Nossa. É até difícil escrever a respeito. Mas vamos lá.
Eu acho que tudo é aprendizado nessa vida. Taika Waititi teve o dele com "Amor e Trovão". Eu só fico me questionando: por quê? Por que reunir tanto dinheiro, tantos talentos, tantos recursos num projeto sem alma, sem personalidade, sem amor, sem vida?
Waititi tinha uma missão difícil em mãos: superar o sucesso de público e crítica do filme antecessor, também dirigido por ele, "Thor: Ragnarok". É compreensível supor a insegurança, o receio, a dúvida. Só não é compreensível supor a pretensão.
O filme parece uma produção B de Power Rangers ou qualquer coisa que o valha. Nem quesitos técnicos, que é o mínimo que se espera das superproduções Marvel, estão bem. Quase tudo falha miseravelmente, com destaque para a aparição grotesca de Axl, filho do falecido Heimdall, numa projeção holográfica que coloca os efeitos visuais de Star Wars (1977) alguns anos-luz na frente.
Nem mesmo o elenco estelar consegue colocar o filme de pé; que parece padecer numa maca de hospital e respirar com a ajuda de aparelhos. Natalie Portman e Christian Bale, a meu ver, são os maiores desperdícios. Conseguem tirar leite de pedra, é verdade. Suas personagens não ajudam, mas não porque não são interessantes, mas porque são pessimamente mal concebidas/construídas no roteiro e terrivelmente inseridas no enredo.
Tudo problemático. Um caos.
O nome do filme tinha que ser "Thor: A morte do bom senso".
Deborah (Bette Midler) e Nick (Woody Allen) são casados e têm dois filhos adolescentes. Ao despacharem os meninos para uma viagem de férias, os dois decidem aproveitar o primeiro dia sozinhos para comemorarem o 16º aniversário de casamento.
Para tal, eles decidem fazer o que de melhor se há para um casal classe média fazer em datas especiais: vão ao shopping comprar seus presentes de casamento.
O que era para ser uma deliciosa tarde romântica, no entanto, acaba se tornando um pesadelo recheado de surpresas, reviravoltas e decepções quando verdades vêm à tona e abalam as estruturas do matrimônio.
Midler e Allen formam um belo par em cena. Ambos contribuem com suas próprias qualidades cômicas e fazem o filme funcionar muito bem. Sem os dois, possivelmente, o longa-metragem não surtiria o mesmo efeito.
Allen, que não é muito afeito em atuar naquilo que não dirige, empresta sua persona que, àquela altura, já gozava de um prestígio diante do grande público (com quem o filme conversa, de fato). E Midler é aquela massa de carisma e sorrisos que chega a ser, simplesmente, irresistível não se deixar cativar.
O resultado não poderia ser outro: uma comédia romântica gostosinha e nostálgica que reflete uma década clichê, cafona e absolutamente trivial. Um passatempo com cheirinho de Sessão da Tarde, mas que conta com pitadas de um texto afiado e inteligente.
Uma bela incursão às histórias dos pretos e pretas que ajudaram a escrever a história do cinema norte-americano e que, de alguma maneira, ajudaram a colocar de pé a Sétima Arte como a conhecemos hoje.
Muitos desses artistas não receberam o reconhecimento que mereciam nem são lembrados com a real importância que eles têm, o que é de se lamentar. Já outros são mais conhecidos pelo grande público e gozam de algum prestígio na indústria cinematográfica, talvez não o tanto que deveriam, mas já é um começo.
Para além de o documentário ser muito bem feito e possuir uma edição dinâmica e esperta, o mais legal aqui foi ver e ouvir artistas contemporâneos, como Samuel L. Jackson, Whoopi Goldberg e Laurence Fishburne falando com tanto amor, respeito e carinho daqueles que vieram antes e abriram os caminhos que mudaram todo o jogo.
Um documentário necessário, inteligente e com um texto afiadíssimo. Vale muito a pena.
Um marinheiro deixa o mundo confortável do continente para navegar em águas desconhecidas. Durante a aventura, ele se depara com um intrigante monstro marinho que, surpreendentemente, acaba se tornando um aliado inesperado.
A vida do lendário caçador de monstros marinhos é virada de cabeça para baixo a partir dessa amizade surpreendente com a fera mais perigosa de todas. O caso paradoxal de amizade surge entre o caçador e a sua caça.
Fofinho e cartesiano, "A Fera do Mar" é uma animação que cativa em alguns momentos, mas em outros não consegue ser tão eficiente. A primeira metade do filme oscila mais do que a segunda, que prende melhor a atenção, sobretudo dos adultos.
Busca as referências certas em produções similares do passado ("Como Treinar Seu Dragão", estou falando de você) e é bem feliz no desenvolvimento das protagonistas, tanto Jacob Holland quanto a esperta e sensível Maisie Brumble.
No geral, pareceu-me uma animação bem mediana, com alguns momentos bem interessantes e inspirados somados a outros um tanto enfadonhos e maçantes. No entanto, acerta no tom na maior parte do tempo.
Leo Macías (Marisa Paredes) é uma romancista que escreve histórias de 2ª categoria e consegue certo sucesso financeiro, mas se esconde sob o pseudônimo de Amanda Gris.
Paralelamente à carreira bem-sucedida, ela se sente infeliz, pois Paco (Imanol Arias), seu marido, é um militar que está sempre viajando. Quando seu casamento começa a entrar em crise, Leo se vê entrando em desespero, o que a leva apelar para a bebida e a parar de escrever seus contos.
Contudo, algumas surpresas (boas e ruins) estão reservadas a ela ao longo de sua jornada de descobertas e aprendizados. O que para muitos poderia ser o ponto final de uma história triste, para Leo será o início de um novo capítulo.
É impressionante o que Almodóvar fez nos anos 1990 e 2000. Uma filmografia autoral repleta de pérolas como esta de 1995. Filmes nada ambiciosos, mas, ao mesmo tempo, absolutamente peculiares e generosos com o público. Histórias do dia a dia, dramas do cotidiano. Crônicas particulares sobre sentimentos universais.
O diretor deixa de lado sua predileção pela alta comédia estilizada e passa para o melodrama de sangue puro. Longe de abandonar seu humor característico, no entanto, o roteirista-diretor habilmente costura sua história emocional, traçando a jornada da heroína desde a perda e o tormento até a força e a esperança redescobertas.
Impulsionado por atuações estelares e um roteiro que ressoa com inteligência, sutileza e surpresas, este é, na minha opinião, um dos melhores e mais subestimados filmes de toda a carreira de Almodóvar.
Em sua exuberante mistura de tragédia, comédia e paradoxo cruel, alimentado por doses de realismo e romantismo com um tempero indubitavelmente espanhol, o filme funciona como um arrebatador drama sentimental que remete, invariavelmente, à Gold Hollywood, mas que, aqui, dança ao ritmo do flamenco.
Neste drama que se passa na década de 1960, no interior da França, acompanhamos a angustiante e difícil situação de Anne, uma estudante de literatura de 23 anos, que descobre que está grávida após um breve caso sem qualquer importância.
A direção do filme acerta no tom de tensão que permeia as sequências. O que surpreende, já que nele nada parece acontecer. Tudo se desdobra a partir de um fato. Trata-se de um longa baseado em um romance autobiográfico de Annie Ernaux, que se desenrola ao longo das semanas de gestação de Anne.
Em 1963, ano em que se passa a história, a maioria das mulheres da classe trabalhadora era forçada a abandonar a escola, os estudos e desistir de suas carreiras e sonhos para se casar. Contudo, Anne não quer fazer nenhuma dessas coisas. Ela quer continuar seus estudos e, por isso, decide fazer um aborto, embora o procedimento seja ilegal e altamente perigoso naquelas circunstâncias.
Ao passo em que somos colocados como testemunhas da história angustiante de Anne, uma garota inserida num universo extremamente machista e misógino, onde as mulheres não têm direitos nem voz nem vez, somente deveres e obrigações para com a sociedade, a história vai ganhando contornos do que poderia ser um thriller da vida real. Um mundo distópico que, diferente dos filmes dessa natureza, existe e está logo ali. Ou melhor, logo aqui.
Toda essa tensão aumenta à medida em Anne decide resolver o problema com as próprias mãos, primeiro, tentando o aborto ela mesma e, depois, apelando para um aborto clandestino. Essas cenas não são para os fracos (confesso que fechei os olhos mais de uma vez), mas, por mais gráficas que elas sejam, nunca parecem sensacionalistas.
É um filme-denúncia de um tempo que passou, mas de um problema que continua aqui, no presente.
"A Lenda" é um filme de uma época em que Tom Cruise não tentava ganhar adeptos para a cientologia, Tim Curry não tragava crianças por um bueiro nem Mia Sara curtia a vida adoidado. Aliás, é um filme de uma época em que muita coisa era feita de um jeito muito diferente. Artesanal, eu diria.
Há muitos anos, eu estava adiando assistir esta obra do mestre Ridley Scott e o motivo para tanta postergação eu não saberia dizer. Veja: justo eu, alguém que ama universos fantásticos e histórias épicas, cheias de vilões, mocinhos e monstros.
Scott, para quem desconhece, foi o responsável por obras de grande impacto na história da indústria cinematográfica. Duas delas são verdadeiras obras-primas da ficção científica e foram lançadas alguns anos antes.
Em 1979, ele estreou com "Alien: O Oitavo Passageiro" - o que não é para qualquer um, convenhamos, começar a carreira como cineasta justamente com um dos filmes mais revolucionários do gênero - e apenas 3 anos depois, em 1982, ele lançaria sua maior obra-prima (na minha opinião): "Blade Runner".
Acho que criei, de certa forma, uma expectativa irreal para este filme de 1985. Nesse sentido, a culpa é minha mesmo. Não que eu não soubesse que se tratava de um filme voltado para o público infantil, porém, eu não sabia que encontraria uma obra tão apalermada, atrapalhada e quase nada instigante. O que é um surpreendente feito por si só, levando em consideração os talentos artísticos reunidos aqui.
O roteiro de William Hjortsberg é fraquíssimo. Muita forma para pouco conteúdo. Sinto como se tivessem escrito uma história às pressas para suprir a necessidade de mostrar algo imageticamente bonito. O roteiro, nesse caso, entrou como uma desculpa para se fazer o filme, e não como a matéria-prima de onde tudo se tira, como tem que ser com qualquer longa-metragem.
E o resultado é esse: temos aqui um filme sem pé nem cabeça, com uma estrutura narrativa paupérrima, atores perdidos em cena - Tom Cruise ora age como uma espécie de Mogli ora como uma espécie de Rei Arthur e Mia Sara com sua princesa chata de doer - um arco de jornada do herói que faria Joseph Campbell se remexer na tumba.
O demoníaco vilão de Tim Curry é a melhor parte do filme. Uma pena que seja reservado a ele tão pouco tempo de tela.
Antes de qualquer coisa, é preciso dizer: sou fã de Noah Baumbach e da forma como ele conta suas histórias. Contudo, achei que ele foi infeliz em suas escolhas artísticas no seu último filme, "White Noise", estrelado por Adam Driver e Greta Gerwig.
Quantas histórias cabem dentro de um filme? Foi a pergunta que ficou martelando a minha cabeça durante os 136 minutos desse longa-metragem. Aparentemente, cabem muitas para Baumbach. E eu não acho que esse é o principal defeito de "Ruído Branco", mas sim o fato dele não conseguir amarrar muito bem todas elas, deixando tudo muito solto e desconectado, sem nenhum propósito.
