This Much I Know to Be True – Crítica O sentimento religioso sempre me pareceu algo melancólico, um misto de tristeza pela finitude da vida e uma busca por amparo pelos acasos inexplicáveis. Queremos ser aliviados da dor, da morte, mas principalmente, queremos acreditar. É o conflito dos nossos desejos e de nossa esperança com a realidade, a razão da melancolia. É entender a necessidade de mudar, mas não se sentir feliz. This Much I Know to Be True, novo documentário sobre Nick Cave, trata sobre isso com belas músicas, muitas reflexões e um espetáculo de filmagem.
Os primeiros minutos do filme são Cave mostrando seu trabalho como ceramista. Ele apresenta uma série de estatuetas sobre a vida e a morte do diabo. Essa parte do filme parece grotesca, destoante de toda a mensagem do personagem principal. Entendemos o ponto de vista, quando refletimos sobre como ele apresentou o diabo. Cave deu uma versão humana a um personagem bíblico, tornou-o homem, ao nascer, combater, amar e morrer. Na história da cerâmica, Lúcifer sente dor, sofre e se apaixona. O diabo está vulnerável, como eu e você, vulnerável à vida e ao sofrimento.
É difícil assistir ao filme e não pensar nas tragédias pelo qual o músico passou. A cada cena e conversa ficamos pensando em como a vida de Cave parece ter sido trágica. Podemos ser diferentes nas forma como compreendemos o mundo e como vivemos, mas somos iguais em nosso sofrimento. A dor pode não ser igual, mas todos a sentimos. O sofrimento nos conecta. Todos estamos em busca de um sentido, em busca de algo para nos confortar. Essa me parece a mensagem central para a arte de Nick Cave, o amor pela vida. Não o amor em um sentido de êxtase, mas a forma contemplativa.
O documentário não é um show, está mais próximo a um clipe, em sua estrutura. Local fechado, sem público e com total liberdade das câmeras. Algo essencialmente simples. Poderia ser só mais um vídeo de uma banda, mas não é. O diretor australiano Andrew Dominik, torna o filme uma obra sublime. Cave e os músicos no centro do palco, as câmeras ao seu redor, nunca acima ou abaixo, parecem deslizar em travelling, nos aproximando e afastando. É um movimento bonito, como quando ele começa cantando sozinho e o giro da câmera vai mostrando o restante da banda. As luzes vêm sempre do alto. A iluminação isola os músicos, os torna parte do grupo e junto com as câmeras consegue acentuar ainda mais a atmosfera religiosa.
A melodia de todo o documentário embala essa atmosfera. São músicas com coral, instrumentos clássicos, em um ritmo geralmente lento. É sempre algo para ouvir e meditar. A voz de Cave e a forma como canta parece um sussurro. Ele não grita, sussurra, reflete um tom tranquilo, mas cheio de pesar. Ainda mais melancólico é a aparência do personagem, as sombracelhas e cabelos negros, a voz um pouco rouca. Além disso, a forma como ele conversa, sempre parece estar pensando em cada palavra, quase soletrando, nenhuma resposta é solta. O único momento de descontração em todo o filme é quando Warren Ellis é entrevistado. O único músico a falar, além de Cave. Eles riem, falam dos conflitos dos processos criativos, mas de como gostam de fazer música juntos.
Apesar da melancolia e da tristeza, ninguém parece infeliz no filme. O clima em geral é alegre, mesmo tratando de temas sensíveis. Vemos o semblante triste de Nick Cave, mas ele não parece estar perdido. Contempla a vida, suas incertezas e acasos. Não tem o controle de tudo, mas busca um sentido. Ele ainda é aquela figura gótica, com olhos e cabelos negros e um rosto pontiagudo. Alguém triste, mas com fé no futuro.
Não conhecia o abolicionista James Brown até assistir a série, estrelada e produzida por Ethan Hawke, na Paramount-plus. Não me parece ter um paralelo com algum personagem histórico brasileiro. Brown era um Lampião que seguia bíblia e tinha um programa político: libertar todos os negros, não importa quem tivesse que matar para isso. Entre as décadas de 50 e 60 do século XIX, ele tentou fazer isso. Com os filhos e um grupo extremamente diverso, Brown atacou, atirou e decapitou diversos donos de escravos. A série o mostra como uma fanático religioso, alguém tomado por uma ideia fixa e sem qualquer senso de proporção, mas tem um motivo para isso. A escravidão dos negros era algo extremamente absurdo, sem justificativa. Não importa se você acreditava na bíblia ou na constituição. Para Brown, a escravidão era incompatível para um cidadão ou cristão. Diante da normalização de um absurdo, agir como Brown agia pode parecer loucura. Mas, talvez mais louco seja aceitar as coisas como estão e não fazer nada para mudar. A série transita entre um drama e uma comédia, com uma atuação excelente de Hawke e boas cenas de ação. Vale o tempo, vale cada minuto pela memória de Brown e de todos os abolicionistas.
Novamente li sobre o anticomunismo em Stranger Things e, novamente acho uma idiotice. Primeiro, não sei vocês, mas o terror stalinista da união soviética nunca foi aquilo que acreditamos como socialismo. Segundo que, a URSS e os Estados Unidos disputaram recursos, logo, em um mundo imaginário pq eles não disputariam uma saída para outro mundo? Mas a questão é mais complicada quando pensamos nos personagens principais, nenhum deles é uma pessoa de esquerda ou direita, primeiro que em sua grande maioria são crianças. Querem jogar D&D, não discutir política. Quando vemos os russos, eles fazem o mesmo que o governo americano, querem explorar o poder. É interessante notar que na última temporada fica claro as facções dentro do governo. Os cientistas contra os militares. Ou seja, não sei do lado de quem vocês ficariam, mas eu ficaria bem longe dos stalinistas, mais longe do governo americano, mesmo tendo aliados, no fim as crianças só contam com elas mesmas. Ao fim, Stranger Things faz da cidade pequena e das crianças uma luta por um bairrismo, eles precisam lutar, contra monstros, governo e os estrangeiros para proteger a cidade. Existe política? Sim, mas não é o anticomunismo.
Obi Wan kenobi estava com medo, apavorado. Não há dúvida que ele se culpa. Quando ficam cara a cara, olhando no olho um do outro, ele não vê o Lord sith, mas seus erros. Ele não conseguiu cumprir a promessa Qui Gon, de guiar o escolhido no caminho da força. Falhou não só em ensiná-lo, mas em torná-lo o maior inimigo dos Jedis. Isso explica a fuga, explica o receio em ligar o sabre, em usar a força. Os últimos 10 anos foram momentos de negação, momentos de dúvida e, principalmente, arrependimento. É claro, passo a passo, ele vai descobrindo a resistência e como nem tudo está perdido. Existe luz na escuridão, ele só precise se conectar novamente.
Ver o exílio de Obi Wan Kenobi não é algo muito animador. Todos sabemos como general kenobi, um dos mestres jedis mais importantes das guerras clônicas, termina. Foram anos amargos, o período como eremita. Kenobi olha o presente e o futuro de forma bem pessimista. Isso é compreensível. Quem não morreu, está escondido. O império venceu, a democracia não existe mais. Vigora agora uma ditadura que destrói a todos que fiquem em seu caminho. A dificuldade em usar a força ou a preferência pelas armas é um reflexo de seu estado de espírito. O exílio não apagou sua existência, mas adormeceu seus poderes e abalou sua fé. Isso explica a dificuldade em lutar com meros caçadores de recompensa. Precisa levar um soco para lembrar quem ele é. Mesmo assim, o jedi ainda acredita, bem no fundo existe Uma Nova Esperança. Ele observa todos os dias o jovem Skywalker e zela pelo seu sono. Espera um momento qual ele possa corrigir os erros cometidos com o pai do menino. Afinal, o grande drama de Obi wan é ter falhado enquanto mestre. Logo, é bem provável que ele se responsabilize pelo que aconteceu com Anakin e na ameaça que ele se tornou. Todos podemos odiar a prequel de Stars Wars, mas na verdade nunca refletimos direito sobre como a saga possui boas ideias, uma mitologia interessante, mas uma execução desastrosa. Mesmo assim, a nova série, caso trate de perseguir a construção do personagem e do maior vilão Stars Wars, pode conseguir construir a melhor obra de toda sequência de filmes e séries, depois de o Império Conta Ataca e Rogue One.
The Umbrella Academy é bem legal. Uma série divertida, mas uma coisa me incomoda. O roteiro segue uma estrutura de videoclipe. A todo o momento um personagem posa com uma música de fundo, que em seguida toma conta de toda a cena. A trilha me agrada muito, mas às vezes cansa. É um círculo vicioso, o personagem age, encontra um conflito, depois tem uma música dele sozinho ou refletindo sobre algo. Flashbacks, por exemplos, não marquei todos, mas em grande medida são acompanhados de música. O problema da música é dar o tom, antes de vermos a cena. Uma música triste no início da série cria uma atmosfera de infelicidade, somos condicionados pela música a seguir um caminho sem surpresas. Outro problema com a música é o desparecimento do som diegético, ouvimos barulhos, passos, mas é muito pouco, o excesso de música e a estrutura do videoclipe torna o ruído inexistente ou imperceptível. No mais, a série vale muito para quem quer assistir algo de super-herói alternativa.
