Um simples, mas belo retrato da história de um gênio em conflito com si mesmo. Kirk Douglas está perfeito como Van Gogh, impondo todo o carisma e toda a dramaticidade que o papel exige. A fotografia e a direção de arte são eficientes na representação das paisagens do interior da França.
O roteiro, contudo, mostra-se falho ao explorar o relacionamento entre o artista e o seu irmão, Theo, vivido na tela por James Donald. Durante as duas horas de projeção, a relação entre eles é resumida superficialmente por meio de muitas cartas e uma ou outra briga tola, o que faz com que o diretor perca a grande oportunidade de mostrar o comportamento de Van Gogh perante o único laço familiar que o liga ao passado.
Tirando isso, é um filme que merece ser visto, uma obra que faz jus ao nome do artista holandês.
Conhecido por ter tornado Whoopi Goldberg mundialmente famosa, "A Cor Púrpura" é um melodrama equivocado do início ao fim por ser incapaz de se aprofundar em qualquer uma das questões que levanta - os abusos sexuais, o patriarcalismo, o racismo, a leitura como válvula de escape , o suposto homossexualismo da protagonista, tudo é apresentado de maneira rápida, didática e simples.
O roteiro peca em tentar introduzir humor em momentos em que a seriedade deveria se sobressair, como na sequência o personagem Harpo tenta justificar ao pai o motivo do seu fracasso em agredir e subjugar a esposa, esta interpretada por Oprah Winfrey. Na pele do algoz Albert, Danny Glover não consegue evocar o caráter autoritário e ameaçador que o papel exigia, tornando-se apenas uma figura cuja mudança de comportamento não convence.
Por outro lado, Whoopi Goldberg é a cereja do bolo da obra dirigida por Steven Spielberg. Cativante, a atriz tem excelentes momentos durante as mais de duas horas e meia de projeção, com destaque para a bela cena em que a sua protagonista, Celie, recebe uma homenagem musical no cabaré da fazenda e expressa um olhar profundamente humano de alegria, um sentimento que parecia estar em falta nela até o momento em questão.
Conhecido pelo ultraviolento "Mad Max",o diretor australiano George Miller surpreendeu a todos ao apresentar uma simples e tocante história de superação e persistência.
Grande parte do êxito de "O Óleo de Lorenzo" deve-se às atuações estupendas de Susan Sarandon e Nick Nolte. Juntos, eles encarnam os pais do menino doente com uma humanidade pouco vista antes, ficando impossível não partilhar do sentimento de dor que os acomete no momento do diagnóstico e do da expectativa de uma cura quando ambos partem numa verdadeira empreitada pelo conhecimento científico.
O roteiro é inteligente à medida que não vitimiza o casal Odone - já que este não é mostrado apenas como dois pobres coitados que pranteiam a enfermidade do filho, mas sim como dois indivíduos firmes e determinado a extrapolarem até mesmo seus próprios limites - e explora os conflitos familiares, como se vê no momento em que a personagem de Sarandon nega a presença da própria irmã e chega até a ter seu equilíbrio mental questionado pelo próprio marido.
A trilha sonora; composta ora por notas suaves, ora por uma imponente ópera italiana; é muito bem utilizada para conferir maior dramaticidade às cenas.
Enfim, "O Óleo de Lorenzo" não é somente a história de um garoto doente e seus pais perseverantes, é uma fábula sobre heroísmo, força de vontade e dedicação, um filme que transcende divisas geográficas e dialoga com todos, uma linda obra prima capaz de emocionar plateias do mundo inteiro.
Após dividir a opinião dos críticos por onde passou, A Viagem (Cloud Atlas, no original) finalmente chega ao Brasil. Com direção de Andy e Lana Wachowski e Tom Tykwer, o filme é uma adaptação o livro do inglês David Mitchell, se propondo a contar seis histórias diferentes passadas em épocas distintas, porém todas com uma ligação aparente. O roteiro aborda diversos temas comuns da nossa existência, tais como amor, fé, medo, coragem, liberdade, saudade etc. Cada subtrama têm um gênero diferente, sendo assim, o filme se mostra como um mosaico de drama, suspense, comédia, ficção-científica, romance e aventura.
Para evitar que um sentimento de cansaço e tédio tome conta do público, interessantes cenas de ação futuristas são inseridas , acompanhadas de um grande trabalho de efeitos visuais. Outro fator essencial para a fluidez da trama é a edição, que sabe muito bem equilibrar o timing entre as seis histórias, mostrando que cada personagem tem suas particularidades e importância dentro de seu arco, ficando então difícil não se interessar pelos fatos apresentados.
O elenco divide-se em vários personagens, então não se surpreenda se você perceber que o mesmo ator está presente em outro papel dentro de outra trama. De todo o volumoso elenco, três atores se destacam, são eles: Tom Hanks, Halle Berry e Hugo Weaving. Os dois primeiros têm uma enorme química e convencem como um par romântico que participa de praticamente todos os segmentos. Já Hugo Weaving chama a atenção na pele dos grandes vilões, principalmente ao incorporar seu tom de voz sinistro ao misterioso Georgie. Apesar de acertar em grande parte do desenvolvimento de seus personagens e na caracterização do espaço-tempo, o roteiro apresenta falhas, tais como alguns diálogos banais, motivações mal explicadas (o motivo pelo qual o médico tenta matar o advogado no navio não convence) e a falta de uma justificativa concreta para a última ação do jovem músico vivido por Ben Whisaw.
A trilha sonora varia entre rápidos toques de piano e uma suave sinfonia, atingindo seu ápice nos momentos mais dramáticos ou inesperados da narrativa. A fotografia é composta por diversos tons, que se alternam a cada mudança de contexto. Na cômica história do editor que é trancafiado em um asilo, um tom neutro se faz presente, enquanto na Seul do futuro vemos cores fortes e atraentes. Contando com cenários digitais e também com locações reais, a direção de arte merece elogios pelo capricho na diversidade das paisagens, desde metrópoles do futuro até montanhas e vales longínquos.
Os efeitos sonoros são muito bem trabalhados, cada ruído das cenas de explosão, tiroteio, perseguição e brigas parece estar realmente acontecendo bem ao nosso lado.
Deixei para falar do melhor por último: a maquiagem. A produção “brinca” com a transformação dos atores, assim pessoas negras assumem pele branca, homens viram mulheres etc., o resultado disso tudo é o mais brilhante trabalho de maquiagem já feito na história do cinema (é assustadora a forma como Halle Berry é transformada em nativo maori e em um doutor coreano). Sendo o melhor trabalho dos irmãos Wachowski desde o primeiro Matrix, A Viagem é um filme complexo, merecendo ser visto e revisto até ser maior esclarecido, e acredito eu, que mesmo após isso, as opiniões continuarão divididas, entre os que amam e os que odeiam.
Limitada pelo orçamento de 4 milhões de reais, é compreensível a simplicidade na parte visual da animação. Contudo, o roteiro consegue compensar essa fraqueza. Envolvente, o grande triunfo da história é a sua viagem temporal. Em cenários e períodos distintos, é interessante notar a transformação dos personagens. No primeiro segmento, o conflito limita-se a um grupo de tribos e etnias, preocupados somente em garantir seus benefícios. No segundo, a Revolta da Balaiada traz à tona a insatisfação de uma vasta camada pobre com os abusos elitistas. Já no terceiro, a revolta é de toda uma sociedade oprimida por uma classe minoritária de militares em um período sombrio da história brasileira. Por fim, o último segmento aborda uma inevitável questão universal em um futuro distópico: a escassez de água. Ou seja, todo o enredo compila-se em um processo de evolução que parte de uma motivação pessoal para uma motivação altruísta.
Os personagens dublados por Selton Mello e Camila Pitanga funcionam perfeitamente como um casal que atravessa os séculos. Ambos determinados, não temem lutar por seus direitos e crenças. Além disso, vale apreciar a cena em que o personagem de Mello apresenta Maquiavel a um colega, que, por sua vez, é atingido por um espírito revolucionário. Trata-se, sem dúvida, de mais um acerto do roteiro assinado pelo próprio Luiz Bolognesi.
Tecnicamente, elogios devem ser feitos à criação de um Rio de Janeiro futurista, cercado por moderníssimos arranhas-céus e vias aéreas; destacados em cores escuras e fortes; e ainda atormentado por zonas de miséria, marcadas por um tom marrom sem nada de gracioso. Adiciona-se a isso os bons efeitos sonoros, que oferecem um impacto a mais nas cenas de ação.
O genocídio que ocorreu em Ruanda no ano de 1994 foi uma grande prova da ignorância humana. Quase um milhão de pessoas morreram devido à uma guerra civil que a comunidade internacional fingiu não ter visto. Mas, em meio a essa tragédia, Paul Rusesabagina, gerente de um hotel de luxo na capital do país e um homem de boa alma, mostrou que há uma maneira de ajudar ao próximo. Correndo inúmeros perigos, Rusesebagina abrigou 1268 pessoas, ficando conhecido como o Oskar Schindler da África.
Don Cheadle dá vida a esse herói comum. Entusiasmado com o papel, o ator consegue oferecer uma carga dramática. Acompanhamos os vários momentos de Rusesebagina, desde seus momentos de fraqueza até de coragem extrema, no qual, fica impossível não admirá-lo. A fidelidade de Cheadle ao personagem é tanta que ele confere um sotaque genuinamente africano (ele foge de uma das maiores incoerências do cinema, sendo comum vermos gladiadores com sotaque do Texas, franceses falando inglês britânico etc.), com certeza, uma das melhores atuações da história do cinema. Muito bem trabalhado também seu relacionamento a personagem da brilhante Sophie Okonedo, uma mulher de caráter forte e decidido.. Apesar de serem meros coadjuvantes, Nick Nolte e Joaquin Phoenix se mostram bem, possuindo diálogos inteligentes.
O diretor escocês Terry George (do elogiadíssimo "Mães em Luta") faz um trabalho expecional. Fugindo de clichês, ele não se preocupa em criar histórias de romances nem em cenas de ação mirabolantes (infelizmente, isso ocorre em "Diamante de Sangue", outro filme passado na África). O foco de seu trabalho é a dor e a história de superação, bem como uma árdua crítica ao comportamento omisso das grandes nações capitalistas, que não ofereçam nenhuma ajuda à população. George faz um bom uso de cantos africanos, que, presentes em praticamente toda a trilha sonora, adicionam uma sensibilidade ainda maior.