Acho que o maior desafio aqui é escrever a sinopse desse filme. Seria algo como "um professor de uma pequena cidade testemunha um acidente que coloca em risco a vida de milhares de pessoas por causa de uma fumaça tóxica". Ou, ainda, "uma família de classe média tenta se proteger de um perigo invisível enquanto o seu patriarca tenta entender o que se passa com a sua esposa". Poderia ser também a história de uma "mãe que tenta vencer seus vícios enquanto lida com um apocalipse juntamente com sua família".
E existem tantos subtextos e subtópicos entre qualquer uma dessas "sinopses" que seria impossível descrevê-los todos. O filme vai se tornando enfadonho, cansativo, repetitivo, redundante e pouco (ou quase nada) divertido (que é o que ele se propõe a ser, o que, para mim, é um crime, levando em consideração o fato de eu não ter dado uma risadinha sequer, nem com o canto da boca).
A sensação que fica, ao final, é que o diretor se perdeu na história que queria contar. Há tantas narrativas sobrepostas que chega a ser difícil se convencer de que o filme queria apenas falar disso ou daquilo. A pergunta fica: qual é a mensagem?
E nessa salada confusa e, por vezes, caótica, quem sai perdendo é o espectador: tanto o tempo quanto a energia cerebral para compreender o que não queria ser compreendido (a meu ver).
"The Long Walk Home", de Richard Pearce, faz você se sentir como se estivesse encarando o problema de perto. É um filme apaixonado, com atuações veementes e comoventes de Whoopi Goldberg e Sissy Spacek, mas, por outro lado, também é uma crítica moderada de John Cork, que não ousa muito e prefere não tocar fundo na ferida.
A história trata do boicote feito pela comunidade preta local aos ônibus de Montgomery em 1955, após uma série de casos de racismo envolvendo pessoas pretas ganhar repercussão. Goldberg vive Odessa, a empregada doméstica (acho esse termo um eufemismo grotesco para o caso em questão) de Miriam, vivida por Spacek; uma patroa inicialmente alheia aos problemas vividos por sua funcionária, mas que possui boas intenções e quer ajudar como pode.
Pearce e seu roteirista, John Cork, não estão interessados em deixar o público histérico. Eles querem explorar a temática em toda a sua dimensão (ou pelo menos pretendem), querem mostrar a complexidade das questões envolvidas, lutar contra os estereótipos, não explorá-los de forma barata, para expor a essência de sua história. Isso por si só, para um filme de 1990, é inovador e, de certa maneira, vanguardista.
Temos aqui um bom filme no melhor estilo "old sessão da tarde" que chama a atenção para um problema ao passo em que conscientiza sua audiência. Goldberg e Spacek em atuações sóbrias e honestas, com personagens humanas e um bom material em mãos para ser explorado. Um filme que envelheceu bem, apesar de exagerar no melodrama em certos momentos, e que continua competente para aquilo que se propôs.
"I see you". Acho que essa é a principal mensagem do filme e, não à toa, a música tema cantada por Leona Lewis possui essa frase como nome e refrão. "Eu vejo você", diz uma das protagonistas em dado momento. E a gente sabe que ver é diferente de enxergar.
"Avatar" é um daqueles casos em que o filme não é tudo o que dizem. Nem para o bem nem para o mal. Não considero um filme excepcionalmente bom, como muitos alegam, nem terrivelmente ruim, como outros afirmam. É um filme com erros e acertos, como a maioria.
Sobre os erros, podemos falar um pouco, por exemplo, do texto. Será que ele envelheceu tão bem assim? Mais de treze anos depois, acredito que o roteiro caminha para um lugar de pretensa crítica à xenofobia, mas que acaba cometendo o mesmo crime em alguns momentos, o que, por si só, é minimamente contraditório e problemático.
Perceba: os americanos (ou estadunidenses) invadem um planeta e iniciam um processo de dominação. Alguns desses americanos se arrependem e tentam ajudar os Na’vi (seres nativos do tal planeta) a sobreviverem aos ataques - inevitáveis - que virão. Nesse processo, quem ajuda, ou melhor, os únicos que realmente podem ajudar os Na’vi são… os americanos.
Eles salvam o dia, os Na’vi e o planeta com a inteligência, a tecnologia, a presteza e a implacável capacidade de persuasão a fim de unir os povos daquele lugar. Afinal, quem, senão o estadunidense, para lutar pela nossa liberdade, não é mesmo? Que irônico.
Fora isso, ao final do filme fica uma sensação muito forte de já termos visto a mesma história contada de diferentes formas várias outras vezes. E nem estou falando de "Pocahontas" (1995) aqui - que realmente possui muitos elementos similares e talvez seja a principal associação feita pelo espectador -, mas sim de "Dança com Lobos" (1990), "O Último Samurai" (2003), e até outro clássico da Disney, "Tarzan" (1999).
Sempre o mesmo plot: o homem branco que salva o rolê de uma civilização primitiva que só pode e consegue ser salva se o homem branco intervir. Dos filmes citados, apenas "Tarzan" não obedece exatamente essa regra, tendo em vista que o homem branco em questão é, ao mesmo tempo e de certa forma, o nativo primitivo que salva o rolê. Nesse sentido, essa obra subverte o modelo criado e reciclado por Hollywood em demasia ao longo do século XX e do século XXI.
Contudo, é evidente que o filme também possui seus acertos. Para começar falando dos mais óbvios: a direção de arte, a trilha sonora e, claro, a computação gráfica. Essa última revolucionou o Cinema lá no final da década de 2010. E devo ser justo: o CGI do filme ainda está muito bom (com raras exceções, é verdade).
A dupla de protagonistas vivida por Zoe Saldaña e Sam Worthington topou um desafio intimidador. Como atuar com um monte de dispositivos de captura de movimentos colados no rosto e no corpo, além de ficar dentro de um estúdio todo verde? Foi algo extremamente inovador técnica e artisticamente falando para a época. E eles deram conta do recado. Especialmente Saldaña; que mesmo sem dar as caras no filme, muitas vezes dá o tom da trama e rouba a cena.
A maior bilheteria da história do Cinema é um filme que deve ser visto com um olhar crítico para a sua mensagem, mas também com um olhar benevolente para a sua intenção. A gente sabe que o inferno está cheio de boas intenções, mas também sabe que o céu está cheio de gente chata, conservadora e patriota, não é verdade?
Enfim, "Avatar" é um feito. Um marco histórico. Isso é inegável. Mas nem isso o torna um filme impecável, muito menos um erro cinematográfico grotesco. É apenas um bom filme, com boas qualidades e alguns equívocos.
Ai, gente, não deu. Não consegui engolir muita coisa deste filme (e olha que eu nem tô falando das comidas esquisitas - sim, isso foi um trocadalho do carilho). Tudo muito afetado, pasteurizado e pretensioso. Muitos fios soltos em uma trama rocambolesca (adoro quando posso usar essa palavra sem medo de estar sendo injusto) e que, no final, mais parece um queijo suíço devido aos tantos buracos - sem propósito algum - distribuídos pelo roteiro.
Resumidamente (até porque não há muito a se resumir), a história apresenta vários personagens sem qualquer (aparente) ligação entre eles que são, primeiramente, convidados a participarem de uma experiência gastronômica numa ilha remota e, posteriormente, uma vez lá, são mantidos como reféns sequestrados pelo chef de cozinha que é absolutamente perverso e maluco, juntamente com a sua equipe de cozinheiros (tão louca quanto).
Do elenco, gostei apenas dos desempenhos de Ralph Fiennes e Anya Taylor-Joy, que conseguem extrair alguma coisa minimamente interessante de suas personagens. A elegância de Fiennes em cena empresta um ar enigmático necessário ao excêntrico chef de cozinha Slowik. Já o papel de Taylor-Joy exigia menos dela, contudo, a atriz - como sempre - entregou mais do que precisava para nos convencer da gravidade de toda aquela situação.
Para um filme que necessita do senso de urgência do seu espectador para que ele funcione, acredito que este talvez seja o maior pecado de "O Menu", pois nada aqui sopra o apito da urgência. Ela simplesmente não existe. Não há motivação de nenhuma das partes, não há a menor preocupação em explicar para os espectadores o que está acontecendo e porque está acontecendo. São "pistas" soltas aqui e ali, mas que não confluem entre si e não constroem o mosaico maior do qual a obra carece.
No fim, fica apenas a sensação de desperdício. E não só o visível desperdício de alimento, mas de talentos, de dinheiro, de tempo… enfim, do que você quiser acrescentar a essa lista. Certamente, este é um filme que se soma à lista de obras que eu gostaria de "desver".
Olha, sinceramente? De filmes sobre jantares excêntricos e surrealistas, eu fico com a obra-prima do mestre espanhol Luis Buñuel, "O Anjo Exterminador". Filme este de 1962, mas que continua absolutamente atemporal. Diferentemente dele, "O Menu" não tem inteligência, perspicácia, sutileza ou, no mínimo, uma soma de qualidades suficientes para entreter, minimamente que seja.
Uma amizade sobrevive a segredos? Este parece ser o mote principal de um filme repleto de nuances que favorecem as construções de suas duas personagens centrais: Sheba Hart (interpretada pela brilhante Cate Blanchett) e Barbara Covett (encarnada pela estupenda Judi Dench), duas mulheres cheias de mistério e segundas intenções.
"Notas Sobre um Escândalo" pode não cair na seara do terror ou mesmo do thriller mais tradicional, mas transforma Dench em algo absolutamente aterrorizante, instilando na figura de uma professora idosa e solitária uma ameaça real e apavorante, que espreita sua presa e aguarda o momento certo para devorá-la. Uma espécie de Hannibal Lecter vegetariana que tem uma predileção por cigarros, gatos, diários e colegas de trabalho.
Na outra ponta, temos a instigante e (por que não?) enigmática Blanchett que conduz sua personagem por uma difícil linha tênue que divide o que é uma mulher excitada por uma paixão terrivelmente proibida de uma professora que se envolve com seu aluno de 15 anos, ou seja, que se envolve num tenso caso de pedofilia.
É neste solo espinhoso e de complexo entendimento das relações humanas que essas personagens emergem para se colidirem, uma contra a outra, num texto alucinante e vertiginoso. O perigo está logo ali, a tensão é quase palpável.
O roteiro de Patrick Marber e Zoë Heller é afiadíssimo, mas a narração e interpretação de Dench são espetaculares. Os traços de personalidade que ela constrói aqui são incomparáveis. Manipuladora, ardilosa e cruel. Dench é o tipo de atriz que não precisa falar para dizer. Ela não precisa de palavras. Ela pode fazer isso com a reprovadora inclinação da cabeça ou com o simples ajuste da alça de sua bolsa.
Temos aqui uma mulher tão desesperada por um gesto de afeto que não se importa em sentir, ela apenas quer. Seu interesse romântico é quase arbitrário. Ela mostra pouco gosto real por aquilo que ama. Tudo é apenas um desejo reprimido. Um desejo de conter e guardar algo bonito e admirável somente para si. Como um bibelô na estante.
Barbara e Sheba são representações contundentes de mulheres comuns, que saem de casa para trabalhar e voltam para ela no final do dia. São essas pessoas que guardam segredos. São essas pessoas que engolem umas às outras. No terrível e abominável campo dos seres concretamente comuns e vulgares, num filme que se destaca em todas as áreas em que opera e muito raramente opta por uma saída fácil.
O projeto de Lluís Danés tem um visual arrojado (em certa medida) e começa cheio de promessas ao espectador. Contudo, a partir de um determinado ponto da história, o filme passa a se valer de uma série de escolhas cafonas e mal engendradas.