O filme de terror Islandês Lamb (Cordeiro, no Brasil), pode suscitar muitos debates relacionados aos humanos ou animais. Mesmo assim, o instinto materno parece ser o tema central. A obra trata da irracionalidade desse sentimento. Amar uma criança é um tipo de amor incondicional, algo imensurável. Perder esse amor, perder um filho é abrir um buraco sem fundo. Isso explica a frieza do casal no início. Quase não há falas, apenas gestos e trabalho. Absorvidos por uma paisagem bucólica, sem contato com ninguém, os dois parecem apenas existir. Tudo muda com a chegada de Ada. O casal parece respirar um pouco. Apesar da metáfora servir, a esposa não pode ser comparada a uma mulher que adota um bichinho. Sem dar spoiler, não houve adoção. A forma como ela adquire a “filha” adotiva é a mais cruel possível. É movida pelo desejo, mas conquistada pelo sangue. O instinto foi mais forte e nada a impediu de ter novamente uma criança. Como disse antes, o filme pode suscitar muitos debates, mas para mim pareceu um horror sobre a maternidade. Não quero dizer que exista algo de horrendo em ser mãe, mas em como esse sentimento, como qualquer outro, pode nos levar a agir como animais. O amor irracional também pode provocar uma vingança ou atitude irracional. Ao fim, Lamb é um terror dedicado ao estranhamento, não levará susto, nem ficará sem dormir, mas possivelmente irá pensar muito sobre toda a trama.
É estranho gostar de Succession da HBO-MAX, assistir todos os episódios e temporadas disponíveis e não conseguir sentir nenhuma empatia pelos personagens. Pensando um pouco sobre a série, concluímos ser impossível ter alguma identificação com os protagonistas. São super ricos, burgueses que não têm a dimensão do poder. Podem estar onde quiserem, sem se preocupar com nada. É um mundo de poucos, bem poucos. Os 1%, talvez. Estão distantes de todas as preocupações mortais. Cheios de narcisismo e com uma sede insaciável de poder. A família Roy, protagonista da série, parece viver no Olimpo. Ora, os filhos disputam o amor e atenção do pai, ora o pai cria intrigas pelo amor dos filhos. Não existe afeto sem troca, o sentimento sempre está acompanhado de barganha. Não existem preocupações mortais e apesar de terem tudo, todos parecem incrivelmente infelizes. Tendo milhares de dólares, carros do ano, um iate, jato particular e helicópteros, mas infelizes. Logo, fica difícil ter alguma empatia por seres que parecem não existir, mesmo sabendo que existem. Quando Kendall briga com o pai, ele não se preocupa com onde vai trabalhar, nem com dinheiro. Muito pelo contrário, ele esbanja como pode. Connor, vivendo em seu rancho, distante, pensa a política de uma forma mística e delirante. É lunático, tipo Napoleão de hospício. Roman possui uma sexualidade distorcida, não consegue se relacionar com ninguém e se comporta como um adolescente. Siobhan, a mais progressista dentre eles, a “burguesa esclarecida”, quem, talvez poderia ser um pouco humana, na verdade é tão vaidosa quanto Kendall. Diante das denúncias contra o pai, ela escolheu o lado que poderia lhe dar poder, não o correto. O que nos faz gostar de sucessão é exatamente isso, as intrigas, as brigas pelo poder e como a burguesia na realidade é tola, egocêntrica e intelectualmente rasa. As boas escolas e o acesso a toda a cultura da humanidade não transformam ninguém em boas pessoas. O homem é um produto do meio. É quem determina sua consciência. Em uma família onde a competição empresarial é transportada para as relações familiares, as pessoas não poderiam ser diferentes daquilo que vemos na tela.
Ridley Scott culpou a geração millennial pelo fracasso de seu último filme, Último Duelo (2021). A obra conta uma história sobre três pontos de vista, apesar de convergirem em alguns pontos, elas divergem no essencial, o motivo do duelo. O longa-metragem com cerca de 2h30min exige do espectador. Não é um filme para ser visto, enquanto mexe no celular, almoça ou conversa com os amigos. O olhar precisa de um pouco de atenção. Lembrou muito Rashomon (1950) de Akira Kurosawa. Como no filme do mestre japonês, o importante aqui não é a verdade, mas como os personagens descrevem a história, como eles parecem diferentes aos olhos dos outros e aos seus próprios olhos. Como creem ser vistos como heróis, teimosos ou tolos. Os três personagens principais, interpretados por Matt Damon, Adam Driver e Jodie Comer são obrigados a mostrar três faces. Três atuações diferentes em um mesmo personagem. Enfim, o filme não é ruim, mas foi um fracasso de bilheteria. Lembro da revolta dos fãs com a forma que a primeira temporada de The Witcher (Netflix) foi gravada. Ela não era linear, isso não atrapalhou a história, nem confundiu, mas novamente, não era um olhar preguiçoso. Em uma obra voltada para o entretenimento, ousadias de linguagem podem não ser compreendidas. Triste, pois esse comportamento deixa as produtoras receosas de financiar experimentos e aumenta o controle para tudo ser uma novela mastigada, igual os filmes da Marvel. Scott não tem razão em culpar uma geração, mas tem razão em notar como o cinema, audiovisual e o mundo estão mudando.
Titane não é um filme para estômagos fracos. Quem não aguenta violência explícita, nem cenas de dor e agonia, deve passar longe. Agora, caso você goste de cinema, não apenas de um gênero ou filme, mas da arte cinematográfica em todas suas expressões, recomendo assistir. O filme conta a história de Alexia, uma dançarina de eventos automotivos. A personagem vive em constante asfixia social, tudo ao seu redor parece empurrá-la para respostas violentas. Em um primeiro momento tememos pelos outros, mas após o roteiro respirar as mortes, sentimos pena. É interessante como a diretora Julia Docurnau, nos conduz de várias cenas com mortes violentas, até um momento de aparente tranquilidade. A virada, ou plot, como preferirem, ocorre quando Alexia resolve fingir ser o filho desaparecido do capitao dos bombeiros.No começo, tememos pela vida do militar, mas após alguns minutos vemos, como duas almas desesperadas, agoniadas, parecem encontrar um momento de apoio. De como o impulso destrutivo de Alexia encontra um escape mais “sadio”. Essa mudança de ritmo muda totalmente nosso olhar. No corpo de bombeiros, temos um ambiente masculino, machista, com uma certa homoafetividade velada. Homens se adoram e disputam a atenção do capitão. Alexia, agora Adrien, destoa desse ambiente, seu corpo andrógino, causa repulsa. Um ser afeminado, no meio de toda a força masculina. Essa “fraqueza” a liga ao chefe dos bombeiros, pois ele, no auge da idade, não tem mais a força da juventude. Os dois se agarram e, numa relação extremamente doentia, encontram algum conforto, mesmo sendo mínimo. É um filme para ver e rever. Lembrei de Cronenberg, Lynch e outros cineastas ao assistir. Uma obra estranha de uma diretora com grande potencial.
