O Poço — Crítica — (Netflix, 2020) – Clube de Cinema Outubro
O Poço trata sobre um sistema prisional vertical, os presos são designados para um determinado nível e forçados a racionar alimentos a partir de uma plataforma que se move entre os andares. Em teoria, caso todos colaborem e comam somente o necessário, não faltaria comida. Não existem carcereiros e cada detento mantêm contato direto apenas com o colega de cela.
A ideia do Poço é forçar a solidariedade e a empatia dos prisioneiros, em um sistema que obrigue todos a colaborar para sobreviver. O problema é o experimento não pensar que as condições moldam a consciência. Quando as pessoas estão em cima e recebem os alimentos primeiro, não pensam em quem está embaixo e vice e versa. O filme aponta para duas alternativas, sem afirmar nenhuma: ou as pessoas nascem boas e o meio as corrompe ou nascem corrompidas e se aproveitam do status social.
Os andares Para o filme, o andar de cada prisioneiro é mais que um status social, é um forma de isolamento político. Na visão dos autores não existe saída, a barbárie vivida pela população não a empurra à organização ou à revolta, mas ao egoísmo. Quando Trimagasi, Zorion Eguileo, diz para Goreng, Ivan Massagué, não falar com os de cima, nem com os debaixo, pois ambos não irão ouvir, ele está dizendo que não importa em que lugar da pirâmide nos encontramos, pensamos apenas em nós mesmos.
O roteiro apresenta a desigualdade e a miséria como responsabilidade de todos, assim como a violência. Independente do andar qual nascemos, devemos lutar contra o gene egoísta que nos torna indiferentes e sermos responsáveis. A administração poderia ser uma metáfora do Estado, mas está mais próxima de Deus, pois é quem escolhe, sem mostrar a face, onde cada um vai “nascer” e sem explicar o motivo de seus desígnios.
Sem saída A ausência da perspectiva política é mostrada quando o filme critica o “capitalismo”, mostrando os de cima como consumidores desenfreados, mas critica o “socialismo” caindo no velho clichê de ser impossível a redistribuição devido ao egoísmo das pessoas. A piada sobre Goreng ser comunista não é casual.
Se deus decide nosso lugar na pirâmide do poço não temos como explicar nossa mobilidade social, a não ser pela vontade divina. Não tendo perspectiva política, o filme apela para o divino. A descida ao fundo e o envio da mensagem podem também ser vistas como mensagens políticas, mas não são reações coletivas, nem de revolta, são apelos religiosos para um problema político.
Ao fim, temos uma boa produção de entretenimento. Algo que vale a cerca de uma hora e meia, mas que muito provavelmente será esquecida logo após ser vista.
Kingdom, série Coreana sobre Zumbis é um bom entretenimento. Zumbis estão saturados no mercado e novas leituras são desafiadoras. Achei interessante a primeira temporada ter apenas um diretor e a segunda dois, séries americanas tem vários e os produtores cuidam para manter o tom. A série é divertida pela cenas de ação, sempre bem executadas, mas também o roteiro não deixa a desejar. Uma planta é usada para trazer os mortos a vida, o que se torna uma praga, pois infecta a população do país. Você tem a corrupção do estado, uma família rica tentando controlar o reinado e o povo passando fome. Os personagens femininos tem força, sem precisar mostrar isso como se fosse uma cota, vilãs e mocinhas, todas cumprem destaque no roteiro. Agora, não procure arte onde não há, se gosta de zumbi e filmes de ação orientais, assista! Pois não se arrependerá.
O filme consegue mostrar bem a situação da mulher impedida de ter liberdade sexual e obrigada a casar, mesmo quando não existe amor. Afinal, uma mulher solteira não era, em alguns lugares ainda não é, algo aceitável. O que mais me intriga no filme é como o personagem é condenado por sua família, principalmente pela irmã. A condenação é justa, mas parece uma tentativa da sociedade, aqui representada família do rapaz, em tentar da um choque no homem que tem atitudes como o do personagem. Também, em refletir sobre como a situação financeira pode causar problemas nas famílias, obrigadas a se amontoar em uma casa só. É um boa obra, uma boa reflexão.
Jóias Brutas — Crítica — Clube de Cinema Outubro Produzido pela Netflix, fruto de uma parceria com a produtora de Adam Sandler, Jóias Brutas é um drama com críticas positivas que rendeu uma grande especulação sobre uma possível indicação do ator ao Oscar. A atuação de Sandler, conhecido pelas comédia é realmente boa, mas não memorável, não suficiente para se igualar a outros atores indicados a premiação em 2020, nem para superá-los.
No filme, Adam Sandler interpreta Howard Ratner, um judeu vendedor de jóias cheio de dívidas e com problemas familiares. Logo nas primeiras cenas percebemos como o ator carrega toda a carga de outros personagens, os gritos, o jeito escandaloso e sem noção está presente no filme. É como se o arquetípico do ator fosse adaptado da comédia para o drama, carregando um certo maneirismo, uma forma de agir.
A construção do personagem de Sandler aqui é semelhante ao filme Os Meyerowitz. Em jóias brutas ele é um vendedor de Jóias larápio, alguém tentando conseguir dinheiro fácil, sem uma boa relação com filhos, nem com a mulher e a amante. Pelo desejo alucinado de ascensão acaba magoado quem o ama e se metendo em problemas. Similarmente, no outro filme ele interpreta um pianista manco que não conseguiu fazer carreira, nem se manter financeiramente e por isso é obrigado voltar a viver com o pai.
Os dois personagens seguem a mesma estrutura dos personagens de Sandler na comédia, fracassados profissionalmente e com problemas familiares. O drama segue o estilo do Stand-up, o ator não faz piada com o mundo exterior, mas interior. Na comédia e no drama é ele o centro da narrativa, seus defeitos e problemas. Isso não é novo, nem um problema, mas é preguiçoso por parte do ator utilizar o “mesmo tipo de personagem” em todos os filmes.
Joia Bruta A atuação de Sandler me fez recordar da frase de Sérgio Leone sobre Clint Eastwood ( crítica do novo filme do cineasta). Segundo o diretor italiano, Eastwood tinha duas expressões, uma com chapéu e a outra sem. A frase nasceu da colaboração do diretor com o ator (fonte aqui). Diante de todo o exagero do Western Spaghetti, Clint resolveu exagerar as avessas, criou um personagem sem emoções. O contraste o influenciou pelo resto de sua carreira como cineasta e ator.
Diferente de Eastwood que criou uma forma para atuar em um ambiente exagerado, Sandler é o centro do exagero, no drama ou na comédia, ele não consegue despir o personagem que carrega consigo durante toda a carreira. Agora, nem sempre isso é ruim, um cineasta com talento para dirigir atores sabe como aproveitar o melhor, inclusive de profissionais medíocres.
Jóias brutas não é um filme ruim, muito pelo contrário, a obra tem sua força, mas não é uma obra prima, nem um filme imprescindível. Os diretores, Ben Safdie Joshua Safdie tem o mérito de conseguir utilizar de toda a caricatura do ator para produzir uma obra que impressiona os olhares desatentos e não muito exigentes.
Leia nosso texto sobre o filme vencedor do Oscar na categoria de Melhor Documentário, Indústria Americana.
No Resgate do Soldado Ryan um soldado diz que a guerra purifica a alma, Além da Linha Vermelha, um diz que ela destrói. Acabei de ver To the Ends of the worlds, um filme de guerra interessante, mas que me pareceu desnecessário em sua violência explícita. O filme não trata a guerra de maneira heróica, como Spilberg, nem existencial como Malick. Vai aos extremos violência sem razão e um personagem de Gerard Depardieu tentando convencer o soldado a voltar para casa e formar a família. É bom, mas não agradou.
Gosto de como a personagem principal cresce durante as três temporadas de Anne With An, de como ela aprende juntos com os personagens. Rachel, Marília e Mathew não são os mesmos da primeira temporada. Eles mudam e ela os fez mudar. É emocionante com o Mathew sempre tão sensível aos desejos e impulsos de Anne age quando percebe que ela vai ficar longe. Anne With An é uma boa série, mesmo nos exageros dos personagens. Afinal, Anne deve ter enchido um mar de lágrimas, mas quando lembramos de tudo que ela passou, talvez esse mar seja apenas um lago. Quando seus amigos precisam, quando é preciso fazer aquilo que é certo, ela não reluta. Anne acolhe o mundo, como foi acolhida. É interessante notar como a a série possui um tom paternalista, os conflitos são sempre resolvidos por meio da comoção. Tudo com muita imaginação que, talvez seja a parte mais bonita da série. A forma como ela imprime a poesia ao mundo que ela vive. A forma como os problemas do racismo e das mulheres é tratado de maneira natural na dramaturgia. Os discursos e as defesa das ideias e a luta por mudança é carregada com muita contradição, como é na vida.
Triste Anne não continuar, mas mesmo assim, Anne mostra todo o potencial de um melodrama adolescente. Algo que outras série, como titãs ou Sabrina parecem não perceber.
Indústria Americana — Crítica — (Netflix, 2019) – Clube de Cinema Outubro Ao receber o prêmio de melhor Filme Documentário por Indústria Americana, Julia Reichert citou Karl Marx e Friedrich Engels: “trabalhadores do mundo uni-vos”. A frase dos fundadores do comunismo, talvez decepcione os que torceram contra Democracia em Vertigem (crítica aqui) por ser um filme da “esquerda”. O longa dirigido conjuntamente com Steven Bognar trata sobre o que aconteceu em 2014, quando a Fuyao, empresa chinesa de vidros, reativou uma antiga fábrica da General Motors na periferia de Dayton, Ohio.
O Documentário não utiliza narração off, nem cenas de arquivo, toda a obra é narrada a partir da montagem com imagens captadas pelos próprios cineastas. Os personagens falam e o montador costura. É como se todos falassem em sequência e a narrativa fosse única. Isso passa uma impressão de neutralidade, como se não houvesse intervenção dos produtores no direcionamento das ações dos personagens ou em suas respostas.
Todavia, quem assiste Indústria americana com um pouco mais de atenção, percebe não apenas uma denúncia da exploração dos trabalhadores, mas uma defesa do modo de vida americano. De fato, existe crítica a China, entretanto, carregada de frases sobre um passado dourado, quando os americanos não eram “tão explorados” e os patrões tinham “respeito” pelos funcionários. É interessante observar que as críticas feitas pelos operários de Ohio é a mesma feita por trabalhadores latinos sobre empresas americanas.
Irônia Soa um tanto irônico quando um brasileiro assiste, afinal as empresas americanas quando instaladas em nosso solo recebem incentivo dos governos, não respeitam nossas leis trabalhistas, poluem a natureza e também não querem permitir a liberdade das organizações sindicais. Toda a exploração e abuso denunciado pelos documentários cometidos pelos empresários chineses é certamente parte do cotidiano de qualquer operário empregado de uma empresa americana, no México ou no Brasil.
Antes de mais nada, é preciso entender que o olhar focado pelos documentaristas expõe apenas a “selvageria” dos empresários chineses. Isso os coloca na mira dos ataques. Essa forma de filmar e contar a história também não permite interpretação dos fatos. Inegavelmente a china possui hoje condições de trabalho análogas a trabalho escravo e isso não era um problema até a lei americana perceber que as empresas chinesas querem aplicar o mesmo método de trabalho em seu território.