O roteiro é interessante. Digo, a proposta de plot para a narrativa. Traz uma premissa ousada para um enredo indigesto: um jornalista passa a investigar uma rede de pedófilos em Barcelona e, aos poucos, vai descobrindo que homens poderosos estão por trás de toda a trama (sim, falta originalidade para uma história terrivelmente corriqueira na vida real).
Das atuações, destaco uma única: a de Bruna Cusí (e não é importante falar, mas mesmo assim irei dizer, o quanto ela me lembrou Virgínia Cavendish fisicamente). Cusí entrega a única atuação interessante em uma obra repleta de atuações melodramáticas ao extremo, caricatas e pouco convincentes.
Se, por um lado, o filme conta com uma cinematografia instigante de Josep M. Civit, que destaca o vermelho-sangue em meio ao preto e branco em alguns momentos, por outro, ele peca na ausência de textura da trama e das personagens, onde (quase) tudo parece forçado e fora do tom.
Alguma coisa me diz que por mais brilhantes que tenham sido Tennessee Williams e Elia Kazan, eles jamais poderiam ter imaginado que essa frase conseguiria sintetizar tão bem uma das obras-primas mais relevantes da segunda metade do século XX.
Muito menos poderiam ter aventado a possibilidade de algo mais impactante para proferi-la do que aquela força da natureza que atendia pelo nome de Vivien Leigh, uma atriz que não media esforços para defender suas personagens.
"Uma Rua Chamada Pecado" é um daqueles momentos que não se repetem na história. Uma confluência cósmica que alinhou planetas e astros em perfeita sintonia e que culminou num dos encontros estelares mais raros que já se viu; daqueles que ocorrem, talvez, de 100 em 100 anos.
O fato é que somos aqui presenteados pelo texto pungente de Tennessee Williams, que explora uma infinidade de nuances sobre a psique humana. Os sentimentos mais profundos e obscuros de alguém. Como se sabe, a loucura não é, simplesmente, a ruptura com a realidade. A loucura é, entre tantas outras coisas, um estado de espírito.
Somos também agraciados com a direção precisa e preciosa de Elia Kazan, que conduz seu elenco de maneira sublime entre as quatro paredes de um apartamento decadente localizado numa região pobre de Nova Orleans. Nada melhor do que um diretor preocupado com os detalhes que irão moldar as percepções dos espectadores.
Para fechar, a obra ainda conta com dois dos maiores atores que a Velha Hollywood já viu: a já citada - rainha - Vivien Leigh, num de seus momentos mais impressionantes (ouso dizer, a maior interpretação de sua carreira) e Marlon Brando, insuportavelmente jovem, belo e cheio de truques na manga. Assistir os dois em cena é entender e compreender que a vida vale ser vivida por esses momentos.
Comecei este texto com a minha segunda citação favorita de um filme repleto delas. Sim, a segunda citação. A primeira é mais uma frase de Blanche DuBois, cheia de segundas intenções, dita a um belo e inocente jovem em dado momento:
"Você não adora essas longas tardes chuvosas de Nova Orleans quando uma hora não é apenas uma hora e sim um pedacinho da eternidade largado em nossas mãos? E quem sabe o que fazer com ele?"
"Uma Rua Chamada Pecado" é mais do que um filme. É um marco.
Com cores vibrantes e misticismo, este épico de Zhang nos coloca no centro de uma trama que costura a rede de intrigas, conspirações e pecados da família imperial chinesa do início do século X. Mais um filme do diretor em que os contornos de personalidade do protagonista e do antagonista, muitas vezes, são os mesmos.
A mensagem sombria da história contrasta com todas as cores e formas do belíssimo e milenar arsenal cultural chinês. Essa assinatura autoral de Zhang já havia sido deixada de uma forma bem enfática para o público em seu filme antecessor (e de maior sucesso), "O Clã das Adagas Voadoras", de 2004.
O vermelho não é vermelho. É vermelhíssimo. O dourado brilha de uma maneira sobrenatural. Tudo é tão vívido e excessivamente celestial que os nossos olhos podem ficar cansados a certa altura. Mas tudo é também meticulosamente concebido para recriar o cenário da história que remonta um palácio imperial de 928 d.C.; que é do tamanho de uma cidade. Algo colossal.
E nessa ode a tudo o que é grandioso, encontram-se as personagens da história: um imperador paradoxalmente afetuoso e cruel, uma imperatriz doente e vingativa e príncipes que cometem crimes em nome da coroa e do amor. Tudo tão dramático quanto parece.
O roteiro comete alguns equívocos. Deixa de dar atenção a alguns pontos que mereciam maior cuidado. Não há tantas nuances nas construções das personagens como gostaríamos que houvesse. E, no fim, resta apenas uma conclusão moral (de gosto moralmente duvidoso) que não agrega ao contexto geral nem traz grandes inspirações.
A ironia e a sátira são recursos muito bem-vindos quando bem utilizados na Literatura e no Cinema. Tratando-se desses temas (mas não apenas deles), Jô Soares era um verdadeiro mestre. Sabia, como poucos contemporâneos, adicionar a tão necessária gota de fantasia em seus romances históricos, sempre com o humor e a irreverência característicos.
Este é o fato: poucos brasileiros puderam gozar dessa capacidade - tão genuína - de saber contar uma história que fosse envolvente, engraçada e, entre tantas outras peculiaridades, inteligente. Algo verdadeiramente invejável. Uma história que remonta a nossa história e nos conduz pelos becos sujos, perigosos e sanguinolentos do Rio de Janeiro, em 1886.
O convite que "O Xangô de Baker Street" faz ao espectador é o mesmo feito aos leitores das aventuras de Sherlock Holmes. Contudo, o cenário e o tom são diametralmente opostos. O detetive não está em seu habitat natural.
Uma vez no Brasil, ele e seu fiel escudeiro, Dr. Watson, deparam-se com os mais inexplicáveis dos desafios: o clima tropical que não condiz com suas vestimentas, ruas comerciais sem qualquer vestígio indígena, negros escravizados capazes de falar um inglês tão puro quanto o britânico, peças teatrais tão grandes quanto qualquer uma vista na Europa, e, entre outras coisas, comidas exuberantemente exóticas, como a feijoada.
Acrescente à receita um misterioso serial killer (ou kerial siller rs) que ronda as ruas sinistras cariocas à procura de mulheres indefesas que pudessem perecer sob o fio impetuoso de um violino-relíquia roubado. Pronto: o banquete audiovisual está servido.
Neste cenário longínquo e repleto de personagens intrigantes, Miguel Faria Jr. comanda o espetáculo cujo elenco é estelar: Joaquim de Almeida, Anthony O'Donnell, Cláudia Abreu, Cláudio Marzo, Marco Nanini, Thalma de Freitas, Caco Ciocler, Marcello Antony, Malu Galli e muitos outros. O filme conta, inclusive, com uma figuração de luxo, que passa por Letícia Sabatella e o próprio Jô Soares (como sentimos sua falta, Jô).
Mais uma pérola - pouco conhecida, infelizmente - do nosso rico cinema brasileiro.
Este filme é mais uma história inacreditável produzida em solo argentino. E quando eu digo inacreditável não estou exagerando no uso do termo. Sobretudo, quando se coloca na balança o fato do filme ser inspirado numa história real.
Trata-se de um daqueles casos em que a vida superou, absolutamente, os esforços inventivos da arte. Neste sentido, os roteiristas não tiveram que fazer muito esforço para surpreender o espectador, pois tudo o que aqui é relatado é tão surreal e bizarro que a sensação que fica para nós é a de que eles só colocaram no papel algo que já estava materialmente pronto e consumado, tentando amenizar os fatos narrados.
A história gira em torno da família Puccio, uma família, aparentemente, de classe média que possuía um esquema de sequestros, chantagens e extorsões. Ou seja, uma família que vivia, literalmente, do crime organizado, mas que, sob as aparências sociais, não passava de mais uma família qualquer, terrivelmente normal.
Não bastasse todo o horror promovido em suas vítimas, sob a liderança de seu patriarca, os Puccio torturavam e assassinavam as pessoas sequestradas, mesmo após receberem o valor de resgate exigido aos familiares delas para que fossem liberadas.
Dirigido por Pablo Trapero, vencedor do Leão de Prata de Melhor Direção, o filme é sobre um caso que chocou a Argentina. E segue chocando qualquer um que o veja. Por N razões. Só vendo para crer.
Este filme é como um lembrete para cada país democrático. Um lembrete de que é preciso um país resolver suas pendências com o seu passado ditatorial. Caso contrário, a democracia que testemunhamos renascer traz consigo uma série de enfermidades.
Como o título nos diz, estamos na Argentina, em 1985. Julio Strassera é o promotor de justiça responsável pela acusação dos presidentes militares que assolaram o país com seus regimes ditatoriais, raptando, torturando e matando um "sem número" de argentinos ao longo dos anos em que a Argentina esteve sob Ditadura Militar. Tal processo judicial ficou conhecido como Julgamento das Juntas.
Esse processo também ficou conhecido como o primeiro julgamento no mundo feito por um tribunal civil contra comandantes militares. Começando no dia 22 de abril de 1985, o julgamento durou bastante tempo; cerca de 530 horas de audiência depois de ter ouvido cerca de 850 testemunhas.
Talvez aí resida a maior dificuldade do roteiro: sintetizar um processo tão complexo, robusto e cheio de detalhes, além de, evidentemente, ter que contar a história como um todo; aquela que aconteceu fora dos tribunais. Contudo, tanto Santiago Mitre (que também é o diretor da obra) quanto Mariano Llinás (o outro roteirista) souberam fazer isso com uma eficácia espantosa. Condensar uma história assim é uma habilidade para poucos.
Temos aqui um filme sobre uma parte bem cruel da história da Argentina, mas que funciona, sobretudo, para quem não é argentino. O espectador que está fora do contexto argentino consegue assistir, envolver-se e entender seus principais pontos (outro grande desafio que seus realizadores tinham).
Destaque, claro, para Ricardo Darín (como sempre) que encarna Strassera na obra e nos dá a dimensão para o espectador sobre o grande e mortal desafio que o personagem histórico teve em mãos ao ter que acusar alguns dos maiores ditadores do mundo daquela época (quiçá de toda a história da humanidade).
Um homem casado, com dois filhos pequenos e que tinha todos os motivos do mundo para não aceitar tal missão, fugir com a família e se exilar para proteger a todos, mas resolveu ficar, aceitar o desafio que o destino colocou em seu colo e fazer aquilo que era correto, mesmo sabendo que a chance de impunidade seria muito alta e seu trabalho poderia ser totalmente inglório.
Um forte candidato ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Desprovido de todo verniz de valor que qualquer produção de prestígio hollywoodiana que faz o Cinema parecer um esforço mágico e incompreensivelmente caro, "Elefante" está aí para provar que um filme pode abalar profundamente o espectador com apenas uma câmera, poucas locações, algumas pessoas e quase nada mais que isso.
A filmografia de Gus Van Sant é curiosa pela variedade de maneiras com as quais ele consegue superar nossas expectativas (com alguns tropeços, é verdade). Um diretor versátil que, aqui, traz um drama da vida real. Ou melhor, da triste realidade da vida.
A naturalidade com que tudo é filmado confere ao filme (de ficção baseado numa história real) um ar de documentário. Tudo é muito natural; desde as atuações até a sobriedade da câmera na mão que percorre as sequências acompanhando as personagens em cena.