Finalmente vi Matrix 4. Gostei muito do filme e acho que me reconciliei com as Wachowski. Apesar da arte ser polissêmica, o leque do que podemos entender e interpretar é limitado. O filme pode ser utilizado para instigar inúmeros debates, mas uma análise mais cirúrgica revela essas limitações. É importante entender que, diferente da literatura onde somos instigados a imaginar, no cinema somos mais passivos, tudo está pronto diante de nossos olhos, apenas absorvemos. Matrix é um filme da minha adolescência, algo que vi e revi várias vezes. Assisti o 2 e 3, no cinema. Achava engraçado o quanto as interpretações dos meus amigos se contradiziam. Há um tempo li um texto da BBC Brasil (link aqui), o autor, Nicholas Barber, acusava o filme de ter envelhecido mal, talvez a melhor crítica que li. O texto fala sobre como os efeitos revolucionários, não eram condizentes com o herói antiquado. O quanto Neo está agoniado com a vida no escritório e toda a falta de perspectiva. Aqui onde discordo do autor. É algo que demoramos para entender e só faz sentido, após décadas. Há alguns anos, toda a ideologia do filme tem sido utilizada de forma equivocada pela direita norte-americana. Matrix ajuda a fomentar teorias da conspiração que cabem muito bem no discurso da direita mais tresloucada, do tipo Trump e Bolsonaro. Foi então que as irmãs Wachowski disseram que a obra trata sobre transição de gênero. Pensando sobre o primeiro filme, a discussão parece extremamente lógica. É onde a agonia, insatisfação, insônia de Neo faz todo o sentido e a crítica de Barber desanda. A frustração ainda tem classe e não é a proletária, não tem viés político, mas existencial. Para delírio dos conservadores, as irmãs Wachowski utilizaram a mitologia cristã em um subtexto trans. Isso está claro quando observamos o crescimento dos poderes de Neo. Isso ocorre quando ele passa a ter fé, mas também a se adaptar ao novo corpo. Conforme sua mente e corpo estão harmonizados mais perto ele está do seu potencial máximo, como escolhido. Chegamos assim, em Matrix 4. Toda a fala autorreferencial no filme, pode ser encarada como ironia, mas também pode ser levada a sério. As pessoas sempre se esforçaram para ver em Matrix uma revolução dos oprimidos, quando na verdade temos algo mais espiritual. Ninguém destruiu o mundo das máquinas, nem fugiu da realidade virtual, alguns preferiram coexistir. Existe alienação total do mundo, mas também existe quem mantém vínculos com os dois lados. Nenhuma ideia está solta ao vento. Tudo está muito bem conectado. A mudança de alguns personagens, como Morpheus, faz todo o sentido quando pensamos nos filmes anteriores não como a realidade, mas como a história contada. Logo, com exceção de Neo e Trinity, ninguém era como realmente dizem ser. Apesar das críticas, o roteiro está bem explicado e novamente Neo parece perdido, todas pílulas, toda a terapia e o trabalho são formas de o manterem alienado. Querem domesticá-lo, utilizar sua energia. Faz sentido, mesmo recobrando a consciência, ele não ter o domínio total dos poderes, pois bagunçaram sua mente e corpo por décadas. Trinity é quem parece mexer com ele, quem o parece deixar deslocado. Afinal, todos lhe dizem que não há nada de errado, apenas a imagem da mulher que amou e seus sentimentos dizem o contrário. É aqui, que Matrix mantém uma narrativa conservadora. Não é a opressão das máquinas, nem o grau de alienação o motivo do despertar, mas o amor e a fé de Trinity. Neo nunca acreditou ser ele o escolhido, mas ela sim, ela tinha fé. Diferente do primeiro filme, aqui não existe uma promessa de revolução, nem uma mudança radical, mas uma coexistência, uma crença na conversão do outro, mesmo que esse convencimento seja a base da porrada. Apesar das lutas não serem tão boas quanto as antigas, a obra tem força, não como original, mas como o capítulo final de uma história. O filme é um conto, sobre como tudo terminou. Matrix 3 deixa pontas soltas, o 4 encerrou a história.
Não vejo muitas pessoas comentarem sobre The Sinner, uma das melhores séries da Netflix.Protagonizada pelo PHD em artes cênicas, Bill Pullman, a série conta a história do detetive Harry Ambrose, um velho policial, cheio de problemas familiares e de saúde. Criada e produzida por Jessica Biel, que também atua na primeira temporada, cada capítulo tem 8 episódios e leva o nome do principal antagonista. A primeira fala de um surto psicótico, a segunda sobre uma seita religiosa, a terceira sobre a morte e a quarta ainda estou tentando descobrir, mas acredito ser suicídio.
O que gosto nas histórias é a forma como Ambrose trata os acusados, sua obsessão por solucionar casos, desvendar crimes não é tomada de ódio, paixão ou medo, mas curiosidade. É a forma tímida como ele olha, meio constrangida, parecendo enxergar como as pessoas e as narrativas não estão encaixando. Como na primeira temporada, quando não aceitava a confissão da acusada e tentava entender o motivo da personagem ser punida.
Empatia, talvez, seja o melhor sentimento para descrever Ambrose, talvez seja uma das qualidades mais importantes para um policial. Cada criminoso, mesmo Jamie, quem mais o colocou em risco, tinha um pouco do detetive dentro dele. A culpa, o desejo de ser punido, a pulsão de morte da primeira personagem; a criança estranha, sem amigo, responsável por um acidente; as dúvidas sobre o caminho escolhido, a impotência diante da idade e medo de morrer, na terceira. Todos os personagens refletem algo do protagonista e ele não se fecha em nenhum momento. Está aberto a ver as possibilidades e entender todos os lados.
Por isso, não cabe a crítica por ele perseguir um criminoso em uma festa, ou se deixar levar por um ritual místico. É uma loucura completa, qual Pullman e Biel nos convidam a participar, a entender e como Ambrose sempre somos colocados diante do precipício.
Eu realmente não sei o que as pessoas esperavam ao assistir Mestres do Universo: Salvando Eternia. He-Man foi criado para vender brinquedo, as animações eram toscas, repetidas, prestem atenção! Você via o mesmo quadro várias vezes. Mesmo assim, existe uma mitologia, boas ideias quais poderiam ser trabalhadas de forma mais adulta, sem perder a essência tola dos personagens. Uma lástima ter demorado 40 anos para o desenho encontrar Kevin Smith e ele conseguir transformar uma peça publicitária de moral infantil em algo realmente artístico. Se existe uma comparação valida da obra é com Stars Wars, quando soubemos do retorno Mark Hamill para o papel de Luke, todos ficaram eufórico. Todos queriam ver ele destruindo tudo com o sabre de luz. Uma pena isso não ter acontecido, uma pena toda a mitologia de Stars Wars ter sido desperdiçada na nova trilogia. Felizmente Mestres do Universo acerta onde Stars Wars erra. Primeiro, tem muita porrada, muita ação, sangue e guerra. As cenas de luta do He-man, em suas diversas formas, são bem legais. Se a primeira parte deixou os fãs apreensivos sobre isso, a segunda não deixou dúvidas sobre a força do herói. Além disso, mostrou os motivos do escolhido ser Adam, o menino franzino, nerd e atrapalhado não foi escolhido como campeão de maneira aleatória. Não basta segurar a espada para controlar o poder. Aqui, o clichê da bondade e o coração puro, incorruptível é trabalhado de forma sútil, lembra muito Super-Homem. O mesmo com pacato, uma das cenas mais emocionantes é quando o Gato guerreiro fica confuso ao ser chamado de covarde. Quem assistiu sabe, pode chamá-lo de tudo, mas covarde? É amizade entre Adam e Pacato o motivo do mundo ser salvo. A dupla não só encena excelentes cena de ação, como de amizade. Existe um lado humano explorado imensamente nos personagens, mas existe também a prova que o homem mais forte do universo não pode fazer tudo sozinho. A série encaixa bem cada personagem, não são adereços, mas heróis, como He-man, talvez você que nunca havia percebido. Haters sempre vão falar dos problemas, do foco na Tila e dos outros personagens, mas é preciso lembra a série não é sobre He-man. Apesar da arte trabalhar emoções, não é isso que essas pessoas veem. Diferente dos personagens da série, eles não conseguem crescer e não querem continuar, muito pelo contrário, querem voltar ao passado, a mentalidade infantil, que não os deixava enxergar os problemas na animação antiga. A série é sobre uma equipe, não um personagem. Outro ponto positivo são as referências. Não consigo lembrar quando um produto da cultura nerd trabalho de forma tão orgânica as referências as outras obras. Caso não repararam, o autor cita Rei Leão, Blade Runner, Senhor dos anéis e outros. Existem várias formas de uma adaptação, continuação ou releitura ser feita. O modo de Kevin Smith me parece o melhor para trabalhar obras assim, antigas. Discute clichês, tira os personagens do conforto, enfrenta novos dilemas e atualiza a narrativa. De todas as produções feitas pela Netflix esse ano, Mestre dos Universo Salvando Eternia é uma das melhores.
Ted Lasso é uma série sobre futebol sem futebol. Faz algum tempo percebo a dificuldade de encontrar uma Mise en Scène para as produções sobre futebol. É a mesma dificuldade com o MMA. A luta não produz boas cenas, não empolga na ação cinematográfica, diferente do boxe. Mesmo assim, Ted é um excelente entretenimento. Cheio de bom humor e otimismo, algo importante nos tempos de pandemia. Outra comparação é Orange Is the New Black. Uma série sobre uma prisão, que apesar dos problemas, lembra muito mais um acampamento ou escola. Muito colorido e limpinho, bem distante da realidade do cárcere. Ted Lasso lembra uma high school, mas para adultos. E diferente da série de presidiárias femininas, é maravilhosamente divertida. Um entretenimento de primeira.
See é uma série sobre um futuro despótico. A humanidade perdeu a capacidade de ver e no escuro regredride ao barbarismo. A visão é culpada por ter colapsado o mundo antigo. Quem enxerga é acusado de bruxaria e perseguido. No escuro, a violência, opressão e a loucura tomam conta dos homens. Todos guiados pelo fundamentalismo e superstição. Apesar de ser uma série de cegos, tem muita ação. As lutas são muito legais. Fiquei pensando na quantidade de imaginação dos produtores. Não devem ter faltado opiniões sobre o quanto algo assim seria impossível ou que ninguém levaria a sério. Estamos constantemente sendo questionados, indagados e provocados. Vivemos inundados de fake news. Logo, quanto assistimos uma ficção ficamos o tempo todo tentando provar o quanto o roteiro é irreal. Quando isso é pura besteira. A verossimilhança existe para o drama, dentro da narrativa. Um mundo de cegos violentos é tão possível quanto cachorros falarem ou aliens sobreviverem no espaço. O rigor crítico cobrado do drama não é o mesmo do jornalismo. Devemos entra no jogo ou acabaremos com nossa capacidade de imaginar e criar fantasias, sejam sonhos ou pesadelos.