Ponto de vista Esse é o grande plot do documentário, pois após mostrar os chineses reerguendo uma empresa falida, em lugar conhecido como cinturão da ferrugem mostra eles tentando burla as leis e impedir os trabalhadores organizarem um sindicato. Aqui o filme cai em uma dicotomia, as viagens à China e a diferenciação do trabalhador chinês e do trabalhador americano, mostram a diferença entre uma democracia liberal e um estado ditatorial.
Ou seja, aqui existe liberdade e lá não. O discurso do filme parece uma tomada de consciência por parte de um setor da elite norte-americana da precarização do trabalho. Desde que a crise de Wall Street em 2008 explodiu, os capitalistas e investidores empurram o salário dos trabalhadores para baixo. O custo brasil tem os salários e direitos como um dos grandes “entraves” para o “crescimento”.
Os trabalhadores americanos, mais qualificados e com maior acesso a tecnologia, não estão livres desse achatamento salarial. Uma fala constante no documentário é quanto o salário em seus antigos empregos era maior. Enfim, o sentimento passado pelo filme é uma empatia por todos que sofrem com as mudanças chinesas. Todos são vistos sob o mesmo ponto de vista.
Quando colocamos todos no mesmo patamar, os eximimos de culpa e responsabilidade. Todos parecem vítimas do sistema. Esse tom Downton Abbey ao filme, como disseram os cineastas, explica o interesse do casal Obama na obra. O discurso marxista fica para as premiações, entrevistas, mas não para o filme que parece defender um estado de bem-estar social em contraste com a barbárie chinesa.
Julia Reichert e Steven Bognar vencedores do oscar de melhor documentário 2020 Os cineastas Julia Reichert e Steven Bognar recebendo a premiação no Oscar 2020 por Indústria Americana Casal Obama & Indústria americana A ironia aumenta quando descobrimos que uma das empresas produtoras do documentário é a Higher Ground de propriedade do casal Obama. O filme leva o selo do ex-presidente americano, mesmo sem ter participado da criação ou produção do filme. De acordo Reichert e Bognar, em entrevista ao HUFFPOST, Indústria Americana já estava pronto quando eles foram procurados pela Netflix e a empresa dos Obama.
Entre a citação de Marx e o selo dos Obama propõe a solução para resolver os problemas dos trabalhadores:
“Nosso filme é de Ohio e da China, mas podia ser de qualquer lugar do mundo, onde as pessoas colocam uniforme e batem o ponto para dar o melhor para sua família. As coisas vão melhorar quando todos os trabalhadores, independente de que país sejam, se unirem. Obrigado à Academia e todos que confiaram na gente, obrigado também à Netflix”, concluiu.
João Diego é jornalista formado no Bom Jesus Ielusc, em Joinville. Especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná e escreve sobre cinema há quatro anos No blog Clube de Cinema Outubro
Jojo Rabbit (Taika Waititi, 2020) – Crítica – clube de cinema outubro “Você não é um nazista, apenas um garoto de uniforme que deseja fazer parte de um clube”. Essa frase do filme Jojo Rabbit, marca o tom da obra, que apesar de ter o nazismo como parte integrante da narrativa, trata muito mais sobre família e amadurecimento. Com doses de humor e seriedade, o cineasta quer mostrar a transformação de uma criança em adolescente que começa a perder as ilusões nas fantasias e caminhar em direção a vida adulta.
A falta…
A trama segue o solitário garoto alemão chamado Jojo (Roman Griffin Davis). O menino sonha em ser guarda pessoal de Hitler, mas não tem certeza do quanto “bom” é o nazismo. Em meio essas confusões, ele conversa com seu amigo imaginário, Adolf Hitler, interpretado por Taika Waititi. Para Jojo, Adolf representa a ausência de afeto paterno, pois seu pai foi lutar na guerra e ele não sabe se está morto ou desertou. É também uma projeção de tudo que ele almeja ser: alguém importante e amado por todos.
A imagem extremamente ingênua do menino sobre o nazismo pode ser explicada pela sequência no acampamento. Nessas cenas estão as críticas aos delírios nazistas. O uniforme, as facas, a queima de livros, mas principalmente a explicação sobre como os judeus seriam monstruosos, com chifres e rabos. Logo, para uma criança sem amigos, órfã de pai e morando sozinho com a mãe, todos os excessos nazistas pareciam maravilhosos e aceitáveis.
Jojo Rabbit se passa no fim da histeria hitlerista, quando Berlin está prestes a ser invadida pelos aliados. Apesar de ser o fim da guerra, o menino vive dentro das ilusões de um futuro onde a raça ariana dominaria o mundo. A mãe, Rosie Betzler, interpretada por Scarlett Johansson, o mima, não quer contar a verdade sobre o mundo, pois teme decepcioná-lo e o acha frágil demais para realidade. Além disso, ela teme a vigilância nazista.
As ilusões de Jojo
Esse ponto de vista ilusório de Jojo reflete na fotografia do filme, Berlin pode não estar na mira dos canhões, mas não era a maravilha do mundo. O filme monstra pobreza e miséria, mas não de maneira fria, as cores quentes da iluminação, os uniformes e os espaços coloridos e até um Hitler simpático, amenizam a violência da imagem. A criança não consegue ver os feridos e amputados, nem os enforcados. Ela está cega pelo desejo de ser tornar parte do “clube nazi”, pois é a única forma de curar o sentimento de vazio.
É engraçado como os personagens masculinos são bobos no filme. Além de Jojo, que descrevemos anteriormente podemos ver o quão tonto é o Captain Klenzendorf, interpretado por Sam Rockwell. Diante da invasão inimiga, a única coisa que o capitão pensa é em como seu uniforme estará bonito. Os oficiais da Gestapo são cruéis na aparência, mas também incrivelmente idiotas. Em contraste com as mulheres, a mãe de Jojo e a jovem judia Elsa Kor, interpretada por Thomasin McKenzie, são as personagens mais inteligentes e menos emotivas.
Tudo começa a mudar com Jojo quando descobre a jovem judia Elsa Kor escondida no sótão da casa. Elsa confronta Jojo em suas crenças, primeiro por ela não ter chifres e nem rabo, segundo por ser bonita, terceiro por ela deixá-lo confuso diante de tudo que lhe ensinaram sobre o nazismo e judeus. Aí ele percebe que a mãe mentia, que o Captain Klenzendorf não é tão nazista assim e que seu melhor amigo é York, interpretado por Archie Yates e não Aldof Hitler.
Taika Waititi, como Adolf Hitler e Roman Griffin Davis, como Jojo É nos momentos mais tristes do filme, quando Jojo se sente abandonado que ele percebe o quanto não é mais criança. As cenas de guerra destroem não apenas a cidade, mas suas ilusões infantis, nazistas, mas mesmo assim infantis. A criança se despede do nazismo como alguém que começa a descobrir a vida adulta por meio do amor. Os jogos e as brincadeiras do clube nazista perdem a importância quando ele conhece Elsa. Ela lhe convence a deixar o ódio.
Ao fim, Taika Watiti demonstra por que é um dos diretores com maior potencial em Hollywood. Jojo Rabbit e a incrível aventura de Rick baker são filmes autorais, que não se encaixam em um determinado gênero, mas conseguem nos fazer rir e chorar com a mesma intensidade.
João Diego é jornalista formado no Bom Jesus Ielusc, em Joinville. Especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná e escreve sobre cinema há quatro anos No blog Clube de Cinema Outubro
A terceira temporada do Mundo Sombrio de Sabrina me pareceu perder o encanto da descoberta. O legal na série era o fato de ela ficar dividida, enfrentar o mundo novo e tentar descobrir o mundo. Gosto de como trata a violência de forma adulta, mas como titãs Sabrina parece tratar apenas a violência de forma adulta, no restante a série continua um novelão. Personagens em excesso e tempo de mais perdido em assuntos fúteis. Pena, pois é mais uma série que talvez eu não acompanhe, mas que eu tinha grande expectativa.
A nova série sobre a mitologia Nórdica é legal, mas apenas 6 episódios desanima. A série parece não ter pressa em explicar todas as ideias expostas, pois ficaram muitas pelo caminho. Outro problema é que tudo caminha para uma luta de antigos deuses em mundo moderno. É um Deuses americanos, sem filosofia, Neil Gaimam de showrunner e em uma escola de ensino médio. Tem tudo para ser mais um novelao adolescente.
Perdi Meu Corpo — Crítica — (Netflix, 2019) — Clube de Cinema Outubro Ao ler o título do filme pensamos em uma história de terror ou ficção científica, como se a alma tivesse descarnado do corpo e vagasse por aí. Após assistir ao trailer e ler a sinopse, descobrimos algo bem diferente. Perdi Meu Corpo trata sobre a nossa percepção do mundo, escolhas, destino e sobre como tudo isso molda nossa personalidade. Um longa voltado acima de tudo para o existencialismo..
Fragmentado O roteiro de Perdi Meu Corpo trata sobre Naoufel (Hakim Faris) um jovem apaixonado por Gabrielle (Victoire Du Bois) e uma Mão decepada com vida própria. A trama acompanha esses dois personagens de maneira não linear. Enquanto a mão caminha pela cidade, vemos a vida do jovem passar. As primeiras cenas acompanhamos seu crescimento e as dificuldades em lidar com os problemas da vida adulta, enquanto a Mão tenta sobreviver com os perigos da cidade
Todo roteiro parece trabalhar por meio da sutileza, a narrativa não quer explicar a história, mas mostrá-la e deixar o espectador completar a trama. As falas são resumidas, sem grandes diálogos, mas as cenas carregam uma grande força. A Maioria é construídas por meio de planos detalhes ou closes. Isso deixa as mensagens mais sugestiva, percebemos a mudança na vida de Naoufel em pequenos fragmentos do filme: O braço quebrado, a praia, os óculos no chão e a mosca.
O ritmo do filme é ditado pela distância dos planos, as cenas mais tensas e mais rápidas são as mais próximas, as da Mão, por exemplo. Entretanto as mais lentas e melancólicas são as mais distantes e abertas, como a que ele conversa com o chefe ou entrega a pizza no prédio. Descansamos os olhos na abertura da objetiva e os temos tensos quando está cada vez mais próxima.
Indiferente do plano, o filme parece ser contado de um ponto de vista fragmentário. São poucas as cenas que dizem tudo em um grande plano aberto. Os ângulos sempre restringem nosso campo de visão. Em algumas cenas do pai e da mãe Naoufel não conseguimos os ver por inteiro, nem o local onde eles estão. Isso nos provoca uma sensação de desconforto, esperando um ângulo contrário ou um plano que mostre mais.
Membro Fantasma A jornada da Mão pela cidade em busca do seu corpo não é nada aterrorizante, nem grotesco, ao contrário sentimos empatia e torcemos pelo êxito. Os momentos mais tensos do filme estão justamente na busca da mão pelo seu corpo, pulando de prédios, enfrentando ratos e cães. Em nenhum momento se explica explicitamente o motivo da mão estar onde está e ir onde ela vai, nem porque ela consegue estar viva sem um corpo. Mas isso não importa.
Embora o filme não trate diretamente do assunto, a Mão é uma inversão do trauma do membro fantasma. Quando uma pessoa com partes do corpo amputadas ainda sente a presença do membro ou do órgão extirpado. É como se nosso corpo não compreendesse como ficamos sem braço, algo que sempre estivemos ligados, como não podemos correr ou escrever com a mão direita. O membro arrancado não retira toda nossa vivência, aprendizado e nossos sentimentos de memória (Mais sobre o assunto aqui).