O roteiro, assinado pelo diretor Terry George e Keir Pearson, constitui um mosaico de experiências humanas, não poupando o espectador de cenas cruas, onde pessoas são tratadas como lixo e abandonadas. A fala mais real e chocante vem do personagem de Joaquin Phoenix, um jornalista estrangeiro enviado para cobrir a guerra civil. Quando perguntado se os outros países virão intervir ao verem as atrocidades do conflito, ele responde objetivamente: - Provavelmente, vão dizer "Meu Deus, que horror!" e continuarão a jantar. - Também é impossível não se indignar quando tropas belgas chegam ao hotel e resgatam apenas os brancos, deixando os africanos á sua própria sorte.
É lamentável o fato dessa produção, feita em conjunto com investimentos do Reino Unido, dos EUA, da Itália e África do Sul tenha recebido "apenas" três indicações ao Oscar (Melhor Ator - Don Cheadle, Melhor Atriz Coadjuvante - Sophie Okonedo e Melhor Roteiro Original), sendo que tinha méritos para ser lembrada na categoria máxima, a de Melhor Filme.
Hotel Ruanda não é apenas um filme, é uma história de esperança e de solidariedade, uma lição de vida.
Em abril de 2009, um caso chamou a atenção do mundo todo: quatro piratas somalis subiram a bordo do navio estadunidense Maersk Alabama. Por cinco tensos dias, Richard Phillips, o capitão da embarcação, foi mantido refém sob a mira dos criminosos. Quatro anos depois, essa história incrível chega às telas do cinema pelas mãos de Paul Greengrass, conhecido por transformar acontecimentos geopolíticos em produções de qualidade, como os ótimos "Voo United 93" e "Zona Verde", isso sem falar na aclamada trilogia "Bourne".
Interpretado pelo prestigiado Tom Hanks, Richard Phillips é mostrado como um homem pacato e responsável logo nas primeiras cenas. No entanto, frente a um desfecho trágico, Phillips vai pouco a pouco sucumbindo ao desespero. Concentrado no drama e na seriedade dos acontecimentos, Hanks literalmente transforma-se no personagem, ficando praticamente impossível não sofrer junto na companhia deste cena após cena. Sem dúvida, um trabalho louvável e digno de Oscar. Entretanto, seria injusto falar de Hanks e esquecer de Barkhad Abdi. Na pele do pirata Muse, o jovem ator somali compõe um tipo de papel raro no cinema. Seu antagonista é, sem sombra de dúvida, um homem violento e cruel. Porém, com o decorrer da trama suas atitudes são justificadas pela realidade social em que se encontra, ficando difícil desejar sua morte. O que poderia ser uma falha fatídica do filme é transformado em um às na manga do diretor Paul Greengrass e do roteirista Billy Ray. A situação do vilão pouco detestável é explorada linha a linha no roteiro por meio de subtextos políticos, seja nos momentos emque Murse questiona a pesca de nações desenvolvidas em águas somalis ou no trecho em que Phillips indaga o motivo do pirata ainda estar na vida de crime se recentemente lucrara com um sequestro milionário.
Diferente do que muitos cineastas hollywoodianos fariam, Greengrass opta por escalar atores somalis para viver os criminosos, uma maneira correta de conferir realismo à trama, visto também que a maioria da parte dos diálogos deles são em sua respectiva língua nativa.
Utilizando várias tomadas aéreas, o diretor exprime tensão em suas cenas por meio de uma intensa trilha sonora acompanhada de uma ligeira sonoplastia e de um excelente trabalho de edição, com destaque para o trecho em que o barco pirata se aproxima vagarosamente do navio Alabama, um verdadeiro momento de desespero para o público.
Se "Capitão Phillips" irá se tornar um clássico só o tempo dirá. Até lá, cabe apreciar suas várias qualidades.
A ditadura foi um período sombrio da História brasileira. Uma época marcada por opressão, assassinatos, sequestros e perseguições, muitas perseguições. Movimentos de resistência não faltaram. Cada um reagia do jeito que podia, seja através de metáforas em músicas, livros e filmes, ou até mesmo pela violência. O longa de Bruno Barreto, o mesmo diretor da comédia de sucesso "Dona Flor e Seus Dois Maridos", surgiu para contar a ação de um grupo que escolheu a segunda opção como uma medida desesperada de confrontar o domínio militar
Baseado no livro de mesmo nome, o enredo conta a história verídica do sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick (Alan Arkin), em setembro de 1969, por integrantes dos grupos guerrilheiros de esquerda MR-8 e Ação Libertadora Nacional, que lutavam contra a ditadura militar do país na época e pretendiam trocar o embaixador por companheiros presos.
O filme começa de maneira bastante interessante. Em sua cena de abertura, vemos imagens de uma praia de Copacabana viva, um verdadeiro reduto de alegria e moças bonitas. Logo em seguida, Bruno Barreto corta para trechos de manifestações em massa e repressão policial, cenas que em muito lembram os recentes eventos ocorridos no nosso país. Em um sentido literal: mudaram-se as figuras políticas, mas a opressão continua a mesma.
Mesmo sem nenhum grande recurso narrativo, o roteiro é bem arramado, e seus personagens competentemente caracterizados, apresentando personalidades distintas bem definidas. Evidencia-se a calma e a paciência do embaixador, interpretado com honras por Alan Arkin. Já Fernando Gabeira, interpretado seriamente por Pedro Cardoso, aparece como um jovem determinado a agir conforme seus valores, ao mesmo tempo em que deve lidar com o seu instável colega Jonas, vivido por Matheus Nachtergaele. De resto, o elenco secundário é só elogios, havendo espaço até para pontas de Fernanda Montenegro e Milton Gonçalves.
Fazendo uso de uma edição lenta, mas precisa, Barreto consegue criar um enorme clima de tensão durante as últimas horas do prazo final dado pelo grupo para a libertação dos companheiros, momento em que predomina a enorme dúvida sobre qual será o desfecho.
De descartável, tem-se apenas o relacionamento amoroso forçado entre o protagonista e a sua colega Maria (Fernanda Torres), que desperdiça um bom tempo de trama que poderia ser usado para abordar outras questões do movimento ou da realidade social e política da época.
Sem escapar dos tradicionais letreiros anteriores aos créditos finais, o filme firma-se como um retrato fiel do período da ditadura e da resistência da população - e ainda como uma parábola moderna para a população brasileira - mas muito distante de ser uma real obra-prima da sétima arte
O cinema europeu é tão primoroso quanto o norte-americano. Nesse contexto, destacam-se os cineastas Lars von Trier e Thomas Vinterberg, ambos precursores do Manifesto Dogma 95, instituído em 1995 e que visa a recuperar a aura artística do cinema e deixar de lado a exploração comercial desenfreada. Só que ao contrário do polêmico Trier, Vinterberg não dispõe de tamanha fama mundial e presença esperada em grandes premiações. Em seu longa "A Caça" (representante da Dinamarca na corrida por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), o diretor dá um verdadeiro show de cinema autoral.
A história acompanha Lucas (Mads Mikkelsen), um homem slitário que acaba de dar entrada em seu divórcio. Ele tem um novo emprego na creche local, uma nova namorada e está ansioso pela visita de natal de seu filho, Marcus (Lasse Fogelstrom). Mas o espírito de natal desaparece quando Klara, um aluno de cinco anos de idade, faz uma acusação de agressão contra Lucas, o que desencadeia o ódio de toda a comunidade em que ele vive.
Utilizando sempre planos abertos e explorando com uma fotografia pálida a paisagem urbana do interior da fria Dinamarca, Vinterberg demonstra não ter pressa em caracterizar seus personagens. Pouco a pouco, a imagem de uma comunidade pacata e tranquila vai sendo construída. Ajudado pelo excelente roteiro, Mads Mikkelsen encarna um pai desajustado e acusado injustamente. Estupendo no papel, a Academia cometerá um crime se não indicá-lo à categoria de melhor ator. É impossível não sofrer e se revoltar juntamente com Lucas. É com tamanha visão pessimista do mundo que Vinterberg constrói uma verdadeira obra prima do cinema. Cada opção de ângulo diferenciado, cada diálogo cru, cada ação irracional, tudo faz parte deste retrato fiel das terríveis consequências de um pré-julgamento. Como se não fosse o bastante, há ainda uma cena final que cabe perfeitamente como uma metáfora. Em uma única palavra: esplêndido!
Após George Méliès apresentar ao mundo o filme “Viagem à Lua”, no ano de 1902, o cinema deixou de ser uma mídia que registrava apenas o cotidiano dos centros urbanos. Assim, cenas de trabalhadores em fábricas e trens em movimentos deram lugar a aventuras pitorescas e surreais. Desde então, os alienígenas receberam inúmeras roupagens diferentes. É evidente o abismo de diferenças que separa “Marte Ataca” de “Sinais”, por exemplo. Porém, mesmo com tantas abordagens cômicas, bizarras e sinistras de aliens, faltava alguma coisa a mais. Até que surgiu “Distrito 9”.
Há 20 anos uma gigantesca nave espacial pairou sobre Joanesburgo, capital da África do Sul. Como estava defeituosa, milhões de seres alienígenas foram obrigados a descer à Terra. Eles foram confinados no Distrito 9, um local com péssimas condições e onde são constantemente maltratados pelo governo. Pressionado por problemas políticos e financeiros, o governo local deseja transferir os alienígenas para outra área e realiza um despejo geral. Durante esse processo Wikus Van De Merwe (Sharlto Copley), um funcionário do governo, é contaminado por um fluido alienígena e se torna um simbionte; meio humano, meio alienígena. Abandonado por todos que conhecia, Wikus agora precisa correr contra o tempo e escapar das mãos do governo que o quer como arma biológica.
Sem aquele mega orçamento típico dos clássicos blockbusters hollywoodianos e contando com diretor e elenco desconhecidos, “Distrito 9” só recebeu certa atenção do público devido à presença de Peter Jackson como produtor. Entretanto, conforme as críticas foram saindo, o público passou a enxergá-lo como algo a mais do que um filme de ação. É aí que reside o segredo do sucesso. O diretor sul-africano estreante em longas metragens, Neill Blomkamp, cria uma obra de cunho político e social, abordando temas atuais, como segregação racial, preconceito e etnocentrismo. Com apenas 30 milhões de dólares, Blomkamp consegue fazer o que diretores como Michael Bay e Roland Emmerich jamais conseguiram com suas produções milionárias e altamente explosivas. O roteiro, assinado pelo próprio diretor e por Terri Tatchell, descarta as explosões pirotécnicas, os heróis nacionalistas e as piadinhas grotescas tão comumente vistos nas produções hollywoodianas e foca no drama social, além de retomar a alma do curta-metragem feito pela mesma equipe técnica no ano de 2006, intitulado “Alive in Joburg”.