Maligno é raso, extremamente conservador e superficial. Não entendo toda a animação com James Wan. O terror em Wan, adota a trilha e o susto como motor principal para criar um clima "terror". São os famosos filmes montanha russa, levam você ao alto clímax para te assustar com a descida abrupta. Os personagens são simplificados, bem e mal são suas principais motivações. O motivo da personagem principal passar por todos os perrengues é por ela ter sido fruto de um pecado, produto de uma violência familiar. É quase bíblico, quem não segue meus ensinamentos será alvo do mal. Não há problema em adotar uma perspectiva conservadora em uma obra de arte, mas é um problema em afirmar essa perspectiva, pois cai em uma propaganda. A arte deve revelar as contradições do ser. Em maligno não existe contradições, tudo é moralmente encaixado dentro da moral cristã. Os filmes de Wan poderiam fazer parte de um cineclube evangélico, tranquilo.
Mestres do Universo Salvando Eternia é a segunda boa surpresa que tenho na Netflix. A primeira foi Cobra Kai, originalmente transmitida pelo YouTube. Haters sempre encontrarão defeitos, pois não conseguem superar antigas tramas, nem se desfazer de velhos clichês. Você não verá um comercial de brinquedos, lições de moral, nem animações mal feitas.
A série não é apenas sobre He-man, mas sobre todos os personagens que o acompanharam nas décadas de luta. É um ponto interessante para analisar, o homem mais forte do universo, quem é debitado todo logro de ter salvado milhares de vezes Eternia, nunca esteve só. Apesar de sua força e sua espada, seus amigos sempre o ampararam. Smith concede a oportunidade aos companheiros do príncipe Adam serem protagonistas da própria história. Teela se mostra uma grande líder. Roboto nos mostra o sacrifício, Pacato mostra o motivo de ser um gato guerreiro. Mas, talvez, Gorpo seja o personagem que mais transmita emoção, quando fala sobre suas memórias ou age em prol dos amigos. O pequeno mago mostra ser um grande mestre da magia.
Aqui, He-man e karatê kid estão próximos. As duas trabalham os sentimentos e ideias da série original, mas adaptam aos dias atuais. Os personagens ainda pensam como antes, mas são tirados da zona de conforto e colocados diante de situações mais exigentes. Sacrifícios são necessários e algumas batalhas precisam terminar.
É um reino de magia e de heroísmo, mas nada infantil. Tem monstros e perigos inimagináveis. Momentos de alívio cômico, sem cafonice do passado. Como seus espectadores a série está madura e mostra uma grande força.
Invocação do Mal é terrivelmente cristão. Não tem nada errado com isso, Hitchcock também era. O problema é o maniqueísmo, o quanto às explicações do roteiro são rasas, sem muitas contradições. Toda a mitologia católica é correta, assim como a inquisição. As bruxas eram malvadas servas de satã e a igreja católica é o maior front contra lucifer e seus servos. O novo filme, trata sobre a força do amor e da fé em vencer o mal. Apesar disso, o filme trata mais em provocar o terror, ao invés de assustar. A obra coloca os personagens em perigo, cria as ameaças, questiona a força dos personagens, ao invés de ficar assustando a cada cena. Não é um filme montanha russa, onde uma subida cria um alívio para em seguida assustar o espectador. Isso explica o motivo de fãs do original não estarem satisfeitos. No mais, acredito ser o único filme realmente bom de toda a saga do casal Warren.
Se pudesse resumir Marighela em uma palavra, após assistir o filme de Wagner Moura, eu diria coragem. O militante comunista, deputado, poeta e revolucionário não tinha medo. Mesmo ameaçado de tortura e da morte, privado do convívio com o filho, ele não desistiu. O filme recorta um período, do golpe ao assassinato. Vemos ele roubando trem, banco, ocupando as rádios. É uma obra para iniciados, um filme para quem deseja conhecer sobre os crimes da ditadura e luta armada, mas não sei se convence o público. A cena inicial, como a final, mostram as armas, mas nenhuma cena no filme é digna de uma ação de tiros, como tropa de elite. Uma pena, pois o filme quer construir a memória de um herói. Algo estranho é a roda de conversa, o filme se passa em grupos conversando, discutindo em planos próximos. Não existe o partido, nem um coletivo. As decisões são tomadas pelo carisma de Branco e Preto. As locações são em apartamentos, estacionamento, sempre em lugares fechados, como os planos nas conversas com os personagens. Essa ponto de vista é semelhante a estética da novela, um lugar comum ao cineasta. A obra mistura o que é isso companheiro com batismo de sangue. Ao fim, a obra satisfaz os iniciados, mas não e sei se satisfaz o público em geral.
Ninguém nunca saberá com exatidão o teor da conversa de Muhammad Ali, Malcolm X, Jim Brown e Sam Cooke, em uma Noite em Miami, após a vitória de Ali pelo campeonato mundial de Boxe. Podemos imaginar, mas nunca teremos certeza. Isso torna o filme tão importante, tão bonito em tentar imaginar, em ver esses grandes homens como humanos. Como Ali, ainda Cassius poderia ser inseguro, escondido atrás da arrogância e de um ego enorme. Como Malcolm tinha medo de morrer sem conseguir completar sua missão. Como Jim se sentia mal em ser apenas um gladiador, em não ser reconhecido como uma pessoa. Ou Cooke ter raiva por não ter composto a música de Bob Dylan. É uma noite cheia de brigas, conciliações e risadas. É um encontro daqueles qual imaginamos a vida toda, de como seria juntar várias personalidades históricas para conversar. A Diretora Regina King e o roterista Kemp Powers nos mostram e nos fazem sentir como parte da conversa.
Um grande filme, uma obra com um valor histórico e artístico imenso. Para contar a história da ditadura o autor utiliza o mito da Maldição da Mulher que Chora. Fala sobre o genocídio, hipocrisia religiosa, crítica a família burguesa. Mas não vá com sede ao pote se você gosta de filmes de susto, não espere embarcar em um trem fantasma como nos filmes de James Wan. Aqui é a realidade é mais cruel das fantasias. O terror é provocado pelo suspense, pela crueldade, pela fragilidade e por um sensação eterna de impunidade diante das justiças. Jayro Bustamante é um grande diretor, espero ainda ver muito de seus filmes.
Comunidade e Kursk não são lá essas coisas. Comunidade é tedioso. Kursk é uma propaganda anti-russa. Mesmo assim, Thomas Vinterberg é um dos meus diretores favoritos. Drunk é um filme qual todo o possível alcoólatra deveria ver. Um filme sobre como o alívio alcoólicoé utilizado para curar nossas frustrações e vazios. É engraçado, mas não terminamos o filme sorrindo, mesmo a última cena sendo uma festa.
Judas e o Messias Negro tinha tudo para ser uma excelente obra, mas se perde em dois pontos. Primeiro, ao invés de thriller político é um filme policial, existe política, mas o filme transforma a luta de classes em uma disputa de gangues. As discussões são boas, mas pouco sabemos sobre os conflitos, motivos e divergências. Entendemos o racismo e sabemos superficialmente sobre o movimento. Segundo, o protagonista não é o protagonista, ele é quase um coadjuvante. O antagonista eh mais importante e isso determina o tom do filme. É forte, afinal os Panteras Negras em legítima defesa defendiam o armamento do povo. Logo, ao invés de fazer como Freixo, que fica pedindo proteção para polícia, eles defendiam a auto-defesa e o armamento do povo. Eles defendiam os seus, eram revolucionários, não reformista O filme abraça a narrativa policial para não explicar a política. Não quer criar desafetos, nem mostrar contradições que possam contradizer os movimentos atuais. Ele quer agradar todos e participar do sistema. Como filme de Spike Lee sobre Malcon X e o filme do Clint Eastwood sobre Mandela, eles apagam o passado comunista e radical e os utilizam como propaganda reformista e conciliatória.
Em 1978, durante a ditadura militar argentina, o filme INVASIÓN dirigido por Hugo Santiago acabou se perdendo. Em 2004 ele foi finalizado e depois restaurado. O roteiro conta com a colaboração de dois gigantes da literatura argentina, Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Ricardo Aronovich é o fotografo. O filme carrega nas frases dos personagens a densidade de seus roteiristas. A Obra parece um filme policial, ficção cientifica ou drama político. Como todo grande filme sempre ultrapassa os limites do gênero. A obra foi um fracasso de bilheteria, mas um sucesso de crítica. Foi premiado em Cannes e até recentemente ficou esquecido. Uma excelente obra do cinema fantástico, que precisa ser vista e revista.
This Much I Know to Be True
4.2 6 Assista AgoraThis Much I Know to Be True – Crítica
O sentimento religioso sempre me pareceu algo melancólico, um misto de tristeza pela finitude da vida e uma busca por amparo pelos acasos inexplicáveis. Queremos ser aliviados da dor, da morte, mas principalmente, queremos acreditar. É o conflito dos nossos desejos e de nossa esperança com a realidade, a razão da melancolia. É entender a necessidade de mudar, mas não se sentir feliz. This Much I Know to Be True, novo documentário sobre Nick Cave, trata sobre isso com belas músicas, muitas reflexões e um espetáculo de filmagem.