A Mão vive um trauma do corpo fantasma, não importa onde esteja o corpo, ela o sente e precisa encontrá-lo. A sensação pode ser comparada com a perda de alguém que amamos, nunca poderemos substituir essa pessoa, mas também não conseguiremos esquecê-la, infelizmente, muitas vezes, acaba nos sobrando apenas dor.
Perdi Meu Corpo está disponível na Netflix e disputa o Oscar de melhor animação em 2020.
Leia também nossa crítica sobre Democracia em Vertigem (Critica aqui), filme Brasileiro que disputa o Oscar de Melhor Documentário.
Texto publicado especialmente para Folha Norte SC.
Crítica – 1917 (Sam Mendes, 2020) – Clube de Cinema Outubro O filme 1917 do diretor inglês Sam Mendes é uma experiência imersiva na primeira grande guerra mundial. A obra transporta os espectadores para o ambiente angustiante da guerra das trincheiras, onde túneis e corredores confinam nosso olhar em um espaço claustrofóbico e ratos caminham normalmente por todos os lados. A sucessão de acontecimentos nos impede de piscar e respirar, nos resta então assistir ao esforço do personagem principal em tentar cumprir sua missão.
Não importa em quantos planos-sequência o filme está dividido, o importante é habilidade do diretor e fotógrafos em nos mostrar um plano único, mesmo isso não sendo verdadeiro. No cinema, o importante não é como fazemos, mas como mostramos aquilo que fizemos. Segundo o diretor, o roteiro de 1917 se baseia no relato que seu avô, Alfred Mendes, lhe fez na infância (matéria completa aqui). O relato era apenas a história de um soldado com uma mensagem, nada mais.
Ou seja, nenhum personagem do filme realmente existiu nem a batalha da forma como foi contada. Mendes junto ao diretor de fotografia Roger Deakins, cria uma obra com a qual os espectadores se sentem dentro do filme. A Câmera em plano continuo age como o olhar de um acompanhante. É como se a câmera fosse o terceiro personagem escolhido para levar a mensagem até seu destino.
Apesar da ficção, baseada de maneira bem distante da realidade, não podemos esquecer de nos questionar sobre o sentido do filme. Mais de 17 milhões de pessoas morreram na Primeira Grande Guerra Mundial para as potências imperialistas decidirem quem ficaria com qual colônia e qual fronteira seria imposta. O conflito levou ao sofrimento milhões de pessoas apenas para garantir a rapinagem da classe dominante.
Nesse sentido, o filme de Mendes não discute razões da guerra, mas toma partido de forma implícita por meio do personagem principal, o Cabo Schofield (George MacKay, de Capitão Fantástico e Orgulho e Esperança, qual a crítica está aqui). Para ele, a guerra é o que lhe tirou a família, lhe mantém distante de tudo e pode lhe impedir de nunca voltar para casa. Se existe um sentido para estar na irracionalidade desse conflito é salvar vidas e sobreviver. Entretanto, o sofrimento vivido pelo personagem parece vazio, pois ao fim, não sabemos para onde ele vai nem se vai sobreviver, não quantas pessoas ele conseguiu. A guerra não acabou e ele não sabe se vai voltar para casa.
A experiência é visual, que lembra muito um game de ação. Quando lembramos dos longos planos-sequência, isso não parece como os jogos? Não lembramos de The Last Of Us ou GTA? Pois acompanhamos um personagem, ocorre uma sucessão de eventos, nos obrigam a tomar decisões rápidas, mas também tem momentos de alívio, quando descansamos os olhos e as mãos. A entrada na trincheira introduzindo o ambiente de guerra, passando pelos arames, o trauma com o amigo, o caminhão, a cidade destruída. Isso não parece um game? É pelo menos a sensação que fica após o fim, a mesma de ter terminado um jogo.
João Diego é jornalista formado no Bom Jesus Ielusc, em Joinville. Especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná e escreve sobre cinema há três anos No blog Clube de Cinema Outubro
Não gosto das séries da DC, pois elas são um novelão adolescente. Titãs parecia diferente, mas a segunda temporada parece seguir a regra. O centro da trama são as relações familiares e a crise de identidade. Não acho essa motivação ruim, mas a forma como ela é tratada, sempre no privado em longos diálogos, justificando culpa ou pedindo perdão. As coreografias das lutas também são extremamente ruins, devido ao uso excessivo de dublês. A série poderia ser melhor, Mutano e Dicky, Robin/Asa Noturna, são personagens deverás interessantes, mas com texto muito melodramáticos. Bruce Wayne também é bem legal, mas ele aparece excessivamente, o ator é excelente e consegue fazer jus ao papel de um pai/mentor, mas fica muito chato as longas aparições. Sinceramente não sei se verei a terceira temporada, mas é uma pena, a série tinha tudo para ser uma produção mais madura.
Dirigido pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles, Dois Papas trata sobre redenção e busca por paz espiritual. Apesar do nome, o filme não conta a história de dois Papas de maneira igual. A obra é dedicada, em grande parte, na ascensão de Jorge Mario Bergoglio ao papado. Bento está na história como um mentor, um antagonista, mas não divide o protagonismo com Francisco. Por isso, chamar o filme de Dois Papas passa uma impressão pouco equivocada, mas revela muito do sentido qual os produtores desejam transmitir.
O cineasta brasileiro Fernando Meirelles e o roteirista Anthony McCarten parecem interessados em criar uma obra de redenção, não um filme de perdão, mas de esperança. O roteiro cria então um conflito, um antagonismo entre os dois Papas. Interpretado por Anthony Hopinks, Bento seria alguém conservador, um intelectual, dedicado aos estudos e seguidor das tradições. Enquanto Francisco seria alguém mais flexível, aberto a compreensão das mudanças do tempo, buscando um novo diálogo. Eles aparentam estar em lados oposto, um ser “progressista” e outro “conservador”, mas estão juntos na busca pela paz espiritual. Os dois personagens acreditam não serem dignos dos desígnios de Deus, nem das tarefas coloca por Ele. Estão arrependidos dos erros e buscam uma forma de encontrar a melhor saída para a igreja.
Também explica o porquê mostrar os escândalos de pedofilia e a corrupção no Vaticano de forma passageira. Não é um filme sobre as disputas internas da igreja, nem sobre os bastidores do poder no Vaticano, mas sobre redenção. Isso define os planos, as locações e todo o lugar onde se passa a história e quem são os personagens coadjuvantes. Esse retrato intimista mostra a política movida pelos sentimentos, não por pressão ou luta entre grupos. Vemos isso, principalmente, quando Bento revela querer renunciar. Ele não trata sobre os problemas políticos, mas sobre a ausência da voz de Deus. É mais nítido sobre como o filme mostra a religião conduzindo as decisões do Vaticano, quando mostra o passado do cardeal Argentino e toda sua trajetória.
Aqui a humanidade de Jorge Mario Bergoglio, em ser pecador, em não ter defendido seus padres contra a ditadura Argentina que matou mais de 30 mil pessoas, em ter ficado em silêncio, mostra a religião com mais força. Afinal, quem acredita em um mundo pós morte, quem acredita na remissão dos pecados e no sacrifício de Jesus, acredita na possibilidade de perdão, não?
Independentemente do que digam os membros da igreja, o filme é uma propaganda positiva, podendo ser utilizada nos grupos de reflexão da igreja. Apenas os mais conservadores acharão a obra ofensiva. Meirelles e McCarten compuseram um filme sobre a redenção espiritual e a busca pela voz de Deus.
O filme concorre ao Oscar de melhor ator com Jonathan Pryce e melhor roteiro adaptado com Anthony McCarten.
João Diego é jornalista formado no Bom Jesus Ielusc, em Joinville. Especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná e escreve sobre cinema há três anos No blog Clube de Cinema Outubro
Não sei o que John Frevreau pretende fazer de sua carreira, o cara dirigiu Homem de Ferro, o filme que deu o ponta pé inicial nos blockbusters da Marvel, depois fez Mogli e Rei Leão, todos filmes pipoca, mas entre isso dirigiu o Chef, um filme em que ele atua e dirigi com um grande elenco. A obra não só eh bem dirigida, como nos poupa de reviravoltas comum em filmes voltados para assuntos de família. Não é uma obra prima, nem um filme que marca história, mas mostra potencial. Sinceramente, queria ver outras obras dele assim.
Clint Eastwood é um dos diretores que eu mais gosto. Os imperdoáveis e Gran Torino são filmes maravilhosos. Ontem assisti o caso de Richard Jewell, um grande filme. Primeiro, mostra as contradições de uma pessoa que acredita no estado e no governo como organizações sagradas. Segundo, por desmontar essas noções de maneira orgânica. Clint, como republicano que é, acredita no estado como um mal necessário e defende a liberdade dos cidadãos estarem contra ele. Mostra falhas no estado é um a forma de lembrar as pessoas o quanto a burocracia governamental e políticos estão atrás de interesses contrários à da população. O filme é uma paulada na mídia e no governo. Mostra Clinton em uma das cenas e mostra a mãe de Richard Jewell pedindo ao presidente para faz também parte da campanha eleitoral, implícita no filme.
Chernobyl ganhou o prêmio de melhor série ou telefilme no Globo de Ouro. A obra é excelente, em atuação, roteiro e suspense, mas como toda obra audiovisual baseada em fatos reais fico pensando no quanto não sei sobre o desastre e como a versão HBO é a versão oficial para muitas pessoas. Como as pessoas citadas é fatos ganham uma relevância que talvez não tinham. O episódio dos cachorros, por exemplo, foram mortos, mas matar todos os animais era algo impossível e foi deixado de lado. Apesar de adorar a série, eu fico pensando todos os dias no papel político do cinema em produzir um discurso político hegemônico e, muitas vezes, quase oficial.
The Witcher nos apresenta um universo de magia, um universo cheio de monstros e seres sobrenaturais. Logo, a primeira cena do primeiro episódio deixa isso claro. Quem não conhece os games ou livros, não precisa ter receio. A serie é uma obra independente, que não depende de epígrafe para ser compreendida. O roteiro mostra três personagens lidando com o destino que lhe é imposto. Os três tiveram algo robado. Gerald não escolheu ser bruxo, Yennifer foi vendida e Ciri teve seu sangue poderes imcompressiveis. Isso é conectado a luta contra aquilo que a sociedade, as instituições e a família quer que os personagens sejam ou façam. Temas como exílio, racismo, xenofobia se conectam com um mundo ambientado em sociedade semelhante a medieval. As cenas de luta são excelentes, não sei Henry Cavill treinou, não sei se usa dublê, mas os planos abertos deixam claro a dimensão da violência. A série faz tudo isso em cenas paralelas e criando flashbacks e flashforward.
Assisti todas as temporadas de GOT e demorou 4 temporadas para eu ver um dragão tocar o terror. Enquanto isso, vi gente pelada, muito penis, mais gente pelada e nenhuma grande batalha ou inverno chegar. Era uma masturbação sem fim que termino de forma precoce. A todo momento algo ia acontecer e não acontecia. Criava uma expectativa para logo em seguida frustrar. Em uma temporada de The Witcher teve cenas de guerra, magos, elfos, dois dragões e gente pelada. Na boa, The Witcher tem tudo para superar algo que apenas almejou ser bom.