O novato Sharlto Copley apresenta um verdadeiro espetáculo interpretando um personagem cativante, cuja transformação de caráter pode ser acompanhada atenciosamente de acordo com o decorrer da trama. Se no começo desaprovamos suas atitudes egoístas, ao final, somos admitidos a sentir sofrer junto com ele.
A ambientação do filme está perfeita. O foco são as áreas periféricas de Joanesburgo, uma maneira de mostrar como a sociedade “civilizada” exclui e marginaliza os “hostis”. Mesmo com o já citado orçamento limitado, os alienígenas e as naves são extremamente realistas, talvez a mão de Peter Jackson esteja justamente aí, aliás, um cara que impressionou o mundo com os visuais fantásticos da trilogia “O Senhor dos Anéis”, não pouparia esforços para caprichar também nos efeitos de “Distrito 9”.
Enfim, “Distrito 9” é muito mais que um simples entretenimento. É um filme para ser visto, revisto, discutido e refletido pelas próximas gerações.
Peter Jackson conquistou o mundo com a milionária e igualmente premiada trilogia “O Senhor dos Anéis”. Sua vida após o sucesso estrondoso mudou completamente. De um rosto pouco conhecido e inexperiente passou a ser um profissional respeitado e louvado pelos estúdios hollywoodianos. Filmou a sua versão cheia de charme e ação do clássico “King Kong” – sendo que não havia conseguido autorização para isso antes da trilogia dos anéis – e entrou no gênero drama com “Um Olhar do Paraíso”. Feito isso, surgiu a ideia de expandir ainda mais o universo de J.R.R. Tolkien, transformando o livro “O Hobbit” em nada menos do que três filmes. O primeiro, intitulado “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” recebeu críticas duras, devido a sua longa duração e cenas desnecessárias. Quem espera que o segundo filme viesse para corrigir tais erros engana-se completamente. “A Desolação de Smaug” repete os mesmos deslizes e ainda consegue trazer situações tão escatológicas que chegam ao ponto de dar vontade de estapear o diretor.
Na trama, Bilbo (Martin Freeman), Gandalf (Ian McKellen) e a companhia dos anões conseguiram escapar das Montanhas Sombrias e agora dão continuidade à jornada épica que os levará ao confronto com o temível dragão Smaug (Benedict Cumberbatch).
Deixando de lado o tom cômico abordado na primeira parte, Jackson começa o filme com um plano sequência totalmente desnecessário, retomando um fato ocorrido antes mesmo do primeiro filme que não acrescenta nada de novo à história em si. Junta-se a isso uma enorme porção de personagens sobrando na narrativa (qual a função do mago Radagast afinal? Ter um ou outro diálogo com Gandalf?) e subtramas batidas e desinteressantes – triângulo amoroso entre elfos e anões, rei anão ganancioso, rei elfo egoísta, líder preocupado com revoltas populares, homem simples querendo defender o vilarejo , orc vingativo – tudo isso apenas para estender a trama e tentar impressionar o espectador com cenas de ação a todo vapor, que após a primeira hora de projeção tornam-se repetitivas e previsíveis ( por que fazer tamanho suspense em cima da possível morte de um personagem se o vemos vivo na trilogia dos anéis?).
Por parte do elenco, não há nada a reclamar. Mesmo mal-aproveitado pelo roteiro que o faz desaparecer de cena em múltiplos momentos, Ian McKellen consegue chamar a atenção ao lado do pontual Martin Freeman, o carismático Bilbo Bolseiro que se contrapõe ao rancoroso Thorin, vivido por Richard Armitage.
A fotografia é utilizada erroneamente, compondo visuais muito escuros que, junto com a direção de arte, contribui para a criação de cenários artificiais ao extremo, como se vê no segmento da floresta sombria e do lar dos elfos. Howard Shore também decepciona com a sua irregular trilha sonora, que parece ter a necessidade de fazer-se presente em absolutamente todos os momentos, até aqueles que não precisariam de uma música-tema.
Grandiosos e impressionantes, os efeitos visuais são uma atração à parte, visto que Smaug, apesar de reduzido na trama a um bobalhão que solta frases clichês do tipo “eu sou a morte”, é o dragão mais verossímil da história do cinema.
É com grosseiros erros que “O Hobbit: A Desolação de Smaug” constitui-se como a maior decepção cinematográfica do ano, em que Peter Jackson, ao invés de evoluir, regrediu de maneira vergonhosa.
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, “Azul é a Cor Mais Quente” não é um filme sobre homofobia ou sobre como o amor ultrapassa barreiras. Em um mundo onde o assunto da união afetiva é debatido com fervor, o diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche preocupa-se apenas em contar a história do amadurecimento sexual de uma jovem comum em um período de dúvidas, escolhas e inseguranças. E tudo de forma muito realista.
Inspirado nos quadrinhos de Julie Maroh, o roteiro de Ghalia Lacroix e do diretor Abdellatif Kechiche acompanha Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma jovem estudante do ensino médio que se vê inesperadamente apaixonada por Emma (Léa Seydoux), uma universitária que, lésbica assumida, entra em sua vida, dando início a um longo e complicado relacionamento.
Dispensando o uso da trilha sonora (as únicas músicas utilizadas são as dos ambientes em que se encontram as personagens – uma marca forte do cinema europeu), o diretor retrata nos primeiros minutos o cotidiano de Adèle como o de qualquer jovem, em meio a preocupações escolares, paqueras, bebidas e cigarros. No entanto, uma coisa fica clara: falta algo a mais em sua vida. A cena do seu encontro com Emma na boate gay é um verdadeiro espetáculo. Tanto pela atuação de ambas as atrizes, que demonstram ter uma química única logo de cara, quanto pelo modo que a personagem é conduzida no ambiente, olhando atentamente ao seu redor, um tanto estática, como se estivesse adentrando em um novo mundo que nunca havia se aberto anteriormente. Voltando a falar das atrizes, é nelas que está a cereja do bolo desta produção francesa. Adèle compõe uma protagonista admirável (cujo nome também é Adèle), uma admirável moça, descobrindo suas paixões e traçando sua verdadeira identidade até a idade adulta, onde surge como uma pessoa completamente diferente. Mesmo cometendo atos duvidosos e imorais no decorrer de todo o longa, a atuação apaixonante da atriz torna impossível desprezar a personagem, e mesmo quando ela está errada na situação, torcemos por seu sucesso, que nada mais se resume a uma completa busca por felicidade e satisfação pessoal (o que dizer da apaixonante cena em que a vemos dançando alegremente momentos após se encontrar com Emma?) .
Já a personagem de Léa Seydoux é exatamente o oposto de sua nova companheira, cheia de si, dona da aprovação e confiança dos pais e com carreira praticamente consolidada, ela leva uma vida sem maiores problemas imersa em um enorme círculo social de amigos, colegas e amantes que partilham situações semelhantes. Apesar de um tanto ofuscada pelo talento da jovem atriz protagonista, Seydoux em momento nenhum deixa a desejar, mantendo sempre sua seriedade nata.
A direção de arte é outro fator importante na composição da trama. Há sempre um elemento azul em cena, seja o cabelo de Emma, o banco onde o casal se beija, o cachecol de Adèle ou uma parede ao fundo. Ou seja, o azul chega a ser até um personagem em cena.
Ao mesmo passo em que acerta na caracterização e no desenvolvimento de todo o arco dramático das suas personagens, Kechiche comete excessos. As várias cenas de sexo são demasiadamente longas e cruas, sendo fácil de entender o motivo de reclamação das atrizes, que acusaram publicamente o diretor de ser abusivo e impaciente. O tempo gasto para tais cenas poderia ser aproveitado para aprofundar a relação de Adèle com seus pais – como eles reagiram à homossexualidade da filha? Ou será que nunca desconfiaram?
Dotado de um realismo único e uma história tocante (ao mesmo tempo triste), “Azul é a Cor Mais Quente” é uma produção única da cinematografia contemporânea, capaz de elevar Adéle Exarchopoulos ao posto de jovem atriz mais promissa do momento.
Assistir a filmes que são um verdadeiro soco no estômago não é uma tarefa fácil. A grande parcela do público questiona o motivo de se prender a uma realidade torturante se poderia ao mesmo tempo estar envolvida em um mundo fantástico, de superação, amor e no melhor estilo do “felizes para sempre”. Todavia, tais dramas são necessários à medida que atentam para problemas reais cuja existência é até mesmo desconhecida. Em “12 Anos de Escravidão”, o diretor Steve McQueen apresenta apenas uma pequena e cruel parte da história de toda uma nação gloriosa feita à custa de muito sangue e sofrimento.
Na época pré-Guerra Civil dos Estados Unidos, Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem negro livre do norte de Nova York, é sequestrado e vendido como escravo. Diante da crueldade de um dono de escravos (Michael Fassbender) e de gentilezas inesperadas, Solomon luta não só para se manter vivo, mas também para manter sua dignidade.
Abordando o mal explorado tema da escravidão (é só comparar com quantos filmes sobre holocausto), Steve McQueen é extremamente feliz na direção de seu mais novo longa. Sabendo ditar um ritmo lento e ao mesmo tempo pesado à trama, o diretor parece não ter medo de adentrar no mundo do sofrimento humano, impressionando pela sobriedade com que trata seus personagens, sem nunca cair no melodrama ou no sentimentalismo barato, acompanhado também do competente John Ridley, cujo roteiro não perde tempo com situações desnecessárias e desprezar qualquer tipo de caricatura.
Chiwetel Ejiofor está louvável em cena, evocando tamanha sensibilidade como poucos atores conseguiriam. Um verdadeiro guerreiro que, assim como ele próprio diz, não cai em agonia, mantendo a cabeça erguida para uma chance de liberdade, mesmo que remota. No mesmo patamar estão Michael Fassbender e Lupita Nyong'o. O primeiro vive um senhor de engenho, que jamais hesita em torturar seus pobres escravos. Com expressões sérias e nada confortáveis, Fassbender obtém grandes momentos do seu antagonista, um homem frio, violento e sem escrúpulos. Já Nyong'o vive a fiel colega de Solomon, que sofre ainda mais nas mãos do seu dono e divide uma dor ainda maior do que a do protagonista. O apogeu da produção concentra-se na cena em que os três personagens chave estão reunidos em um longo momento de tortura capaz de causar repugnância até no espectador mais frio. Trata-se, sem dúvida, da melhor atuação conjunta do ano, em um trabalho que, muito provavelmente, levará o trio a conquistar estatuetas na noite do Oscar.
A trilha sonora, assinada pelo consagrado Hans Zimmer, traz um peso ainda maior à história. Em algumas cenas (como na dos dias que se passam na embarcação), faz-se presente uma música discreta, mas ao mesmo forte, reforçando a ameaça que ronda o ambiente. Já em outros momentos (como a situação da separação entre mãe e filhos escravos), o silêncio paira no ar, uma forma crua de mostrar a desgraça humana. A fotografia retrata bem cada espaço da fazenda de escravos, inclusive nos closes nas árvores com a luz do sol em contraste, uma metáfora para o sentimento de esperança e luta que bombardeia Solomon.
