio social no desenvolvimento do negro no mundo, racismos, a questão das drogas entre usuarios e traficantes, o papel da cadeia no processo que acomete a maior parte da população negra, e o por que disso ser um problema estrutural e não individual, a questão da figura masculina em todos seus aspectos desde performances a simbolismos, a forças, ate a paternidade e masculinidade na sexualidade. E principalmente o peso desta para um homem negro de periferia.
Tudo isso é mostrado através de gestos, através de silêncios. Através de dialogos pontuais e precisos. Nada escrachado. Nada em tom de discurso. Tudo cru. É o Boyhood Preto. Só que como tal, com uma qualidade a mais: compreender na pele aquilo que se esta mostrando. E isso é de uma força gigantesca.
No meu caso, a identificação se torna muito particular. Pois tal qual Chiron, sou um individuo preto e gay. E ha uma particularidade muito singular dentro da propria comunidade como ha fora dela de forma universal, em que essa identidade sexual significa. Ha um peso e um confronto sistematico próprio que o filme consegue transmitir bem aos olhos atentos.
Sobre a tecnica, o filme não se destaca muito. Mas não faz feio. Pelo o contrario. Ele segue o beabá da cartilha. Principalmente no que diz respeiro a iluminação. E talvez aqui ela seja papel fundamental. E o título não possua apenas um sentido de poesia estética afinal.
A luz da lua em tons ora azuladas e ora alaranjadas contrapõem ao vermelho e ao roxo do perigoso e das magoas que iluminam CHIRON ao longo da vida. Ao longo de sua busca de descobrir quem ele é. Outro ponto curioso é a angulação das câmeras. A forma como parece que vemos aquelas vidas retratadas de perto e vez ou outra com grandes angulares. Como se o diretor quisesse colocar em evidência aquelas vidas o espectador querendo ou não. Da mesma forma que sempre vemos eles de baixo pra cima. Aqueles negros são os destaques. O foco. E essa escolha narrativa é simbolica por si so. Da mesma forma que muitas vezes, vemos cenas com camera na mão que parecem deslizar sempre pra mesma direção. Dando impressão de fluidez. Mais uma vez, nada evidente, tudo sutil.
E talvez seja justamente aqui que o filme peque um pouco. Mas, peque por nós não em si. Estamos acostumados a ver um tom epico e esmerado saltado aos olhos quando vemos uma obra com um roteiro tão bem apresentado. A sensação é a de que o filme poderia fazer mais pra mostrar aquilo tudo. Usar de mais artificios e aparatos. Mas, a verdade é que não precisa. Essa é so a sensação no final das contas. Lembrando que o filme é baseado num roteiro de peça teatral (que Jamais foi interpretada).
Um filme denso, tenso, bruto, e ao mesmo tempo sensivel e poetico. Que pode parecer simples aos olhos pequenos. Mas definitivamente se constrói gigante a quem consegue enxergar sua imensidão tal qual brilho do mar.
Outro aspecto interessante é sua trilha sonora que permeia de forma desconexa e em forma de quebras a narrativa - propositalmente - dotada de uma variedade de temas e gêneros "saborosos". Com direito ate a presença de Caetano Veloso.
Representatividade sem esteriotipos em demasia. Recomendassimo.
No mais, parece que o cinema ganhou um novo "Hello Stranger!". E ele é Black.
A Chegada
4.2 3,4K"Tempo é o que impede que tudo aconteça de uma vez." - Cummings
Finalmente assisti a "Arrival" ("A Chegada" em tradução livre) novo filme de Denis Villeneuve.
"Contato" e "2001 - Uma Odisséia no Espaço" figuram como dois dos poucos raros exemplares da ficção científica que conseguem ( e uso o presente ironicamente para falar sobre eles e não o passado) transpor pra tela uma experiência que vai além de sua ficção. E justamente por isso, figuram entre oa maiores filmes sobre a temática que temos no Cinema.