PS: O Henry Cavill tah foda no papel de Gerald. Não li os livros, mas joguei o jogo, que acho ser um dos melhores dos ultimos tempos e toh bem feliz com a série.
Me canso das séries de comédia, pois elas não fazem da piada algo orgânico da trama. Esse é meu problema com Friends, Two and a Half Men e as séries de comédia da Warner, no geral. Parecem Stand Up colorido. As piadas são como em um jogo de ping pongue, bate e volta ou um jogo de vôlei, onde alguém precisa levantar para o outro sacar. Não há espaço para folego, o riso é provocado, ele não surge da naturalidade. Nesse sentido, Método Kominsky é uma boa surpresa. Primeiro, por ser do mesmo criador de The Big Bang Theory e Two and a Half Men; segundo pela quantidade de piada que ele faz com essas criações; terceiro por saber transitar entre a comédia e o drama, por colocar excelente atores juntos e sustentar a trama na atuação. Sandy, personagem de Michael Douglas, diz não existir diferença entre encenar drama e a comédia, quando o ator encena o texto, ele fará as pessoas rirem pela trama. Quando o personagem diz isso, ele critica as séries passadas do criador, mas fala também sobre a atuação do dueto protagonista da séries, Michael Douglas e Alan Arkin. Os mexicanos oscarizados Guáron e Del toro disseram que a netflix era o lugar onde eles podem fazer os filmes que a indústria não lhes permita, parece que isso também vale para as séries.
O novo filme da Netflix estrelado por Eddy Murphy é um grande retorno do ator e comediante. Murphy consegue trazer a tela todo carisma de seus personagens antigos com um humor mais adulto. Então, quem está acostumado com Professor Aloprado e Dr. Dolittle, pode ficar um tanto incomodado.
A obra é uma cinebiografia baseada na vida de Rudy Ray Moore, artista pioneiro no estilo de humor sexualmente explícito e no blaxploitation, movimento cinematográfico dos anos 70 com o objetivo de fazer filmes com atores e cineastas negros. Músico, comediante e cineasta, o filme mostra como Rudy Ray Moore ascendeu ao estrelato e se tornou Dolemite. A trama se passa nos anos 1970, em Los Angeles. Rudy é músico e comediante frustrado que trabalha como gerente de uma loja de discos, mas sonha em chegar ao estrelato. O roteiro não tem nenhuma grande reviravolta, não existe uma grande queda, um momento qual ele sofre para depois ressurgir. O filme já começa com Rudy insistindo no sonho, mas desmotivado pelos amigos e familiares. A narrativa segue os acontecimentos de modo natural, Ruddy passa de rapper e comediante Stand-up à cineasta, sem precisar amargar um grande período de pobreza. Dolemite é personagem criado por ele para representar suas performances. O modo como fala e gesticula no palco, lembra muito atuações de outros personagens negros, mas também lembra algo meio rapper, meio pastor. Isso com mais cores, uma peruca e bengala. Dolemite criou uma identidade para o negro no cinema e no humor. Os produtores brancos não entendiam por que as pessoas negras riam das piadas dele, mas mesmo assim investiram nos seus discos. Em uma época sem internet, o artista conseguiu romper diversas barreiras para chegar ao topo. Não bastava só Dolemite ser um humorista negro para negros, ele também teve algo de subversivo. O mais interessante na produção do filme é nos lembrar o papel da arte em nos obrigar a encarnar pessoas diferentes, viver culturas diferentes e aprender a ser diferente. Os roteiristas Larry Karaszewski e Scott Alexander são brancos, assim como o diretor Craig Brewer. Fico pensando na dificuldade deles em entender uma cultura, qual imagino não terem familiaridade. O fato de Eddy Murphy assinar a produção, talvez tenha ajudado a entender Dolemite e o humor negro. Mesmo assim, é importante lembrar que a arte nos provoca diferentes sentimentos estéticos e não devemos limitar ou dizer o que as pessoas podem ou não fazer. Dolemite é um personagem real que possui o arquétipo semelhante ao Saul de Better Call Saul ou ao João Grilo, no Alto da compadecida. Trabalhadores precarizados ou lumpens que dependem da criatividade e inteligência para sobreviver. Saul e João Grilo aplicam golpes, não são más pessoas, mas se esforçam para tentar conseguir viver. A semelhança dele com o personagem de Eddy Murphy, que vive na legalidade, é o gênio criativo e os contratempos da vida. O fim nunca é o fim para Saul, João Grilo ou Dolemite, eles sempre têm um plano elaborado para tentar superar as dificuldades. Nesse sentido a escolha do príncipe de Nova York para interpretar o personagem foi um grande acerto, Eddie Murphy sempre interpretou personagens de uma forma caricata, sempre levou para cada atuação um pouco de si. Ele é um grande Stars System entre os atores negros. Dolemite cria um personagem, mas também leva um pouco de si. Em muitos atores isso é um problema, pois toda a atuação parece a mesma, mas em Murphy não, pois esperemos ver ele fazendo isso, pois isso no cativa como cativava os fãs de Dolemite.
Algum dia no futuro, espero que em uma sociedade mais evoluída, pessoas perguntarão a professores de arte sobre qual motivo de adultos assistirem uma série sobre um cavalo que é um ator frustrado. Os estetas, críticos e professores dirão:
"O contexto qual o sentimento estético dessas pessoas era nutrido. Sem perspectiva de futuro, sem realização profissional e não conseguindo manter relacionamentos, esses indivíduos viam em Bojack um reflexo de si mesmas".
O motivo de terem assistido seis temporadas do cavalo bêbado, que acreditou ser péssimo em tudo, que magou várias pessoas durante a vida, era porque no fundo elas também eram assim. Infelizes, tristes e sem perspectiva. E principalmente por acreditarem que deveriam ser assim, assistir a série se tornou uma forma de buscar compreensão e, talvez, consolo.
O melhor filme do ano não é brasileiro, mas poderia ser. Parasita, do cineasta coreano Bong Joon-ho, poderia ser facilmente adaptado para o cenário brasileiro. Desigualdades sociais, falta de oportunidade, uma elite americanizada e a humilhação dos mais pobres são a linguagem universal do capitalismo. Quem vive em países onde esses problemas são evidentes irá se identificar com a narrativa da obra.
A trama narra a história de duas famílias, ambas compostas por quatro membros, com um filho e uma filha. A família Kim vive num apartamento no subsolo, com apenas a esperança de uma vida melhor. O pai falhou nos negócios, a mãe sonhava em ser atleta e nunca conseguiu. Já o filho e a filha fizeram o vestibular diversas vezes, sem sucesso. Em contraste, temos família do Sr. Park, que trabalha como CEO de uma empresa de TI, vive em um bairro de elite, tem uma jovem esposa, uma filha no Ensino Médio e o filho pequeno.
Durante o filme somos conduzidos do céu, onde vive a família rica no alto de um bairro de elite, e ao inferno, subterrâneo onde vivem os pobres. Na mansão, nossos olhos descansam no gramado verde, nas luzes claras e na visão espaçosa e limpa dos ambientes, enquanto no porão somos sufocados no escuro de um ambiente sujo. Quanto mais próxima do trabalho está a família pobre, mais longe ela parece estar da felicidade.
Ao mesmo tempo, eles nunca parecem pertencer ao lugar. Toda a gentileza dos empregadores com os empregados só ocorre devido ao contrato de trabalho. Não existe aqui um sentimento de amizade, mas a cordialidade de escravo e do sinhozinho. Os professores de artes e inglês dos filhos da família Park são recebidos como membros da família por prestarem um serviço.Não existe amizade além do vínculo contratual.
Quando o senhor Park fala sobre a importância de os empregados não cruzarem a linha para manter o bom convívio, ele não está falando do respeito mútuo, mas da submissão dos trabalhadores. Os empregados não devem questionar, não devem estar de mau humor, eles podem conversar, mas sem falar muito, nem interferir nas decisões do patrão. Os funcionários são quase da família, enquanto obedecem e se submetem aos desejos dos donos da casa.
A diferenças entre a família Kim e Park está também na psicologia dos personagens. Em um primeiro momento, poderíamos achar os ricos tolos e os pobres espertos, mas quando olhamos com mais atenção percebemos eles como produtos da classe social a qual pertencem. A origem da “tolice” de uns e da “esperteza” dos outros está ligada ao papel desempenhado por eles no sistema e em suas relações sociais.
Na primeira cena, a esposa de Park está bêbada. Ela passa o dia em casa sem nenhuma ocupação, enquanto o marido é viciado em trabalho. O filho mais novo apronta para chamar a atenção, enquanto a mais velha tem as crises, como qualquer adolescente. Apesar do dinheiro, eles não possuem uma estrutura sólida, então pagam qualquer profissional para resolver os problemas que eles não querem assumir. A cordialidade e o sorriso simpático escondem o autoritarismo e a falta de respeito com os funcionários. Tudo parece estar resolvido com o pagamento de horas extras.
Já a criatividade da família Kim é fruto da necessidade de sobrevivência. Eles não têm tempo a perder, então agarram todas as oportunidades que aparecem. Essa fome por uma vida melhor também os deixa descuidados, como observamos durante o filme, eles não são gênios, apenas se aproveitam da carência e da irresponsabilidade da família Park.
É difícil encaixar o filme dentro de um gênero específico, mas eu diria que Bong criou uma obra grotesca. Rimos de algo que nos deveria provocar lágrimas. O cineasta reuniu todos os exageros e absurdos de sociedade dividida em classes e compôs uma narrativa, na tela. É engraçado, mas imaginar que cada fragmento do filme é verdade em algum lugar do mundo nos provoca desalento.
“Estamos vivendo uma época em que o capitalismo é a ordem reinante e não temos alternativa. Isso no mundo inteiro. Na sociedade capitalista de hoje, existem castas que são invisíveis aos olhos. Nós tratamos as hierarquias de classe como uma relíquia do passado, mas a realidade é que ainda existem e não podem ser ultrapassadas”, explica o diretor e roteirista Bom joon-ho.
Apesar de estar em cartaz nas salas de arte e no circuito alternativo, Parasita como toda a filmografia de bong é composta de filmes populares. Hospedeiro (2006) seu filme de lançamento para o mundo, assim como Okja (crítica aqui) (2017), filme lançado na Netflix, são filmes para um circuito comercial. O fato de ter disputado Cannes várias vezes e vencido no ano passado com filmes assim, não é um demérito do cineasta nem do festival, mas mostra o quanto arte e entretenimento combinam, como podem render belas obras.
* João Diego Jornalista e especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná.
O Poço
3.7 2,1K Assista AgoraO Poço — Crítica — (Netflix, 2020) – Clube de Cinema Outubro
O Poço trata sobre um sistema prisional vertical, os presos são designados para um determinado nível e forçados a racionar alimentos a partir de uma plataforma que se move entre os andares. Em teoria, caso todos colaborem e comam somente o necessário, não faltaria comida. Não existem carcereiros e cada detento mantêm contato direto apenas com o colega de cela.
A ideia do Poço é forçar a solidariedade e a empatia dos prisioneiros, em um sistema que obrigue todos a colaborar para sobreviver. O problema é o experimento não pensar que as condições moldam a consciência. Quando as pessoas estão em cima e recebem os alimentos primeiro, não pensam em quem está embaixo e vice e versa. O filme aponta para duas alternativas, sem afirmar nenhuma: ou as pessoas nascem boas e o meio as corrompe ou nascem corrompidas e se aproveitam do status social.