Os primeiros minutos do filme são Cave mostrando seu trabalho como ceramista. Ele apresenta uma série de estatuetas sobre a vida e a morte do diabo. Essa parte do filme parece grotesca, destoante de toda a mensagem do personagem principal. Entendemos o ponto de vista, quando refletimos sobre como ele apresentou o diabo. Cave deu uma versão humana a um personagem bíblico, tornou-o homem, ao nascer, combater, amar e morrer. Na história da cerâmica, Lúcifer sente dor, sofre e se apaixona. O diabo está vulnerável, como eu e você, vulnerável à vida e ao sofrimento.
É difícil assistir ao filme e não pensar nas tragédias pelo qual o músico passou. A cada cena e conversa ficamos pensando em como a vida de Cave parece ter sido trágica. Podemos ser diferentes nas forma como compreendemos o mundo e como vivemos, mas somos iguais em nosso sofrimento. A dor pode não ser igual, mas todos a sentimos. O sofrimento nos conecta. Todos estamos em busca de um sentido, em busca de algo para nos confortar. Essa me parece a mensagem central para a arte de Nick Cave, o amor pela vida. Não o amor em um sentido de êxtase, mas a forma contemplativa.
O documentário não é um show, está mais próximo a um clipe, em sua estrutura. Local fechado, sem público e com total liberdade das câmeras. Algo essencialmente simples. Poderia ser só mais um vídeo de uma banda, mas não é. O diretor australiano Andrew Dominik, torna o filme uma obra sublime. Cave e os músicos no centro do palco, as câmeras ao seu redor, nunca acima ou abaixo, parecem deslizar em travelling, nos aproximando e afastando. É um movimento bonito, como quando ele começa cantando sozinho e o giro da câmera vai mostrando o restante da banda. As luzes vêm sempre do alto. A iluminação isola os músicos, os torna parte do grupo e junto com as câmeras consegue acentuar ainda mais a atmosfera religiosa.
A melodia de todo o documentário embala essa atmosfera. São músicas com coral, instrumentos clássicos, em um ritmo geralmente lento. É sempre algo para ouvir e meditar. A voz de Cave e a forma como canta parece um sussurro. Ele não grita, sussurra, reflete um tom tranquilo, mas cheio de pesar. Ainda mais melancólico é a aparência do personagem, as sombracelhas e cabelos negros, a voz um pouco rouca. Além disso, a forma como ele conversa, sempre parece estar pensando em cada palavra, quase soletrando, nenhuma resposta é solta. O único momento de descontração em todo o filme é quando Warren Ellis é entrevistado. O único músico a falar, além de Cave. Eles riem, falam dos conflitos dos processos criativos, mas de como gostam de fazer música juntos.
Apesar da melancolia e da tristeza, ninguém parece infeliz no filme. O clima em geral é alegre, mesmo tratando de temas sensíveis. Vemos o semblante triste de Nick Cave, mas ele não parece estar perdido. Contempla a vida, suas incertezas e acasos. Não tem o controle de tudo, mas busca um sentido. Ele ainda é aquela figura gótica, com olhos e cabelos negros e um rosto pontiagudo. Alguém triste, mas com fé no futuro.
The Good Lord Bird
4.2 20Não conhecia o abolicionista James Brown até assistir a série, estrelada e produzida por Ethan Hawke, na Paramount-plus. Não me parece ter um paralelo com algum personagem histórico brasileiro. Brown era um Lampião que seguia bíblia e tinha um programa político: libertar todos os negros, não importa quem tivesse que matar para isso. Entre as décadas de 50 e 60 do século XIX, ele tentou fazer isso. Com os filhos e um grupo extremamente diverso, Brown atacou, atirou e decapitou diversos donos de escravos. A série o mostra como uma fanático religioso, alguém tomado por uma ideia fixa e sem qualquer senso de proporção, mas tem um motivo para isso. A escravidão dos negros era algo extremamente absurdo, sem justificativa. Não importa se você acreditava na bíblia ou na constituição. Para Brown, a escravidão era incompatível para um cidadão ou cristão. Diante da normalização de um absurdo, agir como Brown agia pode parecer loucura. Mas, talvez mais louco seja aceitar as coisas como estão e não fazer nada para mudar. A série transita entre um drama e uma comédia, com uma atuação excelente de Hawke e boas cenas de ação. Vale o tempo, vale cada minuto pela memória de Brown e de todos os abolicionistas.
Stranger Things (4ª Temporada)
4.2 1,0K Assista AgoraNovamente li sobre o anticomunismo em Stranger Things e, novamente acho uma idiotice. Primeiro, não sei vocês, mas o terror stalinista da união soviética nunca foi aquilo que acreditamos como socialismo. Segundo que, a URSS e os Estados Unidos disputaram recursos, logo, em um mundo imaginário pq eles não disputariam uma saída para outro mundo? Mas a questão é mais complicada quando pensamos nos personagens principais, nenhum deles é uma pessoa de esquerda ou direita, primeiro que em sua grande maioria são crianças. Querem jogar D&D, não discutir política. Quando vemos os russos, eles fazem o mesmo que o governo americano, querem explorar o poder. É interessante notar que na última temporada fica claro as facções dentro do governo. Os cientistas contra os militares. Ou seja, não sei do lado de quem vocês ficariam, mas eu ficaria bem longe dos stalinistas, mais longe do governo americano, mesmo tendo aliados, no fim as crianças só contam com elas mesmas. Ao fim, Stranger Things faz da cidade pequena e das crianças uma luta por um bairrismo, eles precisam lutar, contra monstros, governo e os estrangeiros para proteger a cidade. Existe política? Sim, mas não é o anticomunismo.
Obi-Wan Kenobi
3.4 313 Assista AgoraObi Wan kenobi estava com medo, apavorado. Não há dúvida que ele se culpa. Quando ficam cara a cara, olhando no olho um do outro, ele não vê o Lord sith, mas seus erros. Ele não conseguiu cumprir a promessa Qui Gon, de guiar o escolhido no caminho da força. Falhou não só em ensiná-lo, mas em torná-lo o maior inimigo dos Jedis. Isso explica a fuga, explica o receio em ligar o sabre, em usar a força. Os últimos 10 anos foram momentos de negação, momentos de dúvida e, principalmente, arrependimento. É claro, passo a passo, ele vai descobrindo a resistência e como nem tudo está perdido. Existe luz na escuridão, ele só precise se conectar novamente.
Obi-Wan Kenobi
3.4 313 Assista AgoraVer o exílio de Obi Wan Kenobi não é algo muito animador. Todos sabemos como general kenobi, um dos mestres jedis mais importantes das guerras clônicas, termina. Foram anos amargos, o período como eremita. Kenobi olha o presente e o futuro de forma bem pessimista. Isso é compreensível. Quem não morreu, está escondido. O império venceu, a democracia não existe mais. Vigora agora uma ditadura que destrói a todos que fiquem em seu caminho. A dificuldade em usar a força ou a preferência pelas armas é um reflexo de seu estado de espírito. O exílio não apagou sua existência, mas adormeceu seus poderes e abalou sua fé. Isso explica a dificuldade em lutar com meros caçadores de recompensa. Precisa levar um soco para lembrar quem ele é. Mesmo assim, o jedi ainda acredita, bem no fundo existe Uma Nova Esperança. Ele observa todos os dias o jovem Skywalker e zela pelo seu sono. Espera um momento qual ele possa corrigir os erros cometidos com o pai do menino. Afinal, o grande drama de Obi wan é ter falhado enquanto mestre. Logo, é bem provável que ele se responsabilize pelo que aconteceu com Anakin e na ameaça que ele se tornou. Todos podemos odiar a prequel de Stars Wars, mas na verdade nunca refletimos direito sobre como a saga possui boas ideias, uma mitologia interessante, mas uma execução desastrosa. Mesmo assim, a nova série, caso trate de perseguir a construção do personagem e do maior vilão Stars Wars, pode conseguir construir a melhor obra de toda sequência de filmes e séries, depois de o Império Conta Ataca e Rogue One.
The Umbrella Academy (1ª Temporada)
3.9 566The Umbrella Academy é bem legal. Uma série divertida, mas uma coisa me incomoda. O roteiro segue uma estrutura de videoclipe. A todo o momento um personagem posa com uma música de fundo, que em seguida toma conta de toda a cena. A trilha me agrada muito, mas às vezes cansa. É um círculo vicioso, o personagem age, encontra um conflito, depois tem uma música dele sozinho ou refletindo sobre algo. Flashbacks, por exemplos, não marquei todos, mas em grande medida são acompanhados de música. O problema da música é dar o tom, antes de vermos a cena. Uma música triste no início da série cria uma atmosfera de infelicidade, somos condicionados pela música a seguir um caminho sem surpresas. Outro problema com a música é o desparecimento do som diegético, ouvimos barulhos, passos, mas é muito pouco, o excesso de música e a estrutura do videoclipe torna o ruído inexistente ou imperceptível. No mais, a série vale muito para quem quer assistir algo de super-herói alternativa.
Cordeiro
3.3 555 Assista AgoraO filme de terror Islandês Lamb (Cordeiro, no Brasil), pode suscitar muitos debates relacionados aos humanos ou animais. Mesmo assim, o instinto materno parece ser o tema central. A obra trata da irracionalidade desse sentimento. Amar uma criança é um tipo de amor incondicional, algo imensurável. Perder esse amor, perder um filho é abrir um buraco sem fundo. Isso explica a frieza do casal no início. Quase não há falas, apenas gestos e trabalho. Absorvidos por uma paisagem bucólica, sem contato com ninguém, os dois parecem apenas existir. Tudo muda com a chegada de Ada. O casal parece respirar um pouco. Apesar da metáfora servir, a esposa não pode ser comparada a uma mulher que adota um bichinho. Sem dar spoiler, não houve adoção. A forma como ela adquire a “filha” adotiva é a mais cruel possível. É movida pelo desejo, mas conquistada pelo sangue. O instinto foi mais forte e nada a impediu de ter novamente uma criança. Como disse antes, o filme pode suscitar muitos debates, mas para mim pareceu um horror sobre a maternidade. Não quero dizer que exista algo de horrendo em ser mãe, mas em como esse sentimento, como qualquer outro, pode nos levar a agir como animais. O amor irracional também pode provocar uma vingança ou atitude irracional. Ao fim, Lamb é um terror dedicado ao estranhamento, não levará susto, nem ficará sem dormir, mas possivelmente irá pensar muito sobre toda a trama.
Succession (3ª Temporada)
4.4 190É estranho gostar de Succession da HBO-MAX, assistir todos os episódios e temporadas disponíveis e não conseguir sentir nenhuma empatia pelos personagens. Pensando um pouco sobre a série, concluímos ser impossível ter alguma identificação com os protagonistas. São super ricos, burgueses que não têm a dimensão do poder. Podem estar onde quiserem, sem se preocupar com nada. É um mundo de poucos, bem poucos. Os 1%, talvez.
Estão distantes de todas as preocupações mortais. Cheios de narcisismo e com uma sede insaciável de poder. A família Roy, protagonista da série, parece viver no Olimpo. Ora, os filhos disputam o amor e atenção do pai, ora o pai cria intrigas pelo amor dos filhos. Não existe afeto sem troca, o sentimento sempre está acompanhado de barganha. Não existem preocupações mortais e apesar de terem tudo, todos parecem incrivelmente infelizes. Tendo milhares de dólares, carros do ano, um iate, jato particular e helicópteros, mas infelizes. Logo, fica difícil ter alguma empatia por seres que parecem não existir, mesmo sabendo que existem.
Quando Kendall briga com o pai, ele não se preocupa com onde vai trabalhar, nem com dinheiro. Muito pelo contrário, ele esbanja como pode. Connor, vivendo em seu rancho, distante, pensa a política de uma forma mística e delirante. É lunático, tipo Napoleão de hospício. Roman possui uma sexualidade distorcida, não consegue se relacionar com ninguém e se comporta como um adolescente. Siobhan, a mais progressista dentre eles, a “burguesa esclarecida”, quem, talvez poderia ser um pouco humana, na verdade é tão vaidosa quanto Kendall. Diante das denúncias contra o pai, ela escolheu o lado que poderia lhe dar poder, não o correto.
O que nos faz gostar de sucessão é exatamente isso, as intrigas, as brigas pelo poder e como a burguesia na realidade é tola, egocêntrica e intelectualmente rasa. As boas escolas e o acesso a toda a cultura da humanidade não transformam ninguém em boas pessoas. O homem é um produto do meio. É quem determina sua consciência. Em uma família onde a competição empresarial é transportada para as relações familiares, as pessoas não poderiam ser diferentes daquilo que vemos na tela.
O Último Duelo
3.9 326Ridley Scott culpou a geração millennial pelo fracasso de seu último filme, Último Duelo (2021). A obra conta uma história sobre três pontos de vista, apesar de convergirem em alguns pontos, elas divergem no essencial, o motivo do duelo. O longa-metragem com cerca de 2h30min exige do espectador. Não é um filme para ser visto, enquanto mexe no celular, almoça ou conversa com os amigos. O olhar precisa de um pouco de atenção. Lembrou muito Rashomon (1950) de Akira Kurosawa. Como no filme do mestre japonês, o importante aqui não é a verdade, mas como os personagens descrevem a história, como eles parecem diferentes aos olhos dos outros e aos seus próprios olhos. Como creem ser vistos como heróis, teimosos ou tolos. Os três personagens principais, interpretados por Matt Damon, Adam Driver e Jodie Comer são obrigados a mostrar três faces. Três atuações diferentes em um mesmo personagem. Enfim, o filme não é ruim, mas foi um fracasso de bilheteria. Lembro da revolta dos fãs com a forma que a primeira temporada de The Witcher (Netflix) foi gravada. Ela não era linear, isso não atrapalhou a história, nem confundiu, mas novamente, não era um olhar preguiçoso. Em uma obra voltada para o entretenimento, ousadias de linguagem podem não ser compreendidas. Triste, pois esse comportamento deixa as produtoras receosas de financiar experimentos e aumenta o controle para tudo ser uma novela mastigada, igual os filmes da Marvel. Scott não tem razão em culpar uma geração, mas tem razão em notar como o cinema, audiovisual e o mundo estão mudando.
Titane
3.5 391 Assista AgoraTitane não é um filme para estômagos fracos. Quem não aguenta violência explícita, nem cenas de dor e agonia, deve passar longe. Agora, caso você goste de cinema, não apenas de um gênero ou filme, mas da arte cinematográfica em todas suas expressões, recomendo assistir. O filme conta a história de Alexia, uma dançarina de eventos automotivos. A personagem vive em constante asfixia social, tudo ao seu redor parece empurrá-la para respostas violentas. Em um primeiro momento tememos pelos outros, mas após o roteiro respirar as mortes, sentimos pena. É interessante como a diretora Julia Docurnau, nos conduz de várias cenas com mortes violentas, até um momento de aparente tranquilidade. A virada, ou plot, como preferirem, ocorre quando Alexia resolve fingir ser o filho desaparecido do capitao dos bombeiros.No começo, tememos pela vida do militar, mas após alguns minutos vemos, como duas almas desesperadas, agoniadas, parecem encontrar um momento de apoio. De como o impulso destrutivo de Alexia encontra um escape mais “sadio”. Essa mudança de ritmo muda totalmente nosso olhar. No corpo de bombeiros, temos um ambiente masculino, machista, com uma certa homoafetividade velada. Homens se adoram e disputam a atenção do capitão. Alexia, agora Adrien, destoa desse ambiente, seu corpo andrógino, causa repulsa. Um ser afeminado, no meio de toda a força masculina. Essa “fraqueza” a liga ao chefe dos bombeiros, pois ele, no auge da idade, não tem mais a força da juventude. Os dois se agarram e, numa relação extremamente doentia, encontram algum conforto, mesmo sendo mínimo. É um filme para ver e rever. Lembrei de Cronenberg, Lynch e outros cineastas ao assistir. Uma obra estranha de uma diretora com grande potencial.
Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista AgoraFinalmente vi Matrix 4. Gostei muito do filme e acho que me reconciliei com as Wachowski. Apesar da arte ser polissêmica, o leque do que podemos entender e interpretar é limitado. O filme pode ser utilizado para instigar inúmeros debates, mas uma análise mais cirúrgica revela essas limitações. É importante entender que, diferente da literatura onde somos instigados a imaginar, no cinema somos mais passivos, tudo está pronto diante de nossos olhos, apenas absorvemos. Matrix é um filme da minha adolescência, algo que vi e revi várias vezes. Assisti o 2 e 3, no cinema. Achava engraçado o quanto as interpretações dos meus amigos se contradiziam. Há um tempo li um texto da BBC Brasil (link aqui), o autor, Nicholas Barber, acusava o filme de ter envelhecido mal, talvez a melhor crítica que li.
O texto fala sobre como os efeitos revolucionários, não eram condizentes com o herói antiquado. O quanto Neo está agoniado com a vida no escritório e toda a falta de perspectiva. Aqui onde discordo do autor. É algo que demoramos para entender e só faz sentido, após décadas. Há alguns anos, toda a ideologia do filme tem sido utilizada de forma equivocada pela direita norte-americana. Matrix ajuda a fomentar teorias da conspiração que cabem muito bem no discurso da direita mais tresloucada, do tipo Trump e Bolsonaro.
Foi então que as irmãs Wachowski disseram que a obra trata sobre transição de gênero.
Pensando sobre o primeiro filme, a discussão parece extremamente lógica. É onde a agonia, insatisfação, insônia de Neo faz todo o sentido e a crítica de Barber desanda. A frustração ainda tem classe e não é a proletária, não tem viés político, mas existencial. Para delírio dos conservadores, as irmãs Wachowski utilizaram a mitologia cristã em um subtexto trans. Isso está claro quando observamos o crescimento dos poderes de Neo. Isso ocorre quando ele passa a ter fé, mas também a se adaptar ao novo corpo. Conforme sua mente e corpo estão harmonizados mais perto ele está do seu potencial máximo, como escolhido.