A Chegada, chegou pronto pra ocupar esse seleto lugar. Nasceu clássico por si só e isto, não é exagero algum.
A experiência de se assistir A Chegada transcende qualquer coisa que conhecemos. Sim, podemos citar talvez "Pulp Fiction", "Memento" ou até mesmo "Donnie Darko" quanto a estrutura da própria narrativa. No entanto, diferente desses, A Chegada consegue transpor um patamar um pouco alem. Essa obra subverte a própria linguagem quanto a narrativa. Sua trama estabelece a própria lógica expressa na complexidade de seu sentido filosófico, existencial, psicanalitico e talvez ate mesmo religioso dependendo da interpretação pessoal de vivencia e crença de cada um.
Poderia fazer uma análise minuciosa sobre cada aspecto narrativo desse filme, mas suspeito que isso estragaria a experiência. Uma vez, que ela tal qual Gravidade (mas de forma mais intrínseca) ocorre de dentro pra fora e não ao contrário.
Saliento que teoricamente no entanto A Chegada beira a perfeição. Desde a logica doa planos contrapostos entre meio ambiente e as naves. Ate o designer de produção arrebatador das naves que aqui e acola nos remetem a uma homenagem pontual a 2001. Ate a fotografia e dinâmica que nos transpõe com o auxilio do desenho sonoro para o corpo da protagonista. Tudo ali com um pequeno deslize momentâneo, é nos apresentado pela ótica e compreensão da protagonista. E isso é essencial para que quando as revelações são esclarecidas nos estejamos envolvidos a tal ponto que permanecemos no mesmo arrebatamento dela. É lindo notar como escutamos um helicóptero voar ao longe e assim que ela coloca fones de ouvido eles cessam. Os ouvidos dela são os nossos.
É genial por exemplo a dinâmica de elementos que quase ou totalmente se estabelece em estudos de física quântica para refletir sobre nossa lógica humana de linearidade.
E nesse ponto é importante que se entenda que o filme por fim, ainda que lide com temas coml vida, morte, tempo, existência, a própria linguagem e a comunicação alem de outras mazelas como globalizacoes por exemplo, no final das contas também é um verdadeiro estudo sobre o cinema. Sobre a montagem na história do cinema.
A estrutura do cinema não é linear, e é justamente essa onipresença onisciente e sem limites de seu tempo (em suas configurações como tal) que fazem com que seja uma arte tão completa.
E o que a Chegada faz é transpor essa estrutura como a própria estrutura atenuada. Exposta. Realizada. Palpavel ainda que onirica por si só. A chegada do filme é em resumo a própria chegada o filme. E a abertura que isso propõe tanto ao cinema quanto pra cada espectador que se arrebatar por isso é infindável. É como se o fim estivesse no presente do começo.
Um filme gigante tão ou mais que cada concha ( ah, a escolha da concha..) ali.
Tão complexo, íntimo e universal ao mesmo tempo que poderia ate mesmo se resumir em dizer que fala sobre o Amor em cada nuance que se caracteriza. Não de forma boba e rasa como Interestelar, mas intensa e coesa em toda sua falta de coesão conhecida.
"Tempo é uma ilusão."
- Einstein
Mais do que recomendado: se permitam!
Indignação
3.3 88Assisti esses dias ao filme "Indignation" (Indignação em tradução livre) do diretor estreante James Schamus. O filme é uma adaptação do livro de sucesso do escritor Philip Roth, e narra a historia de Marcus (Logan Lerman), jovem judeu, porem ateu que em 1950 em plena Guerra contra a Coreia, consegue uma bolsa de estudos para estudar direito numa universidade católica e extremamente moralista e conservadora, afim de 'fugir' da guerra. Lá, alem de encontrar problemas as convenções sociais conservadoras que vão de encontra com suas ideologias libertarias e mais racionais, ele se depara com uma jovem garota chamada Olivia ( Sarah Gadon), filha rica de um ex aluno respeitado na universidade mas que possui uma ideologia de gênero libertaria para a época, mais especificamente a sexual destinada as mulheres e que possui históricos por isso psiquiátricos. Entre os conflitos da universidade, e essa atração inesperada por Olivia, Marcus ainda tenta lidar com a opressão de seus pais que o castram demais, não lhe permitindo autonomia.