Os andares
Para o filme, o andar de cada prisioneiro é mais que um status social, é um forma de isolamento político. Na visão dos autores não existe saída, a barbárie vivida pela população não a empurra à organização ou à revolta, mas ao egoísmo. Quando Trimagasi, Zorion Eguileo, diz para Goreng, Ivan Massagué, não falar com os de cima, nem com os debaixo, pois ambos não irão ouvir, ele está dizendo que não importa em que lugar da pirâmide nos encontramos, pensamos apenas em nós mesmos.
O roteiro apresenta a desigualdade e a miséria como responsabilidade de todos, assim como a violência. Independente do andar qual nascemos, devemos lutar contra o gene egoísta que nos torna indiferentes e sermos responsáveis. A administração poderia ser uma metáfora do Estado, mas está mais próxima de Deus, pois é quem escolhe, sem mostrar a face, onde cada um vai “nascer” e sem explicar o motivo de seus desígnios.
Sem saída
A ausência da perspectiva política é mostrada quando o filme critica o “capitalismo”, mostrando os de cima como consumidores desenfreados, mas critica o “socialismo” caindo no velho clichê de ser impossível a redistribuição devido ao egoísmo das pessoas. A piada sobre Goreng ser comunista não é casual.
Se deus decide nosso lugar na pirâmide do poço não temos como explicar nossa mobilidade social, a não ser pela vontade divina. Não tendo perspectiva política, o filme apela para o divino. A descida ao fundo e o envio da mensagem podem também ser vistas como mensagens políticas, mas não são reações coletivas, nem de revolta, são apelos religiosos para um problema político.
Ao fim, temos uma boa produção de entretenimento. Algo que vale a cerca de uma hora e meia, mas que muito provavelmente será esquecida logo após ser vista.
Texto pública na Folha Norte de SC
The Children of the Dead
2.8 2Um filme tão ruim, tão ruim que fico bom, muito bom.
Kingdom (2ª Temporada)
4.3 146Kingdom, série Coreana sobre Zumbis é um bom entretenimento. Zumbis estão saturados no mercado e novas leituras são desafiadoras. Achei interessante a primeira temporada ter apenas um diretor e a segunda dois, séries americanas tem vários e os produtores cuidam para manter o tom. A série é divertida pela cenas de ação, sempre bem executadas, mas também o roteiro não deixa a desejar. Uma planta é usada para trazer os mortos a vida, o que se torna uma praga, pois infecta a população do país. Você tem a corrupção do estado, uma família rica tentando controlar o reinado e o povo passando fome. Os personagens femininos tem força, sem precisar mostrar isso como se fosse uma cota, vilãs e mocinhas, todas cumprem destaque no roteiro. Agora, não procure arte onde não há, se gosta de zumbi e filmes de ação orientais, assista! Pois não se arrependerá.
Ainda Resta Uma Esperança
3.8 9O filme consegue mostrar bem a situação da mulher impedida de ter liberdade sexual e obrigada a casar, mesmo quando não existe amor. Afinal, uma mulher solteira não era, em alguns lugares ainda não é, algo aceitável. O que mais me intriga no filme é como o personagem é condenado por sua família, principalmente pela irmã. A condenação é justa, mas parece uma tentativa da sociedade, aqui representada família do rapaz, em tentar da um choque no homem que tem atitudes como o do personagem. Também, em refletir sobre como a situação financeira pode causar problemas nas famílias, obrigadas a se amontoar em uma casa só. É um boa obra, uma boa reflexão.
Joias Brutas
3.7 1,1K Assista AgoraJóias Brutas — Crítica — Clube de Cinema Outubro
Produzido pela Netflix, fruto de uma parceria com a produtora de Adam Sandler, Jóias Brutas é um drama com críticas positivas que rendeu uma grande especulação sobre uma possível indicação do ator ao Oscar. A atuação de Sandler, conhecido pelas comédia é realmente boa, mas não memorável, não suficiente para se igualar a outros atores indicados a premiação em 2020, nem para superá-los.
No filme, Adam Sandler interpreta Howard Ratner, um judeu vendedor de jóias cheio de dívidas e com problemas familiares. Logo nas primeiras cenas percebemos como o ator carrega toda a carga de outros personagens, os gritos, o jeito escandaloso e sem noção está presente no filme. É como se o arquetípico do ator fosse adaptado da comédia para o drama, carregando um certo maneirismo, uma forma de agir.
A construção do personagem de Sandler aqui é semelhante ao filme Os Meyerowitz. Em jóias brutas ele é um vendedor de Jóias larápio, alguém tentando conseguir dinheiro fácil, sem uma boa relação com filhos, nem com a mulher e a amante. Pelo desejo alucinado de ascensão acaba magoado quem o ama e se metendo em problemas. Similarmente, no outro filme ele interpreta um pianista manco que não conseguiu fazer carreira, nem se manter financeiramente e por isso é obrigado voltar a viver com o pai.
Os dois personagens seguem a mesma estrutura dos personagens de Sandler na comédia, fracassados profissionalmente e com problemas familiares. O drama segue o estilo do Stand-up, o ator não faz piada com o mundo exterior, mas interior. Na comédia e no drama é ele o centro da narrativa, seus defeitos e problemas. Isso não é novo, nem um problema, mas é preguiçoso por parte do ator utilizar o “mesmo tipo de personagem” em todos os filmes.
Joia Bruta
A atuação de Sandler me fez recordar da frase de Sérgio Leone sobre Clint Eastwood ( crítica do novo filme do cineasta). Segundo o diretor italiano, Eastwood tinha duas expressões, uma com chapéu e a outra sem. A frase nasceu da colaboração do diretor com o ator (fonte aqui). Diante de todo o exagero do Western Spaghetti, Clint resolveu exagerar as avessas, criou um personagem sem emoções. O contraste o influenciou pelo resto de sua carreira como cineasta e ator.
Diferente de Eastwood que criou uma forma para atuar em um ambiente exagerado, Sandler é o centro do exagero, no drama ou na comédia, ele não consegue despir o personagem que carrega consigo durante toda a carreira. Agora, nem sempre isso é ruim, um cineasta com talento para dirigir atores sabe como aproveitar o melhor, inclusive de profissionais medíocres.
Jóias brutas não é um filme ruim, muito pelo contrário, a obra tem sua força, mas não é uma obra prima, nem um filme imprescindível. Os diretores, Ben Safdie Joshua Safdie tem o mérito de conseguir utilizar de toda a caricatura do ator para produzir uma obra que impressiona os olhares desatentos e não muito exigentes.
Leia nosso texto sobre o filme vencedor do Oscar na categoria de Melhor Documentário, Indústria Americana.
Texto publicado na Folha Norte de SC
Os Confins do Mundo
3.4 13 Assista AgoraNo Resgate do Soldado Ryan um soldado diz que a guerra purifica a alma, Além da Linha Vermelha, um diz que ela destrói. Acabei de ver To the Ends of the worlds, um filme de guerra interessante, mas que me pareceu desnecessário em sua violência explícita. O filme não trata a guerra de maneira heróica, como Spilberg, nem existencial como Malick. Vai aos extremos violência sem razão e um personagem de Gerard Depardieu tentando convencer o soldado a voltar para casa e formar a família. É bom, mas não agradou.
Anne com um E (3ª Temporada)
4.6 571 Assista AgoraGosto de como a personagem principal cresce durante as três temporadas de Anne With An, de como ela aprende juntos com os personagens. Rachel, Marília e Mathew não são os mesmos da primeira temporada. Eles mudam e ela os fez mudar. É emocionante com o Mathew sempre tão sensível aos desejos e impulsos de Anne age quando percebe que ela vai ficar longe. Anne With An é uma boa série, mesmo nos exageros dos personagens. Afinal, Anne deve ter enchido um mar de lágrimas, mas quando lembramos de tudo que ela passou, talvez esse mar seja apenas um lago. Quando seus amigos precisam, quando é preciso fazer aquilo que é certo, ela não reluta. Anne acolhe o mundo, como foi acolhida. É interessante notar como a a série possui um tom paternalista, os conflitos são sempre resolvidos por meio da comoção. Tudo com muita imaginação que, talvez seja a parte mais bonita da série. A forma como ela imprime a poesia ao mundo que ela vive. A forma como os problemas do racismo e das mulheres é tratado de maneira natural na dramaturgia. Os discursos e as defesa das ideias e a luta por mudança é carregada com muita contradição, como é na vida.
Triste Anne não continuar, mas mesmo assim, Anne mostra todo o potencial de um melodrama adolescente. Algo que outras série, como titãs ou Sabrina parecem não perceber.
Indústria Americana
3.6 168Indústria Americana — Crítica — (Netflix, 2019) – Clube de Cinema Outubro
Ao receber o prêmio de melhor Filme Documentário por Indústria Americana, Julia Reichert citou Karl Marx e Friedrich Engels: “trabalhadores do mundo uni-vos”. A frase dos fundadores do comunismo, talvez decepcione os que torceram contra Democracia em Vertigem (crítica aqui) por ser um filme da “esquerda”. O longa dirigido conjuntamente com Steven Bognar trata sobre o que aconteceu em 2014, quando a Fuyao, empresa chinesa de vidros, reativou uma antiga fábrica da General Motors na periferia de Dayton, Ohio.
O Documentário não utiliza narração off, nem cenas de arquivo, toda a obra é narrada a partir da montagem com imagens captadas pelos próprios cineastas. Os personagens falam e o montador costura. É como se todos falassem em sequência e a narrativa fosse única. Isso passa uma impressão de neutralidade, como se não houvesse intervenção dos produtores no direcionamento das ações dos personagens ou em suas respostas.
Todavia, quem assiste Indústria americana com um pouco mais de atenção, percebe não apenas uma denúncia da exploração dos trabalhadores, mas uma defesa do modo de vida americano. De fato, existe crítica a China, entretanto, carregada de frases sobre um passado dourado, quando os americanos não eram “tão explorados” e os patrões tinham “respeito” pelos funcionários. É interessante observar que as críticas feitas pelos operários de Ohio é a mesma feita por trabalhadores latinos sobre empresas americanas.
Irônia
Soa um tanto irônico quando um brasileiro assiste, afinal as empresas americanas quando instaladas em nosso solo recebem incentivo dos governos, não respeitam nossas leis trabalhistas, poluem a natureza e também não querem permitir a liberdade das organizações sindicais. Toda a exploração e abuso denunciado pelos documentários cometidos pelos empresários chineses é certamente parte do cotidiano de qualquer operário empregado de uma empresa americana, no México ou no Brasil.
Antes de mais nada, é preciso entender que o olhar focado pelos documentaristas expõe apenas a “selvageria” dos empresários chineses. Isso os coloca na mira dos ataques. Essa forma de filmar e contar a história também não permite interpretação dos fatos. Inegavelmente a china possui hoje condições de trabalho análogas a trabalho escravo e isso não era um problema até a lei americana perceber que as empresas chinesas querem aplicar o mesmo método de trabalho em seu território.
Ponto de vista
Esse é o grande plot do documentário, pois após mostrar os chineses reerguendo uma empresa falida, em lugar conhecido como cinturão da ferrugem mostra eles tentando burla as leis e impedir os trabalhadores organizarem um sindicato. Aqui o filme cai em uma dicotomia, as viagens à China e a diferenciação do trabalhador chinês e do trabalhador americano, mostram a diferença entre uma democracia liberal e um estado ditatorial.