Chegamos assim, em Matrix 4. Toda a fala autorreferencial no filme, pode ser encarada como ironia, mas também pode ser levada a sério. As pessoas sempre se esforçaram para ver em Matrix uma revolução dos oprimidos, quando na verdade temos algo mais espiritual. Ninguém destruiu o mundo das máquinas, nem fugiu da realidade virtual, alguns preferiram coexistir. Existe alienação total do mundo, mas também existe quem mantém vínculos com os dois lados.
Nenhuma ideia está solta ao vento. Tudo está muito bem conectado. A mudança de alguns personagens, como Morpheus, faz todo o sentido quando pensamos nos filmes anteriores não como a realidade, mas como a história contada. Logo, com exceção de Neo e Trinity, ninguém era como realmente dizem ser.
Apesar das críticas, o roteiro está bem explicado e novamente Neo parece perdido, todas pílulas, toda a terapia e o trabalho são formas de o manterem alienado. Querem domesticá-lo, utilizar sua energia. Faz sentido, mesmo recobrando a consciência, ele não ter o domínio total dos poderes, pois bagunçaram sua mente e corpo por décadas. Trinity é quem parece mexer com ele, quem o parece deixar deslocado. Afinal, todos lhe dizem que não há nada de errado, apenas a imagem da mulher que amou e seus sentimentos dizem o contrário.
É aqui, que Matrix mantém uma narrativa conservadora. Não é a opressão das máquinas, nem o grau de alienação o motivo do despertar, mas o amor e a fé de Trinity. Neo nunca acreditou ser ele o escolhido, mas ela sim, ela tinha fé. Diferente do primeiro filme, aqui não existe uma promessa de revolução, nem uma mudança radical, mas uma coexistência, uma crença na conversão do outro, mesmo que esse convencimento seja a base da porrada.
Apesar das lutas não serem tão boas quanto as antigas, a obra tem força, não como original, mas como o capítulo final de uma história. O filme é um conto, sobre como tudo terminou. Matrix 3 deixa pontas soltas, o 4 encerrou a história.
The Sinner (4ª Temporada)
3.4 116Não vejo muitas pessoas comentarem sobre The Sinner, uma das melhores séries da Netflix.Protagonizada pelo PHD em artes cênicas, Bill Pullman, a série conta a história do detetive Harry Ambrose, um velho policial, cheio de problemas familiares e de saúde. Criada e produzida por Jessica Biel, que também atua na primeira temporada, cada capítulo tem 8 episódios e leva o nome do principal antagonista. A primeira fala de um surto psicótico, a segunda sobre uma seita religiosa, a terceira sobre a morte e a quarta ainda estou tentando descobrir, mas acredito ser suicídio.
O que gosto nas histórias é a forma como Ambrose trata os acusados, sua obsessão por solucionar casos, desvendar crimes não é tomada de ódio, paixão ou medo, mas curiosidade. É a forma tímida como ele olha, meio constrangida, parecendo enxergar como as pessoas e as narrativas não estão encaixando. Como na primeira temporada, quando não aceitava a confissão da acusada e tentava entender o motivo da personagem ser punida.
Empatia, talvez, seja o melhor sentimento para descrever Ambrose, talvez seja uma das qualidades mais importantes para um policial. Cada criminoso, mesmo Jamie, quem mais o colocou em risco, tinha um pouco do detetive dentro dele. A culpa, o desejo de ser punido, a pulsão de morte da primeira personagem; a criança estranha, sem amigo, responsável por um acidente; as dúvidas sobre o caminho escolhido, a impotência diante da idade e medo de morrer, na terceira. Todos os personagens refletem algo do protagonista e ele não se fecha em nenhum momento. Está aberto a ver as possibilidades e entender todos os lados.
Por isso, não cabe a crítica por ele perseguir um criminoso em uma festa, ou se deixar levar por um ritual místico. É uma loucura completa, qual Pullman e Biel nos convidam a participar, a entender e como Ambrose sempre somos colocados diante do precipício.
Mestres do Universo (1ª Temporada - Salvando Eternia: Parte 2)
3.5 45 Assista AgoraEu realmente não sei o que as pessoas esperavam ao assistir Mestres do Universo: Salvando Eternia. He-Man foi criado para vender brinquedo, as animações eram toscas, repetidas, prestem atenção! Você via o mesmo quadro várias vezes. Mesmo assim, existe uma mitologia, boas ideias quais poderiam ser trabalhadas de forma mais adulta, sem perder a essência tola dos personagens.
Uma lástima ter demorado 40 anos para o desenho encontrar Kevin Smith e ele conseguir transformar uma peça publicitária de moral infantil em algo realmente artístico. Se existe uma comparação valida da obra é com Stars Wars, quando soubemos do retorno Mark Hamill para o papel de Luke, todos ficaram eufórico. Todos queriam ver ele destruindo tudo com o sabre de luz. Uma pena isso não ter acontecido, uma pena toda a mitologia de Stars Wars ter sido desperdiçada na nova trilogia. Felizmente Mestres do Universo acerta onde Stars Wars erra.
Primeiro, tem muita porrada, muita ação, sangue e guerra. As cenas de luta do He-man, em suas diversas formas, são bem legais. Se a primeira parte deixou os fãs apreensivos sobre isso, a segunda não deixou dúvidas sobre a força do herói. Além disso, mostrou os motivos do escolhido ser Adam, o menino franzino, nerd e atrapalhado não foi escolhido como campeão de maneira aleatória. Não basta segurar a espada para controlar o poder. Aqui, o clichê da bondade e o coração puro, incorruptível é trabalhado de forma sútil, lembra muito Super-Homem. O mesmo com pacato, uma das cenas mais emocionantes é quando o Gato guerreiro fica confuso ao ser chamado de covarde. Quem assistiu sabe, pode chamá-lo de tudo, mas covarde? É amizade entre Adam e Pacato o motivo do mundo ser salvo. A dupla não só encena excelentes cena de ação, como de amizade.
Existe um lado humano explorado imensamente nos personagens, mas existe também a prova que o homem mais forte do universo não pode fazer tudo sozinho. A série encaixa bem cada personagem, não são adereços, mas heróis, como He-man, talvez você que nunca havia percebido.
Haters sempre vão falar dos problemas, do foco na Tila e dos outros personagens, mas é preciso lembra a série não é sobre He-man. Apesar da arte trabalhar emoções, não é isso que essas pessoas veem. Diferente dos personagens da série, eles não conseguem crescer e não querem continuar, muito pelo contrário, querem voltar ao passado, a mentalidade infantil, que não os deixava enxergar os problemas na animação antiga. A série é sobre uma equipe, não um personagem.
Outro ponto positivo são as referências. Não consigo lembrar quando um produto da cultura nerd trabalho de forma tão orgânica as referências as outras obras. Caso não repararam, o autor cita Rei Leão, Blade Runner, Senhor dos anéis e outros.
Existem várias formas de uma adaptação, continuação ou releitura ser feita. O modo de Kevin Smith me parece o melhor para trabalhar obras assim, antigas. Discute clichês, tira os personagens do conforto, enfrenta novos dilemas e atualiza a narrativa. De todas as produções feitas pela Netflix esse ano, Mestre dos Universo Salvando Eternia é uma das melhores.
Ted Lasso (1ª Temporada)
4.4 244 Assista AgoraTed Lasso é uma série sobre futebol sem futebol. Faz algum tempo percebo a dificuldade de encontrar uma Mise en Scène para as produções sobre futebol. É a mesma dificuldade com o MMA. A luta não produz boas cenas, não empolga na ação cinematográfica, diferente do boxe. Mesmo assim, Ted é um excelente entretenimento. Cheio de bom humor e otimismo, algo importante nos tempos de pandemia. Outra comparação é Orange Is the New Black. Uma série sobre uma prisão, que apesar dos problemas, lembra muito mais um acampamento ou escola. Muito colorido e limpinho, bem distante da realidade do cárcere. Ted Lasso lembra uma high school, mas para adultos. E diferente da série de presidiárias femininas, é maravilhosamente divertida. Um entretenimento de primeira.
See (1ª Temporada)
3.6 126 Assista AgoraSee é uma série sobre um futuro despótico. A humanidade perdeu a capacidade de ver e no escuro regredride ao barbarismo. A visão é culpada por ter colapsado o mundo antigo. Quem enxerga é acusado de bruxaria e perseguido. No escuro, a violência, opressão e a loucura tomam conta dos homens. Todos guiados pelo fundamentalismo e superstição. Apesar de ser uma série de cegos, tem muita ação. As lutas são muito legais. Fiquei pensando na quantidade de imaginação dos produtores. Não devem ter faltado opiniões sobre o quanto algo assim seria impossível ou que ninguém levaria a sério. Estamos constantemente sendo questionados, indagados e provocados. Vivemos inundados de fake news. Logo, quanto assistimos uma ficção ficamos o tempo todo tentando provar o quanto o roteiro é irreal. Quando isso é pura besteira. A verossimilhança existe para o drama, dentro da narrativa. Um mundo de cegos violentos é tão possível quanto cachorros falarem ou aliens sobreviverem no espaço. O rigor crítico cobrado do drama não é o mesmo do jornalismo. Devemos entra no jogo ou acabaremos com nossa capacidade de imaginar e criar fantasias, sejam sonhos ou pesadelos.
Maligno
3.3 1,2KMaligno é raso, extremamente conservador e superficial. Não entendo toda a animação com James Wan. O terror em Wan, adota a trilha e o susto como motor principal para criar um clima "terror". São os famosos filmes montanha russa, levam você ao alto clímax para te assustar com a descida abrupta. Os personagens são simplificados, bem e mal são suas principais motivações. O motivo da personagem principal passar por todos os perrengues é por ela ter sido fruto de um pecado, produto de uma violência familiar. É quase bíblico, quem não segue meus ensinamentos será alvo do mal. Não há problema em adotar uma perspectiva conservadora em uma obra de arte, mas é um problema em afirmar essa perspectiva, pois cai em uma propaganda. A arte deve revelar as contradições do ser. Em maligno não existe contradições, tudo é moralmente encaixado dentro da moral cristã. Os filmes de Wan poderiam fazer parte de um cineclube evangélico, tranquilo.
Mestres do Universo (1ª Temporada - Salvando Eternia: Parte 1)
3.3 143 Assista AgoraMestres do Universo Salvando Eternia é a segunda boa surpresa que tenho na Netflix. A primeira foi Cobra Kai, originalmente transmitida pelo YouTube. Haters sempre encontrarão defeitos, pois não conseguem superar antigas tramas, nem se desfazer de velhos clichês. Você não verá um comercial de brinquedos, lições de moral, nem animações mal feitas.
A série não é apenas sobre He-man, mas sobre todos os personagens que o acompanharam nas décadas de luta. É um ponto interessante para analisar, o homem mais forte do universo, quem é debitado todo logro de ter salvado milhares de vezes Eternia, nunca esteve só. Apesar de sua força e sua espada, seus amigos sempre o ampararam. Smith concede a oportunidade aos companheiros do príncipe Adam serem protagonistas da própria história. Teela se mostra uma grande líder. Roboto nos mostra o sacrifício, Pacato mostra o motivo de ser um gato guerreiro. Mas, talvez, Gorpo seja o personagem que mais transmita emoção, quando fala sobre suas memórias ou age em prol dos amigos. O pequeno mago mostra ser um grande mestre da magia.
Aqui, He-man e karatê kid estão próximos. As duas trabalham os sentimentos e ideias da série original, mas adaptam aos dias atuais. Os personagens ainda pensam como antes, mas são tirados da zona de conforto e colocados diante de situações mais exigentes. Sacrifícios são necessários e algumas batalhas precisam terminar.
É um reino de magia e de heroísmo, mas nada infantil. Tem monstros e perigos inimagináveis. Momentos de alívio cômico, sem cafonice do passado. Como seus espectadores a série está madura e mostra uma grande força.
Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio
3.2 961 Assista AgoraInvocação do Mal é terrivelmente cristão. Não tem nada errado com isso, Hitchcock também era. O problema é o maniqueísmo, o quanto às explicações do roteiro são rasas, sem muitas contradições. Toda a mitologia católica é correta, assim como a inquisição. As bruxas eram malvadas servas de satã e a igreja católica é o maior front contra lucifer e seus servos. O novo filme, trata sobre a força do amor e da fé em vencer o mal. Apesar disso, o filme trata mais em provocar o terror, ao invés de assustar. A obra coloca os personagens em perigo, cria as ameaças, questiona a força dos personagens, ao invés de ficar assustando a cada cena. Não é um filme montanha russa, onde uma subida cria um alívio para em seguida assustar o espectador. Isso explica o motivo de fãs do original não estarem satisfeitos. No mais, acredito ser o único filme realmente bom de toda a saga do casal Warren.
Marighella
3.9 1,1K Assista AgoraSe pudesse resumir Marighela em uma palavra, após assistir o filme de Wagner Moura, eu diria coragem. O militante comunista, deputado, poeta e revolucionário não tinha medo. Mesmo ameaçado de tortura e da morte, privado do convívio com o filho, ele não desistiu. O filme recorta um período, do golpe ao assassinato. Vemos ele roubando trem, banco, ocupando as rádios. É uma obra para iniciados, um filme para quem deseja conhecer sobre os crimes da ditadura e luta armada, mas não sei se convence o público. A cena inicial, como a final, mostram as armas, mas nenhuma cena no filme é digna de uma ação de tiros, como tropa de elite. Uma pena, pois o filme quer construir a memória de um herói. Algo estranho é a roda de conversa, o filme se passa em grupos conversando, discutindo em planos próximos. Não existe o partido, nem um coletivo. As decisões são tomadas pelo carisma de Branco e Preto. As locações são em apartamentos, estacionamento, sempre em lugares fechados, como os planos nas conversas com os personagens. Essa ponto de vista é semelhante a estética da novela, um lugar comum ao cineasta. A obra mistura o que é isso companheiro com batismo de sangue. Ao fim, a obra satisfaz os iniciados, mas não e sei se satisfaz o público em geral.
Uma Noite em Miami...
3.7 189 Assista AgoraNinguém nunca saberá com exatidão o teor da conversa de Muhammad Ali, Malcolm X, Jim Brown e Sam Cooke, em uma Noite em Miami, após a vitória de Ali pelo campeonato mundial de Boxe. Podemos imaginar, mas nunca teremos certeza. Isso torna o filme tão importante, tão bonito em tentar imaginar, em ver esses grandes homens como humanos. Como Ali, ainda Cassius poderia ser inseguro, escondido atrás da arrogância e de um ego enorme. Como Malcolm tinha medo de morrer sem conseguir completar sua missão. Como Jim se sentia mal em ser apenas um gladiador, em não ser reconhecido como uma pessoa. Ou Cooke ter raiva por não ter composto a música de Bob Dylan. É uma noite cheia de brigas, conciliações e risadas. É um encontro daqueles qual imaginamos a vida toda, de como seria juntar várias personalidades históricas para conversar. A Diretora Regina King e o roterista Kemp Powers nos mostram e nos fazem sentir como parte da conversa.
A Chorona
3.4 90 Assista AgoraUm grande filme, uma obra com um valor histórico e artístico imenso. Para contar a história da ditadura o autor utiliza o mito da Maldição da Mulher que Chora. Fala sobre o genocídio, hipocrisia religiosa, crítica a família burguesa. Mas não vá com sede ao pote se você gosta de filmes de susto, não espere embarcar em um trem fantasma como nos filmes de James Wan. Aqui é a realidade é mais cruel das fantasias. O terror é provocado pelo suspense, pela crueldade, pela fragilidade e por um sensação eterna de impunidade diante das justiças. Jayro Bustamante é um grande diretor, espero ainda ver muito de seus filmes.
Druk: Mais Uma Rodada
3.9 798 Assista AgoraComunidade e Kursk não são lá essas coisas. Comunidade é tedioso. Kursk é uma propaganda anti-russa. Mesmo assim, Thomas Vinterberg é um dos meus diretores favoritos. Drunk é um filme qual todo o possível alcoólatra deveria ver. Um filme sobre como o alívio alcoólicoé utilizado para curar nossas frustrações e vazios. É engraçado, mas não terminamos o filme sorrindo, mesmo a última cena sendo uma festa.
Judas e o Messias Negro
4.1 517 Assista AgoraJudas e o Messias Negro tinha tudo para ser uma excelente obra, mas se perde em dois pontos. Primeiro, ao invés de thriller político é um filme policial, existe política, mas o filme transforma a luta de classes em uma disputa de gangues. As discussões são boas, mas pouco sabemos sobre os conflitos, motivos e divergências. Entendemos o racismo e sabemos superficialmente sobre o movimento. Segundo, o protagonista não é o protagonista, ele é quase um coadjuvante. O antagonista eh mais importante e isso determina o tom do filme. É forte, afinal os Panteras Negras em legítima defesa defendiam o armamento do povo. Logo, ao invés de fazer como Freixo, que fica pedindo proteção para polícia, eles defendiam a auto-defesa e o armamento do povo. Eles defendiam os seus, eram revolucionários, não reformista O filme abraça a narrativa policial para não explicar a política. Não quer criar desafetos, nem mostrar contradições que possam contradizer os movimentos atuais. Ele quer agradar todos e participar do sistema. Como filme de Spike Lee sobre Malcon X e o filme do Clint Eastwood sobre Mandela, eles apagam o passado comunista e radical e os utilizam como propaganda reformista e conciliatória.
Invasión
3.9 6Em 1978, durante a ditadura militar argentina, o filme INVASIÓN dirigido por Hugo Santiago acabou se perdendo. Em 2004 ele foi finalizado e depois restaurado. O roteiro conta com a colaboração de dois gigantes da literatura argentina, Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Ricardo Aronovich é o fotografo. O filme carrega nas frases dos personagens a densidade de seus roteiristas. A Obra parece um filme policial, ficção cientifica ou drama político. Como todo grande filme sempre ultrapassa os limites do gênero. A obra foi um fracasso de bilheteria, mas um sucesso de crítica. Foi premiado em Cannes e até recentemente ficou esquecido. Uma excelente obra do cinema fantástico, que precisa ser vista e revista.