O filme é um drama bem ambientado e coesa, que estabelece como sua maior força, questionamentos sobre as convenções sociais americanos dos anos 50, e que perduram ate hoje. Temas como religiosa ou a falta dela, a razão em detrimento a fé, e principalmente os machismos e repressão sexual as mulheres imperam aqui. Olivia e Marcus são dois jovens à frente de seu tempo, mas encontram limitações ainda assim quando chocam cada uma de suas visionarias noções de mundo com a do outro. O filme tenta intercalar texto que aparenta ser rico do livro - ao qual não li -, com o roteiro que precisa ser mais enxuto. O resultado é a sensação de um filme correto, certinho, mas que poderia ser mais do que se prestou a ser. A sensação é a de que nas mãos de um diretor - ou diretora - mais experiente ou ousada, teríamos uma obra mais consistente. No entanto o que fica é um filme que se torna esquecível apos algumas semanas, mas que cumpre seu papel de refletir sobre condutas sociais e de como ate hoje, nos encontramos retrógrados no sentido de liberdade que temos como seres humanos sociais.
Um filme triste, repleto de diálogos constantemente prolixos (mas de forma intencional para estabelecer um aprofundamento aos pensamentos de Marcus) e que entrega ao menos uma atuação 'diferente' e amadurecida de Logan.
Razoável.
Invasão Zumbi
4.0 2,1KAssisti ontem (e esqueci de comentar) ao filme "Train To Busan" ("Trem para Busan'' em tradução livre ou "Invasão Zumbi" que é como veio traduzido para cá).
Diferente do que se poderia esperar, essa produção Sul Coreana, é um respiro interessante ao gênero zumbi, que hj em dia podemos considerar que já deixou de ser um aparato narrativo, para se tornar gênero.
A produção possui sua própria assinatura. Ou seja, reinventa e imprime características pessoais ao gênero.
Diferente do que as pessoas pensam, o Zumbi nasceram para elaborar uma critica social e humana a humanidade. A ideia de não termos fim apos a morte e de despertarmos um lado essencialmente de nossa natureza obscura que caminha de forma errante sem descanso espalhando caos e mais zumbis por onde passam, sempre aterrorizou o imaginário pessoal das pessoas. E se levarmos em conta os caminhos que nossa humanidade social esta tendo nos últimos anos, não é de se espantar que esse gênero esteja tão em alto e bizarramente tão atual e relevante por isso.
Trem para Busan, estabelece uma critica social tanto econômica como ideológica, tendo os zumbis como pano de fundo para narrar essa reflexão. O filme trata das relações interpessoais, familiares, sociais e estas com valores humanos entre ganancia e gentileza. Mas, o diferencial é que por mais que sejam um pano de fundo, os zumbis aqui tem um destaque ousado se considerarmos a linguagem oriental para tal gênero.
Inclusive é significativo notar por exemplo, que uma das únicas fraquezas desses seres seja a escuridão.
Não atoa também, ainda que aparente ser um erro de roteiro, temos um personagem milionário e escroto ao extremo,
que demora bastante para ter sua transformação completa. Talvez, justamente por já ser um morto vivo que se alimenta de outros humanos por dentro.
Com um ritmo acelerado, e com a característica condução de unir terror com certas doses de absurdo humorado, o filme peque talvez numa exacerbada romantização em busca de emocionar o espectador a todo instante nos minutos finais. que soa forçado ou piegas por vezes. Nada que atrapalhe, alias, funciona aos de emoções mais afloradas ao tema.
Mas, o filme brilha mesmo é em seu esmero técnico. Os zumbis aqui são rápidos, ágeis, insanos. É a zumbilia mais associada à raiva. Junte isso, ao ambiente ser um trem em movimento, o resultado é um filme de ação completo, repleto de ansiedade e exasperação. A maquiagem é outra qualidade a parte. Que prova que não é em Hollywood apenas que se tem qualidade de nível. A montagem oferece a mesma velocidade da locomotiva e a fotografia urgente e claustrofóbica é um deleite para qualquer cinéfilo, e muito da explicação para esse detalhe, com certeza se deve ao diretor que estreia com esse longa sua incursão ao mundo live action, já que sempre trabalhou com animações. Logo, ele melhor que ngm, sabe da importância de se contar historias pelas imagens e não somente pelos diálogos. Assim, o filme possui figurinos, cores, luzes, e ambientação pontuais para transmitir sentimentos e situações que o dialogo nem sempre deixa claro. É possível perceber o perigo chegando pela luz, o sentimento despertando pelas cores, a tensão pelo enquadramento e assim suscetivamente.
Um filme gostoso para um gênero já tão esmorecido.
ps: destaque para a garotinha que atua de maneira genial! E para uma sequencia próximo ao final de tirar o folego, tanto pela execução, quanto pela beleza técnica de enquadramento - envolve uma especie de mortalha semi viva rs -;
Sob a Sombra
3.4 338Muito interessante! É curioso constatar outros gêneros que não os habituais numa linguagem totalmente diferente da nossa latina ou mesmo ao padrão hollywoodyano/europeu.
Um terror psicologo que é muito mais uma síntese do horror da repressão feminina em busca de liberdade e identidade diante dos horrores de uma guerra onde a crença leva a mortes e prisões do que de fato algo sobrenatural de fato. E nisso o filme é exemplar. principalmente por relacionar a narrativa entre mãe e filha, entre a busca desta mulher por conhecimento negado a mulheres daquela cultura, onde seu verdadeiro horror esta muito mais na inadequação e cansaço de resistir aquela realidade do que na mítica dos Djins.
É importante salientar que quando assistimos um filme de outra cultura, com uma outra formação de linguagem cinematográfica é preciso captar sua logica e não usar de referencias padronizadas para avaliar. Diante na linguagem própria dos filmes daquele país esse é um filme raro e muito bem executado. Muito interessante mesmo, os símbolos, os signos descritos e expostos, principalmente na metáfora do vento com as janelas e paredes trincadas. Grata surpresa!
Quando Se Tem 17 Anos
3.8 72Assisti ontem ao filme francês " Quand on a 17 ans" do diretor André Téchiné.
Com exibição no festival de Berlim 2016 e no Festival Mix Brasil (de diversidade) de São Paulo e vencedor do prêmio do Juri no Festival Outfest, este filme me cativou por abordar a descoberta e aceitação sexual contrapondo-a com relações de luto e construção familiar.
Ao contrario do que li por aí, o filme não se perde entre ser um filme LGBT (com protagonismo gay) e a discussão de tratar nossas relações com o luto. O filme na verdade faz uma analogia mesclando os dois temas para falar sobre como é abrir-se para ser quem se é.
Explico: Talvez para quem não tenha vivencia LGBT (não seja LGBT), não perceba que o ato de aceitar-se e descobrir-se não é tão simples como parece mesmo hoje em dia. E não falo sobre somente discriminação social. Falo de identidade. A construção que a sociedade e nós mesmos fazemos sobre a sexualidade 'padrão' é tal que o momento de descoberta e aceitação é como um rompimento com a própria vida física que conhecemos ate então. O ato de assumir-se LGBT e de aceitar-se LGBT é por tanto sim um ato de morte. De deixar morrer algo que foi obrigado por si mesmo ou por influencias externas a ser, e apos essa morte, deixar nascer seu verdadeiro jeito e maneira de ser.
O filme contrapõe esses dois conceitos perfeitamente de maneira simbólico claro, ao conduzir a trama entre um suposto odio, uma suposta inadequação, uma morte e seu luto, e uma gravidez e seu nascimento.
Tudo alegoria para mostrar de maneira externa o interior da condição identitária daqueles dois garotos.
sinopse:
Damien é filho de um soldado e mora em um quartel francês junto com a mãe e um médico, enquanto o pai foi enviado para a África Central. Damien é homossexual e não se dá bem com um outro garoto do colégio, Tom, cuja mãe está doente. A repulsa e violência entre os dois só aumentam quando a mãe de Damien decide acolher Tom em sua casa.
Já esta 'disponível' em sites de download pela Net ^^
Se Eu Tivesse Asas
3.5 33aquele filme de meio de tarde de domingo...
(A duvida: Alex ou Brad? Eu acho que eu... =X) #fofo
(no mais: a netflix pecou feio haha o filme não tem abordagem LGBT, o que ela possui e bem de leve é uma abordagem homoafetiva. Que nenhuma relação possui com sexualidade, por tanto nada tem a ver com LGBT's. Os protagonistas possuem uma ligação de afeto que é fora dos padrões machistas 'permitidos' para os homens. Hoje em dia isso caiu por terra claro. Mas só isso.)
O Amor é Para Todos
4.0 333Trinta primeiros minutos do filme: "nossa, que fora da realidade" -
quanto a forma da sociedade ali próxima e mesmo distante lidar com a sexualidade deles, na escola, e os próprios pais. Se atualmente com tanta informação e desconstrução já é complicado ser quem se é, imagine na década de 70 para 80. E principalmente o como as pessoas lidavam com o medo da AIDS e do vírus HIV, onde àquela época tal sorologia sempre culminava na doença e que na maioria das vezes matava. (Hoje, felizmente é 'apenas' mais uma característica de quem convive com tal sorologia, Mas, achei essa abordagem rasa na construção do inicio do filme.
Uma hora e quinze minutos depois:
"Socorro, como pára de chorar? "
#AlguemMeAbraca
A Série Divergente: Convergente
2.8 599assisti esses dias 'Convergente' - parte 1, da serie de filmes 'Divergente' composta por três livros e ate agora, serão quatro filmes (Divergente, Insurgente, Convergente (parte 1 e 2 - esta que recebera o subtitulo de Ascendente programada pra estrear direto em DVD em 2017). Dirigido por Robert Schwentke esse filme é uma tragedia.
Se o primeiro filme - dirigido por Neil Burger - demonstrava um potencial enorme de desenvolver uma analogia com construções sociais, lidando com discriminações a minorias, mazelas politicas e ideológicas; do segundo filme ate esse terceiro, tudo foi caindo por terra, sendo esse ultimo, o mais dispensável. E nem falarei de qualidades ou defeitos técnicos como a fotografia artificial e sem coerência narrativa nenhuma, ou da inabilidade de direção em estabelecer seu espaço fílmico, bem como estabelecer uma linha de raciocínio cinematográfico minimo, mas falo mesmo em termos de motivações, resoluções, de diálogos, de roteiro enfim, que não se sustentam diante daquela vastidão de oportunidades que possuem. A produção ate pode ter tido problemas com grana nesses anos, mas se o roteiro se sustentasse, nada disso importaria como um todo, ate pq os efeitos visuais/especiais são o que menos importam naquela trajetória, o que é interessante na serie, pelo que haviam proposto la em seu primeiro filme era o desenvolvimento humano tanto individual quanto do coletivo naquela distopia em reflexo a nossa realidade (algo que Jogos Vorazes e mesmo Harry Potter, fizeram tão genialmente bem).
Desperdiçando ótimos atores (ate agora to me perguntando o que raios a Kate Winslet, Naomi Watts e mesmo o Jeff Daniels fizeram aceitando fazer parte disso), o filme ainda consegue não sustentar-se como gênero, já que se perde entre uma ação e outra, sem de fato conseguir definir qual o proposito ou urgência daquilo tudo.
Uma Pena.
Ps: Não li os livros, assim deixo claro que as falhas apontadas não são sobre a trama original/base, afinal esta como disse era bem interessante no primeiro filme, por sua intenção; mas sim exclusivamente sobre os filmes.
Triângulo do Medo
3.5 1,3KDe duas, uma: ou eu vou sucumbir a loucura de vez, ou virar phd em física quântica e seus derivados científicos.
Dirigido por Christopher Smith, 'Triangle' - que em português veio sob o titulo de "Triangulo do Medo" -, é mais um filme que lida com o psicológico. Engatado em teorias de física quântica como a teoria das cordas por exemplo, mas de maneira massificada, o filme se sai extremamente bem ao nos conduzir por um emaranhado de teorias e possibilidades infindáveis, sem perder o foco nunca.
Jess é uma garçonete solteira, mãe de um filho autista. Um da, um de seus clientes que esta interessada nela, a convida para um passeio m um veleiro com mais quatro amigos. No entanto, Jess no dia de embarcar chega ao porto um pouco inquieta e introspectiva. Em alto mar, uma tempestade inesperada faz com que os seis naufraguem. Eis que surge um navio - transatlântico - que para pra salva-los. No entanto, Jess assim que embarca, começa a ter a sensação de que já esteve ali antes. Enquanto isso, os seis começam a achar que o navio esta incoerentemente abandonado. Eis quando surge um misterioso atirador de mascara...
Com essa premissa simples e ate mesmo batida dos gêneros de terror/suspense, o filme poderia facilmente ser confundido como um suspense de terror sobrenatural calcado nos famigerados navios fantasmas. No entanto, a proposta aqui é outra. Amparado pela mitologia de Aeolus e Sisifo, o roteiro produz uma especie de labirinto infindável e cíclico onde cada passo dá entrada a um beco sem saída ou continua novo.
O terror esta muito mais na realidade sufocante apresentada do que em sustos ou terrores terrenos.
Com Michael Dorman, Liam Hemsworth e estrelando Melissa George. a produção possui uma dinâmica formidável e uma montagem certeira, que dá o tom e ritmo correto para uma produção desse nível. Mesmo as repetições - rimas visuais - que surgem tem seu proposito cinematográfico de nos manter interessados e com a pulga atras da orelha tentando desvendar aquele mistério e mais que isso. Tentando desvendar uma forma de solucionar os problemas ali propostos.
Abaixo tento explicar o sentido da trama, já que notei muitos confusos com os acontecimentos.
Num filme como este - tal qual o excelente Coherence, o instigante Primer, ou mesmo o clássico Donnie Darko - os detalhes são fundamentais para compreensão do quebra cabeça. Não que estes queiram fornecer uma solução. O final 'aberto' onde a teoria segue sendo teoria, ou seja, sem resolução e prova palpável é a máxima que os mantem sendo pontuais e genias. É diferente de pontas soltas. Pontas soltas ocorrem quando há falha no roteiro que deixa de concluir algum problema que propôs na narrativa. Aqui neste filme por exemplo, nós lidas com infindáveis possibilidades de tempo e espaço, e com estas realidades e ações e consequências. Assim, nem tudo deve ou pode ser fechado, mas sim deve-se manter aberto para diferentes interpretações. A que darei é uma das milhares possíveis com base no que observei.
O filme basicamente nos apresenta a teoria de que existem
vários mundos e realidades alternativas e paralelas a nossa. Incluindo uma dinâmica cíclica de tempo e espaço continuo. Ou seja: ele trata da possibilidade de que cada escolha que fazemos, cada rumo que seguimos, nos leva para uma resolução, cria uma realidade. No entanto ate que a gente faça essas escolhas, as possibilidades são infinitas - vc que esta lendo poderia não estar lendo, poderia estar lendo outro comentário, poderia não ter chegado ate aqui na leitura, poderia nem se quer chegar ate aqui. cada uma dessas escolhas voluntarias ou não, cria uma realidade própria. Mas, na proposta do filme, isso não anula as outras. É como se no universo que é infinito existissem infinitos planetas terra idênticos, nos quais existem infinitas versões de nós mesmos, mas em cada uma delas fizemos uma escolha diferente. Por tanto, são realidades diferentes.
No filme não fica claro onde o ciclo começa, afinal se ele lida com a máxima de que o universo é cíclico e infindável, por si só não existe presente passado e futuro de maneira palpável e temporal, por tanto estabelecer o começo daquele ciclo é bobagem.
Jess é uma mãe problemática. Que abusa fisicamente e psicologicamente de seu filho autista. Ela é raivosa e o agride algumas vezes, talvez não por ser má, mas pq a pressão de lidar com aquele filme autista sendo mãe solteira num emprego cansativo a deixe estressada Quem sabe.
Fato é que o transatlântico é uma especie de elemento de roteiro para justificar a ruptura com as leis da física que garantem que uma realidade paralela não se choque com a outra - caso contrario nós poderíamos nos ver e interagir com nossos outros eus por ai sem parar. a tempestade trás o transatlântico e isso pq o filme tenta representar o mito de Aeolus, que diz o mito grego ter sido senhor dos ventos e dos mares que decidia o destino dos navegantes marítimos segundo seu humor e boa vontade. Assim podemos concluir que o fato 'dele' escolher aqueles seis amigos para entrar em seu looping eterno de terror seja apenas um capricho. É uma possibilidade. O transatlântico no entanto já é formato pelo mito de Sisifo, que consiste num homem que tentou enganar a morte, e como punição, a morte o condenou a eternamente rolar uma pedra redondo gigante e pesada para cima de uma montanha, no qual obviamente uma hora ele cansava e deixava a pedra rolar ladeira abaixo para ter que descer e continuar o ciclo sem fim.
Percebem? O navio é a montanha cíclica, assim tudo que se passa ali esta fadado a se repetir continuamente pela eternidade.
A Jess que acompanhamos no inicio do filme se confronta com essa 'maldição', e é a unica que tem o insight, feito deja vu. Suas eus permanecem a tanto tempo repetindo aquelas mortes e eventos que ela toma consciência disso antes mesmo de viver aquilo. (essa é a explicação enquanto ela esta dentro do navio)
No entanto quando esta que acompanhamos é jogada no mar ela sai da repetição que o navio promove, e quebra o tempo e espaço daquela espaço físico do navio amaldiçoado. Assim ela retorna no tempo e ao chegar em casa percebe que tudo que ela fez ate ali foi consequência dela mesma. De uma outra ela que causou tudo. Ai que o filme mostra o por que isso ocorre com ela. Ela é Sisifo. Pois ao ver que causou a morte do filho, ela tenta conscientemente refazer seus passos para tentar alterar a realidade. ou seja, ela tenta enganar a morte. ela tenta evitar a morte do filho. E é castigada. No entanto quando ela cochila obviamente exausta pelas repetições constantes, ela esquece tudo que fez (na mitologia de Sisifo ocorre o mesmo, ele sabe que precisa levar a pedra para cima da montanha pq sabe q só ao chegar no topo sera liberto da maldição, mas quando a pedra cai ele esquece de toda a repetição e torna a tentar subir. O que garante o looping. ).
Para encerrar esse looping de realidades e tempo e espaço, talvez somente se Jess se matasse/suicídio, ou se ela escolhesse não embarcar no veleiro. Mas, ela jamais fara isso pq ela sempre tentara salvar o filho da morte. Ela mesma acaba causando sua própria maldição sem fim. O filme brinca com a ideia dos pássaros ali serem a representação da morte e do Senhor dos ventos. Vendo a maldição que produziram em parceria.
Na cena dos corpos enfileirados de uma das minas no navio é possível ter ideia de quantas Jess no minimo existem naquele navio e la fora no mar.
Um filme instigante principalmente para o gênero. Com suas limitações técnicas ali e ali mas que de nada atrapalham de fato a experiencia. Recomendo.