Ou seja, aqui existe liberdade e lá não. O discurso do filme parece uma tomada de consciência por parte de um setor da elite norte-americana da precarização do trabalho. Desde que a crise de Wall Street em 2008 explodiu, os capitalistas e investidores empurram o salário dos trabalhadores para baixo. O custo brasil tem os salários e direitos como um dos grandes “entraves” para o “crescimento”.
Os trabalhadores americanos, mais qualificados e com maior acesso a tecnologia, não estão livres desse achatamento salarial. Uma fala constante no documentário é quanto o salário em seus antigos empregos era maior. Enfim, o sentimento passado pelo filme é uma empatia por todos que sofrem com as mudanças chinesas. Todos são vistos sob o mesmo ponto de vista.
Quando colocamos todos no mesmo patamar, os eximimos de culpa e responsabilidade. Todos parecem vítimas do sistema. Esse tom Downton Abbey ao filme, como disseram os cineastas, explica o interesse do casal Obama na obra. O discurso marxista fica para as premiações, entrevistas, mas não para o filme que parece defender um estado de bem-estar social em contraste com a barbárie chinesa.
Julia Reichert e Steven Bognar vencedores do oscar de melhor documentário 2020
Os cineastas Julia Reichert e Steven Bognar recebendo a premiação no Oscar 2020 por Indústria Americana
Casal Obama & Indústria americana
A ironia aumenta quando descobrimos que uma das empresas produtoras do documentário é a Higher Ground de propriedade do casal Obama. O filme leva o selo do ex-presidente americano, mesmo sem ter participado da criação ou produção do filme. De acordo Reichert e Bognar, em entrevista ao HUFFPOST, Indústria Americana já estava pronto quando eles foram procurados pela Netflix e a empresa dos Obama.
Entre a citação de Marx e o selo dos Obama propõe a solução para resolver os problemas dos trabalhadores:
“Nosso filme é de Ohio e da China, mas podia ser de qualquer lugar do mundo, onde as pessoas colocam uniforme e batem o ponto para dar o melhor para sua família. As coisas vão melhorar quando todos os trabalhadores, independente de que país sejam, se unirem. Obrigado à Academia e todos que confiaram na gente, obrigado também à Netflix”, concluiu.
João Diego é jornalista formado no Bom Jesus Ielusc, em Joinville. Especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná e escreve sobre cinema há quatro anos No blog Clube de Cinema Outubro
Texto publicado na Folha Norte de SC
Jojo Rabbit
4.2 1,6K Assista AgoraJojo Rabbit (Taika Waititi, 2020) – Crítica – clube de cinema outubro
“Você não é um nazista, apenas um garoto de uniforme que deseja fazer parte de um clube”. Essa frase do filme Jojo Rabbit, marca o tom da obra, que apesar de ter o nazismo como parte integrante da narrativa, trata muito mais sobre família e amadurecimento. Com doses de humor e seriedade, o cineasta quer mostrar a transformação de uma criança em adolescente que começa a perder as ilusões nas fantasias e caminhar em direção a vida adulta.
A falta…
A trama segue o solitário garoto alemão chamado Jojo (Roman Griffin Davis). O menino sonha em ser guarda pessoal de Hitler, mas não tem certeza do quanto “bom” é o nazismo. Em meio essas confusões, ele conversa com seu amigo imaginário, Adolf Hitler, interpretado por Taika Waititi. Para Jojo, Adolf representa a ausência de afeto paterno, pois seu pai foi lutar na guerra e ele não sabe se está morto ou desertou. É também uma projeção de tudo que ele almeja ser: alguém importante e amado por todos.
A imagem extremamente ingênua do menino sobre o nazismo pode ser explicada pela sequência no acampamento. Nessas cenas estão as críticas aos delírios nazistas. O uniforme, as facas, a queima de livros, mas principalmente a explicação sobre como os judeus seriam monstruosos, com chifres e rabos. Logo, para uma criança sem amigos, órfã de pai e morando sozinho com a mãe, todos os excessos nazistas pareciam maravilhosos e aceitáveis.
Jojo Rabbit se passa no fim da histeria hitlerista, quando Berlin está prestes a ser invadida pelos aliados. Apesar de ser o fim da guerra, o menino vive dentro das ilusões de um futuro onde a raça ariana dominaria o mundo. A mãe, Rosie Betzler, interpretada por Scarlett Johansson, o mima, não quer contar a verdade sobre o mundo, pois teme decepcioná-lo e o acha frágil demais para realidade. Além disso, ela teme a vigilância nazista.
As ilusões de Jojo
Esse ponto de vista ilusório de Jojo reflete na fotografia do filme, Berlin pode não estar na mira dos canhões, mas não era a maravilha do mundo. O filme monstra pobreza e miséria, mas não de maneira fria, as cores quentes da iluminação, os uniformes e os espaços coloridos e até um Hitler simpático, amenizam a violência da imagem. A criança não consegue ver os feridos e amputados, nem os enforcados. Ela está cega pelo desejo de ser tornar parte do “clube nazi”, pois é a única forma de curar o sentimento de vazio.
É engraçado como os personagens masculinos são bobos no filme. Além de Jojo, que descrevemos anteriormente podemos ver o quão tonto é o Captain Klenzendorf, interpretado por Sam Rockwell. Diante da invasão inimiga, a única coisa que o capitão pensa é em como seu uniforme estará bonito. Os oficiais da Gestapo são cruéis na aparência, mas também incrivelmente idiotas. Em contraste com as mulheres, a mãe de Jojo e a jovem judia Elsa Kor, interpretada por Thomasin McKenzie, são as personagens mais inteligentes e menos emotivas.
Tudo começa a mudar com Jojo quando descobre a jovem judia Elsa Kor escondida no sótão da casa. Elsa confronta Jojo em suas crenças, primeiro por ela não ter chifres e nem rabo, segundo por ser bonita, terceiro por ela deixá-lo confuso diante de tudo que lhe ensinaram sobre o nazismo e judeus. Aí ele percebe que a mãe mentia, que o Captain Klenzendorf não é tão nazista assim e que seu melhor amigo é York, interpretado por Archie Yates e não Aldof Hitler.
Taika Waititi, como Adolf Hitler e Roman Griffin Davis, como Jojo
É nos momentos mais tristes do filme, quando Jojo se sente abandonado que ele percebe o quanto não é mais criança. As cenas de guerra destroem não apenas a cidade, mas suas ilusões infantis, nazistas, mas mesmo assim infantis. A criança se despede do nazismo como alguém que começa a descobrir a vida adulta por meio do amor. Os jogos e as brincadeiras do clube nazista perdem a importância quando ele conhece Elsa. Ela lhe convence a deixar o ódio.
Ao fim, Taika Watiti demonstra por que é um dos diretores com maior potencial em Hollywood. Jojo Rabbit e a incrível aventura de Rick baker são filmes autorais, que não se encaixam em um determinado gênero, mas conseguem nos fazer rir e chorar com a mesma intensidade.
João Diego é jornalista formado no Bom Jesus Ielusc, em Joinville. Especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná e escreve sobre cinema há quatro anos No blog Clube de Cinema Outubro
O Mundo Sombrio de Sabrina (Parte 3)
3.4 277 Assista AgoraA terceira temporada do Mundo Sombrio de Sabrina me pareceu perder o encanto da descoberta. O legal na série era o fato de ela ficar dividida, enfrentar o mundo novo e tentar descobrir o mundo. Gosto de como trata a violência de forma adulta, mas como titãs Sabrina parece tratar apenas a violência de forma adulta, no restante a série continua um novelão. Personagens em excesso e tempo de mais perdido em assuntos fúteis. Pena, pois é mais uma série que talvez eu não acompanhe, mas que eu tinha grande expectativa.
Ragnarok (1ª Temporada)
3.4 177 Assista AgoraA nova série sobre a mitologia Nórdica é legal, mas apenas 6 episódios desanima. A série parece não ter pressa em explicar todas as ideias expostas, pois ficaram muitas pelo caminho. Outro problema é que tudo caminha para uma luta de antigos deuses em mundo moderno. É um Deuses americanos, sem filosofia, Neil Gaimam de showrunner e em uma escola de ensino médio. Tem tudo para ser mais um novelao adolescente.
Perdi Meu Corpo
3.8 351 Assista AgoraPerdi Meu Corpo — Crítica — (Netflix, 2019) — Clube de Cinema Outubro
Ao ler o título do filme pensamos em uma história de terror ou ficção científica, como se a alma tivesse descarnado do corpo e vagasse por aí. Após assistir ao trailer e ler a sinopse, descobrimos algo bem diferente. Perdi Meu Corpo trata sobre a nossa percepção do mundo, escolhas, destino e sobre como tudo isso molda nossa personalidade. Um longa voltado acima de tudo para o existencialismo..
Fragmentado
O roteiro de Perdi Meu Corpo trata sobre Naoufel (Hakim Faris) um jovem apaixonado por Gabrielle (Victoire Du Bois) e uma Mão decepada com vida própria. A trama acompanha esses dois personagens de maneira não linear. Enquanto a mão caminha pela cidade, vemos a vida do jovem passar. As primeiras cenas acompanhamos seu crescimento e as dificuldades em lidar com os problemas da vida adulta, enquanto a Mão tenta sobreviver com os perigos da cidade
Todo roteiro parece trabalhar por meio da sutileza, a narrativa não quer explicar a história, mas mostrá-la e deixar o espectador completar a trama. As falas são resumidas, sem grandes diálogos, mas as cenas carregam uma grande força. A Maioria é construídas por meio de planos detalhes ou closes. Isso deixa as mensagens mais sugestiva, percebemos a mudança na vida de Naoufel em pequenos fragmentos do filme: O braço quebrado, a praia, os óculos no chão e a mosca.
O ritmo do filme é ditado pela distância dos planos, as cenas mais tensas e mais rápidas são as mais próximas, as da Mão, por exemplo. Entretanto as mais lentas e melancólicas são as mais distantes e abertas, como a que ele conversa com o chefe ou entrega a pizza no prédio. Descansamos os olhos na abertura da objetiva e os temos tensos quando está cada vez mais próxima.
Indiferente do plano, o filme parece ser contado de um ponto de vista fragmentário. São poucas as cenas que dizem tudo em um grande plano aberto. Os ângulos sempre restringem nosso campo de visão. Em algumas cenas do pai e da mãe Naoufel não conseguimos os ver por inteiro, nem o local onde eles estão. Isso nos provoca uma sensação de desconforto, esperando um ângulo contrário ou um plano que mostre mais.
Membro Fantasma
A jornada da Mão pela cidade em busca do seu corpo não é nada aterrorizante, nem grotesco, ao contrário sentimos empatia e torcemos pelo êxito. Os momentos mais tensos do filme estão justamente na busca da mão pelo seu corpo, pulando de prédios, enfrentando ratos e cães. Em nenhum momento se explica explicitamente o motivo da mão estar onde está e ir onde ela vai, nem porque ela consegue estar viva sem um corpo. Mas isso não importa.
Embora o filme não trate diretamente do assunto, a Mão é uma inversão do trauma do membro fantasma. Quando uma pessoa com partes do corpo amputadas ainda sente a presença do membro ou do órgão extirpado. É como se nosso corpo não compreendesse como ficamos sem braço, algo que sempre estivemos ligados, como não podemos correr ou escrever com a mão direita. O membro arrancado não retira toda nossa vivência, aprendizado e nossos sentimentos de memória (Mais sobre o assunto aqui).