Talvez o seu filme mais controverso e definitivamente o seu mais polêmico, "Elefante" narra os eventos que precederam um tiroteio em uma escola; um atentado cometido por dois alunos do último ano do ensino médio. Sim, o roteiro é baseado no infeliz tiroteio de 1999 ocorrido na Columbine High School, apenas 4 anos antes do lançamento do longa, em 2003.
Alguns podem achar desagradável como Van Sant nos provoca com violência, especialmente considerando o assunto tratado. Os clichês do comportamento do ensino médio que preenchem o filme e os clichês do que faz um atirador de escola - jogar videogames violentos, ser virgem, assistir a vídeos de propaganda nazista - talvez sejam exagerados demais (apesar de o diretor conseguir inserir isso de forma natural e orgânica).
Uma sequência é, particularmente, assustadora e serve como um exemplo do brilhantismo do filme. Em um levantamento direto, a câmera gira lentamente 360º no sentido anti-horário, dando um panorama em torno do quarto de um dos adolescentes que viria a cometer a chacina. Um dos futuros atiradores está jogando videogame em seu computador e o outro está tocando “Für Elise”, de Beethoven no piano.
O quarto está escuro e mal iluminado e, mais uma vez, o ar, o cheiro e os sons são muito familiares (como tudo no filme nos parece ser). Voltando da escola, descansando sozinho ou talvez com um amigo.
Neste momento, aqueles meninos que viriam a destruir tantas vidas (inclusive as suas), causando estragos irreparáveis e imensuráveis dentro da escola onde estudavam, ali… eles são apenas adolescentes normais. E isso é muito assustador quando pensamos que poderia ser na minha casa, na sua ou na casa de qualquer um de nós.
Apesar de carismático e, em certa medida, cativante, a versão musical do clássico filme de 1996 peca em alguns sentidos. A mim, faltou sutileza nos contornos do roteiro e a história, como um todo, acabou pecando em extravagâncias e excessos desnecessários.
O grande trunfo desta versão é o seu elenco infantil composto por talentos variados e, infelizmente, inexplorados em todo o seu potencial, em alguns casos. A protagonista está ok, mas, estranhamente, não é a que mais cativa o espectador.
As músicas, por incrível que pareça, também foram uma das gratas surpresas. Digo "por incrível que pareça" porque, bem, musical não é exatamente meu gênero favorito, apesar de alguns musicais estarem na minha lista de favoritos de todos os tempos. Mesmo assim, músicas como "Revolting Children" estão entre minhas prediletas da produção.
Temos aqui um passatempo divertido, sobretudo para as crianças, mas que não funciona tão bem para o público adulto. Vale a pena ser conferido porque possui, sim, qualidades, apesar delas não se sobressaírem no saldo final.
O cinema americano, refletindo as estratificações da sociedade americana, evoluiu historicamente para distorcer a sexualidade de homens e mulheres negros, neutralizando-a inteiramente ou exagerando-a grotescamente.
Barry Jenkins e James Baldwin narram aqui a história dos jovens Tish (Kiki Layne) e Fonny Hunt (Stephan James), um casal apaixonado em um país difícil para os negros nos anos 1970. Com sensibilidade, Jenkins conta a história de uma maneira sensual, politicamente urgente, mas não querendo subtrair disso algo tão básico quanto corrigir um estereótipo equivocado. Não só isso.
“Se a Rua Beale Falasse” é um filme irrevogavelmente belo. Logo na primeira cena, nossos amantes, Tish (KiKi Layne) e Fonny (Stephan James), deslizam de mãos dadas por um parque. É outono em Nova York e a natureza conspira a favor dos jovens apaixonados: o amarelo das folhas rima com o amarelo de suas roupas.
Tish e Fonny são lindos em um sentido abstrato e mitológico. Tish, de 18 anos, é a narradora do romance de Baldwin. Por meio de flashbacks sinuosos e não lineares, ela nos conta o que aconteceu com ela e Fonny, seu namorado.
Temos a sensação de que Jenkins está tateando no escuro em busca do filme que nunca existiu. A glória estética de “Beale Street”, às vezes, é registrada como um movimento metafísico; parece que Jenkins, ao se afastar do tom do romance de Baldwin, está se opondo à visão do autor.
Para mim, o grande destaque da obra fica no colo de Regina King, que dá vida à Sharon Rivers, mãe de Tish na história. Uma mulher à frente de seu tempo, sensível e que demonstra uma garra que só as mães leoas poderiam ter para travar as batalhas de seus filhos.
O filme nos encoraja a lembrar que, além do ensaísta que criticava a América, Baldwin era um homem de verdadeiros apetites, de verdadeira beleza.
Curioso o destino ter me colocado para ver este filme logo após eu ter assistido "A Casa Sombria". Em ambos, o plot central é sobre mulheres que acabaram de perder seus maridos e, ao estarem vivendo o luto, descobrem coisas surpreendentemente terríveis sobre eles. Mas os gêneros são diferentes. Enquanto "A Casa Sombria" explora essa premissa pelo viés do terror, "Le Fate Ignoranti" é um drama romântico.
Conheço pouquíssimo do cinema italiano contemporâneo. Acho que 2001 segue sendo cinema contemporâneo, certo? De toda forma, é interessante encontrar filmes que nós jamais poderíamos imaginar que existiam, dos mais diferentes países e contextos culturais.
Margherita Buy (a Meg Ryan italiana) vive Antonia, a protagonista do filme, a mulher enlutada que, sem querer, descobre que o marido não só tinha uma amante, mas que "ela", na verdade, era ele. E não pára por aí. O marido e o amante tinham casa, família e uma vida juntos. Um cenário que fazia Antonia parecer a outra.
Para piorar a situação, Antonia só pode contar com sua mãe, uma mulher não muito afável, que está ali para ajudar, mas acaba cometendo uma série de impropérios contra a própria filha. Ou seja, um desastre completo e absoluto que a gente não deseja para a vida de ninguém.
O filme tinha tudo para ser um melodrama, daqueles bem pesados e cansativos, mas não é. Trata-se de um drama que, aos poucos, vai dando espaço para uma espécie de dramédia. Mais para frente, avançando na história, essa dramédia ganha tons de romance. E o filme vai se adaptando aos vários gêneros que o constituem, com uma certa fluidez.
Buy carrega um olhar melancólico e empresta essa característica à sua sofrida Antonia, que nos transmite seu estado permanente de confusão, incredulidade, tristeza, revolta e, por fim, aceitação. Uma personagem que mesmo diante de tantas notícias ruins, consegue dar a volta por cima e encontrar seu quinhão de felicidade.
E é interessante acompanhá-la. É notável perceber que o ser humano possui essa estranha habilidade de ser feliz em sua miséria. O filme não é excepcional, possui lá seus defeitos (sobretudo no desenvolvimento das tantas personagens que ele apresenta), mas traz uma história que vale a pena conhecer.
A dor da perda já foi tratada e retratada de diferentes maneiras pelo Cinema, passeando pelos mais diferentes gêneros, do drama ao terror, do romance à comédia. Todas essas representações tentam tratar das diferentes camadas que compreendem o luto.
"A Casa Sombria" parece colocar isso de uma maneira bem particular, expressando sua mensagem de uma forma um tanto quanto alegórica, o que, para mim, não é um demérito, mas peca quando isso de alguma forma não é bem conduzido da metade para o final. Não vou me alongar sobre a história para não render spoilers desnecessários.
Entre suas qualidades, destacam-se o design de som, a cinematografia e a premissa do roteiro, encabeçados por Ric Schnupp, Elisha Christian e a dupla Luke Piotrowski e Ben Collins, respectivamente.
A direção de David Bruckner é sofisticada e realça aspectos interessantes das composições visuais, sobretudo nas sequências que remontam o suposto sonambulismo da protagonista (ou seriam pesadelos?), em que a câmera parece participar ativamente do jogo cênico.
No entanto, o grande destaque mesmo fica por conta de Rebecca Hall, numa atuação por vezes comovente, por vezes naturalista e orgânica. A atriz consegue suportar os tropeços do roteiro de forma hábil e convincente, sem causar grandes transtornos ao espectador.
Enfim, temos aqui um filme que possui uma premissa interessante, mas que parece ter sido executado às pressas, principalmente o seu terço final, para atender o cronograma das produtoras envolvidas. Se tudo fica bem desenvolvido no primeiro ato, a coisa toda começa a desandar no segundo e fica um tanto caótico no terceiro.
Contudo, não deixa de ser um requintado filme de terror, com cenas de tirar o fôlego dos entusiastas do gênero. Fica a dica para essa sexta-feira 13.
A infelicidade humana em diferentes níveis. A incompletude na busca do significado das coisas. A incompreensão absoluta das prioridades. A insustentável dor de não conseguir estar onde se quer estar e de ser o que se quer ser. A incomunicabilidade.
Extremamente honesto e composto por atuações magistrais somadas a uma direção precisa, "Foi Apenas Um Sonho" é fiel à sua proposta do título até a última cena. Difícil é enumerar todas as qualidades deste verdadeiro presente cinematográfico.
Mendes consegue expressar as várias camadas da alma humana, desde seu mais incontido riso até à sua mais profunda dor, numa espécie de "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?" com cores e com, talvez, o casal de atores mais emblemático do fim do século XX.
Winslet eternizou uma das atuações mais comoventes do cinema contemporâneo e DiCaprio, como sempre, entregou cada fibra de seu ser em cenas difíceis, em que a incompreensão existencial está no não-dito, mais do que qualquer grito possa expressar.
Destaco também o incrível, mesmo que rápido, desempenho de Michael Shannon que potencializa toda a tensão existente na consciência dos protagonistas; mas que é sufocada por suas gargantas, numa atuação sóbria e irresistível.
Em dado momento April (Winslet) questiona o marido, Frank (DiCaprio): "Quem foi que fez essas regras?". Sinto como se o filme questionasse o tempo inteiro o status quo de tudo e de todos. Por que as coisas têm que ser assim? Por que precisamos viver uma vida em função de nossos papéis sociais em detrimento de nossos sonhos?
Por que precisamos ser infelizes para que as coisas não saiam do lugar, para que o mundo em nossa volta não desmorone? Em dado momento, Frank responde: "Nós podemos ser felizes aqui. Posso fazê-la feliz aqui. Vamos ficar bem".
Entre muitas coisas, esse filme nos ensina que devemos estar atentos a nós mesmos, com quem de fato somos, para que não nos anulemos. Sobretudo quando essa anulação vem em consequência da crença em um ideal.
Um filme estupendo. Um texto pungente. Uma ação dramática perspicaz.
Thor: Amor e Trovão
2.9 973 Assista AgoraThor: Love and Thunder (2022)
Nossa. É até difícil escrever a respeito. Mas vamos lá.
Eu acho que tudo é aprendizado nessa vida. Taika Waititi teve o dele com "Amor e Trovão". Eu só fico me questionando: por quê? Por que reunir tanto dinheiro, tantos talentos, tantos recursos num projeto sem alma, sem personalidade, sem amor, sem vida?
Waititi tinha uma missão difícil em mãos: superar o sucesso de público e crítica do filme antecessor, também dirigido por ele, "Thor: Ragnarok". É compreensível supor a insegurança, o receio, a dúvida. Só não é compreensível supor a pretensão.
O filme parece uma produção B de Power Rangers ou qualquer coisa que o valha. Nem quesitos técnicos, que é o mínimo que se espera das superproduções Marvel, estão bem. Quase tudo falha miseravelmente, com destaque para a aparição grotesca de Axl, filho do falecido Heimdall, numa projeção holográfica que coloca os efeitos visuais de Star Wars (1977) alguns anos-luz na frente.