Em suma, o novo trabalho de Steve McQueen não é para qualquer um. É preciso estar disposto a entrar em uma realidade desumana que nos levou ao que somos hoje. O fato se passou no sul dos Estados Unidos, mas e no Brasil, onde tivemos quase quatrocentos anos de escravidão? Quantas histórias semelhantes a essa devem ter sido perdidas em diários, cartas e até mesmos memórias da nossa população?
Depois de assinar o roteiro de filmes como "O Último Exorcismo 2", Damien Chazelle tem uma estreia estrondosa na direção de longas-metragens. Inspirado por um curta de mesma autoria e mesmo nome, "Whiplash - Em Busca da Perfeição" apresenta um tema já discutido em obras como "Cisne Negro": as consequências de atividades que levam o ser humano ao seu limite físico e mental. Os atores Miles Teller e J.K. Simmons apresentam um dinâmica incrível juntos. Enquanto este encarna com extremo realismo um professor de métodos pouco ortodoxos, aquele interpreta com notável sensibilidade um jovem ambicioso e solitário que sonha em ser o melhor da sua área. Percebendo o potencial do seu elenco, Chazelle torna o conturbado relacionamento entre os dois o ponto alto do filme, em momentos capazes de provocar a repugnância e o desprezo de qualquer um perante as ações do professor.
Partindo de uma edição frenética e de cortes ligeiros, o diretor mostra o cansaço e a exaustão causada no jovem baterista durante os vários momentos em que ele é obrigado a repetir os números musicais até atingir o ponto ideal. O roteiro também acerta ao mostrar como a obsessão em se tornar um dos melhores do seu ramo toma conta da vida do personagem principal, transformando-o cada vez mais em um ser arrogante e distante de todos.
É interessante notar a presença das batidas da bateria em praticamente todo o filme - e não apenas nos trechos marcados por uma performance musical -, em um retrato da fixação pelo instrumento que só é possível graças ao exemplar trabalho de mixagem de som.
O filme só não é perfeito por ter um terceiro ato demasiadamente extenso que leva o espectador a perder um pouco da sensação de tensão crescente e também pela atuação inexpressiva de Melissa Benoist. Tirando isso, "Whiplash" é um filme a ser visto com bons olhos e que, merecidamente, deve trazer o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante a J.K. Simmons.
Divertido, ousado, original, satírico e provocante. Todos esses adjetivos parecem insuficientes para descrever a grandeza de "Birdman".
Dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu, o filme mostra-se irretocável, um acerto do começo ao fim. Entre os vários acertos dos filmes, destaca-se Michael Keaton, que, na pele do fracassado Riggan Thomson, faz um retrato de si mesmo e não apenas incorpora o personagem, mas se transforma nele. É nos pequenos detalhes que vemos o trabalho minucioso do ator, sendo este merecedor do Oscar. Os coadjuvantes também dão um show à parte, com Edward Norton vivendo um astro problemático e explosivo, responsável pelos momentos mais pitorescos do longa. Emma Stone, Naomi Watts e Zach Galifianakis também estão bastante seguros em cena.
Vale notar que o filme todo é editado como se fosse um enorme plano-sequência, contendo cortes discretos que levam o espectador a uma experiência única, na qual o diretor "viaja" com a câmera de modo a explorar cautelosamente cada detalhe dos caprichados cenários, sempre oscilando entre os delírios de Riggan e a realidade. Desse modo, fica difícil entender o motivo de o trabalho dos editores Douglas Crise e Stephen Mirrione não ter sido devidamente reconhecido com uma indicação ao Oscar.
No que se refere à fotografia, Emmanuel Lubezki faz uso de tons fortes e bem vivos nas cenas que se passam no interior do teatro, e tons neutros e acinzentados nos momentos transcorridos pelas ruas da cidade (talvez a representação da ideia de que a vida de Riggan só tenha brilho nos palcos).
Enfim, "Birdman" é uma obra que merece ser vista não apenas por seu apuro técnico e pela qualidade das interpretações, mas também por conter um roteiro metalinguístico ao extremo, que leva o espectador a questionar o funcionamento da indústria de blockbusters, a produção cinematográfica e a atuação da crítica especializada.
A australiana Jennifer Kent foi muito feliz em sua estreia na direção. The Babadook não é apenas um filme de terror, mas uma elaborada narrativa sobre depressão e conflitos psicológicos. Fazendo uso de uma fotografia escura e explorando com minúcia cada cômodo da casa, Kent estabele com perfeição uma atmosfera melancólica e angustiante. O destaque fica por conta das atuações de Essie Davis e do estreante Noah Wiseman. Enquanto a primeira encarna com espontaneidade uma mãe psicologicamente abalada que oscila entre momentos de calmaria, tristeza e total loucura, Wiseman tem uma atuação bastante segura na pele de um garoto problemático.
Soma-se a isso o excelente roteiro que - apesar de fazer uso de um ou outro clichê do gênero - é carregado de metáforas (como bem mostra o final) e consegue bons momentos capazes de arrepiar até o espectador mais exigente (como o brilhante trecho em que a protagonista enxerga a figura do Babadook em filmes clássicos de horror). Sem dúvida, trata-se de uma das melhores produções do gênero feitas nos últimos anos, uma obra a ser vista e revista.
Com "Invencível", Angelina Jolie mostra que ainda tem muito a aprender como diretora. Partindo de um roteiro superficial que se mostra incapaz de se aprofundar em qualquer um dos seus personagens, a esposa de Brad Pitt apresenta um melodrama arrastado com atuações pouco inspiradas (Jack O"Connell até se esforça, mas seu personagem não desperta a mínima empatia por parte do público, sendo o músico Miyavi o único que se salva do elenco, atuando com segurança na pele de um psicótico oficial japonês), uma onipresente e vergonhosa trilha de Alexandre Desplat e uma edição que, ao utilizar inúmeros flashbacks, fracassa ao tentar conferir dramaticidade à jornada do herói. Os efeitos visuais são outra decepção, já que nas cenas da batalha aérea fica visível a digitalização das aeronaves e explosões.
No fim, "Invencível" é apenas mais uma daquelas típicas produções estadunidenses feitas para exaltar a pátria e a "grandeza" do povo americano (note como os japoneses são mostrados como figuras terríveis e cruéis, ao passo que os soldados reféns são pessoas sofredoras, persistentes e dispostas a morrer pelo país), nem que para isso tenha que apelar para o mais barato do sentimentalismo humano.
O diretor Marco Dutra, vem despontando como um nome a ser acompanhado dentro da produção nacional. Em "Quando Eu Era Vivo", Dutra conduz com perfeição um terror-suspense que, felizmente, escapa dos tradicionais clichês do gênero, e não se preocupa em oferecer sustos ao espectador e sim a intrigá-lo, a deixá-lo envolvido com a história do passado de Júnior e sua família, que vai se revelando pouco a pouco.
Marat Descartes executa uma invejável atuação, compondo um protagonista cujos traços de personalidade se alteram conforme o decorrer da trama, assumindo um comportamento taciturno e duplamente sinistro, o que leva qualquer espectador a perceber que algo macabro está para acontecer. Na pele do pai de Júnior, Antônio Fagundes demonstra toda a segurança e o ar de preocupação que o papel exige. É interessante notar que, apesar de compartilharem o mesmo sangue, inexistem traços de intimidade entre pai e filho, algo explícito numa cena na qual ambos conversam posicionados de contas um pro outro, desenterrando memórias de um passado distante. Sem dúvida, uma evidência do distanciamento afetivo existente entre os dois. Muitos cinéfilos torceram o nariz quando souberam de presença da cantora Sandy no longa. A preocupação foi em vão. Apesar de estar longe de ser uma admirável atriz, a moça não compromete o filme e surge em um papel muito bom, que se comporta de maneira inesperada no terceiro ato. Cabe ainda ressaltar a boa presença de Kiko Bertholini, que assume uma expressão perturbadora no papel do irmão de Júnior.
Pelo lado técnico, o trabalho de fotografia é competente ao criar um clima sombrio crescente a partir de paletas escuras. A direção de arte acerta na construção do apartamento em que se passa a história um local ao mesmo tempo familiar e assustador. A trilha sonora apresenta-se de maneira bastante pontual, conferindo tensão e medo sempre que tais sentimentos fazem-se necessários.
Trata-se, portanto, de um trabalho exemplar de um gênero pouco explorado pelo atual cinema nacional, vide a vasta gama de comédias e dramas que invadem as salas de projeção. Nesse aspecto, Marco Dutra mostra que o nossa produção tem sim o potencial de sair da mesmice e construir obras louváveis dos mais variados gêneros, mesmo que o orçamento não seja dos maiores. Como disse o próprio diretor, devemos sim explorar vários padrões, mas sempre procurando construir um cinema com identidade própria, não apenas copiando o modelo americano. .
Sabendo incorporar com extrema perfeição a instabilidade psicológica, os anseios sexuais e o ar de mistério que eram próprios a Rasputin, Alan Rickman permite ao espectador entrar na mente de uma das personalidades históricas mais controversas do século passado. A relação do padre de habilidades incomuns com a família Romanov é muito bem trabalhada pelo roteiro, que ainda demonstra um preocupação especial em fazer oportunas referências a eventos como a Revolução Russa e o início da Primeira Guerra Mundial.
Dispensando o uso de qualquer tipo de trilha sonora e não demonstrando o menor receio em explicitar a brutalidade de muitas cenas, o diretor Abdellatif Kechiche conduz com perfeição a história da sul-africana que foi tirada da sua terra natal para servir de atração aos curiosos olhos europeus e acabou enfrentando um intenso processo de degradação física e psicológica. Apesar de a sua narrativa se passar no início do século XIX, "Vênus Negra" é uma obra a ser discutida com os olhos na atualidade, visto que o racismo e a animalização da figura feminina ainda estão longe de serem extinguidos.
Sede de Viver
4.1 67 Assista AgoraUm simples, mas belo retrato da história de um gênio em conflito com si mesmo. Kirk Douglas está perfeito como Van Gogh, impondo todo o carisma e toda a dramaticidade que o papel exige. A fotografia e a direção de arte são eficientes na representação das paisagens do interior da França.
O roteiro, contudo, mostra-se falho ao explorar o relacionamento entre o artista e o seu irmão, Theo, vivido na tela por James Donald. Durante as duas horas de projeção, a relação entre eles é resumida superficialmente por meio de muitas cartas e uma ou outra briga tola, o que faz com que o diretor perca a grande oportunidade de mostrar o comportamento de Van Gogh perante o único laço familiar que o liga ao passado.
Tirando isso, é um filme que merece ser visto, uma obra que faz jus ao nome do artista holandês.
A Cor Púrpura
4.4 1,4K Assista AgoraConhecido por ter tornado Whoopi Goldberg mundialmente famosa, "A Cor Púrpura" é um melodrama equivocado do início ao fim por ser incapaz de se aprofundar em qualquer uma das questões que levanta - os abusos sexuais, o patriarcalismo, o racismo, a leitura como válvula de escape , o suposto homossexualismo da protagonista, tudo é apresentado de maneira rápida, didática e simples.
O roteiro peca em tentar introduzir humor em momentos em que a seriedade deveria se sobressair, como na sequência o personagem Harpo tenta justificar ao pai o motivo do seu fracasso em agredir e subjugar a esposa, esta interpretada por Oprah Winfrey.
Na pele do algoz Albert, Danny Glover não consegue evocar o caráter autoritário e ameaçador que o papel exigia, tornando-se apenas uma figura cuja mudança de comportamento não convence.
Por outro lado, Whoopi Goldberg é a cereja do bolo da obra dirigida por Steven Spielberg. Cativante, a atriz tem excelentes momentos durante as mais de duas horas e meia de projeção, com destaque para a bela cena em que a sua protagonista, Celie, recebe uma homenagem musical no cabaré da fazenda e expressa um olhar profundamente humano de alegria, um sentimento que parecia estar em falta nela até o momento em questão.
O Óleo de Lorenzo
4.1 758 Assista AgoraConhecido pelo ultraviolento "Mad Max",o diretor australiano George Miller surpreendeu a todos ao apresentar uma simples e tocante história de superação e persistência.
Grande parte do êxito de "O Óleo de Lorenzo" deve-se às atuações estupendas de Susan Sarandon e Nick Nolte. Juntos, eles encarnam os pais do menino doente com uma humanidade pouco vista antes, ficando impossível não partilhar do sentimento de dor que os acomete no momento do diagnóstico e do da expectativa de uma cura quando ambos partem numa verdadeira empreitada pelo conhecimento científico.
O roteiro é inteligente à medida que não vitimiza o casal Odone - já que este não é mostrado apenas como dois pobres coitados que pranteiam a enfermidade do filho, mas sim como dois indivíduos firmes e determinado a extrapolarem até mesmo seus próprios limites - e explora os conflitos familiares, como se vê no momento em que a personagem de Sarandon nega a presença da própria irmã e chega até a ter seu equilíbrio mental questionado pelo próprio marido.
A trilha sonora; composta ora por notas suaves, ora por uma imponente ópera italiana; é muito bem utilizada para conferir maior dramaticidade às cenas.
Enfim, "O Óleo de Lorenzo" não é somente a história de um garoto doente e seus pais perseverantes, é uma fábula sobre heroísmo, força de vontade e dedicação, um filme que transcende divisas geográficas e dialoga com todos, uma linda obra prima capaz de emocionar plateias do mundo inteiro.
A Viagem
3.7 2,5K Assista AgoraApós dividir a opinião dos críticos por onde passou, A Viagem (Cloud Atlas, no original) finalmente chega ao Brasil. Com direção de Andy e Lana Wachowski e Tom Tykwer, o filme é uma adaptação o livro do inglês David Mitchell, se propondo a contar seis histórias diferentes passadas em épocas distintas, porém todas com uma ligação aparente. O roteiro aborda diversos temas comuns da nossa existência, tais como amor, fé, medo, coragem, liberdade, saudade etc. Cada subtrama têm um gênero diferente, sendo assim, o filme se mostra como um mosaico de drama, suspense, comédia, ficção-científica, romance e aventura.
Para evitar que um sentimento de cansaço e tédio tome conta do público, interessantes cenas de ação futuristas são inseridas , acompanhadas de um grande trabalho de efeitos visuais. Outro fator essencial para a fluidez da trama é a edição, que sabe muito bem equilibrar o timing entre as seis histórias, mostrando que cada personagem tem suas particularidades e importância dentro de seu arco, ficando então difícil não se interessar pelos fatos apresentados.
O elenco divide-se em vários personagens, então não se surpreenda se você perceber que o mesmo ator está presente em outro papel dentro de outra trama. De todo o volumoso elenco, três atores se destacam, são eles: Tom Hanks, Halle Berry e Hugo Weaving. Os dois primeiros têm uma enorme química e convencem como um par romântico que participa de praticamente todos os segmentos. Já Hugo Weaving chama a atenção na pele dos grandes vilões, principalmente ao incorporar seu tom de voz sinistro ao misterioso Georgie. Apesar de acertar em grande parte do desenvolvimento de seus personagens e na caracterização do espaço-tempo, o roteiro apresenta falhas, tais como alguns diálogos banais, motivações mal explicadas (o motivo pelo qual o médico tenta matar o advogado no navio não convence) e a falta de uma justificativa concreta para a última ação do jovem músico vivido por Ben Whisaw.
A trilha sonora varia entre rápidos toques de piano e uma suave sinfonia, atingindo seu ápice nos momentos mais dramáticos ou inesperados da narrativa. A fotografia é composta por diversos tons, que se alternam a cada mudança de contexto. Na cômica história do editor que é trancafiado em um asilo, um tom neutro se faz presente, enquanto na Seul do futuro vemos cores fortes e atraentes. Contando com cenários digitais e também com locações reais, a direção de arte merece elogios pelo capricho na diversidade das paisagens, desde metrópoles do futuro até montanhas e vales longínquos.
Os efeitos sonoros são muito bem trabalhados, cada ruído das cenas de explosão, tiroteio, perseguição e brigas parece estar realmente acontecendo bem ao nosso lado.
Deixei para falar do melhor por último: a maquiagem. A produção “brinca” com a transformação dos atores, assim pessoas negras assumem pele branca, homens viram mulheres etc., o resultado disso tudo é o mais brilhante trabalho de maquiagem já feito na história do cinema (é assustadora a forma como Halle Berry é transformada em nativo maori e em um doutor coreano). Sendo o melhor trabalho dos irmãos Wachowski desde o primeiro Matrix, A Viagem é um filme complexo, merecendo ser visto e revisto até ser maior esclarecido, e acredito eu, que mesmo após isso, as opiniões continuarão divididas, entre os que amam e os que odeiam.
Uma História de Amor e Fúria
4.0 657Limitada pelo orçamento de 4 milhões de reais, é compreensível a simplicidade na parte visual da animação. Contudo, o roteiro consegue compensar essa fraqueza. Envolvente, o grande triunfo da história é a sua viagem temporal. Em cenários e períodos distintos, é interessante notar a transformação dos personagens. No primeiro segmento, o conflito limita-se a um grupo de tribos e etnias, preocupados somente em garantir seus benefícios. No segundo, a Revolta da Balaiada traz à tona a insatisfação de uma vasta camada pobre com os abusos elitistas. Já no terceiro, a revolta é de toda uma sociedade oprimida por uma classe minoritária de militares em um período sombrio da história brasileira. Por fim, o último segmento aborda uma inevitável questão universal em um futuro distópico: a escassez de água. Ou seja, todo o enredo compila-se em um processo de evolução que parte de uma motivação pessoal para uma motivação altruísta.
Os personagens dublados por Selton Mello e Camila Pitanga funcionam perfeitamente como um casal que atravessa os séculos. Ambos determinados, não temem lutar por seus direitos e crenças. Além disso, vale apreciar a cena em que o personagem de Mello apresenta Maquiavel a um colega, que, por sua vez, é atingido por um espírito revolucionário. Trata-se, sem dúvida, de mais um acerto do roteiro assinado pelo próprio Luiz Bolognesi.
Tecnicamente, elogios devem ser feitos à criação de um Rio de Janeiro futurista, cercado por moderníssimos arranhas-céus e vias aéreas; destacados em cores escuras e fortes; e ainda atormentado por zonas de miséria, marcadas por um tom marrom sem nada de gracioso. Adiciona-se a isso os bons efeitos sonoros, que oferecem um impacto a mais nas cenas de ação.
Hotel Ruanda
4.1 629 Assista AgoraO genocídio que ocorreu em Ruanda no ano de 1994 foi uma grande prova da ignorância humana. Quase um milhão de pessoas morreram devido à uma guerra civil que a comunidade internacional fingiu não ter visto. Mas, em meio a essa tragédia, Paul Rusesabagina, gerente de um hotel de luxo na capital do país e um homem de boa alma, mostrou que há uma maneira de ajudar ao próximo. Correndo inúmeros perigos, Rusesebagina abrigou 1268 pessoas, ficando conhecido como o Oskar Schindler da África.
Don Cheadle dá vida a esse herói comum. Entusiasmado com o papel, o ator consegue oferecer uma carga dramática. Acompanhamos os vários momentos de Rusesebagina, desde seus momentos de fraqueza até de coragem extrema, no qual, fica impossível não admirá-lo. A fidelidade de Cheadle ao personagem é tanta que ele confere um sotaque genuinamente africano (ele foge de uma das maiores incoerências do cinema, sendo comum vermos gladiadores com sotaque do Texas, franceses falando inglês britânico etc.), com certeza, uma das melhores atuações da história do cinema. Muito bem trabalhado também seu relacionamento a personagem da brilhante Sophie Okonedo, uma mulher de caráter forte e decidido.. Apesar de serem meros coadjuvantes, Nick Nolte e Joaquin Phoenix se mostram bem, possuindo diálogos inteligentes.
O diretor escocês Terry George (do elogiadíssimo "Mães em Luta") faz um trabalho expecional. Fugindo de clichês, ele não se preocupa em criar histórias de romances nem em cenas de ação mirabolantes (infelizmente, isso ocorre em "Diamante de Sangue", outro filme passado na África). O foco de seu trabalho é a dor e a história de superação, bem como uma árdua crítica ao comportamento omisso das grandes nações capitalistas, que não ofereçam nenhuma ajuda à população. George faz um bom uso de cantos africanos, que, presentes em praticamente toda a trilha sonora, adicionam uma sensibilidade ainda maior.
O roteiro, assinado pelo diretor Terry George e Keir Pearson, constitui um mosaico de experiências humanas, não poupando o espectador de cenas cruas, onde pessoas são tratadas como lixo e abandonadas. A fala mais real e chocante vem do personagem de Joaquin Phoenix, um jornalista estrangeiro enviado para cobrir a guerra civil. Quando perguntado se os outros países virão intervir ao verem as atrocidades do conflito, ele responde objetivamente: - Provavelmente, vão dizer "Meu Deus, que horror!" e continuarão a jantar. - Também é impossível não se indignar quando tropas belgas chegam ao hotel e resgatam apenas os brancos, deixando os africanos á sua própria sorte.
É lamentável o fato dessa produção, feita em conjunto com investimentos do Reino Unido, dos EUA, da Itália e África do Sul tenha recebido "apenas" três indicações ao Oscar (Melhor Ator - Don Cheadle, Melhor Atriz Coadjuvante - Sophie Okonedo e Melhor Roteiro Original), sendo que tinha méritos para ser lembrada na categoria máxima, a de Melhor Filme.
Hotel Ruanda não é apenas um filme, é uma história de esperança e de solidariedade, uma lição de vida.
Capitão Phillips
4.0 1,6K Assista AgoraEm abril de 2009, um caso chamou a atenção do mundo todo: quatro piratas somalis subiram a bordo do navio estadunidense Maersk Alabama. Por cinco tensos dias, Richard Phillips, o capitão da embarcação, foi mantido refém sob a mira dos criminosos. Quatro anos depois, essa história incrível chega às telas do cinema pelas mãos de Paul Greengrass, conhecido por transformar acontecimentos geopolíticos em produções de qualidade, como os ótimos "Voo United 93" e "Zona Verde", isso sem falar na aclamada trilogia "Bourne".
Interpretado pelo prestigiado Tom Hanks, Richard Phillips é mostrado como um homem pacato e responsável logo nas primeiras cenas. No entanto, frente a um desfecho trágico, Phillips vai pouco a pouco sucumbindo ao desespero. Concentrado no drama e na seriedade dos acontecimentos, Hanks literalmente transforma-se no personagem, ficando praticamente impossível não sofrer junto na companhia deste cena após cena. Sem dúvida, um trabalho louvável e digno de Oscar. Entretanto, seria injusto falar de Hanks e esquecer de Barkhad Abdi. Na pele do pirata Muse, o jovem ator somali compõe um tipo de papel raro no cinema. Seu antagonista é, sem sombra de dúvida, um homem violento e cruel. Porém, com o decorrer da trama suas atitudes são justificadas pela realidade social em que se encontra, ficando difícil desejar sua morte. O que poderia ser uma falha fatídica do filme é transformado em um às na manga do diretor Paul Greengrass e do roteirista Billy Ray. A situação do vilão pouco detestável é explorada linha a linha no roteiro por meio de subtextos políticos, seja nos momentos emque Murse questiona a pesca de nações desenvolvidas em águas somalis ou no trecho em que Phillips indaga o motivo do pirata ainda estar na vida de crime se recentemente lucrara com um sequestro milionário.
Diferente do que muitos cineastas hollywoodianos fariam, Greengrass opta por escalar atores somalis para viver os criminosos, uma maneira correta de conferir realismo à trama, visto também que a maioria da parte dos diálogos deles são em sua respectiva língua nativa.
Utilizando várias tomadas aéreas, o diretor exprime tensão em suas cenas por meio de uma intensa trilha sonora acompanhada de uma ligeira sonoplastia e de um excelente trabalho de edição, com destaque para o trecho em que o barco pirata se aproxima vagarosamente do navio Alabama, um verdadeiro momento de desespero para o público.
Se "Capitão Phillips" irá se tornar um clássico só o tempo dirá. Até lá, cabe apreciar suas várias qualidades.
O Que é Isso, Companheiro?
3.8 341 Assista AgoraA ditadura foi um período sombrio da História brasileira. Uma época marcada por opressão, assassinatos, sequestros e perseguições, muitas perseguições. Movimentos de resistência não faltaram. Cada um reagia do jeito que podia, seja através de metáforas em músicas, livros e filmes, ou até mesmo pela violência. O longa de Bruno Barreto, o mesmo diretor da comédia de sucesso "Dona Flor e Seus Dois Maridos", surgiu para contar a ação de um grupo que escolheu a segunda opção como uma medida desesperada de confrontar o domínio militar
Baseado no livro de mesmo nome, o enredo conta a história verídica do sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick (Alan Arkin), em setembro de 1969, por integrantes dos grupos guerrilheiros de esquerda MR-8 e Ação Libertadora Nacional, que lutavam contra a ditadura militar do país na época e pretendiam trocar o embaixador por companheiros presos.
O filme começa de maneira bastante interessante. Em sua cena de abertura, vemos imagens de uma praia de Copacabana viva, um verdadeiro reduto de alegria e moças bonitas. Logo em seguida, Bruno Barreto corta para trechos de manifestações em massa e repressão policial, cenas que em muito lembram os recentes eventos ocorridos no nosso país. Em um sentido literal: mudaram-se as figuras políticas, mas a opressão continua a mesma.
Mesmo sem nenhum grande recurso narrativo, o roteiro é bem arramado, e seus personagens competentemente caracterizados, apresentando personalidades distintas bem definidas. Evidencia-se a calma e a paciência do embaixador, interpretado com honras por Alan Arkin. Já Fernando Gabeira, interpretado seriamente por Pedro Cardoso, aparece como um jovem determinado a agir conforme seus valores, ao mesmo tempo em que deve lidar com o seu instável colega Jonas, vivido por Matheus Nachtergaele. De resto, o elenco secundário é só elogios, havendo espaço até para pontas de Fernanda Montenegro e Milton Gonçalves.
Fazendo uso de uma edição lenta, mas precisa, Barreto consegue criar um enorme clima de tensão durante as últimas horas do prazo final dado pelo grupo para a libertação dos companheiros, momento em que predomina a enorme dúvida sobre qual será o desfecho.
De descartável, tem-se apenas o relacionamento amoroso forçado entre o protagonista e a sua colega Maria (Fernanda Torres), que desperdiça um bom tempo de trama que poderia ser usado para abordar outras questões do movimento ou da realidade social e política da época.
Sem escapar dos tradicionais letreiros anteriores aos créditos finais, o filme firma-se como um retrato fiel do período da ditadura e da resistência da população - e ainda como uma parábola moderna para a população brasileira - mas muito distante de ser uma real obra-prima da sétima arte
A Caça
4.2 2,0K Assista AgoraO cinema europeu é tão primoroso quanto o norte-americano. Nesse contexto, destacam-se os cineastas Lars von Trier e Thomas Vinterberg, ambos precursores do Manifesto Dogma 95, instituído em 1995 e que visa a recuperar a aura artística do cinema e deixar de lado a exploração comercial desenfreada. Só que ao contrário do polêmico Trier, Vinterberg não dispõe de tamanha fama mundial e presença esperada em grandes premiações. Em seu longa "A Caça" (representante da Dinamarca na corrida por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), o diretor dá um verdadeiro show de cinema autoral.
A história acompanha Lucas (Mads Mikkelsen), um homem slitário que acaba de dar entrada em seu divórcio. Ele tem um novo emprego na creche local, uma nova namorada e está ansioso pela visita de natal de seu filho, Marcus (Lasse Fogelstrom). Mas o espírito de natal desaparece quando Klara, um aluno de cinco anos de idade, faz uma acusação de agressão contra Lucas, o que desencadeia o ódio de toda a comunidade em que ele vive.
Utilizando sempre planos abertos e explorando com uma fotografia pálida a paisagem urbana do interior da fria Dinamarca, Vinterberg demonstra não ter pressa em caracterizar seus personagens. Pouco a pouco, a imagem de uma comunidade pacata e tranquila vai sendo construída. Ajudado pelo excelente roteiro, Mads Mikkelsen encarna um pai desajustado e acusado injustamente. Estupendo no papel, a Academia cometerá um crime se não indicá-lo à categoria de melhor ator. É impossível não sofrer e se revoltar juntamente com Lucas. É com tamanha visão pessimista do mundo que Vinterberg constrói uma verdadeira obra prima do cinema. Cada opção de ângulo diferenciado, cada diálogo cru, cada ação irracional, tudo faz parte deste retrato fiel das terríveis consequências de um pré-julgamento. Como se não fosse o bastante, há ainda uma cena final que cabe perfeitamente como uma metáfora. Em uma única palavra: esplêndido!
Distrito 9
3.7 2,0K Assista AgoraApós George Méliès apresentar ao mundo o filme “Viagem à Lua”, no ano de 1902, o cinema deixou de ser uma mídia que registrava apenas o cotidiano dos centros urbanos. Assim, cenas de trabalhadores em fábricas e trens em movimentos deram lugar a aventuras pitorescas e surreais. Desde então, os alienígenas receberam inúmeras roupagens diferentes. É evidente o abismo de diferenças que separa “Marte Ataca” de “Sinais”, por exemplo. Porém, mesmo com tantas abordagens cômicas, bizarras e sinistras de aliens, faltava alguma coisa a mais. Até que surgiu “Distrito 9”.
Há 20 anos uma gigantesca nave espacial pairou sobre Joanesburgo, capital da África do Sul. Como estava defeituosa, milhões de seres alienígenas foram obrigados a descer à Terra. Eles foram confinados no Distrito 9, um local com péssimas condições e onde são constantemente maltratados pelo governo. Pressionado por problemas políticos e financeiros, o governo local deseja transferir os alienígenas para outra área e realiza um despejo geral. Durante esse processo Wikus Van De Merwe (Sharlto Copley), um funcionário do governo, é contaminado por um fluido alienígena e se torna um simbionte; meio humano, meio alienígena. Abandonado por todos que conhecia, Wikus agora precisa correr contra o tempo e escapar das mãos do governo que o quer como arma biológica.
Sem aquele mega orçamento típico dos clássicos blockbusters hollywoodianos e contando com diretor e elenco desconhecidos, “Distrito 9” só recebeu certa atenção do público devido à presença de Peter Jackson como produtor. Entretanto, conforme as críticas foram saindo, o público passou a enxergá-lo como algo a mais do que um filme de ação. É aí que reside o segredo do sucesso. O diretor sul-africano estreante em longas metragens, Neill Blomkamp, cria uma obra de cunho político e social, abordando temas atuais, como segregação racial, preconceito e etnocentrismo. Com apenas 30 milhões de dólares, Blomkamp consegue fazer o que diretores como Michael Bay e Roland Emmerich jamais conseguiram com suas produções milionárias e altamente explosivas. O roteiro, assinado pelo próprio diretor e por Terri Tatchell, descarta as explosões pirotécnicas, os heróis nacionalistas e as piadinhas grotescas tão comumente vistos nas produções hollywoodianas e foca no drama social, além de retomar a alma do curta-metragem feito pela mesma equipe técnica no ano de 2006, intitulado “Alive in Joburg”.
O novato Sharlto Copley apresenta um verdadeiro espetáculo interpretando um personagem cativante, cuja transformação de caráter pode ser acompanhada atenciosamente de acordo com o decorrer da trama. Se no começo desaprovamos suas atitudes egoístas, ao final, somos admitidos a sentir sofrer junto com ele.
A ambientação do filme está perfeita. O foco são as áreas periféricas de Joanesburgo, uma maneira de mostrar como a sociedade “civilizada” exclui e marginaliza os “hostis”. Mesmo com o já citado orçamento limitado, os alienígenas e as naves são extremamente realistas, talvez a mão de Peter Jackson esteja justamente aí, aliás, um cara que impressionou o mundo com os visuais fantásticos da trilogia “O Senhor dos Anéis”, não pouparia esforços para caprichar também nos efeitos de “Distrito 9”.
Enfim, “Distrito 9” é muito mais que um simples entretenimento. É um filme para ser visto, revisto, discutido e refletido pelas próximas gerações.
O Hobbit: A Desolação de Smaug
4.0 2,5K Assista AgoraPeter Jackson conquistou o mundo com a milionária e igualmente premiada trilogia “O Senhor dos Anéis”. Sua vida após o sucesso estrondoso mudou completamente. De um rosto pouco conhecido e inexperiente passou a ser um profissional respeitado e louvado pelos estúdios hollywoodianos. Filmou a sua versão cheia de charme e ação do clássico “King Kong” – sendo que não havia conseguido autorização para isso antes da trilogia dos anéis – e entrou no gênero drama com “Um Olhar do Paraíso”. Feito isso, surgiu a ideia de expandir ainda mais o universo de J.R.R. Tolkien, transformando o livro “O Hobbit” em nada menos do que três filmes. O primeiro, intitulado “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” recebeu críticas duras, devido a sua longa duração e cenas desnecessárias. Quem espera que o segundo filme viesse para corrigir tais erros engana-se completamente. “A Desolação de Smaug” repete os mesmos deslizes e ainda consegue trazer situações tão escatológicas que chegam ao ponto de dar vontade de estapear o diretor.
Na trama, Bilbo (Martin Freeman), Gandalf (Ian McKellen) e a companhia dos anões conseguiram escapar das Montanhas Sombrias e agora dão continuidade à jornada épica que os levará ao confronto com o temível dragão Smaug (Benedict Cumberbatch).
Deixando de lado o tom cômico abordado na primeira parte, Jackson começa o filme com um plano sequência totalmente desnecessário, retomando um fato ocorrido antes mesmo do primeiro filme que não acrescenta nada de novo à história em si. Junta-se a isso uma enorme porção de personagens sobrando na narrativa (qual a função do mago Radagast afinal? Ter um ou outro diálogo com Gandalf?) e subtramas batidas e desinteressantes – triângulo amoroso entre elfos e anões, rei anão ganancioso, rei elfo egoísta, líder preocupado com revoltas populares, homem simples querendo defender o vilarejo , orc vingativo – tudo isso apenas para estender a trama e tentar impressionar o espectador com cenas de ação a todo vapor, que após a primeira hora de projeção tornam-se repetitivas e previsíveis ( por que fazer tamanho suspense em cima da possível morte de um personagem se o vemos vivo na trilogia dos anéis?).
Por parte do elenco, não há nada a reclamar. Mesmo mal-aproveitado pelo roteiro que o faz desaparecer de cena em múltiplos momentos, Ian McKellen consegue chamar a atenção ao lado do pontual Martin Freeman, o carismático Bilbo Bolseiro que se contrapõe ao rancoroso Thorin, vivido por Richard Armitage.
A fotografia é utilizada erroneamente, compondo visuais muito escuros que, junto com a direção de arte, contribui para a criação de cenários artificiais ao extremo, como se vê no segmento da floresta sombria e do lar dos elfos. Howard Shore também decepciona com a sua irregular trilha sonora, que parece ter a necessidade de fazer-se presente em absolutamente todos os momentos, até aqueles que não precisariam de uma música-tema.
Grandiosos e impressionantes, os efeitos visuais são uma atração à parte, visto que Smaug, apesar de reduzido na trama a um bobalhão que solta frases clichês do tipo “eu sou a morte”, é o dragão mais verossímil da história do cinema.
É com grosseiros erros que “O Hobbit: A Desolação de Smaug” constitui-se como a maior decepção cinematográfica do ano, em que Peter Jackson, ao invés de evoluir, regrediu de maneira vergonhosa.
Azul é a Cor Mais Quente
3.7 4,3K Assista AgoraVencedor da Palma de Ouro em Cannes, “Azul é a Cor Mais Quente” não é um filme sobre homofobia ou sobre como o amor ultrapassa barreiras. Em um mundo onde o assunto da união afetiva é debatido com fervor, o diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche preocupa-se apenas em contar a história do amadurecimento sexual de uma jovem comum em um período de dúvidas, escolhas e inseguranças. E tudo de forma muito realista.
Inspirado nos quadrinhos de Julie Maroh, o roteiro de Ghalia Lacroix e do diretor Abdellatif Kechiche acompanha Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma jovem estudante do ensino médio que se vê inesperadamente apaixonada por Emma (Léa Seydoux), uma universitária que, lésbica assumida, entra em sua vida, dando início a um longo e complicado relacionamento.
Dispensando o uso da trilha sonora (as únicas músicas utilizadas são as dos ambientes em que se encontram as personagens – uma marca forte do cinema europeu), o diretor retrata nos primeiros minutos o cotidiano de Adèle como o de qualquer jovem, em meio a preocupações escolares, paqueras, bebidas e cigarros. No entanto, uma coisa fica clara: falta algo a mais em sua vida. A cena do seu encontro com Emma na boate gay é um verdadeiro espetáculo. Tanto pela atuação de ambas as atrizes, que demonstram ter uma química única logo de cara, quanto pelo modo que a personagem é conduzida no ambiente, olhando atentamente ao seu redor, um tanto estática, como se estivesse adentrando em um novo mundo que nunca havia se aberto anteriormente. Voltando a falar das atrizes, é nelas que está a cereja do bolo desta produção francesa. Adèle compõe uma protagonista admirável (cujo nome também é Adèle), uma admirável moça, descobrindo suas paixões e traçando sua verdadeira identidade até a idade adulta, onde surge como uma pessoa completamente diferente. Mesmo cometendo atos duvidosos e imorais no decorrer de todo o longa, a atuação apaixonante da atriz torna impossível desprezar a personagem, e mesmo quando ela está errada na situação, torcemos por seu sucesso, que nada mais se resume a uma completa busca por felicidade e satisfação pessoal (o que dizer da apaixonante cena em que a vemos dançando alegremente momentos após se encontrar com Emma?) .
Já a personagem de Léa Seydoux é exatamente o oposto de sua nova companheira, cheia de si, dona da aprovação e confiança dos pais e com carreira praticamente consolidada, ela leva uma vida sem maiores problemas imersa em um enorme círculo social de amigos, colegas e amantes que partilham situações semelhantes. Apesar de um tanto ofuscada pelo talento da jovem atriz protagonista, Seydoux em momento nenhum deixa a desejar, mantendo sempre sua seriedade nata.
A direção de arte é outro fator importante na composição da trama. Há sempre um elemento azul em cena, seja o cabelo de Emma, o banco onde o casal se beija, o cachecol de Adèle ou uma parede ao fundo. Ou seja, o azul chega a ser até um personagem em cena.
Ao mesmo passo em que acerta na caracterização e no desenvolvimento de todo o arco dramático das suas personagens, Kechiche comete excessos. As várias cenas de sexo são demasiadamente longas e cruas, sendo fácil de entender o motivo de reclamação das atrizes, que acusaram publicamente o diretor de ser abusivo e impaciente. O tempo gasto para tais cenas poderia ser aproveitado para aprofundar a relação de Adèle com seus pais – como eles reagiram à homossexualidade da filha? Ou será que nunca desconfiaram?
Dotado de um realismo único e uma história tocante (ao mesmo tempo triste), “Azul é a Cor Mais Quente” é uma produção única da cinematografia contemporânea, capaz de elevar Adéle Exarchopoulos ao posto de jovem atriz mais promissa do momento.
12 Anos de Escravidão
4.3 3,0KAssistir a filmes que são um verdadeiro soco no estômago não é uma tarefa fácil. A grande parcela do público questiona o motivo de se prender a uma realidade torturante se poderia ao mesmo tempo estar envolvida em um mundo fantástico, de superação, amor e no melhor estilo do “felizes para sempre”. Todavia, tais dramas são necessários à medida que atentam para problemas reais cuja existência é até mesmo desconhecida. Em “12 Anos de Escravidão”, o diretor Steve McQueen apresenta apenas uma pequena e cruel parte da história de toda uma nação gloriosa feita à custa de muito sangue e sofrimento.
Na época pré-Guerra Civil dos Estados Unidos, Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem negro livre do norte de Nova York, é sequestrado e vendido como escravo. Diante da crueldade de um dono de escravos (Michael Fassbender) e de gentilezas inesperadas, Solomon luta não só para se manter vivo, mas também para manter sua dignidade.
Abordando o mal explorado tema da escravidão (é só comparar com quantos filmes sobre holocausto), Steve McQueen é extremamente feliz na direção de seu mais novo longa. Sabendo ditar um ritmo lento e ao mesmo tempo pesado à trama, o diretor parece não ter medo de adentrar no mundo do sofrimento humano, impressionando pela sobriedade com que trata seus personagens, sem nunca cair no melodrama ou no sentimentalismo barato, acompanhado também do competente John Ridley, cujo roteiro não perde tempo com situações desnecessárias e desprezar qualquer tipo de caricatura.
Chiwetel Ejiofor está louvável em cena, evocando tamanha sensibilidade como poucos atores conseguiriam. Um verdadeiro guerreiro que, assim como ele próprio diz, não cai em agonia, mantendo a cabeça erguida para uma chance de liberdade, mesmo que remota. No mesmo patamar estão Michael Fassbender e Lupita Nyong'o. O primeiro vive um senhor de engenho, que jamais hesita em torturar seus pobres escravos. Com expressões sérias e nada confortáveis, Fassbender obtém grandes momentos do seu antagonista, um homem frio, violento e sem escrúpulos. Já Nyong'o vive a fiel colega de Solomon, que sofre ainda mais nas mãos do seu dono e divide uma dor ainda maior do que a do protagonista. O apogeu da produção concentra-se na cena em que os três personagens chave estão reunidos em um longo momento de tortura capaz de causar repugnância até no espectador mais frio. Trata-se, sem dúvida, da melhor atuação conjunta do ano, em um trabalho que, muito provavelmente, levará o trio a conquistar estatuetas na noite do Oscar.
A trilha sonora, assinada pelo consagrado Hans Zimmer, traz um peso ainda maior à história. Em algumas cenas (como na dos dias que se passam na embarcação), faz-se presente uma música discreta, mas ao mesmo forte, reforçando a ameaça que ronda o ambiente. Já em outros momentos (como a situação da separação entre mãe e filhos escravos), o silêncio paira no ar, uma forma crua de mostrar a desgraça humana. A fotografia retrata bem cada espaço da fazenda de escravos, inclusive nos closes nas árvores com a luz do sol em contraste, uma metáfora para o sentimento de esperança e luta que bombardeia Solomon.
Em suma, o novo trabalho de Steve McQueen não é para qualquer um. É preciso estar disposto a entrar em uma realidade desumana que nos levou ao que somos hoje. O fato se passou no sul dos Estados Unidos, mas e no Brasil, onde tivemos quase quatrocentos anos de escravidão? Quantas histórias semelhantes a essa devem ter sido perdidas em diários, cartas e até mesmos memórias da nossa população?
Whiplash: Em Busca da Perfeição
4.4 4,1K Assista AgoraDepois de assinar o roteiro de filmes como "O Último Exorcismo 2", Damien Chazelle tem uma estreia estrondosa na direção de longas-metragens. Inspirado por um curta de mesma autoria e mesmo nome, "Whiplash - Em Busca da Perfeição" apresenta um tema já discutido em obras como "Cisne Negro": as consequências de atividades que levam o ser humano ao seu limite físico e mental.
Os atores Miles Teller e J.K. Simmons apresentam um dinâmica incrível juntos. Enquanto este encarna com extremo realismo um professor de métodos pouco ortodoxos, aquele interpreta com notável sensibilidade um jovem ambicioso e solitário que sonha em ser o melhor da sua área. Percebendo o potencial do seu elenco, Chazelle torna o conturbado relacionamento entre os dois o ponto alto do filme, em momentos capazes de provocar a repugnância e o desprezo de qualquer um perante as ações do professor.
Partindo de uma edição frenética e de cortes ligeiros, o diretor mostra o cansaço e a exaustão causada no jovem baterista durante os vários momentos em que ele é obrigado a repetir os números musicais até atingir o ponto ideal.
O roteiro também acerta ao mostrar como a obsessão em se tornar um dos melhores do seu ramo toma conta da vida do personagem principal, transformando-o cada vez mais em um ser arrogante e distante de todos.
É interessante notar a presença das batidas da bateria em praticamente todo o filme - e não apenas nos trechos marcados por uma performance musical -, em um retrato da fixação pelo instrumento que só é possível graças ao exemplar trabalho de mixagem de som.
O filme só não é perfeito por ter um terceiro ato demasiadamente extenso que leva o espectador a perder um pouco da sensação de tensão crescente e também pela atuação inexpressiva de Melissa Benoist.
Tirando isso, "Whiplash" é um filme a ser visto com bons olhos e que, merecidamente, deve trazer o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante a J.K. Simmons.
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
3.8 3,4K Assista AgoraDivertido, ousado, original, satírico e provocante. Todos esses adjetivos parecem insuficientes para descrever a grandeza de "Birdman".
Dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu, o filme mostra-se irretocável, um acerto do começo ao fim. Entre os vários acertos dos filmes, destaca-se Michael Keaton, que, na pele do fracassado Riggan Thomson, faz um retrato de si mesmo e não apenas incorpora o personagem, mas se transforma nele. É nos pequenos detalhes que vemos o trabalho minucioso do ator, sendo este merecedor do Oscar. Os coadjuvantes também dão um show à parte, com Edward Norton vivendo um astro problemático e explosivo, responsável pelos momentos mais pitorescos do longa. Emma Stone, Naomi Watts e Zach Galifianakis também estão bastante seguros em cena.
Vale notar que o filme todo é editado como se fosse um enorme plano-sequência, contendo cortes discretos que levam o espectador a uma experiência única, na qual o diretor "viaja" com a câmera de modo a explorar cautelosamente cada detalhe dos caprichados cenários, sempre oscilando entre os delírios de Riggan e a realidade. Desse modo, fica difícil entender o motivo de o trabalho dos editores Douglas Crise e Stephen Mirrione não ter sido devidamente reconhecido com uma indicação ao Oscar.
No que se refere à fotografia, Emmanuel Lubezki faz uso de tons fortes e bem vivos nas cenas que se passam no interior do teatro, e tons neutros e acinzentados nos momentos transcorridos pelas ruas da cidade (talvez a representação da ideia de que a vida de Riggan só tenha brilho nos palcos).
Enfim, "Birdman" é uma obra que merece ser vista não apenas por seu apuro técnico e pela qualidade das interpretações, mas também por conter um roteiro metalinguístico ao extremo, que leva o espectador a questionar o funcionamento da indústria de blockbusters, a produção cinematográfica e a atuação da crítica especializada.
O Babadook
3.5 2,0KA australiana Jennifer Kent foi muito feliz em sua estreia na direção. The Babadook não é apenas um filme de terror, mas uma elaborada narrativa sobre depressão e conflitos psicológicos. Fazendo uso de uma fotografia escura e explorando com minúcia cada cômodo da casa, Kent estabele com perfeição uma atmosfera melancólica e angustiante. O destaque fica por conta das atuações de Essie Davis e do estreante Noah Wiseman. Enquanto a primeira encarna com espontaneidade uma mãe psicologicamente abalada que oscila entre momentos de calmaria, tristeza e total loucura, Wiseman tem uma atuação bastante segura na pele de um garoto problemático.
Soma-se a isso o excelente roteiro que - apesar de fazer uso de um ou outro clichê do gênero - é carregado de metáforas (como bem mostra o final) e consegue bons momentos capazes de arrepiar até o espectador mais exigente (como o brilhante trecho em que a protagonista enxerga a figura do Babadook em filmes clássicos de horror). Sem dúvida, trata-se de uma das melhores produções do gênero feitas nos últimos anos, uma obra a ser vista e revista.
Invencível
3.9 924 Assista AgoraCom "Invencível", Angelina Jolie mostra que ainda tem muito a aprender como diretora. Partindo de um roteiro superficial que se mostra incapaz de se aprofundar em qualquer um dos seus personagens, a esposa de Brad Pitt apresenta um melodrama arrastado com atuações pouco inspiradas (Jack O"Connell até se esforça, mas seu personagem não desperta a mínima empatia por parte do público, sendo o músico Miyavi o único que se salva do elenco, atuando com segurança na pele de um psicótico oficial japonês), uma onipresente e vergonhosa trilha de Alexandre Desplat e uma edição que, ao utilizar inúmeros flashbacks, fracassa ao tentar conferir dramaticidade à jornada do herói. Os efeitos visuais são outra decepção, já que nas cenas da batalha aérea fica visível a digitalização das aeronaves e explosões.
No fim, "Invencível" é apenas mais uma daquelas típicas produções estadunidenses feitas para exaltar a pátria e a "grandeza" do povo americano (note como os japoneses são mostrados como figuras terríveis e cruéis, ao passo que os soldados reféns são pessoas sofredoras, persistentes e dispostas a morrer pelo país), nem que para isso tenha que apelar para o mais barato do sentimentalismo humano.
Quando Eu Era Vivo
2.9 323O diretor Marco Dutra, vem despontando como um nome a ser acompanhado dentro da produção nacional. Em "Quando Eu Era Vivo", Dutra conduz com perfeição um terror-suspense que, felizmente, escapa dos tradicionais clichês do gênero, e não se preocupa em oferecer sustos ao espectador e sim a intrigá-lo, a deixá-lo envolvido com a história do passado de Júnior e sua família, que vai se revelando pouco a pouco.
Marat Descartes executa uma invejável atuação, compondo um protagonista cujos traços de personalidade se alteram conforme o decorrer da trama, assumindo um comportamento taciturno e duplamente sinistro, o que leva qualquer espectador a perceber que algo macabro está para acontecer. Na pele do pai de Júnior, Antônio Fagundes demonstra toda a segurança e o ar de preocupação que o papel exige. É interessante notar que, apesar de compartilharem o mesmo sangue, inexistem traços de intimidade entre pai e filho, algo explícito numa cena na qual ambos conversam posicionados de contas um pro outro, desenterrando memórias de um passado distante. Sem dúvida, uma evidência do distanciamento afetivo existente entre os dois.
Muitos cinéfilos torceram o nariz quando souberam de presença da cantora Sandy no longa. A preocupação foi em vão. Apesar de estar longe de ser uma admirável atriz, a moça não compromete o filme e surge em um papel muito bom, que se comporta de maneira inesperada no terceiro ato. Cabe ainda ressaltar a boa presença de Kiko Bertholini, que assume uma expressão perturbadora no papel do irmão de Júnior.
Pelo lado técnico, o trabalho de fotografia é competente ao criar um clima sombrio crescente a partir de paletas escuras. A direção de arte acerta na construção do apartamento em que se passa a história um local ao mesmo tempo familiar e assustador. A trilha sonora apresenta-se de maneira bastante pontual, conferindo tensão e medo sempre que tais sentimentos fazem-se necessários.
Trata-se, portanto, de um trabalho exemplar de um gênero pouco explorado pelo atual cinema nacional, vide a vasta gama de comédias e dramas que invadem as salas de projeção. Nesse aspecto, Marco Dutra mostra que o nossa produção tem sim o potencial de sair da mesmice e construir obras louváveis dos mais variados gêneros, mesmo que o orçamento não seja dos maiores. Como disse o próprio diretor, devemos sim explorar vários padrões, mas sempre procurando construir um cinema com identidade própria, não apenas copiando o modelo americano.
.
Rasputin
3.6 35Sabendo incorporar com extrema perfeição a instabilidade psicológica, os anseios sexuais e o ar de mistério que eram próprios a Rasputin, Alan Rickman permite ao espectador entrar na mente de uma das personalidades históricas mais controversas do século passado. A relação do padre de habilidades incomuns com a família Romanov é muito bem trabalhada pelo roteiro, que ainda demonstra um preocupação especial em fazer oportunas referências a eventos como a Revolução Russa e o início da Primeira Guerra Mundial.
Vênus Negra
4.0 159Dispensando o uso de qualquer tipo de trilha sonora e não demonstrando o menor receio em explicitar a brutalidade de muitas cenas, o diretor Abdellatif Kechiche conduz com perfeição a história da sul-africana que foi tirada da sua terra natal para servir de atração aos curiosos olhos europeus e acabou enfrentando um intenso processo de degradação física e psicológica. Apesar de a sua narrativa se passar no início do século XIX, "Vênus Negra" é uma obra a ser discutida com os olhos na atualidade, visto que o racismo e a animalização da figura feminina ainda estão longe de serem extinguidos.