A Mão vive um trauma do corpo fantasma, não importa onde esteja o corpo, ela o sente e precisa encontrá-lo. A sensação pode ser comparada com a perda de alguém que amamos, nunca poderemos substituir essa pessoa, mas também não conseguiremos esquecê-la, infelizmente, muitas vezes, acaba nos sobrando apenas dor.
Perdi Meu Corpo está disponível na Netflix e disputa o Oscar de melhor animação em 2020.
Leia também nossa crítica sobre Democracia em Vertigem (Critica aqui), filme Brasileiro que disputa o Oscar de Melhor Documentário.
Texto publicado especialmente para Folha Norte SC.
1917
4.2 1,8K Assista AgoraCrítica – 1917 (Sam Mendes, 2020) – Clube de Cinema Outubro
O filme 1917 do diretor inglês Sam Mendes é uma experiência imersiva na primeira grande guerra mundial. A obra transporta os espectadores para o ambiente angustiante da guerra das trincheiras, onde túneis e corredores confinam nosso olhar em um espaço claustrofóbico e ratos caminham normalmente por todos os lados. A sucessão de acontecimentos nos impede de piscar e respirar, nos resta então assistir ao esforço do personagem principal em tentar cumprir sua missão.
Não importa em quantos planos-sequência o filme está dividido, o importante é habilidade do diretor e fotógrafos em nos mostrar um plano único, mesmo isso não sendo verdadeiro. No cinema, o importante não é como fazemos, mas como mostramos aquilo que fizemos. Segundo o diretor, o roteiro de 1917 se baseia no relato que seu avô, Alfred Mendes, lhe fez na infância (matéria completa aqui). O relato era apenas a história de um soldado com uma mensagem, nada mais.
Ou seja, nenhum personagem do filme realmente existiu nem a batalha da forma como foi contada. Mendes junto ao diretor de fotografia Roger Deakins, cria uma obra com a qual os espectadores se sentem dentro do filme. A Câmera em plano continuo age como o olhar de um acompanhante. É como se a câmera fosse o terceiro personagem escolhido para levar a mensagem até seu destino.
Apesar da ficção, baseada de maneira bem distante da realidade, não podemos esquecer de nos questionar sobre o sentido do filme. Mais de 17 milhões de pessoas morreram na Primeira Grande Guerra Mundial para as potências imperialistas decidirem quem ficaria com qual colônia e qual fronteira seria imposta. O conflito levou ao sofrimento milhões de pessoas apenas para garantir a rapinagem da classe dominante.
Nesse sentido, o filme de Mendes não discute razões da guerra, mas toma partido de forma implícita por meio do personagem principal, o Cabo Schofield (George MacKay, de Capitão Fantástico e Orgulho e Esperança, qual a crítica está aqui). Para ele, a guerra é o que lhe tirou a família, lhe mantém distante de tudo e pode lhe impedir de nunca voltar para casa. Se existe um sentido para estar na irracionalidade desse conflito é salvar vidas e sobreviver. Entretanto, o sofrimento vivido pelo personagem parece vazio, pois ao fim, não sabemos para onde ele vai nem se vai sobreviver, não quantas pessoas ele conseguiu. A guerra não acabou e ele não sabe se vai voltar para casa.
A experiência é visual, que lembra muito um game de ação. Quando lembramos dos longos planos-sequência, isso não parece como os jogos? Não lembramos de The Last Of Us ou GTA? Pois acompanhamos um personagem, ocorre uma sucessão de eventos, nos obrigam a tomar decisões rápidas, mas também tem momentos de alívio, quando descansamos os olhos e as mãos. A entrada na trincheira introduzindo o ambiente de guerra, passando pelos arames, o trauma com o amigo, o caminhão, a cidade destruída. Isso não parece um game? É pelo menos a sensação que fica após o fim, a mesma de ter terminado um jogo.
João Diego é jornalista formado no Bom Jesus Ielusc, em Joinville. Especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná e escreve sobre cinema há três anos No blog Clube de Cinema Outubro
Titãs (2ª Temporada)
3.3 214 Assista AgoraNão gosto das séries da DC, pois elas são um novelão adolescente. Titãs parecia diferente, mas a segunda temporada parece seguir a regra. O centro da trama são as relações familiares e a crise de identidade. Não acho essa motivação ruim, mas a forma como ela é tratada, sempre no privado em longos diálogos, justificando culpa ou pedindo perdão. As coreografias das lutas também são extremamente ruins, devido ao uso excessivo de dublês. A série poderia ser melhor, Mutano e Dicky, Robin/Asa Noturna, são personagens deverás interessantes, mas com texto muito melodramáticos. Bruce Wayne também é bem legal, mas ele aparece excessivamente, o ator é excelente e consegue fazer jus ao papel de um pai/mentor, mas fica muito chato as longas aparições. Sinceramente não sei se verei a terceira temporada, mas é uma pena, a série tinha tudo para ser uma produção mais madura.
Dois Papas
4.1 962 Assista AgoraDirigido pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles, Dois Papas trata sobre redenção e busca por paz espiritual. Apesar do nome, o filme não conta a história de dois Papas de maneira igual. A obra é dedicada, em grande parte, na ascensão de Jorge Mario Bergoglio ao papado. Bento está na história como um mentor, um antagonista, mas não divide o protagonismo com Francisco. Por isso, chamar o filme de Dois Papas passa uma impressão pouco equivocada, mas revela muito do sentido qual os produtores desejam transmitir.
O cineasta brasileiro Fernando Meirelles e o roteirista Anthony McCarten parecem interessados em criar uma obra de redenção, não um filme de perdão, mas de esperança. O roteiro cria então um conflito, um antagonismo entre os dois Papas. Interpretado por Anthony Hopinks, Bento seria alguém conservador, um intelectual, dedicado aos estudos e seguidor das tradições. Enquanto Francisco seria alguém mais flexível, aberto a compreensão das mudanças do tempo, buscando um novo diálogo.
Eles aparentam estar em lados oposto, um ser “progressista” e outro “conservador”, mas estão juntos na busca pela paz espiritual. Os dois personagens acreditam não serem dignos dos desígnios de Deus, nem das tarefas coloca por Ele. Estão arrependidos dos erros e buscam uma forma de encontrar a melhor saída para a igreja.
Também explica o porquê mostrar os escândalos de pedofilia e a corrupção no Vaticano de forma passageira. Não é um filme sobre as disputas internas da igreja, nem sobre os bastidores do poder no Vaticano, mas sobre redenção. Isso define os planos, as locações e todo o lugar onde se passa a história e quem são os personagens coadjuvantes.
Esse retrato intimista mostra a política movida pelos sentimentos, não por pressão ou luta entre grupos. Vemos isso, principalmente, quando Bento revela querer renunciar. Ele não trata sobre os problemas políticos, mas sobre a ausência da voz de Deus. É mais nítido sobre como o filme mostra a religião conduzindo as decisões do Vaticano, quando mostra o passado do cardeal Argentino e toda sua trajetória.
Aqui a humanidade de Jorge Mario Bergoglio, em ser pecador, em não ter defendido seus padres contra a ditadura Argentina que matou mais de 30 mil pessoas, em ter ficado em silêncio, mostra a religião com mais força. Afinal, quem acredita em um mundo pós morte, quem acredita na remissão dos pecados e no sacrifício de Jesus, acredita na possibilidade de perdão, não?
Independentemente do que digam os membros da igreja, o filme é uma propaganda positiva, podendo ser utilizada nos grupos de reflexão da igreja. Apenas os mais conservadores acharão a obra ofensiva. Meirelles e McCarten compuseram um filme sobre a redenção espiritual e a busca pela voz de Deus.
O filme concorre ao Oscar de melhor ator com Jonathan Pryce e melhor roteiro adaptado com Anthony McCarten.
João Diego é jornalista formado no Bom Jesus Ielusc, em Joinville. Especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná e escreve sobre cinema há três anos No blog Clube de Cinema Outubro
Chef
3.7 784 Assista AgoraNão sei o que John Frevreau pretende fazer de sua carreira, o cara dirigiu Homem de Ferro, o filme que deu o ponta pé inicial nos blockbusters da Marvel, depois fez Mogli e Rei Leão, todos filmes pipoca, mas entre isso dirigiu o Chef, um filme em que ele atua e dirigi com um grande elenco. A obra não só eh bem dirigida, como nos poupa de reviravoltas comum em filmes voltados para assuntos de família. Não é uma obra prima, nem um filme que marca história, mas mostra potencial. Sinceramente, queria ver outras obras dele assim.
O Caso Richard Jewell
3.7 244 Assista AgoraClint Eastwood é um dos diretores que eu mais gosto. Os imperdoáveis e Gran Torino são filmes maravilhosos. Ontem assisti o caso de Richard Jewell, um grande filme. Primeiro, mostra as contradições de uma pessoa que acredita no estado e no governo como organizações sagradas. Segundo, por desmontar essas noções de maneira orgânica. Clint, como republicano que é, acredita no estado como um mal necessário e defende a liberdade dos cidadãos estarem contra ele. Mostra falhas no estado é um a forma de lembrar as pessoas o quanto a burocracia governamental e políticos estão atrás de interesses contrários à da população. O filme é uma paulada na mídia e no governo. Mostra Clinton em uma das cenas e mostra a mãe de Richard Jewell pedindo ao presidente para faz também parte da campanha eleitoral, implícita no filme.
Chernobyl
4.7 1,4K Assista AgoraChernobyl ganhou o prêmio de melhor série ou telefilme no Globo de Ouro. A obra é excelente, em atuação, roteiro e suspense, mas como toda obra audiovisual baseada em fatos reais fico pensando no quanto não sei sobre o desastre e como a versão HBO é a versão oficial para muitas pessoas. Como as pessoas citadas é fatos ganham uma relevância que talvez não tinham. O episódio dos cachorros, por exemplo, foram mortos, mas matar todos os animais era algo impossível e foi deixado de lado. Apesar de adorar a série, eu fico pensando todos os dias no papel político do cinema em produzir um discurso político hegemônico e, muitas vezes, quase oficial.
The Witcher (1ª Temporada)
3.9 926 Assista AgoraThe Witcher nos apresenta um universo de magia, um universo cheio de monstros e seres sobrenaturais. Logo, a primeira cena do primeiro episódio deixa isso claro. Quem não conhece os games ou livros, não precisa ter receio. A serie é uma obra independente, que não depende de epígrafe para ser compreendida. O roteiro mostra três personagens lidando com o destino que lhe é imposto. Os três tiveram algo robado. Gerald não escolheu ser bruxo, Yennifer foi vendida e Ciri teve seu sangue poderes imcompressiveis. Isso é conectado a luta contra aquilo que a sociedade, as instituições e a família quer que os personagens sejam ou façam. Temas como exílio, racismo, xenofobia se conectam com um mundo ambientado em sociedade semelhante a medieval. As cenas de luta são excelentes, não sei Henry Cavill treinou, não sei se usa dublê, mas os planos abertos deixam claro a dimensão da violência. A série faz tudo isso em cenas paralelas e criando flashbacks e flashforward.