Nem mesmo o elenco estelar consegue colocar o filme de pé; que parece padecer numa maca de hospital e respirar com a ajuda de aparelhos. Natalie Portman e Christian Bale, a meu ver, são os maiores desperdícios. Conseguem tirar leite de pedra, é verdade. Suas personagens não ajudam, mas não porque não são interessantes, mas porque são pessimamente mal concebidas/construídas no roteiro e terrivelmente inseridas no enredo.
Tudo problemático. Um caos.
O nome do filme tinha que ser "Thor: A morte do bom senso".
Cenas em Um Shopping
3.2 50 Assista AgoraScenes from a Mall (1991)
Deborah (Bette Midler) e Nick (Woody Allen) são casados e têm dois filhos adolescentes. Ao despacharem os meninos para uma viagem de férias, os dois decidem aproveitar o primeiro dia sozinhos para comemorarem o 16º aniversário de casamento.
Para tal, eles decidem fazer o que de melhor se há para um casal classe média fazer em datas especiais: vão ao shopping comprar seus presentes de casamento.
O que era para ser uma deliciosa tarde romântica, no entanto, acaba se tornando um pesadelo recheado de surpresas, reviravoltas e decepções quando verdades vêm à tona e abalam as estruturas do matrimônio.
Midler e Allen formam um belo par em cena. Ambos contribuem com suas próprias qualidades cômicas e fazem o filme funcionar muito bem. Sem os dois, possivelmente, o longa-metragem não surtiria o mesmo efeito.
Allen, que não é muito afeito em atuar naquilo que não dirige, empresta sua persona que, àquela altura, já gozava de um prestígio diante do grande público (com quem o filme conversa, de fato). E Midler é aquela massa de carisma e sorrisos que chega a ser, simplesmente, irresistível não se deixar cativar.
O resultado não poderia ser outro: uma comédia romântica gostosinha e nostálgica que reflete uma década clichê, cafona e absolutamente trivial. Um passatempo com cheirinho de Sessão da Tarde, mas que conta com pitadas de um texto afiado e inteligente.
A História do Cinema Negro nos EUA
4.2 14 Assista AgoraIs That Black Enough for You?!? (2022)
Uma bela incursão às histórias dos pretos e pretas que ajudaram a escrever a história do cinema norte-americano e que, de alguma maneira, ajudaram a colocar de pé a Sétima Arte como a conhecemos hoje.
Muitos desses artistas não receberam o reconhecimento que mereciam nem são lembrados com a real importância que eles têm, o que é de se lamentar. Já outros são mais conhecidos pelo grande público e gozam de algum prestígio na indústria cinematográfica, talvez não o tanto que deveriam, mas já é um começo.
Para além de o documentário ser muito bem feito e possuir uma edição dinâmica e esperta, o mais legal aqui foi ver e ouvir artistas contemporâneos, como Samuel L. Jackson, Whoopi Goldberg e Laurence Fishburne falando com tanto amor, respeito e carinho daqueles que vieram antes e abriram os caminhos que mudaram todo o jogo.
Um documentário necessário, inteligente e com um texto afiadíssimo. Vale muito a pena.
A Fera do Mar
3.7 237 Assista AgoraThe Sea Beast (2022)
Um marinheiro deixa o mundo confortável do continente para navegar em águas desconhecidas. Durante a aventura, ele se depara com um intrigante monstro marinho que, surpreendentemente, acaba se tornando um aliado inesperado.
A vida do lendário caçador de monstros marinhos é virada de cabeça para baixo a partir dessa amizade surpreendente com a fera mais perigosa de todas. O caso paradoxal de amizade surge entre o caçador e a sua caça.
Fofinho e cartesiano, "A Fera do Mar" é uma animação que cativa em alguns momentos, mas em outros não consegue ser tão eficiente. A primeira metade do filme oscila mais do que a segunda, que prende melhor a atenção, sobretudo dos adultos.
Busca as referências certas em produções similares do passado ("Como Treinar Seu Dragão", estou falando de você) e é bem feliz no desenvolvimento das protagonistas, tanto Jacob Holland quanto a esperta e sensível Maisie Brumble.
No geral, pareceu-me uma animação bem mediana, com alguns momentos bem interessantes e inspirados somados a outros um tanto enfadonhos e maçantes. No entanto, acerta no tom na maior parte do tempo.
A Flor do Meu Segredo
3.7 160La Flor de mi Secreto (1995)
Leo Macías (Marisa Paredes) é uma romancista que escreve histórias de 2ª categoria e consegue certo sucesso financeiro, mas se esconde sob o pseudônimo de Amanda Gris.
Paralelamente à carreira bem-sucedida, ela se sente infeliz, pois Paco (Imanol Arias), seu marido, é um militar que está sempre viajando. Quando seu casamento começa a entrar em crise, Leo se vê entrando em desespero, o que a leva apelar para a bebida e a parar de escrever seus contos.
Contudo, algumas surpresas (boas e ruins) estão reservadas a ela ao longo de sua jornada de descobertas e aprendizados. O que para muitos poderia ser o ponto final de uma história triste, para Leo será o início de um novo capítulo.
É impressionante o que Almodóvar fez nos anos 1990 e 2000. Uma filmografia autoral repleta de pérolas como esta de 1995. Filmes nada ambiciosos, mas, ao mesmo tempo, absolutamente peculiares e generosos com o público. Histórias do dia a dia, dramas do cotidiano. Crônicas particulares sobre sentimentos universais.
O diretor deixa de lado sua predileção pela alta comédia estilizada e passa para o melodrama de sangue puro. Longe de abandonar seu humor característico, no entanto, o roteirista-diretor habilmente costura sua história emocional, traçando a jornada da heroína desde a perda e o tormento até a força e a esperança redescobertas.
Impulsionado por atuações estelares e um roteiro que ressoa com inteligência, sutileza e surpresas, este é, na minha opinião, um dos melhores e mais subestimados filmes de toda a carreira de Almodóvar.
Em sua exuberante mistura de tragédia, comédia e paradoxo cruel, alimentado por doses de realismo e romantismo com um tempero indubitavelmente espanhol, o filme funciona como um arrebatador drama sentimental que remete, invariavelmente, à Gold Hollywood, mas que, aqui, dança ao ritmo do flamenco.
O Acontecimento
4.0 79 Assista AgoraL'Événement (2021)
Neste drama que se passa na década de 1960, no interior da França, acompanhamos a angustiante e difícil situação de Anne, uma estudante de literatura de 23 anos, que descobre que está grávida após um breve caso sem qualquer importância.
A direção do filme acerta no tom de tensão que permeia as sequências. O que surpreende, já que nele nada parece acontecer. Tudo se desdobra a partir de um fato. Trata-se de um longa baseado em um romance autobiográfico de Annie Ernaux, que se desenrola ao longo das semanas de gestação de Anne.
Em 1963, ano em que se passa a história, a maioria das mulheres da classe trabalhadora era forçada a abandonar a escola, os estudos e desistir de suas carreiras e sonhos para se casar. Contudo, Anne não quer fazer nenhuma dessas coisas. Ela quer continuar seus estudos e, por isso, decide fazer um aborto, embora o procedimento seja ilegal e altamente perigoso naquelas circunstâncias.
Ao passo em que somos colocados como testemunhas da história angustiante de Anne, uma garota inserida num universo extremamente machista e misógino, onde as mulheres não têm direitos nem voz nem vez, somente deveres e obrigações para com a sociedade, a história vai ganhando contornos do que poderia ser um thriller da vida real. Um mundo distópico que, diferente dos filmes dessa natureza, existe e está logo ali. Ou melhor, logo aqui.
Toda essa tensão aumenta à medida em Anne decide resolver o problema com as próprias mãos, primeiro, tentando o aborto ela mesma e, depois, apelando para um aborto clandestino. Essas cenas não são para os fracos (confesso que fechei os olhos mais de uma vez), mas, por mais gráficas que elas sejam, nunca parecem sensacionalistas.
É um filme-denúncia de um tempo que passou, mas de um problema que continua aqui, no presente.
A Lenda
3.4 295 Assista AgoraLegend (1985)
"A Lenda" é um filme de uma época em que Tom Cruise não tentava ganhar adeptos para a cientologia, Tim Curry não tragava crianças por um bueiro nem Mia Sara curtia a vida adoidado. Aliás, é um filme de uma época em que muita coisa era feita de um jeito muito diferente. Artesanal, eu diria.
Há muitos anos, eu estava adiando assistir esta obra do mestre Ridley Scott e o motivo para tanta postergação eu não saberia dizer. Veja: justo eu, alguém que ama universos fantásticos e histórias épicas, cheias de vilões, mocinhos e monstros.
Scott, para quem desconhece, foi o responsável por obras de grande impacto na história da indústria cinematográfica. Duas delas são verdadeiras obras-primas da ficção científica e foram lançadas alguns anos antes.
Em 1979, ele estreou com "Alien: O Oitavo Passageiro" - o que não é para qualquer um, convenhamos, começar a carreira como cineasta justamente com um dos filmes mais revolucionários do gênero - e apenas 3 anos depois, em 1982, ele lançaria sua maior obra-prima (na minha opinião): "Blade Runner".
Acho que criei, de certa forma, uma expectativa irreal para este filme de 1985. Nesse sentido, a culpa é minha mesmo. Não que eu não soubesse que se tratava de um filme voltado para o público infantil, porém, eu não sabia que encontraria uma obra tão apalermada, atrapalhada e quase nada instigante. O que é um surpreendente feito por si só, levando em consideração os talentos artísticos reunidos aqui.
O roteiro de William Hjortsberg é fraquíssimo. Muita forma para pouco conteúdo. Sinto como se tivessem escrito uma história às pressas para suprir a necessidade de mostrar algo imageticamente bonito. O roteiro, nesse caso, entrou como uma desculpa para se fazer o filme, e não como a matéria-prima de onde tudo se tira, como tem que ser com qualquer longa-metragem.
E o resultado é esse: temos aqui um filme sem pé nem cabeça, com uma estrutura narrativa paupérrima, atores perdidos em cena - Tom Cruise ora age como uma espécie de Mogli ora como uma espécie de Rei Arthur e Mia Sara com sua princesa chata de doer - um arco de jornada do herói que faria Joseph Campbell se remexer na tumba.
O demoníaco vilão de Tim Curry é a melhor parte do filme. Uma pena que seja reservado a ele tão pouco tempo de tela.
Ruído Branco
2.7 204White Noise (2022)
Antes de qualquer coisa, é preciso dizer: sou fã de Noah Baumbach e da forma como ele conta suas histórias. Contudo, achei que ele foi infeliz em suas escolhas artísticas no seu último filme, "White Noise", estrelado por Adam Driver e Greta Gerwig.
Quantas histórias cabem dentro de um filme? Foi a pergunta que ficou martelando a minha cabeça durante os 136 minutos desse longa-metragem. Aparentemente, cabem muitas para Baumbach. E eu não acho que esse é o principal defeito de "Ruído Branco", mas sim o fato dele não conseguir amarrar muito bem todas elas, deixando tudo muito solto e desconectado, sem nenhum propósito.
Acho que o maior desafio aqui é escrever a sinopse desse filme. Seria algo como "um professor de uma pequena cidade testemunha um acidente que coloca em risco a vida de milhares de pessoas por causa de uma fumaça tóxica". Ou, ainda, "uma família de classe média tenta se proteger de um perigo invisível enquanto o seu patriarca tenta entender o que se passa com a sua esposa". Poderia ser também a história de uma "mãe que tenta vencer seus vícios enquanto lida com um apocalipse juntamente com sua família".
E existem tantos subtextos e subtópicos entre qualquer uma dessas "sinopses" que seria impossível descrevê-los todos. O filme vai se tornando enfadonho, cansativo, repetitivo, redundante e pouco (ou quase nada) divertido (que é o que ele se propõe a ser, o que, para mim, é um crime, levando em consideração o fato de eu não ter dado uma risadinha sequer, nem com o canto da boca).
A sensação que fica, ao final, é que o diretor se perdeu na história que queria contar. Há tantas narrativas sobrepostas que chega a ser difícil se convencer de que o filme queria apenas falar disso ou daquilo. A pergunta fica: qual é a mensagem?
E nessa salada confusa e, por vezes, caótica, quem sai perdendo é o espectador: tanto o tempo quanto a energia cerebral para compreender o que não queria ser compreendido (a meu ver).
Uma História Americana
3.8 63 Assista AgoraThe Long Walk Home (1990)
"The Long Walk Home", de Richard Pearce, faz você se sentir como se estivesse encarando o problema de perto. É um filme apaixonado, com atuações veementes e comoventes de Whoopi Goldberg e Sissy Spacek, mas, por outro lado, também é uma crítica moderada de John Cork, que não ousa muito e prefere não tocar fundo na ferida.
A história trata do boicote feito pela comunidade preta local aos ônibus de Montgomery em 1955, após uma série de casos de racismo envolvendo pessoas pretas ganhar repercussão. Goldberg vive Odessa, a empregada doméstica (acho esse termo um eufemismo grotesco para o caso em questão) de Miriam, vivida por Spacek; uma patroa inicialmente alheia aos problemas vividos por sua funcionária, mas que possui boas intenções e quer ajudar como pode.
Pearce e seu roteirista, John Cork, não estão interessados em deixar o público histérico. Eles querem explorar a temática em toda a sua dimensão (ou pelo menos pretendem), querem mostrar a complexidade das questões envolvidas, lutar contra os estereótipos, não explorá-los de forma barata, para expor a essência de sua história. Isso por si só, para um filme de 1990, é inovador e, de certa maneira, vanguardista.
Temos aqui um bom filme no melhor estilo "old sessão da tarde" que chama a atenção para um problema ao passo em que conscientiza sua audiência. Goldberg e Spacek em atuações sóbrias e honestas, com personagens humanas e um bom material em mãos para ser explorado. Um filme que envelheceu bem, apesar de exagerar no melodrama em certos momentos, e que continua competente para aquilo que se propôs.
Avatar
3.6 4,5K Assista AgoraAvatar (2009)
"I see you". Acho que essa é a principal mensagem do filme e, não à toa, a música tema cantada por Leona Lewis possui essa frase como nome e refrão. "Eu vejo você", diz uma das protagonistas em dado momento. E a gente sabe que ver é diferente de enxergar.
"Avatar" é um daqueles casos em que o filme não é tudo o que dizem. Nem para o bem nem para o mal. Não considero um filme excepcionalmente bom, como muitos alegam, nem terrivelmente ruim, como outros afirmam. É um filme com erros e acertos, como a maioria.
Sobre os erros, podemos falar um pouco, por exemplo, do texto. Será que ele envelheceu tão bem assim? Mais de treze anos depois, acredito que o roteiro caminha para um lugar de pretensa crítica à xenofobia, mas que acaba cometendo o mesmo crime em alguns momentos, o que, por si só, é minimamente contraditório e problemático.
Perceba: os americanos (ou estadunidenses) invadem um planeta e iniciam um processo de dominação. Alguns desses americanos se arrependem e tentam ajudar os Na’vi (seres nativos do tal planeta) a sobreviverem aos ataques - inevitáveis - que virão. Nesse processo, quem ajuda, ou melhor, os únicos que realmente podem ajudar os Na’vi são… os americanos.
Eles salvam o dia, os Na’vi e o planeta com a inteligência, a tecnologia, a presteza e a implacável capacidade de persuasão a fim de unir os povos daquele lugar. Afinal, quem, senão o estadunidense, para lutar pela nossa liberdade, não é mesmo? Que irônico.
Fora isso, ao final do filme fica uma sensação muito forte de já termos visto a mesma história contada de diferentes formas várias outras vezes. E nem estou falando de "Pocahontas" (1995) aqui - que realmente possui muitos elementos similares e talvez seja a principal associação feita pelo espectador -, mas sim de "Dança com Lobos" (1990), "O Último Samurai" (2003), e até outro clássico da Disney, "Tarzan" (1999).
Sempre o mesmo plot: o homem branco que salva o rolê de uma civilização primitiva que só pode e consegue ser salva se o homem branco intervir. Dos filmes citados, apenas "Tarzan" não obedece exatamente essa regra, tendo em vista que o homem branco em questão é, ao mesmo tempo e de certa forma, o nativo primitivo que salva o rolê. Nesse sentido, essa obra subverte o modelo criado e reciclado por Hollywood em demasia ao longo do século XX e do século XXI.
Contudo, é evidente que o filme também possui seus acertos. Para começar falando dos mais óbvios: a direção de arte, a trilha sonora e, claro, a computação gráfica. Essa última revolucionou o Cinema lá no final da década de 2010. E devo ser justo: o CGI do filme ainda está muito bom (com raras exceções, é verdade).
A dupla de protagonistas vivida por Zoe Saldaña e Sam Worthington topou um desafio intimidador. Como atuar com um monte de dispositivos de captura de movimentos colados no rosto e no corpo, além de ficar dentro de um estúdio todo verde? Foi algo extremamente inovador técnica e artisticamente falando para a época. E eles deram conta do recado. Especialmente Saldaña; que mesmo sem dar as caras no filme, muitas vezes dá o tom da trama e rouba a cena.
A maior bilheteria da história do Cinema é um filme que deve ser visto com um olhar crítico para a sua mensagem, mas também com um olhar benevolente para a sua intenção. A gente sabe que o inferno está cheio de boas intenções, mas também sabe que o céu está cheio de gente chata, conservadora e patriota, não é verdade?
Enfim, "Avatar" é um feito. Um marco histórico. Isso é inegável. Mas nem isso o torna um filme impecável, muito menos um erro cinematográfico grotesco. É apenas um bom filme, com boas qualidades e alguns equívocos.
O Menu
3.6 1,0K Assista AgoraThe Menu (2022)
Ai, gente, não deu. Não consegui engolir muita coisa deste filme (e olha que eu nem tô falando das comidas esquisitas - sim, isso foi um trocadalho do carilho). Tudo muito afetado, pasteurizado e pretensioso. Muitos fios soltos em uma trama rocambolesca (adoro quando posso usar essa palavra sem medo de estar sendo injusto) e que, no final, mais parece um queijo suíço devido aos tantos buracos - sem propósito algum - distribuídos pelo roteiro.
Resumidamente (até porque não há muito a se resumir), a história apresenta vários personagens sem qualquer (aparente) ligação entre eles que são, primeiramente, convidados a participarem de uma experiência gastronômica numa ilha remota e, posteriormente, uma vez lá, são mantidos como reféns sequestrados pelo chef de cozinha que é absolutamente perverso e maluco, juntamente com a sua equipe de cozinheiros (tão louca quanto).
Do elenco, gostei apenas dos desempenhos de Ralph Fiennes e Anya Taylor-Joy, que conseguem extrair alguma coisa minimamente interessante de suas personagens. A elegância de Fiennes em cena empresta um ar enigmático necessário ao excêntrico chef de cozinha Slowik. Já o papel de Taylor-Joy exigia menos dela, contudo, a atriz - como sempre - entregou mais do que precisava para nos convencer da gravidade de toda aquela situação.
Para um filme que necessita do senso de urgência do seu espectador para que ele funcione, acredito que este talvez seja o maior pecado de "O Menu", pois nada aqui sopra o apito da urgência. Ela simplesmente não existe. Não há motivação de nenhuma das partes, não há a menor preocupação em explicar para os espectadores o que está acontecendo e porque está acontecendo. São "pistas" soltas aqui e ali, mas que não confluem entre si e não constroem o mosaico maior do qual a obra carece.
No fim, fica apenas a sensação de desperdício. E não só o visível desperdício de alimento, mas de talentos, de dinheiro, de tempo… enfim, do que você quiser acrescentar a essa lista. Certamente, este é um filme que se soma à lista de obras que eu gostaria de "desver".
Olha, sinceramente? De filmes sobre jantares excêntricos e surrealistas, eu fico com a obra-prima do mestre espanhol Luis Buñuel, "O Anjo Exterminador". Filme este de 1962, mas que continua absolutamente atemporal. Diferentemente dele, "O Menu" não tem inteligência, perspicácia, sutileza ou, no mínimo, uma soma de qualidades suficientes para entreter, minimamente que seja.
Notas Sobre um Escândalo
4.0 538 Assista AgoraNotes on a Scandal (2006)
Uma amizade sobrevive a segredos? Este parece ser o mote principal de um filme repleto de nuances que favorecem as construções de suas duas personagens centrais: Sheba Hart (interpretada pela brilhante Cate Blanchett) e Barbara Covett (encarnada pela estupenda Judi Dench), duas mulheres cheias de mistério e segundas intenções.
"Notas Sobre um Escândalo" pode não cair na seara do terror ou mesmo do thriller mais tradicional, mas transforma Dench em algo absolutamente aterrorizante, instilando na figura de uma professora idosa e solitária uma ameaça real e apavorante, que espreita sua presa e aguarda o momento certo para devorá-la. Uma espécie de Hannibal Lecter vegetariana que tem uma predileção por cigarros, gatos, diários e colegas de trabalho.
Na outra ponta, temos a instigante e (por que não?) enigmática Blanchett que conduz sua personagem por uma difícil linha tênue que divide o que é uma mulher excitada por uma paixão terrivelmente proibida de uma professora que se envolve com seu aluno de 15 anos, ou seja, que se envolve num tenso caso de pedofilia.
É neste solo espinhoso e de complexo entendimento das relações humanas que essas personagens emergem para se colidirem, uma contra a outra, num texto alucinante e vertiginoso. O perigo está logo ali, a tensão é quase palpável.
O roteiro de Patrick Marber e Zoë Heller é afiadíssimo, mas a narração e interpretação de Dench são espetaculares. Os traços de personalidade que ela constrói aqui são incomparáveis. Manipuladora, ardilosa e cruel. Dench é o tipo de atriz que não precisa falar para dizer. Ela não precisa de palavras. Ela pode fazer isso com a reprovadora inclinação da cabeça ou com o simples ajuste da alça de sua bolsa.
Temos aqui uma mulher tão desesperada por um gesto de afeto que não se importa em sentir, ela apenas quer. Seu interesse romântico é quase arbitrário. Ela mostra pouco gosto real por aquilo que ama. Tudo é apenas um desejo reprimido. Um desejo de conter e guardar algo bonito e admirável somente para si. Como um bibelô na estante.
Barbara e Sheba são representações contundentes de mulheres comuns, que saem de casa para trabalhar e voltam para ela no final do dia. São essas pessoas que guardam segredos. São essas pessoas que engolem umas às outras. No terrível e abominável campo dos seres concretamente comuns e vulgares, num filme que se destaca em todas as áreas em que opera e muito raramente opta por uma saída fácil.
A Vampira de Barcelona
3.0 2 Assista AgoraLa Vampira de Barcelona (2020)
O projeto de Lluís Danés tem um visual arrojado (em certa medida) e começa cheio de promessas ao espectador. Contudo, a partir de um determinado ponto da história, o filme passa a se valer de uma série de escolhas cafonas e mal engendradas.
O roteiro é interessante. Digo, a proposta de plot para a narrativa. Traz uma premissa ousada para um enredo indigesto: um jornalista passa a investigar uma rede de pedófilos em Barcelona e, aos poucos, vai descobrindo que homens poderosos estão por trás de toda a trama (sim, falta originalidade para uma história terrivelmente corriqueira na vida real).
Das atuações, destaco uma única: a de Bruna Cusí (e não é importante falar, mas mesmo assim irei dizer, o quanto ela me lembrou Virgínia Cavendish fisicamente). Cusí entrega a única atuação interessante em uma obra repleta de atuações melodramáticas ao extremo, caricatas e pouco convincentes.
Se, por um lado, o filme conta com uma cinematografia instigante de Josep M. Civit, que destaca o vermelho-sangue em meio ao preto e branco em alguns momentos, por outro, ele peca na ausência de textura da trama e das personagens, onde (quase) tudo parece forçado e fora do tom.
Uma Rua Chamada Pecado
4.3 454 Assista AgoraA Streetcar Named Desire (1951)
"Eu não quero realismo! Eu quero mágica!"
Alguma coisa me diz que por mais brilhantes que tenham sido Tennessee Williams e Elia Kazan, eles jamais poderiam ter imaginado que essa frase conseguiria sintetizar tão bem uma das obras-primas mais relevantes da segunda metade do século XX.
Muito menos poderiam ter aventado a possibilidade de algo mais impactante para proferi-la do que aquela força da natureza que atendia pelo nome de Vivien Leigh, uma atriz que não media esforços para defender suas personagens.
"Uma Rua Chamada Pecado" é um daqueles momentos que não se repetem na história. Uma confluência cósmica que alinhou planetas e astros em perfeita sintonia e que culminou num dos encontros estelares mais raros que já se viu; daqueles que ocorrem, talvez, de 100 em 100 anos.
O fato é que somos aqui presenteados pelo texto pungente de Tennessee Williams, que explora uma infinidade de nuances sobre a psique humana. Os sentimentos mais profundos e obscuros de alguém. Como se sabe, a loucura não é, simplesmente, a ruptura com a realidade. A loucura é, entre tantas outras coisas, um estado de espírito.
Somos também agraciados com a direção precisa e preciosa de Elia Kazan, que conduz seu elenco de maneira sublime entre as quatro paredes de um apartamento decadente localizado numa região pobre de Nova Orleans. Nada melhor do que um diretor preocupado com os detalhes que irão moldar as percepções dos espectadores.
Para fechar, a obra ainda conta com dois dos maiores atores que a Velha Hollywood já viu: a já citada - rainha - Vivien Leigh, num de seus momentos mais impressionantes (ouso dizer, a maior interpretação de sua carreira) e Marlon Brando, insuportavelmente jovem, belo e cheio de truques na manga. Assistir os dois em cena é entender e compreender que a vida vale ser vivida por esses momentos.
Comecei este texto com a minha segunda citação favorita de um filme repleto delas. Sim, a segunda citação. A primeira é mais uma frase de Blanche DuBois, cheia de segundas intenções, dita a um belo e inocente jovem em dado momento:
"Você não adora essas longas tardes chuvosas de Nova Orleans quando uma hora não é apenas uma hora e sim um pedacinho da eternidade largado em nossas mãos? E quem sabe o que fazer com ele?"
"Uma Rua Chamada Pecado" é mais do que um filme. É um marco.
A Maldição da Flor Dourada
3.7 129 Assista AgoraA Maldição da Flor Dourada (2006)
Com cores vibrantes e misticismo, este épico de Zhang nos coloca no centro de uma trama que costura a rede de intrigas, conspirações e pecados da família imperial chinesa do início do século X. Mais um filme do diretor em que os contornos de personalidade do protagonista e do antagonista, muitas vezes, são os mesmos.
A mensagem sombria da história contrasta com todas as cores e formas do belíssimo e milenar arsenal cultural chinês. Essa assinatura autoral de Zhang já havia sido deixada de uma forma bem enfática para o público em seu filme antecessor (e de maior sucesso), "O Clã das Adagas Voadoras", de 2004.
O vermelho não é vermelho. É vermelhíssimo. O dourado brilha de uma maneira sobrenatural. Tudo é tão vívido e excessivamente celestial que os nossos olhos podem ficar cansados a certa altura. Mas tudo é também meticulosamente concebido para recriar o cenário da história que remonta um palácio imperial de 928 d.C.; que é do tamanho de uma cidade. Algo colossal.
E nessa ode a tudo o que é grandioso, encontram-se as personagens da história: um imperador paradoxalmente afetuoso e cruel, uma imperatriz doente e vingativa e príncipes que cometem crimes em nome da coroa e do amor. Tudo tão dramático quanto parece.
O roteiro comete alguns equívocos. Deixa de dar atenção a alguns pontos que mereciam maior cuidado. Não há tantas nuances nas construções das personagens como gostaríamos que houvesse. E, no fim, resta apenas uma conclusão moral (de gosto moralmente duvidoso) que não agrega ao contexto geral nem traz grandes inspirações.
O Xangô de Baker Street
3.2 160 Assista AgoraO Xangô de Baker Street (2001)
A ironia e a sátira são recursos muito bem-vindos quando bem utilizados na Literatura e no Cinema. Tratando-se desses temas (mas não apenas deles), Jô Soares era um verdadeiro mestre. Sabia, como poucos contemporâneos, adicionar a tão necessária gota de fantasia em seus romances históricos, sempre com o humor e a irreverência característicos.
Este é o fato: poucos brasileiros puderam gozar dessa capacidade - tão genuína - de saber contar uma história que fosse envolvente, engraçada e, entre tantas outras peculiaridades, inteligente. Algo verdadeiramente invejável. Uma história que remonta a nossa história e nos conduz pelos becos sujos, perigosos e sanguinolentos do Rio de Janeiro, em 1886.
O convite que "O Xangô de Baker Street" faz ao espectador é o mesmo feito aos leitores das aventuras de Sherlock Holmes. Contudo, o cenário e o tom são diametralmente opostos. O detetive não está em seu habitat natural.
Uma vez no Brasil, ele e seu fiel escudeiro, Dr. Watson, deparam-se com os mais inexplicáveis dos desafios: o clima tropical que não condiz com suas vestimentas, ruas comerciais sem qualquer vestígio indígena, negros escravizados capazes de falar um inglês tão puro quanto o britânico, peças teatrais tão grandes quanto qualquer uma vista na Europa, e, entre outras coisas, comidas exuberantemente exóticas, como a feijoada.
Acrescente à receita um misterioso serial killer (ou kerial siller rs) que ronda as ruas sinistras cariocas à procura de mulheres indefesas que pudessem perecer sob o fio impetuoso de um violino-relíquia roubado. Pronto: o banquete audiovisual está servido.
Neste cenário longínquo e repleto de personagens intrigantes, Miguel Faria Jr. comanda o espetáculo cujo elenco é estelar: Joaquim de Almeida, Anthony O'Donnell, Cláudia Abreu, Cláudio Marzo, Marco Nanini, Thalma de Freitas, Caco Ciocler, Marcello Antony, Malu Galli e muitos outros. O filme conta, inclusive, com uma figuração de luxo, que passa por Letícia Sabatella e o próprio Jô Soares (como sentimos sua falta, Jô).
Mais uma pérola - pouco conhecida, infelizmente - do nosso rico cinema brasileiro.
O Clã
3.7 198 Assista AgoraEl Clan (2015)
Este filme é mais uma história inacreditável produzida em solo argentino. E quando eu digo inacreditável não estou exagerando no uso do termo. Sobretudo, quando se coloca na balança o fato do filme ser inspirado numa história real.
Trata-se de um daqueles casos em que a vida superou, absolutamente, os esforços inventivos da arte. Neste sentido, os roteiristas não tiveram que fazer muito esforço para surpreender o espectador, pois tudo o que aqui é relatado é tão surreal e bizarro que a sensação que fica para nós é a de que eles só colocaram no papel algo que já estava materialmente pronto e consumado, tentando amenizar os fatos narrados.
A história gira em torno da família Puccio, uma família, aparentemente, de classe média que possuía um esquema de sequestros, chantagens e extorsões. Ou seja, uma família que vivia, literalmente, do crime organizado, mas que, sob as aparências sociais, não passava de mais uma família qualquer, terrivelmente normal.
Não bastasse todo o horror promovido em suas vítimas, sob a liderança de seu patriarca, os Puccio torturavam e assassinavam as pessoas sequestradas, mesmo após receberem o valor de resgate exigido aos familiares delas para que fossem liberadas.
Dirigido por Pablo Trapero, vencedor do Leão de Prata de Melhor Direção, o filme é sobre um caso que chocou a Argentina. E segue chocando qualquer um que o veja. Por N razões. Só vendo para crer.
Argentina, 1985
4.3 335Argentina, 1985 (2022)
Este filme é como um lembrete para cada país democrático. Um lembrete de que é preciso um país resolver suas pendências com o seu passado ditatorial. Caso contrário, a democracia que testemunhamos renascer traz consigo uma série de enfermidades.
Como o título nos diz, estamos na Argentina, em 1985. Julio Strassera é o promotor de justiça responsável pela acusação dos presidentes militares que assolaram o país com seus regimes ditatoriais, raptando, torturando e matando um "sem número" de argentinos ao longo dos anos em que a Argentina esteve sob Ditadura Militar. Tal processo judicial ficou conhecido como Julgamento das Juntas.
Esse processo também ficou conhecido como o primeiro julgamento no mundo feito por um tribunal civil contra comandantes militares. Começando no dia 22 de abril de 1985, o julgamento durou bastante tempo; cerca de 530 horas de audiência depois de ter ouvido cerca de 850 testemunhas.
Talvez aí resida a maior dificuldade do roteiro: sintetizar um processo tão complexo, robusto e cheio de detalhes, além de, evidentemente, ter que contar a história como um todo; aquela que aconteceu fora dos tribunais. Contudo, tanto Santiago Mitre (que também é o diretor da obra) quanto Mariano Llinás (o outro roteirista) souberam fazer isso com uma eficácia espantosa. Condensar uma história assim é uma habilidade para poucos.
Temos aqui um filme sobre uma parte bem cruel da história da Argentina, mas que funciona, sobretudo, para quem não é argentino. O espectador que está fora do contexto argentino consegue assistir, envolver-se e entender seus principais pontos (outro grande desafio que seus realizadores tinham).
Destaque, claro, para Ricardo Darín (como sempre) que encarna Strassera na obra e nos dá a dimensão para o espectador sobre o grande e mortal desafio que o personagem histórico teve em mãos ao ter que acusar alguns dos maiores ditadores do mundo daquela época (quiçá de toda a história da humanidade).
Um homem casado, com dois filhos pequenos e que tinha todos os motivos do mundo para não aceitar tal missão, fugir com a família e se exilar para proteger a todos, mas resolveu ficar, aceitar o desafio que o destino colocou em seu colo e fazer aquilo que era correto, mesmo sabendo que a chance de impunidade seria muito alta e seu trabalho poderia ser totalmente inglório.
Um forte candidato ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Elefante
3.6 1,2K Assista AgoraElephant (2003)
Desprovido de todo verniz de valor que qualquer produção de prestígio hollywoodiana que faz o Cinema parecer um esforço mágico e incompreensivelmente caro, "Elefante" está aí para provar que um filme pode abalar profundamente o espectador com apenas uma câmera, poucas locações, algumas pessoas e quase nada mais que isso.
A filmografia de Gus Van Sant é curiosa pela variedade de maneiras com as quais ele consegue superar nossas expectativas (com alguns tropeços, é verdade). Um diretor versátil que, aqui, traz um drama da vida real. Ou melhor, da triste realidade da vida.
A naturalidade com que tudo é filmado confere ao filme (de ficção baseado numa história real) um ar de documentário. Tudo é muito natural; desde as atuações até a sobriedade da câmera na mão que percorre as sequências acompanhando as personagens em cena.
Talvez o seu filme mais controverso e definitivamente o seu mais polêmico, "Elefante" narra os eventos que precederam um tiroteio em uma escola; um atentado cometido por dois alunos do último ano do ensino médio. Sim, o roteiro é baseado no infeliz tiroteio de 1999 ocorrido na Columbine High School, apenas 4 anos antes do lançamento do longa, em 2003.
Alguns podem achar desagradável como Van Sant nos provoca com violência, especialmente considerando o assunto tratado. Os clichês do comportamento do ensino médio que preenchem o filme e os clichês do que faz um atirador de escola - jogar videogames violentos, ser virgem, assistir a vídeos de propaganda nazista - talvez sejam exagerados demais (apesar de o diretor conseguir inserir isso de forma natural e orgânica).
Uma sequência é, particularmente, assustadora e serve como um exemplo do brilhantismo do filme. Em um levantamento direto, a câmera gira lentamente 360º no sentido anti-horário, dando um panorama em torno do quarto de um dos adolescentes que viria a cometer a chacina. Um dos futuros atiradores está jogando videogame em seu computador e o outro está tocando “Für Elise”, de Beethoven no piano.
O quarto está escuro e mal iluminado e, mais uma vez, o ar, o cheiro e os sons são muito familiares (como tudo no filme nos parece ser). Voltando da escola, descansando sozinho ou talvez com um amigo.
Neste momento, aqueles meninos que viriam a destruir tantas vidas (inclusive as suas), causando estragos irreparáveis e imensuráveis dentro da escola onde estudavam, ali… eles são apenas adolescentes normais. E isso é muito assustador quando pensamos que poderia ser na minha casa, na sua ou na casa de qualquer um de nós.
Matilda: O Musical
3.6 155 Assista AgoraMatilda (2022)
Apesar de carismático e, em certa medida, cativante, a versão musical do clássico filme de 1996 peca em alguns sentidos. A mim, faltou sutileza nos contornos do roteiro e a história, como um todo, acabou pecando em extravagâncias e excessos desnecessários.
O grande trunfo desta versão é o seu elenco infantil composto por talentos variados e, infelizmente, inexplorados em todo o seu potencial, em alguns casos. A protagonista está ok, mas, estranhamente, não é a que mais cativa o espectador.
As músicas, por incrível que pareça, também foram uma das gratas surpresas. Digo "por incrível que pareça" porque, bem, musical não é exatamente meu gênero favorito, apesar de alguns musicais estarem na minha lista de favoritos de todos os tempos. Mesmo assim, músicas como "Revolting Children" estão entre minhas prediletas da produção.
Temos aqui um passatempo divertido, sobretudo para as crianças, mas que não funciona tão bem para o público adulto. Vale a pena ser conferido porque possui, sim, qualidades, apesar delas não se sobressaírem no saldo final.
Se a Rua Beale Falasse
3.7 284 Assista AgoraIf Beale Street Could Talk (2018)
O cinema americano, refletindo as estratificações da sociedade americana, evoluiu historicamente para distorcer a sexualidade de homens e mulheres negros, neutralizando-a inteiramente ou exagerando-a grotescamente.
Barry Jenkins e James Baldwin narram aqui a história dos jovens Tish (Kiki Layne) e Fonny Hunt (Stephan James), um casal apaixonado em um país difícil para os negros nos anos 1970. Com sensibilidade, Jenkins conta a história de uma maneira sensual, politicamente urgente, mas não querendo subtrair disso algo tão básico quanto corrigir um estereótipo equivocado. Não só isso.
“Se a Rua Beale Falasse” é um filme irrevogavelmente belo. Logo na primeira cena, nossos amantes, Tish (KiKi Layne) e Fonny (Stephan James), deslizam de mãos dadas por um parque. É outono em Nova York e a natureza conspira a favor dos jovens apaixonados: o amarelo das folhas rima com o amarelo de suas roupas.
Tish e Fonny são lindos em um sentido abstrato e mitológico. Tish, de 18 anos, é a narradora do romance de Baldwin. Por meio de flashbacks sinuosos e não lineares, ela nos conta o que aconteceu com ela e Fonny, seu namorado.
Temos a sensação de que Jenkins está tateando no escuro em busca do filme que nunca existiu. A glória estética de “Beale Street”, às vezes, é registrada como um movimento metafísico; parece que Jenkins, ao se afastar do tom do romance de Baldwin, está se opondo à visão do autor.
Para mim, o grande destaque da obra fica no colo de Regina King, que dá vida à Sharon Rivers, mãe de Tish na história. Uma mulher à frente de seu tempo, sensível e que demonstra uma garra que só as mães leoas poderiam ter para travar as batalhas de seus filhos.
O filme nos encoraja a lembrar que, além do ensaísta que criticava a América, Baldwin era um homem de verdadeiros apetites, de verdadeira beleza.
Um Amor Quase Perfeito
3.8 42 Assista AgoraLe Fate Ignoranti (2001)
Curioso o destino ter me colocado para ver este filme logo após eu ter assistido "A Casa Sombria". Em ambos, o plot central é sobre mulheres que acabaram de perder seus maridos e, ao estarem vivendo o luto, descobrem coisas surpreendentemente terríveis sobre eles. Mas os gêneros são diferentes. Enquanto "A Casa Sombria" explora essa premissa pelo viés do terror, "Le Fate Ignoranti" é um drama romântico.
Conheço pouquíssimo do cinema italiano contemporâneo. Acho que 2001 segue sendo cinema contemporâneo, certo? De toda forma, é interessante encontrar filmes que nós jamais poderíamos imaginar que existiam, dos mais diferentes países e contextos culturais.
Margherita Buy (a Meg Ryan italiana) vive Antonia, a protagonista do filme, a mulher enlutada que, sem querer, descobre que o marido não só tinha uma amante, mas que "ela", na verdade, era ele. E não pára por aí. O marido e o amante tinham casa, família e uma vida juntos. Um cenário que fazia Antonia parecer a outra.
Para piorar a situação, Antonia só pode contar com sua mãe, uma mulher não muito afável, que está ali para ajudar, mas acaba cometendo uma série de impropérios contra a própria filha. Ou seja, um desastre completo e absoluto que a gente não deseja para a vida de ninguém.
O filme tinha tudo para ser um melodrama, daqueles bem pesados e cansativos, mas não é. Trata-se de um drama que, aos poucos, vai dando espaço para uma espécie de dramédia. Mais para frente, avançando na história, essa dramédia ganha tons de romance. E o filme vai se adaptando aos vários gêneros que o constituem, com uma certa fluidez.
Buy carrega um olhar melancólico e empresta essa característica à sua sofrida Antonia, que nos transmite seu estado permanente de confusão, incredulidade, tristeza, revolta e, por fim, aceitação. Uma personagem que mesmo diante de tantas notícias ruins, consegue dar a volta por cima e encontrar seu quinhão de felicidade.
E é interessante acompanhá-la. É notável perceber que o ser humano possui essa estranha habilidade de ser feliz em sua miséria. O filme não é excepcional, possui lá seus defeitos (sobretudo no desenvolvimento das tantas personagens que ele apresenta), mas traz uma história que vale a pena conhecer.
A Casa Sombria
3.3 394 Assista AgoraThe Night House (2020)
A dor da perda já foi tratada e retratada de diferentes maneiras pelo Cinema, passeando pelos mais diferentes gêneros, do drama ao terror, do romance à comédia. Todas essas representações tentam tratar das diferentes camadas que compreendem o luto.
"A Casa Sombria" parece colocar isso de uma maneira bem particular, expressando sua mensagem de uma forma um tanto quanto alegórica, o que, para mim, não é um demérito, mas peca quando isso de alguma forma não é bem conduzido da metade para o final. Não vou me alongar sobre a história para não render spoilers desnecessários.
Entre suas qualidades, destacam-se o design de som, a cinematografia e a premissa do roteiro, encabeçados por Ric Schnupp, Elisha Christian e a dupla Luke Piotrowski e Ben Collins, respectivamente.
A direção de David Bruckner é sofisticada e realça aspectos interessantes das composições visuais, sobretudo nas sequências que remontam o suposto sonambulismo da protagonista (ou seriam pesadelos?), em que a câmera parece participar ativamente do jogo cênico.
No entanto, o grande destaque mesmo fica por conta de Rebecca Hall, numa atuação por vezes comovente, por vezes naturalista e orgânica. A atriz consegue suportar os tropeços do roteiro de forma hábil e convincente, sem causar grandes transtornos ao espectador.
Enfim, temos aqui um filme que possui uma premissa interessante, mas que parece ter sido executado às pressas, principalmente o seu terço final, para atender o cronograma das produtoras envolvidas. Se tudo fica bem desenvolvido no primeiro ato, a coisa toda começa a desandar no segundo e fica um tanto caótico no terceiro.
Contudo, não deixa de ser um requintado filme de terror, com cenas de tirar o fôlego dos entusiastas do gênero. Fica a dica para essa sexta-feira 13.
Foi Apenas um Sonho
3.6 1,3K Assista AgoraFoi Apenas um Sonho (2008)
A infelicidade humana em diferentes níveis. A incompletude na busca do significado das coisas. A incompreensão absoluta das prioridades. A insustentável dor de não conseguir estar onde se quer estar e de ser o que se quer ser. A incomunicabilidade.
Extremamente honesto e composto por atuações magistrais somadas a uma direção precisa, "Foi Apenas Um Sonho" é fiel à sua proposta do título até a última cena. Difícil é enumerar todas as qualidades deste verdadeiro presente cinematográfico.
Mendes consegue expressar as várias camadas da alma humana, desde seu mais incontido riso até à sua mais profunda dor, numa espécie de "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?" com cores e com, talvez, o casal de atores mais emblemático do fim do século XX.
Winslet eternizou uma das atuações mais comoventes do cinema contemporâneo e DiCaprio, como sempre, entregou cada fibra de seu ser em cenas difíceis, em que a incompreensão existencial está no não-dito, mais do que qualquer grito possa expressar.
Destaco também o incrível, mesmo que rápido, desempenho de Michael Shannon que potencializa toda a tensão existente na consciência dos protagonistas; mas que é sufocada por suas gargantas, numa atuação sóbria e irresistível.
Em dado momento April (Winslet) questiona o marido, Frank (DiCaprio): "Quem foi que fez essas regras?". Sinto como se o filme questionasse o tempo inteiro o status quo de tudo e de todos. Por que as coisas têm que ser assim? Por que precisamos viver uma vida em função de nossos papéis sociais em detrimento de nossos sonhos?
Por que precisamos ser infelizes para que as coisas não saiam do lugar, para que o mundo em nossa volta não desmorone? Em dado momento, Frank responde: "Nós podemos ser felizes aqui. Posso fazê-la feliz aqui. Vamos ficar bem".
Entre muitas coisas, esse filme nos ensina que devemos estar atentos a nós mesmos, com quem de fato somos, para que não nos anulemos. Sobretudo quando essa anulação vem em consequência da crença em um ideal.
Um filme estupendo. Um texto pungente. Uma ação dramática perspicaz.
Desilusão, desilusão.
Dança Frank. Dança April.
Chora eu. Na dança da solidão.