Hospital Colônia de Barbacena tem muita história, tem muita informação, tem muito conteúdo, tem muita violência, muita violação de direito, muita trama política, coisas pesadíssimas. Quem chegou até aqui deve conhecer o livro e o documentário.
Tinha muito potencial pra ser um símbolo da Reforma Psiquiátrica e da luta antimanicomial. Mas essa série aqui é muito fraca. Muito arrastada, muito enrolada. Meu sonho era ver a trama dessa série com uma produção tal qual a da série Chernobyl.
A série é fantástica por dois motivos: primeiramente pelo roteiro, atuações, fotografia, trilha sonora, etc, os quais nem precisam de delongas. Em segundo lugar porque são marqueteiros profissionais de primeira linha. Ao mesmo tempo que contam a tragédia histórica, ideologias atravessam todo o discurso. E ignorar isto significa ignorar grande parcela do sucesso desta série. Vou elencar algumas observações:
1.: Toda a podridão do ser humano é simbolizada no Anatoly Dyatlov: ganância, egoísmo, corrupção, autoritarismo, arrogância, etc. 2.: O Estado é mentiroso, corrupto, deliberadamente oculta informações para manutenção do próprio poder. O que não é novidade para nenhum Estado ou governo que já existiu. Mas vamos admitir, não é qualquer Estado: é a União Soviética. São os socialistas. Isso tem um peso enorme dentro do mundo ocidental em que vivemos. O Estado e Dyatlov ficam bem próximos no imaginário que é difícil separá-los. O discurso de Gorbachev no final da série arremata o que todos já pensavam: é em um das tragédias histórias mais impactantes da humanidade em que o Estado socialista mostra sua verdadeira face de podridão e o castigo não demora a vir: Chernobyl foi a verdadeira causa do fim da União Soviética. 3.: mostrar toda a corrupção dos socialistas aliada às fantásticas cenas de sofrimento e suas consequências, sejam os bombeiros com os corpos mortificados, Lyudmilla perdendo o bebê ou os soldados assassinando os animais, os indefesos filhotes. Este último sob o manto do discurso socialista escrita na faixa ao fundo: "The Happiness of All Mankind", o qual é o título do 4º episódio. A sacada dos caras é sensacional. A associação é inevitável. 4.: e quem é o verdadeiro heroi? A ciência. Neutra, objetiva, racional. Que mostra que "contra fatos não há argumentos". A ciência que é ingênua, pura e traz a verdade. Passando a régua em qualquer possibilidade de análise crítica da história. 5.: após estas breves descrições, isto converge para um mesmo caminho que faz com que a própria série se venda através deste discurso: se a ciência é neutra, então a neutralidade é possível. A própria série poderia ser neutra e, portanto, isenta e pura de qualquer discurso ideológico. Qualquer um que venha colocar ideologias atravessadas no discurso da neutralidade racional científica está procurando pelo em ovo. 6.: somos metralhados por esses discursos o tempo todo. O melhor poder não é através da força, mas ideológico. A série condensa toda ideologia dominante numa história como essa. Os caras são excelentes.
os índios são os bárbaros, os selvagens, os que cometem atrocidades, são os que matam mulheres e crianças, os sedentos por sangue, os que não podem dar um sorriso, que tem cara de mau e que podem atacar a qualquer momento. Esta é a premissa que se vende o tempo todo. Portanto, o ataque, ao final, é justificado pela própria defesa. Fosse boato ou não. A cena em que aparece a bandeira dos Estados Unidos hasteada ao lado da cabeça decapitada de Wituwamat é totalmente simbólica. O que fica claro é que a única alternativa era a de matar os índios pra ter paz. Isto, claro, entendido como legítima defesa. É esta a justificativa. Isto porque os índios sempre tiveram apenas duas opções: (1) ou "respeitavam a fé cristã", como enfatizam ao final sobre Hobbamock (como se esta suposta ação de "respeito" praticada por um indígena fosse algo louvável), o que significa, na verdade, que foram catequizados pelos europeus (e Massassoit usando um casaco pode ser visto apenas como proteção ao frio, mas também como simbólico de aquisição do novo estilo europeu); ou (2) morriam. Nunca existiu uma terceira opção, de que pudessem viver em harmonia. O final, que é exatamente isto, brancos e índios dançando juntos, é apenas uma ilusão. Final horrível, diga-se de passagem, que vai numa direção contrária a tudo que foi exposto anteriormente. O famoso "terminou em pizza". E a própria série deixa isso claro quando o filho de Winslow mata o filho de Massassoit, anos depois. Mas, obviamente, isto não é encenado. 3 horas demonstrando a selvageria dos índios e 1 minuto, apenas escrito, sobre o ataque dos europeus. A intenção é clara. E é justamente esta a questão que se repete: brancos europeus levando a boa nova pro mundo. E justificam isto através da premissa de que qualquer povo que não seja branco europeu é barbaro, primitivo, selvagem e/ou violento e que, portanto, precisam de uma intervenção, porque "perdoa-os, Pai, pois não sabem o que fazem". Lamentável.
Colônia (1ª Temporada)
3.4 10 Assista AgoraHospital Colônia de Barbacena tem muita história, tem muita informação, tem muito conteúdo, tem muita violência, muita violação de direito, muita trama política, coisas pesadíssimas. Quem chegou até aqui deve conhecer o livro e o documentário.
Tinha muito potencial pra ser um símbolo da Reforma Psiquiátrica e da luta antimanicomial.
Mas essa série aqui é muito fraca. Muito arrastada, muito enrolada. Meu sonho era ver a trama dessa série com uma produção tal qual a da série Chernobyl.
Onde Está Meu Coração
4.1 11210 episódios e nem ao menos fazer uma citação sobre
a existência da Rede de Atenção Psicossocial do SUS para tratamento em saúde mental. Isso diz muito.
Chernobyl
4.7 1,4K Assista AgoraA série é fantástica por dois motivos: primeiramente pelo roteiro, atuações, fotografia, trilha sonora, etc, os quais nem precisam de delongas.
Em segundo lugar porque são marqueteiros profissionais de primeira linha. Ao mesmo tempo que contam a tragédia histórica, ideologias atravessam todo o discurso. E ignorar isto significa ignorar grande parcela do sucesso desta série. Vou elencar algumas observações:
1.: Toda a podridão do ser humano é simbolizada no Anatoly Dyatlov: ganância, egoísmo, corrupção, autoritarismo, arrogância, etc.
2.: O Estado é mentiroso, corrupto, deliberadamente oculta informações para manutenção do próprio poder. O que não é novidade para nenhum Estado ou governo que já existiu. Mas vamos admitir, não é qualquer Estado: é a União Soviética. São os socialistas. Isso tem um peso enorme dentro do mundo ocidental em que vivemos. O Estado e Dyatlov ficam bem próximos no imaginário que é difícil separá-los. O discurso de Gorbachev no final da série arremata o que todos já pensavam: é em um das tragédias histórias mais impactantes da humanidade em que o Estado socialista mostra sua verdadeira face de podridão e o castigo não demora a vir: Chernobyl foi a verdadeira causa do fim da União Soviética.
3.: mostrar toda a corrupção dos socialistas aliada às fantásticas cenas de sofrimento e suas consequências, sejam os bombeiros com os corpos mortificados, Lyudmilla perdendo o bebê ou os soldados assassinando os animais, os indefesos filhotes. Este último sob o manto do discurso socialista escrita na faixa ao fundo: "The Happiness of All Mankind", o qual é o título do 4º episódio. A sacada dos caras é sensacional. A associação é inevitável.
4.: e quem é o verdadeiro heroi? A ciência. Neutra, objetiva, racional. Que mostra que "contra fatos não há argumentos". A ciência que é ingênua, pura e traz a verdade. Passando a régua em qualquer possibilidade de análise crítica da história.
5.: após estas breves descrições, isto converge para um mesmo caminho que faz com que a própria série se venda através deste discurso: se a ciência é neutra, então a neutralidade é possível. A própria série poderia ser neutra e, portanto, isenta e pura de qualquer discurso ideológico. Qualquer um que venha colocar ideologias atravessadas no discurso da neutralidade racional científica está procurando pelo em ovo.
6.: somos metralhados por esses discursos o tempo todo. O melhor poder não é através da força, mas ideológico. A série condensa toda ideologia dominante numa história como essa. Os caras são excelentes.
Saints and Strangers
3.7 17Embora o retrato de ordem operacional pra se instalar uma colônia até seja interessante, tem algo durante a série que me incomoda muito:
os índios são os bárbaros, os selvagens, os que cometem atrocidades, são os que matam mulheres e crianças, os sedentos por sangue, os que não podem dar um sorriso, que tem cara de mau e que podem atacar a qualquer momento.
Esta é a premissa que se vende o tempo todo. Portanto, o ataque, ao final, é justificado pela própria defesa. Fosse boato ou não. A cena em que aparece a bandeira dos Estados Unidos hasteada ao lado da cabeça decapitada de Wituwamat é totalmente simbólica. O que fica claro é que a única alternativa era a de matar os índios pra ter paz. Isto, claro, entendido como legítima defesa. É esta a justificativa.
Isto porque os índios sempre tiveram apenas duas opções: (1) ou "respeitavam a fé cristã", como enfatizam ao final sobre Hobbamock (como se esta suposta ação de "respeito" praticada por um indígena fosse algo louvável), o que significa, na verdade, que foram catequizados pelos europeus (e Massassoit usando um casaco pode ser visto apenas como proteção ao frio, mas também como simbólico de aquisição do novo estilo europeu); ou (2) morriam.
Nunca existiu uma terceira opção, de que pudessem viver em harmonia. O final, que é exatamente isto, brancos e índios dançando juntos, é apenas uma ilusão. Final horrível, diga-se de passagem, que vai numa direção contrária a tudo que foi exposto anteriormente. O famoso "terminou em pizza". E a própria série deixa isso claro quando o filho de Winslow mata o filho de Massassoit, anos depois. Mas, obviamente, isto não é encenado. 3 horas demonstrando a selvageria dos índios e 1 minuto, apenas escrito, sobre o ataque dos europeus. A intenção é clara.
E é justamente esta a questão que se repete: brancos europeus levando a boa nova pro mundo. E justificam isto através da premissa de que qualquer povo que não seja branco europeu é barbaro, primitivo, selvagem e/ou violento e que, portanto, precisam de uma intervenção, porque "perdoa-os, Pai, pois não sabem o que fazem". Lamentável.