The Witcher (1ª Temporada)
3.9 926 Assista AgoraAssisti todas as temporadas de GOT e demorou 4 temporadas para eu ver um dragão tocar o terror. Enquanto isso, vi gente pelada, muito penis, mais gente pelada e nenhuma grande batalha ou inverno chegar. Era uma masturbação sem fim que termino de forma precoce. A todo momento algo ia acontecer e não acontecia. Criava uma expectativa para logo em seguida frustrar. Em uma temporada de The Witcher teve cenas de guerra, magos, elfos, dois dragões e gente pelada. Na boa, The Witcher tem tudo para superar algo que apenas almejou ser bom.
PS: O Henry Cavill tah foda no papel de Gerald. Não li os livros, mas joguei o jogo, que acho ser um dos melhores dos ultimos tempos e toh bem feliz com a série.
O Método Kominsky (2ª Temporada)
4.3 50 Assista AgoraMe canso das séries de comédia, pois elas não fazem da piada algo orgânico da trama. Esse é meu problema com Friends, Two and a Half Men e as séries de comédia da Warner, no geral. Parecem Stand Up colorido. As piadas são como em um jogo de ping pongue, bate e volta ou um jogo de vôlei, onde alguém precisa levantar para o outro sacar. Não há espaço para folego, o riso é provocado, ele não surge da naturalidade. Nesse sentido, Método Kominsky é uma boa surpresa. Primeiro, por ser do mesmo criador de The Big Bang Theory e Two and a Half Men; segundo pela quantidade de piada que ele faz com essas criações; terceiro por saber transitar entre a comédia e o drama, por colocar excelente atores juntos e sustentar a trama na atuação.
Sandy, personagem de Michael Douglas, diz não existir diferença entre encenar drama e a comédia, quando o ator encena o texto, ele fará as pessoas rirem pela trama. Quando o personagem diz isso, ele critica as séries passadas do criador, mas fala também sobre a atuação do dueto protagonista da séries, Michael Douglas e Alan Arkin.
Os mexicanos oscarizados Guáron e Del toro disseram que a netflix era o lugar onde eles podem fazer os filmes que a indústria não lhes permita, parece que isso também vale para as séries.
Meu Nome é Dolemite
3.8 362 Assista AgoraO novo filme da Netflix estrelado por Eddy Murphy é um grande retorno do ator e comediante. Murphy consegue trazer a tela todo carisma de seus personagens antigos com um humor mais adulto. Então, quem está acostumado com Professor Aloprado e Dr. Dolittle, pode ficar um tanto incomodado.
A obra é uma cinebiografia baseada na vida de Rudy Ray Moore, artista pioneiro no estilo de humor sexualmente explícito e no blaxploitation, movimento cinematográfico dos anos 70 com o objetivo de fazer filmes com atores e cineastas negros. Músico, comediante e cineasta, o filme mostra como Rudy Ray Moore ascendeu ao estrelato e se tornou Dolemite.
A trama se passa nos anos 1970, em Los Angeles. Rudy é músico e comediante frustrado que trabalha como gerente de uma loja de discos, mas sonha em chegar ao estrelato. O roteiro não tem nenhuma grande reviravolta, não existe uma grande queda, um momento qual ele sofre para depois ressurgir. O filme já começa com Rudy insistindo no sonho, mas desmotivado pelos amigos e familiares.
A narrativa segue os acontecimentos de modo natural, Ruddy passa de rapper e comediante Stand-up à cineasta, sem precisar amargar um grande período de pobreza. Dolemite é personagem criado por ele para representar suas performances. O modo como fala e gesticula no palco, lembra muito atuações de outros personagens negros, mas também lembra algo meio rapper, meio pastor. Isso com mais cores, uma peruca e bengala.
Dolemite criou uma identidade para o negro no cinema e no humor. Os produtores brancos não entendiam por que as pessoas negras riam das piadas dele, mas mesmo assim investiram nos seus discos. Em uma época sem internet, o artista conseguiu romper diversas barreiras para chegar ao topo. Não bastava só Dolemite ser um humorista negro para negros, ele também teve algo de subversivo.
O mais interessante na produção do filme é nos lembrar o papel da arte em nos obrigar a encarnar pessoas diferentes, viver culturas diferentes e aprender a ser diferente. Os roteiristas Larry Karaszewski e Scott Alexander são brancos, assim como o diretor Craig Brewer. Fico pensando na dificuldade deles em entender uma cultura, qual imagino não terem familiaridade. O fato de Eddy Murphy assinar a produção, talvez tenha ajudado a entender Dolemite e o humor negro. Mesmo assim, é importante lembrar que a arte nos provoca diferentes sentimentos estéticos e não devemos limitar ou dizer o que as pessoas podem ou não fazer.
Dolemite é um personagem real que possui o arquétipo semelhante ao Saul de Better Call Saul ou ao João Grilo, no Alto da compadecida. Trabalhadores precarizados ou lumpens que dependem da criatividade e inteligência para sobreviver. Saul e João Grilo aplicam golpes, não são más pessoas, mas se esforçam para tentar conseguir viver. A semelhança dele com o personagem de Eddy Murphy, que vive na legalidade, é o gênio criativo e os contratempos da vida. O fim nunca é o fim para Saul, João Grilo ou Dolemite, eles sempre têm um plano elaborado para tentar superar as dificuldades.
Nesse sentido a escolha do príncipe de Nova York para interpretar o personagem foi um grande acerto, Eddie Murphy sempre interpretou personagens de uma forma caricata, sempre levou para cada atuação um pouco de si. Ele é um grande Stars System entre os atores negros. Dolemite cria um personagem, mas também leva um pouco de si. Em muitos atores isso é um problema, pois toda a atuação parece a mesma, mas em Murphy não, pois esperemos ver ele fazendo isso, pois isso no cativa como cativava os fãs de Dolemite.
BoJack Horseman (6ª Temporada)
4.6 296 Assista AgoraAlgum dia no futuro, espero que em uma sociedade mais evoluída, pessoas perguntarão a professores de arte sobre qual motivo de adultos assistirem uma série sobre um cavalo que é um ator frustrado. Os estetas, críticos e professores dirão:
"O contexto qual o sentimento estético dessas pessoas era nutrido. Sem perspectiva de futuro, sem realização profissional e não conseguindo manter relacionamentos, esses indivíduos viam em Bojack um reflexo de si mesmas".
O motivo de terem assistido seis temporadas do cavalo bêbado, que acreditou ser péssimo em tudo, que magou várias pessoas durante a vida, era porque no fundo elas também eram assim. Infelizes, tristes e sem perspectiva. E principalmente por acreditarem que deveriam ser assim, assistir a série se tornou uma forma de buscar compreensão e, talvez, consolo.
PS: Ver o fim de Bojack não vai ser legal.
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraO melhor filme do ano não é brasileiro, mas poderia ser. Parasita, do cineasta coreano Bong Joon-ho, poderia ser facilmente adaptado para o cenário brasileiro. Desigualdades sociais, falta de oportunidade, uma elite americanizada e a humilhação dos mais pobres são a linguagem universal do capitalismo. Quem vive em países onde esses problemas são evidentes irá se identificar com a narrativa da obra.
A trama narra a história de duas famílias, ambas compostas por quatro membros, com um filho e uma filha. A família Kim vive num apartamento no subsolo, com apenas a esperança de uma vida melhor. O pai falhou nos negócios, a mãe sonhava em ser atleta e nunca conseguiu. Já o filho e a filha fizeram o vestibular diversas vezes, sem sucesso. Em contraste, temos família do Sr. Park, que trabalha como CEO de uma empresa de TI, vive em um bairro de elite, tem uma jovem esposa, uma filha no Ensino Médio e o filho pequeno.
Durante o filme somos conduzidos do céu, onde vive a família rica no alto de um bairro de elite, e ao inferno, subterrâneo onde vivem os pobres. Na mansão, nossos olhos descansam no gramado verde, nas luzes claras e na visão espaçosa e limpa dos ambientes, enquanto no porão somos sufocados no escuro de um ambiente sujo. Quanto mais próxima do trabalho está a família pobre, mais longe ela parece estar da felicidade.
Ao mesmo tempo, eles nunca parecem pertencer ao lugar. Toda a gentileza dos empregadores com os empregados só ocorre devido ao contrato de trabalho. Não existe aqui um sentimento de amizade, mas a cordialidade de escravo e do sinhozinho. Os professores de artes e inglês dos filhos da família Park são recebidos como membros da família por prestarem um serviço.Não existe amizade além do vínculo contratual.
Quando o senhor Park fala sobre a importância de os empregados não cruzarem a linha para manter o bom convívio, ele não está falando do respeito mútuo, mas da submissão dos trabalhadores. Os empregados não devem questionar, não devem estar de mau humor, eles podem conversar, mas sem falar muito, nem interferir nas decisões do patrão. Os funcionários são quase da família, enquanto obedecem e se submetem aos desejos dos donos da casa.
A diferenças entre a família Kim e Park está também na psicologia dos personagens. Em um primeiro momento, poderíamos achar os ricos tolos e os pobres espertos, mas quando olhamos com mais atenção percebemos eles como produtos da classe social a qual pertencem. A origem da “tolice” de uns e da “esperteza” dos outros está ligada ao papel desempenhado por eles no sistema e em suas relações sociais.
Na primeira cena, a esposa de Park está bêbada. Ela passa o dia em casa sem nenhuma ocupação, enquanto o marido é viciado em trabalho. O filho mais novo apronta para chamar a atenção, enquanto a mais velha tem as crises, como qualquer adolescente. Apesar do dinheiro, eles não possuem uma estrutura sólida, então pagam qualquer profissional para resolver os problemas que eles não querem assumir. A cordialidade e o sorriso simpático escondem o autoritarismo e a falta de respeito com os funcionários. Tudo parece estar resolvido com o pagamento de horas extras.
Já a criatividade da família Kim é fruto da necessidade de sobrevivência. Eles não têm tempo a perder, então agarram todas as oportunidades que aparecem. Essa fome por uma vida melhor também os deixa descuidados, como observamos durante o filme, eles não são gênios, apenas se aproveitam da carência e da irresponsabilidade da família Park.
É difícil encaixar o filme dentro de um gênero específico, mas eu diria que Bong criou uma obra grotesca. Rimos de algo que nos deveria provocar lágrimas. O cineasta reuniu todos os exageros e absurdos de sociedade dividida em classes e compôs uma narrativa, na tela. É engraçado, mas imaginar que cada fragmento do filme é verdade em algum lugar do mundo nos provoca desalento.
“Estamos vivendo uma época em que o capitalismo é a ordem reinante e não temos alternativa. Isso no mundo inteiro. Na sociedade capitalista de hoje, existem castas que são invisíveis aos olhos. Nós tratamos as hierarquias de classe como uma relíquia do passado, mas a realidade é que ainda existem e não podem ser ultrapassadas”, explica o diretor e roteirista Bom joon-ho.
Apesar de estar em cartaz nas salas de arte e no circuito alternativo, Parasita como toda a filmografia de bong é composta de filmes populares. Hospedeiro (2006) seu filme de lançamento para o mundo, assim como Okja (crítica aqui) (2017), filme lançado na Netflix, são filmes para um circuito comercial. O fato de ter disputado Cannes várias vezes e vencido no ano passado com filmes assim, não é um demérito do cineasta nem do festival, mas mostra o quanto arte e entretenimento combinam, como podem render belas obras.
* João Diego Jornalista e especialista em cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná.